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Má fé não basta para explicar a crise das Bolsas. A essa causa se somaram outros
fatores, de ordem técnica. “A avalanche de novos lançamentos – segundo a revista
americana Business Week – soterrou o mercado acionário brasileiro”. Segundo o artigo,
o lançamento indiscriminado de quotas de fundos mútuos de investimentos, em 1969 e
1970, e as muitas emissões de papéis novos em 1971 (217) foram o estopim da crise.
Além disso, em setembro de 1971, quando todos os indicadores do mercado marcavam
acentuada tendência de baixa, foram aprovados lançamentos de ações de empresas
estatais (como Cesp e Cemig) e o aumento de capital do Banco do Brasil. Muitas destas
ações estão ainda estocadas em fundos, bancos de investimento e carteiras particulares
de grandes investidores.
Algo semelhante ocorreu entre 1890 e 1891, segundo descreve Edgard Carone em seu
livro “A República Velha” (Difusão Européia do livro).”Anuncia-se o projeto, obtém-se a
concessão, forma-se a companhia, e, antes de legalizar-se totalmente a sua existência,
os títulos já são vendidos na bolsa por altos preços. A sua revenda com ágio e a jogatina
tornam-se normais, principalmente porque os bancos operam largamente em caução de
títulos”, conta o historiador. E acrescenta que o governo, “para evitar aventuras de certas
companhias fundadas sem o mínimo capital, decreta uma série de medidas de controle e
moralização".
“Os números não confirmam esta versão. O volume total dos novos lançamentos, em
1971, foi de Cr$1,6 bilhão. Além desses, tivemos mais Cr$700 milhões em empresas do
Norte e do Nordeste amparadas pelos incentivos fiscais do Artigo 14. Esse número é
muito inferior ao acréscimo nos saldos dos títulos de renda fixa no mesmo período,
mesmo se adicionarmos o volume de emissões para aumento de capital de empresas já
participantes do mercado, que realizaram subscrições da ordem de Cr$3,7 bilhões.”
Ernane Galvêas disse, na mesma entrevista, que o ocorrido “no primeiro semestre de
1971 foi um fenômeno interessante de excessivo otimismo e elevada dose de
especulação, que atraiu para as Bolsas de Valores uma verdadeira multidão de
investidores, em grande parte inexperientes, dominados por uma exagerada euforia do
tipo corrida do ouro”. Mais adiante, citou o anúncio de grandes projetos governamentais, o
desenvolvimento de setores básicos e o “excelente desempenho de economia como um
todo”, entre outros fatores, como causas que puseram em marcha o processo de alta.
O governo, após o tombo do mercado de ações em 1971, ainda tentou várias fórmulas
pra provocar a recuperação, mas sem resultados duradouros. A primeira providência foi
autorizar a aplicação dos recursos do PIS (Programa de Integração Social), inicialmente
no montante de 240 milhões de cruzeiros, na compra de ações. Administrados pelo
BNDE, os recursos do PIS foram aplicados geralmente sob orientação de Ari Cordeiro, do
Banco Central. Certas corretoras, sobretudo cariocas, pareciam adivinhar o momento
exato em que os recursos entrariam no mercado e qual seria sua aplicação. Os papéis
eram comprados antecipadamente e revendidos com grandes lucros . Feitas as contas,
os 240 milhões serviram para reativar o mercado por três dias .
Essa fórmula foi logo abandonada pelo governo. “Afinal – disse um funcionário do BNDE
– o dinheiro do PIS é do trabalhador.” Depois disso, as autoridades mandaram que a
Caixa Econômica Federal repassasse o dinheiro às corretoras. Antes, a Caixa já havia
perdido grandes somas, comprando quotas de fundos mútuos que eram resgatadas pelos
aplicadores. Desta vez, a perda foi ainda maior, servindo apenas para que corretoras
pagassem dívidas e especulassem com ações de algumas empresas.
A última grande medida dessa série ocorreu no dia 12 de maio de 1975, quando foi
divulgado o Decreto-Lei 1.401, que autorizou o ingresso de capital estrangeiro, via
sociedades de investimento. No entanto, o interesse dos investidores externos foi
modesto: no fim daquele ano só haviam entrado cerca de 300 milhões de cruzeiros.
Ruy Lage, presidente da Comissão Nacional das Bolsas de Valores, diz que “o investidor
brasileiro ainda não entendeu bem o que é investimento”: “O certo, porém, é que, quando
a Bolsa está em baixa, quem aproveita a situação é justamente o comerciante de ações,
isto é, o grande investidor. O pequeno, por ignorância ou falta de dinheiro, vende suas
ações para os grandes, o que implica maior concentração de riqueza”.
Campiglia diz que as ações ainda são um excelente negócio, “mas os responsáveis pelo
mercado não perceberam que o fator confiança que é seu principal fundamento, somente
poderá ser readquirido por meio de esforços educativos e esclarecedores.”
Para que isso ocorra, ele considera que governo e iniciativa privada terão de efetuar,
juntos, “intenso trabalho de esclarecimento, para mostrar ao grande público investidor que
agora as coisas serão feitas de maneira honesta e decente”. O superintendente da Bolsa
de Valores do Paraná defende idéia semelhante, afirmando que os resultados não virão a
curto prazo. “Só existirá um mercado de capitais sadio dentro de alguns anos”, declarou.
De modo geral, Alberto Pereira acredita que a experiência de 1972 não voltará a ocorrer,
“dadas as medidas governamentais e o esforço dos empresários, no sentido de tornar
mais seguro o mercado de capitais”.
A Lei das S.A. e a CVM trazem novas esperanças. Mas muitos empresários gaúchos
consideram que o trabalho de recuperação será lento e difícil, “porque as empresas, como
um todo, perderam a confiabilidade a tal ponto que hoje as organizações sólidas e bem
administradas, que sempre apresentaram bons resultados, estão injustamente pagando
pelo mal que não praticaram".
Rômulo Almeida aponta ainda “o tratamento desigual a que são submetidas às minorias”,
como fator decisivo para a fraqueza do mercado de ações. “As instituições relacionadas
com as sociedades por ações no Brasil conduzem mais a outras vantagens do tipo
“mordomias” do que à distribuição de dividendos”, afirmou, para concluir que , por meio do
controle acionário, certos grupos conseguem empregos para sujeitos inúteis, concessão
de viagens e muitos outros benefícios, tudo por conta das empresas”. O economista
adverte, por último, as autoridades para que investiguem as gratificações de diretoria que,
segundo ele, “são tão grandes quanto toda a gratificação dada aos trabalhadores”. E
prevê que “o mercado de capitais pagará durante muitos anos pela falta de previsão e de
intervenção oportuna por parte do governo”.
TUDO BEM
“Era crença antiga – disse Lira, em entrevista no fim do ano – que não se poderia firmar
um mercado de capitais em nosso País, porque não havia capitais internos disponíveis
nem público investidor. Apenas poucos poupadores, que se contentavam com meia dúzia
de ações com alguma liquidez e esporádicas aplicações em papéis de renda fixa”.
BANQUEIROS
Diz Lázaro de Mello Brandão, presidente do Sindicato dos Bancos no Estado de São
Paulo, que o mercado de ações há muito tem sido o primo pobre do sistema financeiro.
“Este mercado -diz ele- teve seu auge de cotação em 1971, como conseqüência de uma
especulação desenfreada, desenvolvida sem escrúpulos por algumas instituições e
empresas, alicerçadas nos famosos contratos de sustentação”.
“Hoje – dia Lázaro Brandão – a capitalização das empresas está se processando quase
exclusivamente por meio dos fundos fiscais ou dos órgãos governamentais criados com
essa finalidade, o que agrava o problema da estatização da economia”.
Mas lá o fenômeno nos parece menos sério, em face do grau de formação de capital que
já atingiram”.
E justifica:”É fácil entender-se que, havendo opção ilimitada para aplicações financeiras a
risco zero, protegidas contra a inflação e com juros positivos, liquidez plena ou razoável,
tributação suave somente na fonte e até estímulo fiscal para o aplicador, os investimentos
em ações tinham mesmo de ficar praticamente fora do mercado. Para estes fluíram
apenas parcelas dedutíveis do Imposto de Renda, via fundos 157, porque neste caso, o
contribuinte não tinha opção”.
Diz Moraes Abreu que “já é tempo de reorientar as poupanças, para dar às empresas
privadas a dimensão de capital de que carecem para competir no mundo desenvolvido”.
“Não será só com financiamentos que essa competição se tornará viável”, afirmou,
acrescentando que, “enquanto perdurarem as dificuldades para a captação de
investimentos acionários privados e nacionais, crescerão inexoravelmente, como é óbvio,
as participações estatais e estrangeiras no processo de industrialização”.
A correção monetária anual do capital registrado das sociedades anônimas de capital
aberto – já prevista na Lei das S.A. -, é uma das sugestões de Moraes Abreu, para
reverter as poupanças para o mercado de ações.
Entretanto, somente essa medida, segundo ele, “não é suficiente”, Moraes Abreu propõe
também a isenção de encargos fiscais para a remuneração do capital aplicado em ações
– “ou seja, os dividendos devem ter, para a empresa, o mesmo tratamento fiscal aplicável
aos juros dos financiamentos, admitindo-se os dois como despesas operacionais”; e a
redução dos juros das Obrigações Reajustáveis, cadernetas de poupança e demais
instrumentos de captação com correção monetária aberta e garantia estatal, mais a
eliminação de todos os incentivos fiscais.
Estes instrumentos, diz ele, estabelecem o patamar mínimo de juros no mercado, e, por
isso, são, no momento, um fator de encarecimento do custo do dinheiro. “Além disso, os
incentivos fiscais somente beneficiam os grandes investidores”.
A retirada da isenção de imposto sobre os lucros reais auferidos pelas pessoas físicas nas
transações imobiliárias é a última sugestão apresentada pelo banqueiro paulista – em
verdade, a mais concreta para a recuperação do mercado de ações. “Isto deve ocorrer,
para que as sugestões anteriores, quando postas em prática, não provoquem um desvio
indesejado no fluxo de poupanças”, explicou.
A concentração dos incentivos fiscais somente em ações e debêntures, conforme
defendem os economistas Cláudio Hassad e Carlos Geraldo Langoni, da Fundação
Getúlio Vargas, também é apoiada entre banqueiros. O diretor-financeiro do Banco Itaú,
Luiz Queiroz Guimarães, vai além: “O governo deve cancelar todos os incentivos fiscais
para as pessoas jurídicas, exceto o de reflorestamento”.