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Jy} PERFIL Karl Lowith edicdes 70 ; “ PERFIL Seo = 3 ps ~ Karl Lwithy Tee Chern MCC) PROM Te mer Ca Co CEO Sur ORs ONIN CEM WRN rr tcc on Tes een E Pe CUCM ey ore mL eM ec CC \, isto é, no \cumprimento das promessas divinas. Na Antiguidade Classica a nogdo do tempo era a de um tempo Cie Mn Ree me rr Ren cor Rocca Oren ee eso Mea oat de futuro. Foi-a fé na Histé EORTC Lao TS OME OTe OSS OLD Peo ce O Er a een ei nen oct PON OO rns MCE arene ndo por Comte ¢ Voltaire, até Santo Agostinho SEO aR Mee Rc Rae ei omc it) COIN RE ORO Cu Ce MeCN eto ca Pere on OSes Occ Le CSr ree neu h aCe LB | edicc6es 70 corecgao PER: HISTORIA DAS IDEIAS E DO PENSAMENTO TITULOS PEBLICADOS Robert Lenoble Kuhn lui, Franken L, Binet “Franklin | Baumer LL Hise ca Mew ile Nave 2. A Revohuydo Copernican, Thoms 3.0 Pensamente Eurypen Meader, | 4.0 Pensumenta Envepe Menferie, 2° volun 5. O Sentide da Héstiria, Karl Lovsith APUBLICAR A lmengie do Espivita, Bruno Snel! O SENTIDO DA HISTORIA Assim, 0 mundo apresenti-se como um lagar: sujeito a pressio. Se formos os residues do azeite, empreenderemos a saida pelo escadouro: se formos @ azcite puro, ficarenies no tanque. Mas inevitével estar sujeito a pressiiv, Observemt-se 0s residuos ¢ observe-se 0 aveite. No mundo, hi lugar’ presi. como, porexemplo, st fome, a guerra, a inflagdo, a indi a morilidade. o estupro, a awaress; Slo estas as pressbes sentidas pelo pobres cas preacupagiies dos Estados: provas ndo nos faltam,.. Encontraimas homens que mostram o seu descomentamente emt relayio a estas pressdes e dizem: «Que tempos cristdos tin horriveis! .. Assim filam os residuos do azeite que descem pelo esceadonro: a sua cor & negra porque blasfeman: falta-Thes © splendor. O azeite tem esplendor. Mas, agui, outra espécie de homem se encontra sujeita & mesma pressito ¢ friegiio. que Ihe dt brilho, pois nio é prdpria fricgaio que o Tiberta das impurezas? — SANTO AGOSTINHO, Sermones, ed. DENIS. XVIV. 11. PREFACIO Depois de ter conchuido este pequeno estude sobre o vasto tema da Weltgeschichte ¢ Heilygeschichte!, comece) a interrogar-me se 0 leitor nie teria ficado desiludido com a auuséncia de resultados «construtivas», Esta aiparente auséncia & no entanto, verdadeitmente vantajosa se For certo que a verdhide € preferivel 4 desilusio, Partindo do principio de que uma pontinka de verdade € preterivel a um enorme bloco dv ilusdes, procurei ser honesty comigo mesmo ¢, consequentemente, também com o Teitor quanto 2 possibi Jidade, ou melhor, 4 impossibilidade, de impor & historia uma ordem racional ‘ou de realgar «obra de Deus. A histéria como cegisto parcial da experiéncia humana & demasiado profunda e. simultaneamente, demasiado superficial pura pdr em relevo a humilde grandeza da alma humana que pode dar sentido, se algo 0 pode fazer, ao que de outro modo seria um tarde para © homem. Ahistéria deisou de provar au de contestar o valor incomparivel da integri- ' aSalvagdo» nilo tansmite as muitas conolagées da palavra lem’ Heil, que indica termos associados como «curar» ¢ wsitiden, «saudagio» e «robusto», «sagrada e atotal, em contrac com xdoente», «profanoy ¢ «imperteiton, Heilsgeschichte em, por conseguinte, uin leque de significados muito mais vasto que «histéria da .o». Simulianeamente, eria uma maior unidade entre o conceito de histéria e a ideia de Heil ou asalvagion, Tanto Welrgeschichte como Heilsgeschichte acontecimentos o earicier de profanos ¢ sagrados, respectivamente, Nestes substan tivos compostos alenades, « histéria € concebids como uma entidade idéntica, apenas relacionada por fora com @ mundo ¢ a salvagio do mundo, mas como determinads {quer pelos usos gerais quer pela salvagdo. Sia prinefpios opostos de dois esquemas de aconiecimentos diferentes. Esta diferenga nao exclui. tem antes subjacemie, 2 questo da suit relago (ver G. van der Leeuw, Religion in Essence and Manifestation [Londres, 1938}, pig. 101). i) dade ¢ do beroisme de um tinico homent em face dos poderes do mune, bern come de provar ou conte: existénedt de Deus. Claro que ox individaos. gsuim ome nagdes inteiras podem ficar hipnotizades com a ereaga de que Deus ov algum proceso universal pretende que alcancem este ou stquele designio ¢ consigan sobreviver, enquamto outros se afumdam, may sempre existe algo de patéstico, se mio mesmo de ridicule, nay crengas desta naturesaa’, Para o espirito critico, nem um designio providencial nem uma lei natura de desenvolvimento progressivo se distinguem na tragicomédiat humana de todos ‘os tempos. Nietzsche estava certo quando afirmou! que contemplara nature sa como se fosse uma prova da bondade ¢ do cuidado de Deus ¢ interpretar & histéria como testemunho constante de vote ordem ¢ wor designio marais pertence agora #0 passado, pois 4 conscigncia opie-se-lhe, Mas estava errade quando presumiu que a mascara preudo-religiosa da naturesa ¢ da histaria tem consequéncias reais para uma verdadeira ff cristd em Deus, revelad em Cristo ¢ oculia na naturezat € na histdria. Mais inteligente do que a visio superior das tilisofos © tedlogos ¢ 0 senso comum do homem natural & @ sense pouce comum de crente cristio. Nenhum deles se esforga por distinguir na tela da histéria humana o designie de Deus ¢ do proceso histérico em si. Procuram antes libertar os fomens dit histéna opressiva do mundo sugerindo uma atitude, em vez de cepticisme au de fé, arraigada numa expericneia decerto alimentadu pela histria. mas desligada dela ¢ ultrapassando-a, permitindo deste modo se homem suporki -la com plena resignagiio ou fiel expectativa. A fé religiosa diverge tio pouce do cepticismo que ambos se unem pela oposigio comum aos pressupestos de um conhecimento estabelecido. Como sugeriu Hume'. pode contrapor-se wo cepticismo filosdtico uma fé religiosa»; mas esti ainda por eserever a histiria do cepticismo religioso ou irreligioso. Um homem que vive do pensamenta deve ter o seu cepticismo — literatmente, a paixéo da procura — que pode acabar por sustentar a pergunta como pergunta ou por [he responder transeen- dendo a sua diivida através da 18. O céptico ¢ o creme tém uma causa comun contra a leitura fiicil da histéria ¢ o seu sentido, A sua sabedoria tal como tou a sabedoria, € sobretudo constituida pela designacio ¢ pela resignagao, pelo afastamento das ilusdes e pressuposigoe: . Escusado serd dizer que o homem tem de tomar, neste preciso momento, decisdes que se antecipam A sua polencial sabedoria ¢ por conseguinte niuitas vezes no correspondem 3 expectativa; mis os scus planos e as suits previsde: 8 seus designios € as suas decisdes, por muito grande que possi sero secu 7 Ver F. M. Pwicke,, History, Freedom and Reli : sete story fam and Religion (Londres, 1940), pig. 4. * Dialogues concerning Natural Religion, Ve XIU, 12 aleance, 161 apenas uma Tungio parcial oa mines economia da hist os radia, agila © absorve, que les saben eine sabem, que actnar & sofrer La sotrimente & acgdo, Nee o actor sofre Nei 0 paciente actu. Mas estia ambos presos. Avant aegain eterna. ac uma pacigneia even A que todos deve aytiescer jt que pode ser desejada, F. que todos devem suportar ji quie a desejaram, Una vez que 6 esquema pode subsistir OTS. ELIOT, Marder inthe Cushedrat INTRODUGAO O termo «tilosofia da historia» foi inventado por Voltaire, que 0 aplicou pela primeira vez na sua acepyio modem, distinta da interpretagio teokSgica da histéria, No Essai sur des moetrs er Pesprit dex nations, de Voltaire, ja ndo predomina o principio da vontade de Deus ¢ dit providéneia divina, mas d vontade do homem ¢ da rizdo humana. Com a gradual dissolugio da crenga setecentistit mara eNO progress, a filosofia da historia ficou mais ou menos desamparadkt, © termo continua a ser usado, ainda mais generalizada- mente do que antes, mas o seu contetido tem sido tio diluido que qualquer pensamento sobre a histéria se pode intituler uma fioselia. © rétulo «fitoso- fia», como hoje em dia se banalizou («filosofia» de vida, comercial ¢ até do. campismo), ndo indiva filosofia especifica mas apenas opinides publicas ¢ particulares. No debate que se segue, o termo «tilosofia da histérias € empregue com o sentido de uma interpretagao sistemiitica da hist6ria univer- ail de acorde com um principio segundo 0 qual os acontecimentos e sucessdes historicos se unificam ¢ dirigem para um sentido final. Considerada nesta ace] , a filosofia da histéria estd, no entanto, na total dependéncia da teologia da histéria, em particular do conceito teolégico da hist6ria como uma histéria de realizagio ¢ salvagio, Mas, nesse caso, a filosofia da histéria no pode ser uma «ciéncia», pois, como se verificaria a crenga na salvagdo com base em razées de ordem cientifica? A auséncia de tal base cientifica e, simultaneamente, a sua procura, tem dado origem a que os filésofos modernos, ¢ até tedlogos como Troeltsch, rejeitassem generica- mente o tratamento cientifico da histéria, enquanto em principio aceitavam o método empirico de Voltaire. Argumentando que a filosofia da histéria de Santo Agostinho a Bousset ndo apresenta uma teoria da «verdadeira» histéria na sua finitude, riqueza e mobilidade, mas apenas uma doutrina da histéria 15 “— A conclusde de qu nLerpretacdo da histéria — ov mil € quatrocentos anos de pensamento ocidental eam assunto despiciendo',Opondo-se aesticorrente de que o Pensamenty. paseo srenaue dito comega apenas na época moderna, como séerly come DEE A revelacdo e na fé, chegaram XVUL, oesbogo que se segue procura demonstrar que a filosofia da histé; inicia com a fé hebraica & cristé numa realizagdo ¢ termina com a secu); iodo seu esquema escatolégica, Dai a sequéncia invertida da no: Nisin um tanto invulgar de desenvolver regressivamente a suces. slo histdrica das interpretagGes da histéria, comecando na era modema ¢ remontando ao seu comego, encontra J oem les motivos: didicticas, cos e substanciais. ee Seguro a abstengio de aualaacr ore de reféncia teoldgiea qu metafisica, defendida por Burckhardt, pode em si em mesma persuadir o leitor modemo, a interpretagdo teolégica das fas is &, antes de mais, alheia a uma geracdio que acaba de despertar do sonho secular do progresso gue substitoiu a f€ na providéncia, mas que nio alcangou ainda a firme rendncia de Burckhardt. Donde se conclui pelo oportunismo didéctico de comegar por aquilo que é familiar ao espirito moderno antes de abordar 0 pensamento desconhecido de geragGes anteriores. E mais facil compreender a crenga inicial da providéncia através de uma anilise critica das implicagdes weolégicas da crenca ainda existente no progresso do que através de uma andlise da providéncia. 2.A forma adequada de abordar a his interpretacdes é necessariamente regressiva pela mesma razio que a histéria progride, dei- xando para tris. aS bases histéricas de elaboragdes mais recentes ¢ contempo- taneas. A consciéncia hist6rica no pade deixar de comegar por si mesma, niio obstante ter por objectivo o peasamento de outras &pocas ¢ de outros homens, diferemes dos nossos_e de nés proprios. A histéria tem muitas vezes de ser ‘rencontrada 2 beeneeaaebe pelas Beracbes vivas . Compreedemos — ou nao — os autores. 1808, Mas sempre a luz do pensamento contempordnco, lendo o ling a hiséria de trés para a frente da Gitima & primeira pagina. Esta aesio modo convencional de apresentar a histéria é actualmente apli- por aqueles que Percorrem 0 caminho de épocas passadas até aos tempos 30 te oe eansetentes das suas motivagdes contemporiincas. historia do ‘eu antigo tédico das modernas interpretagdes seculares da e ;, esquema religioso encontra. com alguma relevancia fim eit Fa ngctto Md compenetrardo de que estamos mais ou menos no fim da linha modema: E muito Pouca a sua consisténcia, pelo que ndo tpresen. eS * Quando froelisch s ds teclogis e i meiafisica da Hee utTam «superar» os pressupostos dogméticos prsiica 0 valor absoluto dahistria cnquameg a Pees 8 8 Cre 16 esperanga pois ler ese Je a= apoio. Temos aprendido a esperar sem wa. «pois sperana seria esperar a coisa errada». Daf que seja salutar a lembranga de que nestes tempos de expectativa foi esquecido ¢ a recuperacdo das fontes genuinas dos nosses resultados sofisticados. E pos- sivel fazé-lo mas nio através de um salto imaginério, quer para os primérdios do cristianismo (Kierkegaard) quer para 0 paganismo clissico (Nietasche), nias apenas através da redugdo analitica do composto modemo nos seus elementos iniciais. No entanto, 0 elemento predominante, a partir do qual poderia surgir mesmo uma interpretaco da histéria, é a experiéncia basica do mal e do sofrimento, e da procura da felicidade por parte do homem. A interpretagao da histéria é, em Ghime andlise, uma tentativa de compreen- der 0 sentido da histéria enquanto sentido do sofrimento por acgao histérica. O sentido cristiio da histéria, em particular, consistente no facto extrema- mente paradoxat de a cruz, este sinal da mais profunda ignominia, poder conquistar 0 mundo dos conguistadores, opondo-se-Ihe. Na nossa época, as cruzes tém sido suportadas em siléncio por milhdes de pessoas; ¢ se hi algo que justifique pensar-se que o sentido da historia tem de ser entendido na acepgao cristi, sera este sofrimento desmedide. No mundo ocidental, o problema do sofrimento tem sido perspectivado de duas maneiras diferentes: pelo mito de Prometeu e pela £6 em Cristo — o primeiro um rebelde, 0 segundo um servo. Nem a Antiguidade nem o Cristianismo acalentavam a moderna ilusio de que a historia pode ser concebida como a evolugio progressiva que resolve 0 problema do mal por via da eliminacdo. Constitui privilégio da teologia ¢ da fitosofia, em contraste com as ciéncias fazer perguntas que niio podem ser respondidas sé com base no conhecimento empirico. Todas as questées fundamentais relativas as primei- ras ¢ as Ullimas coisas sto desta natureza; conservam a sua significagdo porque nenhuma resposta as pode silenciar. Dao significado a uma investigs- ‘do fundamental. pois no se procuraria o sentido da histéria se 0 mesmo estivesse presente nos acontecimentos histéricos. E exactamente a auséncia de sentido nos acontecimentos propriamente ditos que motiva a sua procura. Inversamente, € apenas no seio de um horizonte pré-estabelecido de sentido fundamental, por mais oculto que esteja, que a histéria actual parece nao ter 0 menor sentido, Este horizonte tem sido estabelecido pela historia, pois trata- -se do pensamento hebraico e€ cristdo que trouxe & superficie esta colossal questio. Colocar abertamente a questiio do sentido fundamental no deixar. de causar alguma surpresa; somos. transportados a um vazio que s6 a espe- ranga e a fé podem preencher, . . Os antigos foram mais moderados na sua especulacao. Nao tiveram . pretensdes de entender o mundo nem de descobrir o seu sentido fundamental. * Ficaram impressionados com a ordem e a beleza evidenciadas pelo cosmos, ¢ a lei césmica de desenvolvimento e decadéncia foi também a medida da sua interpretagdo da histéria. De acordo com a perspectiva grega da vida ¢ do mundo, tudo se move na base do retorno do nascer € do pér-do-sol, do Verdo edo Inverno, da geragao e da destruigdo. Esta nagao foi do seu agrado por se v tratar de uma perspectiva ricional ¢ natural do universo, conju feconhecimento das mudangas temportis com a regularidade perisdlica, a constincia ¢ a imutabilidade. O imutavel, enquanto visivel na ordem fixa dos compos cetestes, tinha para eles um maior interesse ¢ valor do que qualquer mudanga progressiva ¢ radical. Neste clima intelectual, dominado pela racionalidade do cosmos natural, nfo havia lugar para o significado universal de um acontecimento histérico nico ¢ incompardvel. No que se retere ao destin do homem na histéria, os gregos acreditavam que © homem disponha de uma infinitude de recursos para enfrentar todas 2s situagdes com grandeza de alma — nao passaram dai Preocupava-os sobremaneira 0 lagas do cosmas, ¢ mio o Senor ou o sentide da histéria. Inclusivamente, 0 tutor de Alexandre Magno, preferia « poesia em detrimento da histéria, e Plato poderia ter afirmade que a esfers da maudanga ¢ da contingéncia pertencia ao dominio da historiog mas nao da filoso- fia. Para os pensadores gregos, uma filosofia da histéria teria sido uma contradigao de termos. Em seu entender, a histéria era a dria politica e. como tal, o estudo do fore especifico dos estadistas € historiadores. Para os judeus ¢ 05 cristios, no entanto, at hist6ria era principalmente uma histéria de salvagdo e, como tal, a preacupagdo exclusiva dos profetas, pregadores ¢ mestres. A prépria exi: de uma [itosofia da histéria ¢ a procura de um sentido fica a dever-se a histéria da salvagio; proveio da fé num objectivo fundamental, Na época ci também a histéria politica sofreu a influéncia ¢ se debateu com estes antecedentes tcoldgicos. De certo modo, os destinos das nagdes ficaram na dependéncia de uma vocagiio divina ‘ou pseudodivina®. Nao € por acaso que utilizamos alternadamente as palavras «sentido» ¢ «objective», pois é principalmente o objective que tem sentido para nds. O sentido de todas as coisas que sao 0 que sd, n&o por natureza, Mas porque tenham sido criadas, quer por Deus quer pelo homem, depende de um objective. Uma cadeira tem sentido como «cadeira», pelo facto de indicar algo para além da sua natureza material: 0 objectivo de servir para nos sentar- mos. Este objectivo, porém, sé existe para nés que fabricamos e usamos tis ? Ver H. Kohn, «The Genesis of English Nationalism», Journal of the History of ideas, Vol. I (Janeiro, 1940); 0 anigo de H. D. Wendland sobre the Kingdom of God and History», in The Official Oxford Conference Books, WW (Chicago e Nova forque, 1938), 167 segs. O messianismo secular das nages ocidentais esti, em todo 0 caso, associado & consciéncia de uma vocagie nacional, social ou racional cujas raizes se encontram na crenga religiosa de se ser chamado por Deus para uma tarefa specifica de significado universal. E ocaso da Inglaterra ¢ dos Estados Unidos, bem como da Franca, Itilia, Alemanha ¢ Riissia. Qualquer que seja a forma que a anstomasto de uma vocagdo reigiosa num direito secular possa assumir, o signifi- | a convi i cao permanesie i destas as secu Hanzagtes ges sonwicgia religiosa de que o mundo esté 18 coisas. E dado que uma cadeira ou wna cast ou uma cidade ou um B-29 ¢ um meio para atingir 0 fim ou 0 objective do homem, esse objective nio & inereme 2 coisi, transcende-a. Se abstrairmos da cadeira 0 seu objective transcendente, tornar-se-i uma combinagio de pedagos de madeira sem qualquer sentido. O mesmo sucede em relagdo a estrutura formal do 5 Também a historia 86 tem sentido se se indicar um objective transcendente que ultrapasse as verdudeiros factos, Mas. visto a historia ser um movimento’ no tempo, o objective & uma finalidade, Acontecimentos isolados desta natureza nao tm qualquer sentido, nem so uma mera sucessio de acomeci- mentos, Arriscar um afirmagie sobre o sentido dos acontecimentos historicos s6 € possivel quando surge v seu delos, Quando as consequéneias de um movimento histérico foram reveladas. reflectimos sobre o seu aspecto inicia! a fim de determinarmos o sentido de tode © acontecimento, apesar de especifice — «todo» através de um ponte de partida definido e um ponto final de cheguda. Se reftecuinmos sobre todo o curso da histéria, imaginando o seu comego © prevendo 0 seu fim, pensamos no seu sentido em termos de objective basic, A afinnagde de que a histéria tem um sentido fundamental implica um objectivo ou meta finais que transcendem ox acontecimentos reais. Esta identificagao do sentido com o objective nao exclui a possibilidade de outros sistemas de significayao. Por exempta, para os gregos, os aconteci- mentos © os destinos historicos nd se apresemtaram decerto simplesmeute qualquer sentido — estavam cheios de valor ¢ significado, mas ndo eran significativos no sentido de se dirigirem a um fim ultimo num abjectivo transcendente que abrange todo o desenrolar dos acontecimentas. O horizonte temporal para uma meta final surge, no entanto, como um futuro escatolégico e, para nds, o futuro s6 existe através da expectativa e da esperanga’. O sentido fundamentat de um objectivo transcendente converge para um futuro esperado. Tal expectativa predominou sobremaneira junto dos profetas hebraicos; todav fio se verificou a sua existéncia entre os fildsofos gregos. Quando recordamos que Isafas ¢ Herddote foram quase contemporineos, compreendemos o abismo intranspontvel que separa a sabe- doria grega da fé judaica. A perspectiva crista c pés-crist@ é futurista, adulte- rando o sentido classico do Aistorein. que se relaciona com acontecimentos presentes ¢ passados. Nas mitologias ¢ nas genealogias grega ¢ romana. 0 passado surge-nos como uma base duradoura. Na perspectiva hebraica e crista da histéria, o passado é uma promessa para o futuro, consequentemente, a interpretagio do passado torna-se uma profecia na inversa, em que 0 passado, € apresentado como uma «preparacio» intencional para 0 futuro. Os fildsofos e historiadores gregos estavam convencidos de que © que quer que estivesse para suceder seguirira 0 mesmo esquema ¢ teria o mesmo cardcter de aconte- atido da histéria. * Ver Santo Agostinho, Confissdes xi. 19 * ¢ Palihiot. A preocupacde de * conflitos politicos baseados na natureza do homem. E, dado que a nature? ccienentos passados ¢ presentes: nunca se entregarian 3 perypectiva das possi- tidades do futuro..' ; ™ ee eral pode ser reforcada com as ideias de Herdiloto, Tueidides Herédoto era apresentar um registo do que havia sucedido, «de modo a que, entre Os homens, a memdria do passado nio fosse completamente apagada pelo tempo» ¢ «que os andes feitos nndo pudle n perder a sus fama>, O esentida» cos acontecimentes registados no & expli- Cito, nem to pouco transcende os acomtecimentos isolados, encontrando-se antes implicito nas préprias hist6rias. Significam apenas o que indicum con se finalidade. Subjacentes a estes significados Gbvios existe tumbém outros semiocultos, esporadicamente tevelados em palavras, gestos, sinais ¢ Oniculos cheios de significado. E quando, em determinados momentos, os feitos ¢ acontecimentos humanos reais coincidem com imima sobre- “humanas. completa-se entio o circuto do sentido em que © principio eo fim de uma histéria se iluminam mutuamente. O esquema temporal da narrative: de Herdédoto nao é um curso significativo da histéria universal visando uma meta futura, mas, como toda a concepydo grega do tempo. é periddico, move- se dentro de um ciclo. Na perspectiva de Herddato, a histéria evidencia um padrio repetitive, regido por uma lei césmica de compen: obretudo através da nemesis, que nao cessa de restituir o cquilfbrio das forgas histérica- -naturais. Em Tucidides, os antecedentes religiosos ¢ as caracteristicas Epicas da historiografia de Herddoto, que nunca define com clarcz: inha que separa o humano do divino, sdo manifestamente substituidos por uma rigoros: investi gagdo das concatenagdes pragmaticas. Para ele, a historia era uma histéria de humana no muda, os acontecimentos que tiveram lugar no passado «voltarao a repetir-se do mesmo ou idéntico modo». Nada de verdadeiramente novo pode ocorrer no futuro quando «a natureza de todas as coisas € descnvolver-se e também degradar-se», Pode ser que geragdes e individuos futuros ajam com mais inteligéncia em determinadas circunsténcias, mas basicamente a hist6ria, enquanto histéria, nado mudard. Nao sc verifica em Tucidides a menor tendéncia para julgar o curso dos acontecimentos hist6ricos do ponto de vista de um futuro que se distingue do passado por ter um horizonte aberto e um objectivo bésico. y» Unicamente Polibio parece aproximar-se do nosso conceito de histdria, Tepresentando todos os acontecimentos como conduzindo a um fim definido: o dominio do mundo por Roma, Mas, inclusivamente Polfbio nao tinha um __.* Herédoto i.|; Trucidides i. 22 ¢ ii.64; Polfbio i. 35 ¢ vi, 39.51.57. Cf. Karl Remhardi, «Herodots Persergeschichicn», Geistige Uberlieferung, org. Ernesto Gras ein, io. Pre 138 © segs. oN Cochrane, Christianity and Classical Ue, . cap. xii; RG. Collingwood, The ide (Oxford, 1946), pp. 17 e segs. = Mea of History 20 interesse primordial no futuro enquamio tal, Para ele, a histéria ¢fectua um movimento giratério num ciclo de revolugdes politicas, onde as constituigdes ‘ eras parecem ¢ voltam num curso tragado pela natureza, Como consequéncia desta fatalidade natural, @ bistoriador pode prever o futuro de um dado estado, A sua estimativa do tempo que © proceso demorard pode estar errada; mas se a sua apreciagiio ndo se deixar levar pelus emogBes, muito Faramente se enganard quanto 4 fase de desenvolvimento ou declinig que 0 estado aleangou e qual a forma que ird tomar. Além disso, i lei geral da Fortuna é a nutabilidade — a sibita passagem de um extremo para o outro, Tendo assistide a destruigo da monarquia macedsnica, Polibio achou que seria, por conseguinte, adcquade recordar as palavras profélicas de Demétrio que, no seu tratado sobre a Fortuna, previa o que irit acontecer. decorridos cento ev cinquenta anos sobre a conquista do império persa por Alexandre: Pois se considcrardes no intimeros anos ou muitas geragées mas apenas estes tiltimos cinquenta anos, vereis neles a crueldade da Fortuna, Pergunio-vas se pensais que hi cinquenta anos quer 0s persis ou 0 rei da Pérsia, quer os macedénios ou 0 rei da Mace- donia, se alzum deus Ihes tivesse previsto © futuro, alguma vez haveriam acreditado que. nesta época em que vivemos, 0 prdprio nome dos persas teria sido totalmente destruido — ¢ que os mace- d6nios, cujo nome quase ninguém conhecia, seriam agora os senhores absolutos? Mas, ndo obstante esta Fortuna, que nunca pactua coma vida, que sempre derrota os nossos célculos com um novo golpe, cla que sempre demonstra o seu poder gorando as nossas expectativas, também agora, no meu entendimento, torna evidente para todos os homens, concedendo aos macedénios a inteira riqueza da Pérsia, que no fez sendo conceder-Ihe estas gragas divinas até decidir dur-Ihes um destine diferente [Polibio, Histoire XXIV. 24). Esta mutabilidade da fortuna nio se limitou a causar tristeza a0 homem antigo, foi igualmente aceite com viril complacéneia. Reflectindo sobre o destino de todas as coisas humanas, Polfbio compreendeu que 0 conjunto das nagées, cidades ¢ autoridades deve, tal como os homens, enfrentar o sew fim. Referindo a famosa frase de Cipiio apds a queda de Cartago, que idéntica condenagio acabard por ser feita & vitoriosa Roma (excertos de XXXviii. 2Isegs.), Polibio comenta que seria dificit encontrar uma elocugao «mais politica ¢ mais profunda», pois ter em menic no momento de maior triunfo a possivel inversdo da fortuna confere a um homem grande ¢ perfeito o direito de ser lembrado. No entanto, Polfbio ¢ o seu amigo Cipido mais néo fazem do que reafirmar o classic estado de espirito expresso por Homer (itada, V1, 448 seg.) no que se refere aa destino de Trdia e Pefamo. E onde 2 interesse primordial no futuro enquanto tal, Para ele, a histéria efectua us povimente giratério num ciclo de revolugdes politicas, onde as constituicoes fo alteradas, desaparecem ¢ voltam num curso tragado pela natureza, Coma consequéncia desta fitalidade natural, o historiador pode prever o futuro de um dado estado, A sua estimativa do tempo que 0 processo demorar’ pode estar errada, nas se a sua apreciacTo nio se deixar levar pelas omogies, muito raramente se enganard quanto a fase de desenvolvimento ou declinio que o estado alcangou © qual a forma que iri tomar, Adm disso, a lel geral da Fortuna & a mutabitidade — a sibita passagem de um extremo para 0 outro. Tendo assistido & destruigdo da monarquia maceddnica, Polibio achou que seria, por conseguinte, adeyuado recordar as palavras profeticas de Demeéirio que, no seu tratado sobre a Fortuna, previa 0 que Iria acontecer, decorrides cemto e cinquenta unos sobre a conguista do império persa por Alexa Pois se considerardes no indmeros anos ou muitas geragies may apenas estes tiltimos cinquenta anos, vereis neles a crueldade da Fortuna, Pergunto-vos se pensais que hé cinquenta anos quer os persas ou 0 rei da Pérsia, quer os maced6nios ou 0 rei da Mace- dénia, se algum deus [hes tivesse previsto o futuro, alguma vez haveriam acreditado que, nesta época em que vivemos, © proprio home dos persas teria sido totalmente destruido — ¢ que os mace- dénios, cujo nome guase ninguém conhecia, seriam agora os senhores absolutos? Mas, ndo obstante esta Fortuna, que nunca pactua com a vida, que sempre derrota os nossos calculos com um nove golpe, ela que sempre demonstra © seu poder gorando as nossas expectativas, também agora, no meu entendimenta, tora evidente para todos os homens, concedendo aos macedénios a inteira riqueza da Pérsia, que nao fez sendo conceder-lhe estas gragas divinas até decidir dar-lhes um destino diferente [Polibio, Histoire XXW., 24). Esta mutabilidade da fortuna nao se limitou a causar tristeza ao homem antigo, foi igualmente aceite com viril complacéncia. Reflectindo sobre o destino de todas as coisas humanas, Polibio compreendeu que 0 conjunto das nagées, cidades ¢ autoridades deve, tal como os homens, enfrentar 0 scu fim. Referindo a famosa frase de Cipido apés a queda de Cartago, que idéntica condenagio acabari por ser feita 2 vitoriosa Roma (excertos de XXXviii, 2segs.), Polibio comenta que seria dificil encontrar uma elocugdo «mais politica e mais profunda», pois ter em mente no momento de maior triunfo a possivel inversdo da fortuna confere a um homem grande e perfeito 0 direito de ser lembrado, No entanto, Polfbio ¢ o seu amigo Cipido mais nfo fazem do que reafirmar o clissico estado de espfrito expresso por Homero (Hada, V1, 448 seg.) no que se refere ao destino de Tréia ¢ Priamo. E onde 2 sucedesse, a vida ¢ 0 fim futuros daquele homem ¢ daquele povo seriam diferentes, Um futuro conhecido antecipadamente € um absurdo. Porém, © conhecimento prévio do futuro nao s6 é inde- sejivel como & também improvivel para nds. O principal obstéculo que se levanta & a confusin do conhecimento dos nossos desejos, esperangas € receivs; além disso, © nosso desconheeimento de tudo aquilo a que chamamos forgas latentes, fisicas ou mentais, € 0 factor incalculavel dos contigios mentais, que podem subitamente transformar o mundo?. Porém, a razio de o futuro permanecer o; curta do nosso conhecimento teérico, mas sim a auséncia daqueles pressupos- tos religiosos que dio transparéncia ao futuro para os antigos. Na Antigui- dade, tal como na maioria dis culturas pagiis. acreditava-se que os aconteci- mentos foturos padiam ser revelados através de mecanismos especiais de adivinhagao. Podem ser conhecidos antecipadamente porque esto predeter- minados. A excepedo de alguns filésofos, ninguém na Antiguidade questio- nava a verdade dos oriculos, sonhos agoirentos ou portentos pressagiando acontecimentos futuros, Dado que os antigos acreditavam por noma num fado predestinady, os acomecimentos futuros e os destinos cram-ihes apenas ligeirameme ocultos por um véu que uma mente inspirada podia penetrar. Constitufa, por conseguinte, caracteristica comum da vida grega e romana tomar decisées com base numa investigagdo do destino. Esta confianga dos antigos na adivinhac&o conservou sempre a sua reputagzo a ndo ser quando a Igreja a arrancou pela raiz. Mas também a Igreja acreditava na predestinagio, 0 «para nds» ndo € a visio J, Burckhardt, Force and Freedom: Reflections on History (Nova Torque, 1943), pp 90 ¢ s Griechische Kulurgeschichte. in Gesarttausgube (Basilcia, 1929 segs.), IX. 247 segs. Unicamente nesta acepo moderna de que a histéria é uma historia de aliberdade» se revela absurda a antiga crenga mum futuro premedi- tado ev previsivel, Assim, Collingwood (op. cét., pp. 54, 120, 220) afirma que a filo- sofia da histéria deve acubar com o presente ¢ éliminar a escatologia como elemento cimportuno» porque mio sucedeu mais nada que scja possivel averiguar, ¢ que sempre que os historiadores garantirem que so capazes de determinar o futuro antes de ele ter lugar, podemos saber a0 certo que algo correv mal na sua conce; fundamental da historia», Mas. ¢ se a histéria nfo for um caso simples de accdo livre dentro de uma dads situagdo, mas um caso de acgiio € sofrimento humanos com um esquema natural ¢ fatal ou sobrenatural ¢ providencial? Até que ponto cstava Léon Bloy dentro do probtema da histéria ao afirmar que a possibilidade de provar kad historia tem uma arquitectura e um sentido implicaria «l holocauste préalable du Libre Arbitre, tel, du moins, que la raison modeme peut le concevoins isto ¢, associado & arbitrariedade ¢ diverciado da necessidade ¢, por conseguinte, incapae & compreender come pode © homem realizar com liberdade um acto de necessidade (Teutes Choisies, ed, A. Béguin [Friburgo, 1943]. pp. 71 e segs.) 23 embora nfo pelo destino, enquanto 0 homem modemo nao acredita na i 1o destino nem pela providéncia. ot ita do propria Burethardt no que respeita ao futuro da Europa nao contrariam esta tese, pois nunca deu mostras de querer conhecer 0 que fururo reservava tal como sé conhecem factos concretos do pasado. Mas ¢ entio Tocqueville, Spengler e Toynbee, que prognosticaram (eoricamente desenvolvimentos futuros? Serd também «ficib> para elex prever © que ind suceder? Decerto que ndo, pois a sua crenga num destina histérico ndo & 0 fesultado da accitagiio objectiva de um fatalismo natural: é protundamente ambigua em virtude da sua crenga contréria na responsabilidade “do homer em relagio & histdria através da decisio ¢ da vomtade — uma vontade que & sempre canalizada para um futuro de possibilidades indeverminacles Para Tocqueville, o progresso di democracia tem tanto de fatalidade imesistivel com o de providéncia irresistivel, pois de igual modo ox que o promovem e os que Ihe fazem obstrugio instrumentos cegos nas mios de ima forga que conduz a histéria, «O desenvolvimento gradual da igualdade de condigdes 6 por conseguinte, um facto providencial, ¢ possui todas ax caracteristicas de um decreto divino: € universal, ¢ duradouro, evita constan- temente toda e qualquer interferéncia humana, ¢ todos ox conhecimentos bem como os homens contribuem para o seu desenvolvimento». ‘Tentar impedir u democracia afigurar-se-ia entéo «estar a lutar contra 0 proprio Dews»’¢ contra toda a providéncia. O reverso desta impossibilidade de impedir o progresso da democracia e a sua fatalidade providencial & 0 facto de se poxterem prever as suas perspectivas futuras. A contemplagio de uma revolugdo tio irresistivel originou na mente de Tocqueville «uma espécie de temor religioso». E, no enianto, no pardgrafo seguinte ¢ de novo no tiltimo capitulo da sua obra, Trocqueville deixa expressa a vontade de o seu progresso providencial ser conduzido € controlado pela propria previsio © vontade humanas, ji que o destino das nagoes cristis «est ainda nas mios delas», apesat de nao ir permanecer ali por muito mais tempo. Esta resolugdo da dificuldade através de uma liberdade parcial inclusa numa fatalidade parcial traz de nove ao lume, embora em moldes mais brandos, o velho problema teoldgico da compatibilidade da providéncia divina com o livre arbitrio. } Spengier, na primeira fase de A Queda do Ocideete vai ao ponto de hiwra ste almeja “pela primeira vez» a ventura de predeterminar a historia 5 biacente est aut tentative estd 9 facto de o curso da historia em historioas reside ne fatal oe pela necessidade, Oo significado das culturas vimento e florescime sprimento de ciclos de vida, que vo do desenvol- lorescimento a decadéncia. Ao nfo ser conduzida nem pela Yontade de Deus nem pela vontade do homem, a histéria perde a finalidade ou jective. A sua «sublimidade» consiste na prépria inutilidade. Contudo, ” Democracy in America, Introd. quando Spengler passa A definigdo do conceito supremo de «destino», intro- duz a nogao de uns tempo «histérico» nio-ciclico, virado para futuro, Na sua perspectiva, o sentido hist6rica € um «sentido de futuro»! inerente & alma faustiana e a Weltansehauung, que sto dindmicas e infinitas, em contraste com a finidade estitica da cultura clissica apoliniana, Spengler, pertencendo ele proprio 4 cultura faustiana, que surgiu no apogeu da [dade Média, mas autonomizada da feligiao eristd que nio tem lugar no seu sistema, estd fonge de acetlar com a despreendimento cldssico a fatalismo. inelutavel do declinio. Desilia aqueles que alimentam ilusies e, como Nietzsche, instigios a deseiar © amar o destino, inclusivamente a fomenté-lo © cumpri-lo’, Nenhum antigo imraginou sequer que v futalismo de declinio pudesse ser desejado e escolhido, Pois ov o Fado € mesmo tado, ¢ entéo de nada serve tomar decisdes a seu Tespeito, ou é um desting de apg pessoal ¢ nese caso um facto inevitével, Spengler no soluciona este problema da fado natural ¢ do destino histérico. © seu parhos desenvoive-se 2 partir da confusao do desejo de um futuro, ainda com possibilidades em aberto, com a a ceitagdo de um resultado concreto, A consequéncia de 4 Queda du Ocidente é, por conseguinte, um apelo aos «Anos de Decision" que hie-de vir, na sua crise histérica derradeira. Quer que os alemdes construam um «sociulismo prussiano», estejam preparados para ele, Ao inves de ver na historia um processo histérico natural, conclui a sua obra com a fruse (tirada de Schiller ¢ usada por Hegel mas com origem na visdo protéticn do Antigo Testumentoy: «4 historia do mundo € 0 tribunal do mundo» (Die Weltgeschichte ist das Weltgericht) — um tribunal sem um julgamento moral. Dai as palavras que compéem a primeira frase. segundo a qual a previsio da historia ndo é a Haici tarefa de seguir apenas o rumo da naturesa que foi determinado mas uma «tentativa» ¢ um «risco», designada- mente 0 risco de profetizar o julgamento da histéria. O que para Potibio é uma afirmayao te6rica do facto, assume para Spengler o cardcter de um imperative moral, pois a alma faustiana ndo pode deixar de interpretar o destino na perspectiva de um eschaton. ; De igual modo dividida entre as tradigdes clissicas ¢ cristds encontra-se a consciéncia histérica de Toynbee. Também ele procura estabelecer um ritmo de retomo dos ciclos de vida", repetindo um esquema constante de génese ¢ de desenvolvimento, destruigdo e desintegragdo a0 nivel cultural. Simultaneamente, pretende extrair do proceso hist6rico natural um objectivo eum significado concretas. A universalizagéo material do seu estudo compa- * The Dectine of the West (Nova Torque, 1937), L. Cap. iv, 117 © segs. of. cap. xi. ; + thid., 1, 38; 11, 292 e segs. Cf. adiante Apénd. 10 Jahre’ der Entscheidung (Munique, 1933}: trad. inglesa, The Hour of Decision (Nova lorque, 1934). WAS Toynbee, 'A Study of History (Londres, 1934-39), IV, 23 ¢ segs. 25 ative de vinte ¢ uma civilizagdes, ou methor, «sociedades» incide sobre a histéria da nossa sociedade ocidental. «A Queda do Oc enter é também um wma cléssico de Toynbee. Apresenta-s . todavia, menos cal que Spengler na previsio da histéria, pois a desintegragdo pode as emelhar-s ao desenvolvimento & vice-versa’. Além disso, no & uma lei cdsniic cidlos de retorno que faz que uma civilizagso cumpra © seu percurso mas uma destruigdo inftigida a si mesma, visto que a historia é uma pepétua transacgdo ambiente-homem dé adiesafion ¢ «resposta», Nao obstante a liber. dade e a responsabilidade que estio implicitas na respesta do homem, Toyn- bee sugere, no entanto, um determinismo ainda mais exigente que o de Potibio: a cadéncia normal do ritmo de desintegrayao dexactamente de «tres batimentos e meio», ¢ supde-se que 0 Ocidente tenha estado ja sujeito & experiéncia de um batimento ¢ meio! A historia € mais do que uma historia de civilizacoes, E também, ¢ ainda mais essencial, uma histéria de religtdo, para Toynbee as religides rio so expresses homogéneas de culturas, como sucede com Spengher, mus transcendem as suas culturas. Surge assim a especial preocupagao de Toynbee com as religides cristés centradas no Salvador. Constituem a Gnica forma criativa de escape a uma sociedade em progre: a 10 de desintegragdo". Criam um novo clima e uma nova dimensao ¢, por consequéncia, wm nove lipo de sociedade, designadamente, uma Igreja universal para combater a minoria dominante de estados universais. A desintegragdo de uma sociedade secular, pagd ow nominalmente crista constitui a oportunidade para o aparecimento de uma teligiio universal v uma histéria de salvacdo para as almas dos homens infividualmente; mas. indirec- tamente, transforma também a sociedade. Os homens aprendem através do sofrimento, ¢ quem o Senhor ama também castiga. Desta feita, o Cristianismo nasceu dos estertores da morte de uma soci lc helénica decadente. que serviu de estrutura a religiao crista. Se, em vez de as grandes religides terem a funciio histérica te contribir, como crisdlidas. para o processo ciclico de reprodug’do das civilizagdes, for fungdo histérica das civilizagdes servir, alra- vés da sua ruina, de alpondras a um processo progressivo de revelacdo de um conhecimento religioso cada vez mais profundo. e do dom de uma graga cada vez maior para agir com base neste conhecimento, entio, as sociedades das espécies chamadas civi zagies teria cumprido a sua fun¢ao quando deram origem a uma grande religiio mais amadurecida; ¢ vistas as coisas por este prisma, @ nossa propria civilizagio secular pés-cristi ociden- tal poderd, quando muito, ser uma repeticao supérflua da greco- Iid., V, 16-0 188 e segs; VI, 174, n,4 Ibid Vi ese -fomuna pri-cristd e, na pior das hipéteses, um retrocesso pemi- cioso no caminko do progresso espiritual', Partindo do esquema de Toynbee de decadéncia das civilizagde se apa- recimento das religiées, seria légico esperar que surgisse no horizonte do nosso futuro uma nova civilizagdo, Mas nada disso esta para acontecer, O afastamento cientitico do estudo universal de Toynbee retrocede aqui subi- tamente para um contissio ¢ um empenhamento que s6 podem ser apelida- dos de «paroquiais» se os julgarmos pelos parimetros de objectividade cientitica, compreensiu, neutralidade e indiferenga do proprio Toynbee. Como cristo, no pode perspectivar a preterigio da Igseja Catdlica Romana, «coms a tanga da Missa, o escado da Hierarquia ¢ 0 elmo do Pontificado»'*, Em vez de deixar em uberto a possibilidady de uma nova religido ¢ uma nova Igreja, Toynbee procura demonstrar que o Cristianismo & ainda o maior acontecimento «novo» na hist6ria do homem, enquanto o surgimento da democravia ¢ da ciéncia — os Ullimos novos acontecimentos na civilizagao secular ocidental — sao «uma repetigio quase nada significativa de algo que os Gregos ¢ os Romanos tizeram antes de nds ¢ extraardinariamente bene®, Mas Toynbee ndio é nem um historiador empirico, nem um bom tedlogo. Env vez de defender, como Santo Agostinho ¢ todos os Padres da Igreja. que 0 iltimva moda por ser a boa nova e por Deus se revelar na histéria uma 86 vez. fi-lo por vezes por razdes de ordem astrondmica. Em vez de demonstrar, através do conhecimento di fé, que o Cristianismo & verda- deito ou, através dos parametros da histéria, que em tempos foi novo mas: agora & por conseguinte, antigo, refere as modemas descobertas cientificas. dos gedlogos ¢ astrénomos qué alteraram profundamente a nossa escala do tempo, em que o comego da era cristd € uma data extremamente recente. Numa escala do tempo em que mil ¢ novecentos anos ndo 40 mais que um abrir e fechar de olhos, 0 comego da era crista foi apenas ontem. Unicamente na antiquada escala do tempo, em que a criagdo do mundo ¢ o comeco da Vida no planeta surgiram como tendo tido lugar hd mais de seis mil anos. é que um espago de mil ¢ novecentos anos parece um periodo demasiado longo e, por conse~ guinte, 0 comego da era crist4 se apresenta como um aconteci- mento bastante recuado. De facto, ¢ um acontecimento bastante recente — talvez o acontecimento importante de maior significado na historia...” MA. J. Toynbee, Civilization on Trial (Oxford University Press, 1948), pag. 236. °S bid. pig. 242. 8 [bid., pag. 237. " Tbid., phg. 238. sivel inferir de um «facto» astronémico um «signili- cate ee Se religioso? Nao passa de uma crenga, bastante a astada das evidéncias astronémicas ¢ igualmente afastada de um est ado empirico da hist6ria, que leva Toynbee a afirmar que 0 Cristianismo é ainda novo © que nfo sé sobreviverd a nossa civilizagao ocidental, como sc tornard até a religido universal. Pensa que a unificagaio técnica do mundo modemo pode servir 0 seu objective histérico «ao dotar © Cristianismo de uma Tepetigaio completamente gencralizada do Império Romano part s¢ difundir»’ Pode dar-se ento 0 caso de o «Cristianismo ficar como herdeiro espiritual de todas as outras grandes religides... e de todas as filosofias de Ikhnaton a Hegel. ao passo que a Igreja Crist como instituigéo pode ficar c« mo herdeira social dv todas as outras Igrejas ¢ de todas as grandes civilizagdes» . a ‘Assim, a histéria universal de Toynbee, de vinte ¢ uma civilizagdes, surge na perspectiva ecuménica de uma progressiva: compreensio de oma Igreja muito especial, nao abstante a sua outra preocupagde com a manitesta- do espiritual da repeticio dos cicles nos destinos seculares do homem, Interrogamo-nos de que forma se podem estes ciclos integrar nessa progressiio € como se podem os obscuros resultados do estudo histérico de Toynbee harmonizar com os pressupostos esperangados de Toynbee como crente. vA crenga de Toynbee nao assenta na sta consciéncia histérica, pois encontra-se bastante mais sob o dominio do pensamento naturalista ¢ secular do que ele imagina. E sobretudo nesta medida que ele ndo pode aceitar a estrutura de referéncia crist4 nas suas investigagdes hist6ricas. Substitui a ideia crist de unidade continua da histéria universal* por um process de unificagdo parcial de um Ocidente «cristo». Deste modo, tem de abdicar da diviso crista de toda e qualquer época histérica numa ordenagao antiga e numa nova, anterior ¢ posterior a Cristo c, consequentemente, também na periodizagao tradicional da histéria ocidental, que derivou da perspectiva crista’*. O ideal cientifico exige dele provas cientificas ¢ uma neutralidade em relagao a «preconceitos» morais ¢ de outra natureza, caracteristicos da propria conjuntura, por sinal ocidental, e até britinica ¢ crista. A sua perspectiva escatolégica € nitidamente reveiada pelas trés citagdes que escolheu para iniciar 0 seu trabalho. E, subjacente 4 aparente neutralidade do esforco cientifico de encontrar categorias que sejam universalmente aplicdveis {desenvolvimento ¢ desimegracao, desafio ¢ resposta, afastamento ¢ retorno, separagao ¢ transfigurado), vamos encontrar a sua preocupagiio pessoal quanto as «perspectivas» futuras® da nossa sociedade contemporanea. O que 4 primeira vista se apresenta como uma confusa diversidade de sociedades é © Ibid., pig. 239. Ibid., pag. 240, a Siudy of History, 1,339 segs ., 1, 34 © 169 © segs. cf. Spengter, op. cir, Yer 0 plano (Parte XII) de lode oie? cit., I, 15 € segs. 28 problema nes prop histones cago ours 0 ssi | storia, enquanto a suprema tei da histéria, 0 ao antiquarismo histirico, E. Treeltsch (Der Historismus und Hosa chee Tubing, 1922), pp. 495 ¢ 772) formutou a missio da filosofia da remo oon defi perwinderung der Gegenwart un Begriindung der Zukunft». Como & issico e tant? da missio € do problema da historia a partir do historein A Contribution ta the Critique of Political Econamy (Chicago, 1904) pag. V “De The German Ideology. na traducio inglesa de Capital. The Communist Manifesto and Other Writings («Modem Library» [Nova Iorque, 1932), pp. Le seB- 45 ensaios de 1856, Marx apresenta mais concrelamente iiltimos . : Nam dos relagdo a si mesmo: esta alienagdo do homem em aordindrio que carecieriza ° secu) N que hao walquer das partes: de wnt lado. as orgs indus- pole ser nega Det Senvolvera que nenhuen anterior periodo histéria paderia ter imaginado; do outro, encontran-se OS sammy de desintegragio que ultrapassam até as errs bem conhecidos do final do io Romano. Na nossit epoca, tudo parece sugerif o seul CONSE. A midquina encontra-s¢ dotada da maravilhosa capacidade de reduzir oO trabalho e torni-lo mi rendoso: €, no entanto, vemos que dit origem a fomes e ao excesso de trabalho. As forgas recém-emane ipacas dit rique- za tomam-se, por uma estranha imposigao do destino, fontes de priva- So... A humanidade assume 6 controle da natureza, mas o homem & escravo do homem... O resultado de todas ais nossas invengoes c progtes- sos parece ser 0 de as forgss materiais serem aplicadas & vida espirituil, enquanto a vida humans se transforma numa forga material, O untago- nismo entre 2 indiistria e a ciéncia modemas de um Jado, a miscria ¢ a corrupgdo modernas do outro, este antagonismo entre as forgas de pro- dugio ¢ as condigées sociais da no: a época, é uma realidade tungivel. acabrunhante ¢ inegavel. Aigumas partes podem desejar livrar-se_ das capacidades modernas a fim de se livrarem também dos. contlitos: modemos. Qu podem imaginar que sé & possivel alcangar um progress lao evidente no dominio da producdo através de um correspondente retrovesso na vida politica social. Mas reconhecemos neste antagonismo, © espirito arguto («a habilidade da razao» segundo Hegel] que procura pramenie a aoe todas estas contradigdes. Sabemos que a nova novos honens . ial, para alcangar a vida boa, s6 necessita |!] de Ha um facto ext cies podemes interrogar-nos se Marx alguma vez se apercebeu das implica- vs bu mana rorais € religiosas do seu postulado: criar um novo mundo connione yeah ‘ns, UM Novo tipo de homem. Parece ter ignorado por dopmaticamente ‘com previo de uma possfvel regeneragdo e contentau-se wean tee Totem Semul absaracta de que o nova homem € 0 Comu- m a us poli + 0 2000 politicon, ou «ser colectivo» da matriz deste sedade capi tall ope tonem €, segundo Marx, a criatura mais terrivel da obrigado a ise cm que se afastou completamente de si préprio, sendo obrigado a vender. roca do salério ao capitalista detentor dos _ “ Die Revolution von Me 1848 und ‘ot j feach und Revoltiondr (Bein, TOO ne or Karl Marx als Denker. 6 meios de produgio. Longe de evidene indo perl Humana pelo destino indveiduad proletirio, Maree a reeamente instrumento historico-universal para alcangat o objective exewlocee de toda a histéria através de unis sevelugio universal, O profetariade es porg escolhide de materialismo histirica pelo mesmo motivo que ¢ exclude dos privilégins da sociedade instituida. Tal como Sieyés. antes de rebentar a Revolugay Francesa, afirmara que o burgués nie ers anuda» e, por con- sequin, linha o direity de se omar «tudo», também Marx einguenta anos apas 0 triunfo da sociedade burguesa, anune ‘ prolet iar missio universal do ly que se desenvolvera a partir dela, O proletariado tem 0 direito absoluto porque foi Lotulmente privado da existéncia humana, Constituindo uma excepgdo & sociedude existente, por viver na sua franja, € a tinica class que possut en si propria « potencialidade de se tonar nermativa, pois, apesite de # dlesintezrayao da Sociedade existente ser representada pela burguesia © pelo profetariado em iguatdade de circunstincias, $6 0 ultimo fem uma missio universal ¢ um significude redentor em virtude de a sua singularidade residir na total privagdo dos privilégios dat burguesia. © protetatiado & uma classe que se situa no dentro mas fora da socicdade existente, e poranto € a potencialidade de uma sociedade absoluta, sem classes. Concentrando ¢ somando oy attagonismoy de todus as esferas soeiais tio seu vértice humano, @ proletariado & 4 solugio para 0 problema de toda it sociedade humana. visto que nio se pode libertar di dependéncia do capitalisme sem se Hbertar consequentemente di totalidade da sociedade, Em A fivologia Alemd, Marx define do seguinte modo o significado universal do proletariade: «$6 os proletirios que forum: completamente exeluidos de todo e qualquer exercicio espontiineo das suas faculdades huma- nas sao também capazes de alingir a emancipagiio total e no apenas parcial, apropriando-se da totalidade dos meio de produgdo». Estando completa- mente ufastado de si mesmo pela questi possivel na dimensio efectiva» {isto &, pela questio de «viver» ganhando dinheire) 0 operirio salariado — este produtor impessoal de bens que € ele proprio um bem a venda no mercado mundial -- 6 a énica forga revoluciondria que pode libertar a sociedade. O proletirio personifica a economia moderna come o destino humano, de tal forma que 0 seu interesse particular ndo pode senao coincidir com o interesse comum que se opde ao interesse privado da propriedade ou capital privados, Unicamente nesta perspectiva universal € escatolégica pode Marx efectiva- mente afirmar que 0 proletariado é 0 «cere» da histéria do futuro, enquanto a filosofia de Marx & 0 seu «cérebro». Esta filosofia do proletariado como povo escolhido vem exposla num documento, 0 Manifesto Comunista, que tem relevancia cientifica no seu contedido especifico, € escatolégico na estrutura & profético na atitude. Tnicia- -se com a frase incisiva: «A histéria de todas as sociedades existentes até a0 momento € a histéria de lutas de classe», isto ¢, dos antagonismos sociais entre homem livre € escravo, patricio € plebeu, senhor ¢ servo, mestre de corporago ¢ artesiio, ou como sintetiza Marx, entre «opressores € Oprimt- 47 dos» il, dad a i i abertamente, Ort oeulta, em tod °F ca ‘smo desfecho ov a reconstituio revolu- de que Bd regis © Wo Gerrocada conjunta de amas 88 tigio. oder jedade burguesa que saitt dos resqu cios a fa A go de classes; limitou-se a est abel classes €, POF conseguinte, Novas candigdes de explo! extant, 3 Peea esta época de sociedad capitalisto- ‘ re Possui uma ‘caracteristica marcante: simplificou 9 antagonist as oe gentrando-© em «dois campos hostis», que se enfrentario: dire mente numa partida final entre burguesia ¢ proletariado. , Esta titima época decisiva caracteriza-se pelo desenvolvimento dav inddscria modema ¢ dos exércitos industriais da burgues! que durante 0 seu dominio de escassos cem anos criou mais forgas produtivas ‘olossais do que todas as anteriores geragdes juntas: Sujeigdo das forgas da Natureza ao homem, maquinaria, aptic da quimica & industria e A agricultura, navegacdo a vapor, cam inho: de- ferro, telégrafos eléctricos, ‘desbravamento de continentes inteiros para © cultivo... populagdes inteiras expulsas do territério — que éculo anterior pode sequer pressentit tais forgas adormecidas no scio do trabalho social?... Realizou maravilhas que excederam em muito as pirfmides egipcias, os aquedutos romanos ¢ as catedrais géticas, condu- ‘iu expedigdes que suplantaram todos os anteriores Exodos de nagOes ¢ novas, 2, 10 burguesa diverge Wo dle O reverso deste maravithoso progresso da Civili Ocidental é 0 facto de ter acabado definitivamente com todas as relagées humanas ¢ patriarcais: _A indistria moderna converteu a pequena oficina do mestre pariarcal na grande fabrica do capitalista industrial. Grandes niimeros Ge tnbalhadores, doves, amontoados nas fabricas, sto organizados como solda- oes. 0 abos rasos do exército industrial, ficam na dependéncia de una erarguia Perfeita de oficiais © Sargentos. Nao s6 so escravos da Doagucss aa lo jsado burgés, como acada dia ¢ a cada hora escravos da 1 usta eats & acima de = mos aot préprio fabricante bburgués individual. 2 ibertamente est ti a « Jue cara seu dim fim, mais mesquinho, odioso e amargo on A burguesia industrial modema corto: ‘que unis 0. 20 ten etupen uu completamente as lagos «natu- ior natural», Nijo deixou qualquer As citagben “Aa citagbea que sé seguem a «Modem Litrarys, pp. 321 ¢ oe do Manifesto Comunisia na wadugto inglesa 48 outra relagdo entre © homem e 0 homem exce insensivel pagamento em dinhein “plo & mais puro egoismo, o Afogou 08 Sxtases mais celestiais do fervor teligioso. dos entusias- mos cavalheirescos, do sentimentalismo burgu’s na agua gelada do calculismo egoista. Transformou 0 mérito pessoal em valor de troca e em vez das intimeras e irrevogdveis liberdades alforriadas, estabeleceu aquela liberdade tnica € pouco escrupulosa —a Livre Troca, Em suma, substituiu a exploragao brutal, directa, escandatosa e sem qualquet disfarce pela exploragae dissimulads por ilusdes politicas e religiosas A burguesia desimuiu o esplendor de todos os oficios até ali honrosos e respeitacos, Converteu 0 médica, 0 advogado. o sacerdote, 0 poeta, 0 homem de cigncia em seus operitios assalariados. . Nesta fase do seu desenvolvimento, a sociedade modema néio pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos ¢ ts relagdes sociais de produgiic: A conservagio dos untigos modos de produgdo na sua forma inalterada foi, pelo contrdrio, a primeira condigdo de existéncia para ses indusiriais iniciais, O constante revolucionar da produ- . a perturbagio ininterrupta de todas as condigdes sociais, a dura- ncerteza e agitagdo distinguem a época burguesa de todas as ante riores. Todas as relagdes fixas e consolidadas com a sua correnteza de preconceitos e opinides antigos e venerdveis so eliminadas, todos os que se formuram de novo se tornaram antiquados antes mesmo de se poderem consolidar, Tudo 0 que € sélido se dissolve no ar, tudo 0 que & sagrado, profanado, e 0 homem vé-se por fim obrigado a enfrentar, plenamente consciente, as verdadeiras condigdes de vida, ¢ as relagdes com o seu semelhante. E, enquanto a necessidade de um mercado mundial em constante expan- sio para os produtos, atormenta a burguesia por todo o globo, trazendo inclusivamente as nagGes mais remotas e bérbaras para a sua civilizagao, obrigando-as a adoptar 0 modo de producio capitalista, esta civilizagao ocidental congeminou um meio tdo gigantesco de troca ¢ producdo a ponto de ficar «como 0 feiticeiro que jé no consegue controlar os poderes do mundo inferior que invocou com as suas formulas». A histéria da industria ¢ do comércio esté a tomar-se cada vez mais uma historia de revolta das forgas de produgio modemas contra as condigées econémicas e sociais. Desenvolve uma «superproducdo epidémica» visto as condigbes da sociedade burguesa serem demasiado restritas para conter e controlar a riqueza por eles criada. As armas com que a burguesia conquistov 0 mundo viram-se agora contra ela. Entre estas armas mortiferas por ela mesma criadas ¢ que preparam a derrota da burguesia, surge-nos, em primeiro lugar, a classe trabalhadora. 49 a burguesia. 5 Na oT a, a moderna classe trabalhadora, se n ta a esse de trabalhadores que sé vive se arranjar est 3 ese tra abalho desde que a sua mio-de-obra tah ts te se devem vender aos bo wal, Est athadores, . aurnente 0 capital. Bstes tra dos ‘os outros pradutos vendive dos, sko uma mi ia, tal com ; jive ere expen ‘a todas as vicissitudes da competigiio, i ‘esto constam todas as flutuagdes do mercado. ancia de classe, se organizare tiverum rumo. da historia «quando a futa de chisses se. Se esta classe ganhar: consci polftica, alteraré todo © curso i %. . . ia hora da iminéncia deste Ultimo juizo da hi ria a respeity da sociedade estabelecida € que «uma pequena parte da domin: ale se separa e vem juntar [como o préprio Marx ¢ muito intelectual dos nossos diats} Aclasse revoluciondria» pois € a tinica que tem Tas suas mios o futuro. «Por conseguinte, tal como num periodo anterior, uma parte da nobreza se passou para burguesia, também agora uma parcela da burguesia se passa para o proletariado, ¢ em particular os idedlogos burgueses, que ascenderam ato nivel da compreensio tedrica dos movimentos histéricos em geral». Aperceberam- -se de que, perante a indiistria modema, as outras classes decaitéo, enquanto 860 proletariado é uma classe verdadeiramente progressista com uma missio universal, pois, 0s proletarios nao se podem assenhorear das forgas produtivas dav sociedade, a nao ser através da aboligio do seu préprio anterior modo de apropriagio e dessa forma também de todos os outros anteriores modos de apropriagdo. Nao tém nada de seu para garan- tire fortalecer; a sua missio é destruir todas as anteriores salva- guardas ¢ seguros da propriedade individual. Todos os anteriores movimentos hisiéricos foram movimentas de minorias, ou no inte- Tesse de minorias. O movimento proletério € o movimento cons- Ciente ¢ auténomo da imensa maioria. O proietariado, o estrato mais inferior da nossa actual sociedade, nao se pode agitar, ndo se pode sublevar sem que todos os outros estratos superincumbentes da sociedade oficial sejam langados ao ar. proletatiado salva toda a comuns de todo o proletariado, i um «dominio de liberdade> numa comunidade melhor um Reino de Deus, sem Deus ¢ na terra, que & do messianismo hist6rico de Marx. Na consciéncia dos proprios Marx e Engels, a descobe «ondci histérico como anteriormente se salientou, Polo contritio. concistin my ieee materialista de que em cada época histérica 0 modo predominante de produ 80 econémica e trocs e a organizayao social que forgosamente provém desse modo constittem a hase sobre a qual € construida, ¢ unicamente segundo a qual pode ser explicacla, a histéria politica ¢ intelectual dessa época, Este facto «bisico» vem expresso na primeira frase do Munifesta Comunista, que reduz toda a historia « antagonismos econémicos. Tudo o que de mais surge na historia deverd, consequentemente, set entendido como uma «surpersteu- tura» ideoldgica, pois € sempre 0 modo de produgdo material que determina 0 cardcter geral dos processos sociais ¢ politicos, legais ¢ espirituais da vida. Esta interpretaydo materiillista condensa a atirmagao sobejamente conhecida de que n&o & a «conscigncia» dos homens que determina a sua «existéncian, mas ao inves, a sua existéncia sécio-econémica que determina a sua conscién- cia — uma afirmagao que se afigurou Uo simples a Engels, que deve ser «to evidente por si mesma para todos aqueles que ndo estiverem presos a ilusbes, idealistas». E quando. em épocas de revolugdo, a estrutura econémica sofrer uma mudanga radical, entio toda a superstrutura das formas de consciéncia legal, politica, religiosa e filosdtica se transformaré com maior ou menor celeridade. Avaliar de uma tal transformagio, diz Marx, pela sua propria conscigncia seria to superficial quanto julgar um individuo unicamente pela opinitio que ele tem de si proprio’ Se aplicarmos ao Manifesto Comunista, tal como Marx 0 entenden, esta disting’o entre pensamento consciente & verdadeira forga motriz chegaremos, a um resultado bastante curiaso, pois, presumindo que a histérie legal, politica @ espiritual tem, nas suas condigdes econdmicas, a «historia secreta» que no coincide com as reflexdes ideoldgicas, o mesmo se pode aplicar inversamente ao materialismo de Marx. Assim, a historia secreta do Manifesto Comunisia ndo é © seu materiatismo consciente e a opinido pessoal de Marx a seu res- peito, mas o espirito religioso do profetismo. O Manifesto Comunista & em primeira lugar, um documento profético, uma apreciagdo critica ¢ uma afirmagdo puramente cientifica assente nas provas empiricas dos factos palpdveis®. O facto de «a histéria de todas as sociedades até entdo existentesy or de carécter comunista: 9 objective ¢ o ideal primeira * A Contribution ..., pag. 11. 7 Ibid., pag. 12. ; a *cf. wn ‘Weber, Gesammelte Aufsdtze zur Soziologie und Sosialpolite (Tubinga, 1924), pp. 505 ¢ segs., A.J. Toynbee, A Study of History Londres, 1934, 739), V. 178 e segs, 581 ¢ segs; N. Berdigev, «The Russian Revolutiom, Realities (Nova lorque, 1932), pp 105 ¢ segs. Sl nas de antagonismo entre uma minoria dominante e uma joria dominada nio € sinal da interpretagdo eda avatiagio deste facto como uma «exploragiioy e muito menos da expectativa de 0 que alé agora tem, Sido um facto universal deixar forgosamente no futuro de ser o que & Marx explicar scientificamente» © facto da explaragiio pela teoria do vator gorescentado: ndo obstante, a exploragdo subsiste como jul algo que ¢ ‘o.que € por ser injusto, No esquenta de Marx sobre a historia universal, nao ¢ senda o mal radical da «pré-histéria» ou, em term biblicos, o pecado ori- gina}, E, a semelhanga do pecado original, também aexploragio afecta nio sé sMfaculdade moral do homem mas também a intelectual, A classe explora- dora sé pode compreender 0 seu proprio sistema de vida através de uma consciencializagdo iluséria, enquanto o proletariado, liberto do pecada da exploracdo, entende a ilusio capitalista juntamente com a sua prdpris ver- dade. Como mat supreme e que penetra em toda a parte, a exploragiio é bem mais do que um facto econémico. a Mesmo que presumamos que toda a historia ¢ uma histéria de luta de classes, nenhuma andlise cientifica poderia sequer inferir dagui que a Tuta de classes é @ factor essencial que «determina» tudo o resto. Para Aristdteles, bem como para Santo Agostinho, a instituigéo da escravatura constitui um facto entre muitos outros. Para o primeiro, tratou-se de um facto bi natural, muito longe de suscitar repulsa; para o segundo, um i deveria set mitigado pela caridade, mas que em nada influen ‘ou a condenagdo etemas. $6 através do aparecimento de uma sociedade ‘burguesa emancipada ¢ que a relagio entre governantes e governados foi sentida ¢ identificada como exploracdio, por entre o desejo de emanci . £ uma interpretagio errada ¢ estranha do préprio Marx ao insistir que nao incorre em preconceitos de juizos ou avaliagdes morais, culminando, no entanto, a sua enumeracao das diversas formas de antagonismos sociais num. tom de desafio: «opressores € oprimidos». A premissa fundamental do Mani- festo Comunista no € 0 antagonismo entre burguesia ¢ proletariado como dois factos opostos, j4 que o que os torna antagénicos é um ser filho das trevas enquanto outro € filho da luz. De igual modo, a crise final do mundo capitalista burgués que Marx vaticina em termos de uma premonigio ciemtifica € um dltimo juizo, apesar de proferido pela inexorivel lei do Processo histérico, Nem Os conceitos de burguesia ¢ proletariado, nem a concepgao geral de hist6ria como um conflito cada vez mais intenso entre dois campos hostis, Tontioargenonos ainda, a antecipagao do seu climax dramdtico, poder n ver « ineira puramente empirica». Unica- Herein sonceitnca «ideolGgican de Marx ¢ que toda a histéria surge como a ma histéria ua de classes, enquanto a verdadeira forga motriz subjacente co nespeao um transparente messianismo cujas raizes inconscientes s¢ ‘encontram ‘do Propria existéncia de Marx, inclusivamente na sua raga, Era vm Judeu do tamanho do Antigo Testamento, apesar de ser um emancipado judeu Sto tocentista que se sentia profundamente anti-religioso e até anti-semitico. © antigo messianismo € profetismo judaico —~ inalterado por dois mil revelar diversas form 52 anos de histéria econdémica do artesanato Q indastria em Brande escala—ea insisténcia judaica na absoluta rectidio que explicam a base idealista d materialise de Mars. Apesar de afectado pela prognosticagto secular o Manifesto Comunista preserva ainda as caracteristicas bisicas de ume te messidnica: «a garantia de que as coisas hiio-de melhorar», Nao &, por conseguinte, um acaso que o «iltimon antagonismo entre dois campos hostis de burguesia e proletariado corresponda 4 crenga judaico- -crist numa luta final entre Cristo e Anticristo na iitima época da histéria que a tarela do proletariado corresponda & missio histérico-universal do povo escolhido, que a funglo redentora ¢ universal da classe mais degradada seja concebidu segundo © esquema religioso da Cruz ¢ da Ressurreigdo, que a derradeira transformagio do dominio da necessidade num dominio de liber- dade corresponda jt transformagio da civitas Terrena numa civitas Dei. ¢ que lodo 0 processo da historia, segundo a concepgiio do Manifesto Comunista, corresponda ao esquema geral da interpretagio judaico-crista da historia como avango providencial para um objectivo final cheio de significado. © materialismo histérico é cssencialmente, apesar do seu caricter secreto. uma historia de realizagio ¢ salvagdo em termos de economia social. O que se apresenta como uma descoberta cientifica a partir da qual se poderia deduzir, A guisa dos «revisionistas» marxistas, o aspecto filoséfico e a reliquia de uma atitude religiosa & pelo contrdrio, da primeira 4 iiltima frase, inspirade por uma fé escatoldgica, que por sua vez «determina» toda a dimensio e dmbito do conjunto das atirmagoes particulares. Teria sido quase impossivel elaborar a visio da vocagdo mi inica de proletariado numa base puramente cientifica e inspirar mithdes de seguidores por uma simples afirmagio dos factos. A possibilidade de fazer remontar a inspiragiio do Manifesto Comunista ao messianismo ¢ a0 profetismo judaicos traz & lembranga uma dificuldade essencial da interpretagio materialista enquanto tal, uma dificuldade que Marx reconheceu sem a solucionar. Ao discuti-la em relagio 3 arte e a religiao gregas, pergunta: «Onde entra Vulcano em oposigdo a Roberts & Co.; Jupiter em Oposigio ao para-raios; e Hermes em oposigao a0 Credit Mobilier?... E possivel Aquiles lado a lado com a energia e o chumbo? Ou serd a /Mada de algum modo compativel com a nrdquina de imprimir € a méquina a vapor? O canto, a récita e as artes liberais nao deixam de existir com 0 aparecimento do rolo de impressiio, e ndo desaparecem consequentememe Os Tequisitos prévios da poesia épica?»® Mas, prossegue, «a verdadeira dificuldade nio esti em apreender a ideia de que a arte e a epopeia gregas estiio sujeitas a determi- nadas formas do desenvolvimento social, Esté antes em compreender por que motivo continuam a constituir uma fonte de deleite e, em certos aspectos, predominam como padrao ou modelo inatingivel». Aplicada 4 nossa tentativa de abrilhantar o Manifesto Comunista através dos seus antecedentes religio- sos, a pergunta Idgica seria: Como pode o antigo, pane er os predominar ainda como esquema espiritual do materialismo hist6rico s¢ * A Contribution pp. 310 c segs. 53 rmodas de producto material — que desde Isafas noudaram basicamente — Sao o factor dominante de todas as formas de consciéncia? A salucdo de Marx para esta dificuldade ndo € nada convincente, Limita- se at afirmar que a cultura grega, ndo obstante o caricter pamitivo das suas condigdes materiais, exerce Lm «encanto efemmoy porque BOSkUMOS de regressar, na imagi peleza da sinfanciay, Poderemos interrogar-nos sc a tragédia profetismo judaico devem ao sew canicter infantil 0 seu encanto duradoiro, ‘A resposta correcta 2 pergunta incorrecta de Marx podcria ser que um tinico factor como as condigées econdémicas nunca pode «determinar a histéria ¢ que uma interpretagdo de todo © processo histérico requer uma estrutura de teferéncia que nio se encontra em factos neulros. CRETICA DE MARX A RELIGIAO. O credo comunista, apesar de uma pseudomorfose de mes: judaico-cristio, néio apresenta os seus principios basicos: a livre ac humithagao e do sofrimento redentor como condigao para triunfar. O comu- nismo prolevério quer a gloria mas nio o sofrimento; quer triunfar através da felicidade terrena. Em contraste com o carécter religioso do niili socialismo russos do século Xx, Marx perdeu por completo qualquer interesse genérico ¢ compreenso dos problemas da consciéncia religiosa. Nem sequer se revoltou contra Deus para alcangar o seu reino na terra através da ditadura. Foi um ateu cientifico, para quem a critica da religizo resultou num facto consumado. tal como o fim da historia do préprio Cristianismo, Plenamente de acordo com Feuerbach, mas também com Kierkegaard", Marx salienta a total incongruéncia de todos os esquema de prdtica mundana em relagdo as doutrinas basicas do Evangelho ¢ dos Padres da Igreja. Nao desmente cada momento da vossa vida prética a vossa teoria teligiosa? Achais injusto apelar para a justica se alguém vos engana? mas 0 apéstolo diz que é mal feito, Ofereceis a face direita se alguém vos bate na esquerda, ou preferis intentar um processo legal? Mas os evan- gelhos proibem-no, Nao pedis uma lei raciona! neste mundo, protestais a0 minimo aumento de impostos ¢ vos exaltais 4 menor violagio da liberdade pessoal? Mas é-vos dito que os padecimentos deste saeculum ‘no importam se comparados com a gléria futura e que © sofrimento Prolongado ¢ a enorme esperan¢a sdo virtudes primordiais, Nao trata a Ver o Preffcio de L, Feuerbach a 1 edic istiani . -* edigho de Essence of Christianity (trad. ieee. ‘dove Torque, 1855). Brifwechset und Nachlass, ed, K. Griin (Lipsia, 1874), i, ey: ane F. Engels, L. Feuerbach and the Outcome of Classical German opty ona ye. 1941), pig. 56; S. Kierkegaard, Attack upon Chvistendom 54 ma ior parte dos vossos problemas de direite civil de questées de praprie- dade? Mas é-vos dito que os vossos tesouros nao pertencem: mundo". oene UA doutrina cristi estabelecida é Para Marx «a religidlo caracteristica do capitulismo», umi superstrutura ideoldgica cuja propria existéncia s6 indi que ox verdadeiros problemas da vida ainda nio forum resolvides na Tene tesolvidos na Terra através de uma ulteragao das condigdes econdmicas, A“ motivagao ateistica do materialismo de Marx surge com bastante clreza na tese doutoral, Ali considera Epicuro como o maior Aufhldrer da Antiguidade por ter seguido Prometcu, «o mais nobre de todos os mértires nos anais da tilosofia», desafiando como mortal os deuses do edu ¢ da terra. Este desafio deverd ser retomado ag face do mito cristao e dos (dolos do mercado mundial moderno, pois i liquidagao final da consciéncia religiosa constitui condigae prévia para o dominio ¢ 0 controle do homem sobre o seu mundo, Com base neste ateismo inerente de autoconfianga lerrena, Marx empreendeu uma eritica radical & presente ordem com o propésito dea mudar. ‘Todo o seu estorgo de mudanca do mundo através de ums resolugio universal tem como pressuposto negalivo a negagio da dependéncia do homem cm relacio a uma ordem de criagdo existente. © trabalho de preparagio em nome da consciéncia religiosa foi jé efectuado pelos heglianos esquerdistas — por homens como D.F.Strauss, L.Feuerbach, B.Bauer ¢ M.Stimer. A critica de Marx a Filosofia do Direitu de Hegel, comega com a afirmagiio: «No que se refere 4 Alemanha, basica- mente, a critica da religiéo conhece o seu fim, e a critica da religido € um requisite prévio de todas as outras criticas», g saber, 0 mundo real, no religioso que se encontra apenas indirectamente retlectido nas ilusdes do sabrenatural ¢ religides do outro munda. Apés a «descoberta» de Feuerbach de que Deus é apenas uma projecco infinita do homem finito e que a eséncia da teologia & a antropologia, impde-se agora determinar «a verdade deste mundo», Referindo-se a ideia crista do Reino de Deus e da sua relagdo com a histéria, Marx afirma que também ele acredita na revelagio através da hist6ria e que no seu entender a histdria € efectivamente «de todos sem. excepgdo» ¢ de maior significado do que até para Hegel. Rejeita, porém, a ideia de uma hist6ria propria do Reino de Deus porque invalida toda @ verdadeira revelagio histérica. Se existe um Reino de Deus. os dezoito séculos depois de Cristo seriam um prolongamento absurdo. «Reivindicamos todo o conteudo da hist6ria, mas nde vernos nele uma revelagdo de Deus, apenas do homem»"®. Quando «a aura religiosa de auto-alienagio do homem» } Marx-Engels Gesamiausgabe, 1, Abt., V1, pp. 242 © segs. id., pp. 607 € segs. ‘Abt. IL, pp. 426 e segs. 55 isto & a iver dessparecido, & nevessirio desmascarar a s\ aa. da exploragaio material. tor-alien: m nio através do pecado mi ‘ Dese me 2 mt sereritica do céu> ‘an formu nn «critica da terran ¢ critica aa da economin ¢ da . . ese partir para a critica das condigies materiais. do homem, Marx néo se limita a deixar para tris a critica da religido, retoma.a antes num novo nivel. pois apesar de, com base num universo s a religifo no passar de uma falst conscigneia, a pergunta continua s posta: Por que motivo se desenvolveu neste mundo uma conscién quada? Se presumirmos, com Feuerbach, que 0 universo religioso nio passa de uma projecgio do universo do homem, somos tevados a pergunia motivo projecta o ultimo o primeiro, criando uma supersirutura religiosa? Ao colocar a questio, Marx é bastante mais critico do que Feuerbach, cujo humanismo era ainda um ateismo devoto, «E>, afirma Marx, «na verdade, muito mais facil descobrir através da andlise 0 nucleo terrestre das neblinas religiosas do que desenvolver. pela via inversa, a partir das verdadetras condigées de vida, as suas transformagées celestiais». O tiltime método é no entanto, 0 tinico cientifico, materialista e critico. O materialismo histé tem, por conseguinte, a missio de analisar as condigées ¢ especificas no seio do mundo real que tomam possivel a religido. D: seguinte critica a Freuerbach: Feuerbach parte do facto da auto-alienagio religiasa, do desdobra- mento do mundo num religioso e imaginirio ¢ noutro real. O seu tra- balho consiste na dissolugiio do mundo religioso na base secular, [gnora © facto de apds completar este trabalho, o principal ficar ainda por fazer. Pois o facto dea base secular se erguer acima de si mesma e se fixar nas fuvens como reino independente s6 poderd ser explicado pela autocliva- gem e€ autocontradicao nesta base secular. Por conseguinte, o Ultimo deve, ele préprio, ser primeiro entendido na sua contradigdo e depois, eliminando a contradi¢ao, ser revolucionado na pritica. Assim, por exemplo, uma vez descoberta a familia terrena como o segredo da Sagrada familia, a primeira deve entio. ela Prépria, ser teoricamente emiticada e radicalmente alterada na Prética’*. Nao basta afirmar em conjunto com Feuerbach igi . n que a religido é uma criacéo do homem; esta afirmagdo tem de ser qualificada por um maior conhecimento de ‘que a religidio € 4 consciéncia desse homem que ainda nio fegressou 3 Prépria sienagto ose encontrou em casa nas suas condigdes ima, a retigis um «mundo pervertido», ¢ esta perversdo terd forgosamente de continuar enquanto a esséncia do homem nio tiver ainda “ Fourth Thesis on Feuerbach, in P. Engels, L, Feuerbach.,., pag. 83. 56 encontrado uma existéncia adequada na ordem en _— mus depois cessari. A religiio € a «sol homem enquanto ele ndo girar em tomo de si proprio», A destruigio desta ailuséria felicidaden da religiao através da critica materialista conciti nas 0 lado negative do diteito positive A «felicidade terrena», Mam cota convicto de que o detinhar final da religido serd provacudo por esta fel cidade terrena, a forma secular da procura da salvagio, Uma critica estritamente materialista di religiio nio consiste nem na rejei¢do pura ¢ simples (Bauer) nem na mera humanizayio (Feuerbach), mas na fieme exigneia de se erfarem condigdex que privem a religiio de toda a sua proveniéncia © motivagio, A critica pritica a sociedade existente pode, por si s6, substituir a critica religiosa. Como consequéncia desta transformagao da critica tradicional a religido numa estritamente materialista, também o ateisma muda de sentido, Para Marx, deixa de ser um problema teoldgico, isto & uma luta entre deuses pagdos ¢ cristias, passando a uma luta contra fdolos terrenos. O principal idolo da sociedade capi , 110 entanto, © «caricter feiticista» das nossas merecadorias, trazido pela corrupgio dos meios de produgdo tteis em coisas objectificadas. de valores de uso concretos em valores de troca abstractos. Com esta corrupgio, o homem produtor de bens transforma-se num produto das préprias produgdes. «Tal como na religiio o homem & dominado pela criagdo da sua prépria mente, assim na produgdo capitalista o é pelo que as suas préprias méios criaram», A forma utilitarin de todos os nossos produtos € 0 novo idolo que tem de ser criticada e mudado. Além disso, o mundo modero sé na aparéncia se apresenta totalmente profano. Através das pré- prias invengdes, mais uma vez se tomou supersticioso. «Até aqui, acreditava- -8¢ que a criagAo do mito cristio durante o Império Romano sé fora possivel porque maquina de imprimir ainda nao havia sido inventada. Mas, sucede exactamente 0 contrdrio: a imprensa didria e 0 telégrafo, que difundem as invengdes da imprensa numa questo de segundos, fabricam mais mitos num 86 dia do que outrora teria levado um século aconseguir>'’, Por isso ndo basta reduzir, como fez Feuerbach, a teologia ¢ a religifio & chamada «esséncia do homem», mas deve-se estar atento ao surgimento de novos idolos ¢ supers- tigdes e barrar-lhes o caminho com uma critica sempre actuafizada das con- digdes reais, isto é. hist6rico-materiais. . Marx ¢ Hegels acreditavam ser capazes de coneretizar a filosofia de Hegel revolucionando as condigdes materiais. Por mais paradoxal que se possa afigurar, niio & profundamente disparatado, pois a filosofia do préprio Marx é, em prinefpio, no sé uma negagiio mas também a c

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