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de rosa.
Mila Olivier
Ela veste preto, mas o baile é cor de
rosa.
Mila Olivier.
Ela veste preto, mas o baile é cor de rosa. Cap.1
– Bom dia New Park, são 10h45min da manhã, o sol está brilhando lá
fora e a galera quer te ver!
– Não enche! Eu quero dormir mais um pouquinho, plis! – diz Dora
querendo assassinar o rádio relógio.
– O tipo de mulher que merece uma surpresa hoje, não concorda David?
– Claro Sra. Lara.
– Mãe! – Grita Dora envergonhada.
– Só estou querendo te ajudar boba. Quando é que ele vai fazer o
pedido, a vida passa e nossas posições precisam mudar.
Lara é o tipo de mulher madura e linda que não poupa comentários,
sempre está no meio dos furacões que acontecem em New Park e se uns a
chamam de moderninha intrometida outros adoram suas respostas. Ela se
define apenas como realista.
– Não liguem pra mim, tolinhos! Eu só quero ajudar.
Mas era verdade, ninguém podia negar como Dora estava linda
descendo as escadas com seu enorme vestido negro tomara que caia
cravejado de brilhinhos num estilo corpete na parte de cima e uma saia bufante
na medida. Seus cabelos compridos e castanhos estavam presos num coque
desalinhado, uma maquiagem leve e sapatos de salto agulha pra acompanhar.
– Eu mereço tanto? – pergunta David tomando-lhe a mão.
– Já não basta minha mãe vem você também, vamos logo antes que eu
desista e vá calçar coturnos.
– A Sra. não vem? – pergunta o rapaz esperando.
– Não! Vão vocês crianças! Não quero fazer concorrência pra ninguém,
mas divirtam-se.
Quase vinte minutos depois David já estacionava seu Porshe vermelho
em frente ao prédio conhecido como Clube de New Park, quem era alguém ou
tinha seus quinze minutos de fama tinha que passar por lá ou não teria existido
realmente.
– O que foi? – pergunta David.
– Nada, só um mal estar. Você não se cansa às vezes desse mundo de
festas e aparências, fazendo poses o tempo todo. Algumas vezes chego a
achar que sou uma boneca de papel que só serve pra se vestir.
– Não é nada, você só está nervosa querendo que o baile dê certo! – diz
ele enquanto lhe acaricia o rosto e dá um beijo em seguida.
– Você tem razão, vamos! – anima-se Dora dando-lhe a mão.
– Respire fundo! – diz para si própria.
Entraram juntos e logo puderam perceber o olhar de todos em cima
deles, pois toda a galera estava com alguma tonalidade de rosa e vermelho
enquanto que Dora era a Dama de preto.
– Dora o que é isso, quebrando sua própria regra? Se você não fosse
minha melhor amiga eu seria obrigada a me vingar!
– Desculpe Mell, foi uma idéia que eu tive agora quase na hora de vir. O
vestido rosa que fui provar com você estava manchado, estranho, não ia rolar.
– Tudo bem, dessa vez passa porque vocês são o casal mais show
desse baile e porque essa sua borboleta rosa aí atrás em forma de laço tá um
must! – termina Mell toda eufórica.
À partir daí o casal não teve mais tempo, pois Mell puxou Dora para um
canto e David foi conversar com seus amigos.
– E então? Ele vai fazer o pedido hoje?
– Não sei Mell, você e minha mãe hein, só pensam nisso!
– Mas se não fizer tudo bem, porque a gente vai pra Faculdade de Moda
no próximo semestre e lá você vai ter mais tempo pra repensar sobre esse
relacionamento.
– Pára Mell, sempre decidindo tudo, me dá um tempo tá!
Dora ia passando no meio do salão quando David lhe dá um puxão e a
toma nos braços para dançar.
– Você ainda não me concedeu aquela dança. – cochicha em seu
ouvido.
– Eu estava indo pra cozinha conferir o Buffet e...
– Deixa pra depois e vem.
Eles dançavam lentamente como se não houvesse mais ninguém
naquele salão apenas os dois e a música que os envolvia por entre a fumaça e
os balões. Seus corpos voavam juntos pelo espaço escuro e a única luz
existente era a refletida pelo brilho de seu vestido e a alegria de seu olhar.
Nada mais podia lhes atrapalhar, pois eram um só corpo.
– Isadora, eu preciso falar com você. – diz afoito.
– Claro, o que é? – pergunta Dora quase caindo.
– Você gost...
De repente todos escutam gritos vindos lá de fora e Dora não consegue
ignorar.
– Ai, só pode ser brincadeira, eu tenho que ir amor senão sobra pra mim.
– Você tem certeza? – pergunta o moço.
– Até daqui a pouco. – responde ela desvencilhando-se.
Chegando lá fora percebeu que se tratava de uma briga ou quase
covardia que estavam fazendo com Paris, ele estava tentando entrar enquanto
a turma o barrava.
– Alienígenas não são permitidos, sinto muito.
– Sai da minha frente, a Dora me convidou. – diz raivoso.
– A tá, provavelmente por dó, se toca e some daqui, nerd.
– Nãaaooo!!! – grita furioso.
Dora já estava chegando ao centro da confusão, mas Paris percebe e
não querendo passar por mais uma cena onde ele precisaria ser protegido por
ela sai correndo antes que ela consiga alcançá-lo.
– Paris! Vocês hein, como são empata festas!
Os rapazes não ligaram e Dora viu que aqueles sim eram casos
perdidos, resolveria com Paris mais tarde, agora era hora de voltar para David.
Ela procura e não encontra, pergunta a todos onde ele está até que
alguém responde.
– Ah, o David, vi ele indo para o telhado.
– Telhado, que estranho, deve ser pro pedido ficar mais romântico.
A garota corre para o terraço do prédio e quando abre a porta já sem
fôlego para a felicidade ouve outro grito que dessa vez chama seu nome.
– Dorrraaaa!!!!!
Era David, ele estava caindo do prédio e era possível ver apenas suas
mãos tentando se agarrar a beira dos 16 andares aos quais ele estava
pendurado.
– Meu amor, me ajuda, segura! – grita ele.
Dora tenta agarrar suas mãos como pode, mas o peso é muito e o
vestido começa a rasgar e a levá-la com ele.
– Não vou soltar, eu juro, nem que meu braço caia! – grita chorando e
histérica.
Ficam assim por alguns minutos, porém Dora está cada vez mais para
fora do telhado até que David lhe olha nos olhos e diz.
– Tudo bem, você tentou, agora me larga.
– Não, nunca!
– Dora, me larga não tem jeito!
Dora continuava insistindo até que David dá um ultimato, balançando-se.
– Dora larga, eu sinto muito, mas não deu.
Ele balança, soltando-se da garota que vai para trás e volta compulsiva
chorando com o olhar vidrado ainda a tempo de ver os olhos verdes de seu
amado perderem a cor em meio a escuridão que se fazia mais densa quanto
mais ele caia.
– Nãaaaooooo!!!!!!
ASS. R
Dora leu aquilo com uma terrível dor dentro de si, mas também tinha um
egoísmo alegre por provar que estava certa, se não estivessem brincando com
ela, claro. Apenas ficou em pé ao lado da janela para refletir.
– Eles vão ver David, vão ver!
Sábado de manhã.
– Nossa! Como é maravilhoso! – espanta-se Dora observando do lado
de fora o loft que alugou.
O loft fica em Holanda Garden, um bairro mais afastado e carente, bem
diferente dos que ela já havia visitado na vida. Abriu a porta com ansiedade e
descobriu um salão vazio de médio porte com grandes janelas e muita luz onde
só o banheiro e a cozinha eram separados do resto.
– Meu primeiro canto, minha mãe vai ter um treco quando souber! –
pensava ela enquanto tirava suas coisas do furgão.
Ela tira primeiro as malas com roupas e seus pertences que estavam
distribuídos numa sacola e um nécessaire até que percebe que uma mesa de
madeira estava atravancando a retirada das outras coisas. Tenta tirar sozinha
puxando-a o máximo que pode, porém não consegue nem fazê-la se mover.
– Droga! Só essa que me faltava! – sussurra raivosa de sua impotência.
– Calma ninguém disse que morar sozinha é fácil. Vamos Dora você consegue!
– termina encorajando-se.
De repente alguém vem subindo a rua rumo a seu encontro.
– Calma aí, deixa eu te ajudar! – diz o rapaz.
– Não, tudo bem! Eu me viro! – agradece tirando-o do caminho.
– Pelo que eu sei arrogância ainda não dá superpoderes. – brinca.
– Cara dá um tempo, eu nem te conheço, tô no meio de uma mudança e
tava tudo bem até você chegar com as suas gracinhas. Cai fora! – ordena Dora
grosseira.
– Nossa que grosseria! Eu não te conheço, quero te ajudar e você vem
com sete pedras na mão enquanto deveria me agradecer pelo favor prestado.
Esse mundo tá perdido mesmo!
Dora finalmente olha para o rosto do rapaz e vê que ele realmente
estava sendo sincero, é que estava tão vacinada contra a galera de New Park
que pensava que qualquer coisa podia ser uma retaliação deles. Reconsiderou.
– Olha! Me desculpa! É que as coisas não têm sido muito fáceis pra mim
ultimamente e eu ando muito irritada, mas não vou te alugar mais, você não
quer saber. – anima-se.
– Ah! Sei aqueles dias no mês! – ri.
Dora fecha a cara de novo.
– Não é nada disso! – responde.
Ela estava ajudando a segurar o móvel, mas bravinha larga e entra
apenas indicando o caminho, o rapaz fica tentando arrastar a mesa dando-se
conta do quanto realmente era pesada. Arrependendo-se de seu ato.
– Isso! Vai ajudar a garota frágil, quem vai acabar fragilizado aqui é você
Mané! – grita para si próprio.
– Acho que já vi esse cara em algum lugar. – pensa Dora que é péssima
de fisionomia, mas logo se esquece e empolgada começa a arrumar as coisas
pelo apartamento.
Ela dançava e se mexia pulando de um lado para o outro para ajeitar
pufs e almofadas que trouxe de New Park. Sua idéia era ser bem despojada, o
moderno ateliê de uma designer antenada. Havia se esquecido da vida quando
rodopiando percebe no meio do giro uma imagem parada à porta.
– Aí! É você! – assusta-se.
– Sim, sou eu. Ou você deixou mais alguém na rua pra morrer trazendo
seus trecos? – diz bufando, irônico e destruído pelo trabalho.
– Foi você que insistiu! – ironiza ela.
– Depois dessa eu vou ser canonizado. Onde coloco? – pergunta
referindo-se a mesa atrás dele.
– Ah! Pode ser lá dentro no quarto. – diz Dora quase rindo com a cara
de pavor que ele faz medindo a distância.
Porém o moço não se deixar abater e começa a arrastá-la. Nesse
momento surge um estalo na mente dela.
– Claro! Ele é o garoto da aula de história da arte que tirou a minha nota!
Que cara sujo ainda por cima veio até aqui pra me espionar, desgraçado!
Dora irada começou a lhe dar murros e o cara sem entender apenas foi
rápido em segurar suas mãos.
– O quê você tá fazendo? Você é louca, é?
– Você é um espião pra eles, não é? Bem que eu desconfiei, bonzinho
demais pra ser verdade. – grita.
– Eu não sei do que você tá falando! – grita também.
– Da aula de história da arte, da nota e sua falta de educação
exibicionista. Foi tudo idéia dela não foi? – pergunta eufórica.
– Ah! Você lembrou! Mas foi tudo uma grande coincidência infeliz,
quando ví já estava respondendo e quanto ao bairro eu moro aqui! É que tenho
uma bolsa lá naquela escola e preciso mostrar que mereci. Agora tava
passando na rua e te ví precisando de ajuda e resolvi ajudar, te reconheci a
pouco também. Não tem nada a ver, acredita em mim e se desarma só um
minuto. – terminou.
Dora se acalma em parte. O suficiente para perguntar.
– Então, qual o seu nome?
– Alonso Aloha. Como você já percebeu, ao seu dispor. – responde
ironizando uma reverência. – E o seu, irritadinha? – continuou.
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– A senhorita ligou para nós essa manhã porque vêm recebendo cartões
anônimos de alguém que assina apenas com a sigla R, não é?
– Isso! Ele sabe sempre aonde eu tô e quando menos espero, lá está
um cartão desses sempre falando em uma linha no máximo aquilo que eu tinha
certeza, mas ninguém acredita em mim.
– E que certeza é essa senhorita?
– Que o meu namorado David foi assassinado e não que se matou como
todo mundo julga!
Dora passou todos os cartões para as mãos de Leo que os analisou um
a um meticulosamente. Comentando.
– Cartões estranhos para um assassino, não acha senhorita?
– Só Dora já está bom. E não, não acho. Vá saber lá o que se passa na
cabeça desses loucos.
O detetive assentiu com a cabeça e continuou a perguntar.
– Não é verdade que a senhor... ou melhor você Dora não é bem vista
por ninguém em New Park e que vem tendo desde a morte de David problemas
com seus antigos amigos?
– É verdade, mas não por isso e sim porque pude ver agora quem eles
são realmente! – protestou.
– Você não acha que as pessoas que tem tudo e são contrariadas são
capazes de ir ao extremo para conseguir provar seus pontos de vista?
Dora nesse momento se exaltou.
– Onde você está querendo chegar?
– Eu a lugar algum, só quero compartilhar meu ponto de vista. Às vezes
as pessoas pensam que vêem coisas, colocam uma idéia fixa na cabeça e
começam suas obsessões para não aceitar um fato! – terminou.
– Quem você pensa que é pra me falar essas coisas. Não está
acreditando em mim, eu sei o que ví, estou recebendo esses cartões de algum
louco, brincalhão, idiota ou o que quer que seja e você vem com essa de
obsessão. Que espécie de policial você é? Aliás, não sabia que a polícia
recrutava crianças! – diz debochando vingativa pelo que Leo havia lhe dito e
por sua jovem aparência.
– Calma lá, eu só estou conversando, analisando os fatos!
– Pois analisou mal, eu chamei a polícia pra que me ajude e não pra ter
mais um que duvide. Pra isso eu tenho New Park toda.
– Tá garota, mas é que...
– Mas nada, agora é tarde, eu tenho coisas a fazer! Passar bem! –
termina Dora abrindo a porta e a segurando firme pra que ele saísse.
O detetive levanta-se, deixa os cartões sobre a mesa e sai pensando
risonho.
– Nossa! Que menina, essa é das minhas!
Dora bate a porta atrás dele que fica mais risonho ainda, como se
estivesse testando-a.
Enquanto isso ela pensa furiosa por não ter conseguido a ajuda da
polícia e toma uma decisão.
– Se não consigo quem me ajuda farei tudo sozinha mesmo!
O mais incrível é que como encanto Dora recebe mais um dos
conhecidos cartões vermelhos por debaixo da porta que habitualmente dizia.
Por milagre Alonso apareceu do nada na hora certa. Mas como era
possível, pensava Dora.
– Cara, solta ela! Ou eu vou ter que ir aí pra te obrigar! – gritou
novamente.
– Olha playboy, como fala comigo ou vai acabar num lugar muito pior do
qual eu ia levar sua namoradinha! – diz o grandalhão com raiva.
– Ninguém quer brigar aqui. É só você ser cavalheiro e largar a menina,
todos vão embora, esquecemos o que aconteceu e a noite continua. Simples
assim, e a propósito ela não é minha namorada! – termina olhando para Dora
que olha de volta surpresa por ele frisar uma coisa dessas naquela situação.
O homem rindo, abaixa a cabeça em direção a ela e comenta.
– Xiiiii gata! Tu é carne de pescoço mesmo, nem o cara que tá te
salvando quer nada contigo!
Vendo que o homem se distraiu, Alonso se aproxima dos dois e dá um
empurrão nele que abranda os braços em torno de Dora com o susto. Ela
consegue finalmente se desvencilhar dele e corre para perto de Alonso.
Eles já estão indo embora, tentando passar pelo meio das pessoas que
se juntaram para ver o ocorrido muito comum naquela rua, porém Alonso sente
uma mão enorme lhe passando pela frente e tomando o colarinho. Sendo
puxado para trás num só impulso e caindo no chão, ele não pôde fazer nada
para evitar a queda com tanta violência que acabou raspando o braço no
asfalto.
– Um pra mim. Zero pra você! – grita o marginal sentindo-se vitorioso.
– Ainda não! – diz Alonso se levantando.
Dora puxa Alonso pra perto dela e cochicha.
– Alonso, vamos embora! Não precisa fazer isso, olha como tá o seu
braço. – aponta para o braço direito todo ralado.
– Não foi nada! E eu acho que eles não vão deixar a gente ir embora
antes de uma boa briga. Só sair correndo você viu que não vai funcionar!
Mal completou essas palavras foi puxado de novo pelo grandalhão que
dessa vez dava socos nas costas. Alonso se protegia e conseguiu acertar
algumas mãos certeiras no queixo do marginal.
– Eu sou canhoto! – sussurrou para Dora que não entendia como ele iria
brigar com o braço direito ruim. Ela sorriu pela ironia apesar de tudo.
O homem começou a cambalear, pois tinha queixo de vidro, as pessoas
do local não estavam gostando do forasteiro estar ganhando até que uma delas
dá ao cara uma garrafa de vidro e num descuido de Alonso, lá vai a garrafada
direto na sua moleira.
– Não é justo! – grita Dora.
Alonso cai desmaiado no asfalto, sangrando muito na nuca. Dora quer
socorrê-lo, porém ninguém deixa.
– Finaliza! – gritavam.
Quando o grandalhão ia fazer isso ouvem a sirene da polícia despontar
no começo da rua. A situação é de pânico geral e todos correm tentando achar
um buraco para se esconder deixando Dora e Alonso lá no meio do asfalto.
Ela pula para perto do moço e começa a verificar o que aconteceu com
ele que abre um pouco os olhos.
– Tá tudo bem Dora? A gente ganhou? – pergunta olhando para os
lados e não vendo ninguém ao redor.
– Parece que sim! – responde passando a mão em sua cabeça para
estancar o sangue.
– Não se preocupa Alonso. Vai ficar tudo bem!
Tentando tranqüilizá-lo, ela lhe diz isso vendo que a polícia se aproxima.
Eles param e um deles desce lhe dizendo.
– Ora, ora, mas que mundo pequeno esse!
Ela veste preto, mas o baile é cor de rosa. Cap14.
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Dora, que por algumas horas pareceu tão aliviada do terror que sua vida
se transformou voltou a sentir tudo de novo e como era horrível voltar a
realidade. Apenas deixou uma lágrima rolar e voltou para dentro caindo em si.
Ela veste preto, mas o baile é cor de rosa. Cap18.
Toc – Toc!
– Dejavú! Vai ser assim todos os dias? – pergunta Romeo ao atender a
porta.
– Não meu amigo! Hoje foi melhor! Ela ficou comigo! – conta Alonso
rindo e chacoalhando os ombros do amigo.
– Já tava me preocupando de novo! Quase liguei pros seus pais, você tá
diferente. Tem certeza que essa garota vale a pena?
– Lá vem você de novo Romeo! Sempre tão desconfiado, pode ter
certeza, dessa vez será diferente eu sei me cuidar! – termina indo para o
quarto.
De lá recomeça a conversa gritando.
– Ah! E tem mais, hoje à noite você vai conhecê-la!
– Conhecê-la? Como assim? Alonso o que você está aprontando?
– Nada! Só pensei em fazer um jantar romântico onde você estará de
saída assim que ela chegar e aí poderá conhecê-la. Assim que a ver você vai
mudar essa sua cara de receio e vai passar a ser seu fã.
– Tanto assim? Acho que não, meu nome não é Alonso. Obrigado
amigo, mas sou vacinado nesse negócio de amor. – diz olhando pela janela, se
achando o mais esperto dos caras.
– E como você vai explicar esse lugar pra ela? Afinal de contas é meio
diferente desse bairro! – pergunta rodando com os braços esticados mostrando
o sobrado.
– Vou dizer que é seu!
– Como? – pergunta Romeo quase tendo um ataque de pânico.
– Calma Romeo! Vou dizer que você ganhou de herança de um pai que
deixou sua mãe grávida e abandonada e que nós dois trabalhamos duro pra
manter essa casa e quase não conseguimos.
– Tinha que meter minha mãe e meu pai no meio né! Tava demorando!
Se minha mãe descobre o que você tá inventando sobre ela e meu pai...
– É por isso que a Dora precisa te ver aqui pra ter certeza que eu não
inventei nada.
– Cedo ou tarde ela vai acabar descobrindo sobre você, e se ela for
metade do que você me contou isso vai acabar muito mal.
– Não vai não! Tudo se resolverá a seu tempo! Vou ligar pra ela agora.
Alonso liga para Dora que atende ainda desanimada com o cartão e
fotos de R. Ela tenta disfarçar e sem saída aceita o convite para jantar.
– Mal posso esperar pra chegar de noite e a gente se encontrar de novo.
Afinal, já faz algumas horas que não brigamos, o universo perderá seu
equilíbrio desse jeito.
Ela ri nervosa. Até que Alonso pergunta.
– O que foi Dora, um jantar te assusta? Não se preocupe, não sou
nenhum tarado serial killer, é só um jantar. Além do mais meu amigo estará
aqui e ele é bem medroso.
– Tudo bem! Até a noite então! – diz anotando o endereço e desligando
em seguida.
– Ai meu Deus! O que eu faço agora? Sigo o que o R quer e me
submeto a esse idiota ou vou e acabo colocando Alonso em perigo!
O Baile continua...
A galera se diverte geral na festa cujo Mell não impôs limites nem hora
para acabar. Tudo estava normal até que Alonso pede licença e se distancia,
desaparecendo entre os convidados mascarados.
Dora tenta passar entre eles para se sentar na cadeira de uma mesa
vazia, porém um convidado de estatura média fica em seu caminho.
– Licença senhor! – pede ela.
O homem misterioso dá, mas quando ela tenta passar novamente ele
pula em sua frente e impede a passagem.
– Aff! Cara folgado! – Dora sussurra. – Senhor, assim não vai dar!
Até que ele lhe passa um cartão azul com os dizeres.
Ela gelou nessa hora e com os olhos amuados subiu seu rosto até os
olhos mascarados e cochichou sem querer estar certa.
– R?
O cara balança a cabeça devagar em sinal negativo, erguendo a mão
em sua direção. Ela ia correr, mas ele rapidamente toca na máscara e levanta-
a para cima, revelando-se.
– Booo!!!! Credo Dora, que medo! Quem você achou que fosse com
esse negócio de R?
Ela respirando fundo, refazendo-se do susto responde com raiva.
– Não sei, nem sei o que ia falar de tanto medo! Mas por que a
brincadeira Paris?
– Não deu pra resistir! Você tava aí parada e em que noite mais eu
poderia andar sem ninguém pra me encher? O mundo devia ser assim sempre,
todos mascarados. Mostrando só o que querem, quando querem, sem
compromisso de identidade.
– Mas de certa forma já não é assim? – pergunta Dora.
– Não, eu não acho que seja assim! Pelo menos não pra mim. –
argumenta.
Paris percebe que estão olhando e resolve ir.
– É melhor eu voltar a esse mundo que criei e provar minha teoria, só
por uma noite. Ser normal e me divertir com todos! Do mesmo jeito que se
divertem comigo! – sussurrou.
– Vai! Mas não faz nenhuma besteira! Não se rebaixe ao nível deles! –
recomendou Dora. – Nada de assustar ninguém! – gritou quando ele já estava
longe.
Um pouco mais adiante, do outro lado da piscina cheia de balões que
havia na área das mesas, um cavalheiro de máscara negra ergueu um brinde a
ela que ignorou. Ele foi chegando mais perto.
– De novo não! Alonso, cadê você? – pensou.
O cara se aproximou até que não houve como fugir.
– Bela noite não senhorita, especialmente para prender maus
elementos!
– Detetive Leo! – surpreendeu-se.
– Eu e os nossos dois espiões. Não vim falar com você antes por causa
do seu namorado e daquele cara esquisito que estava aqui até agora. –
justificou engolindo o champanhe.
– E como andam eles? – quis saber Dora.
– Até o momento nada! Mas não vamos desistir, sua amiga com esse
baile de máscaras enfraqueceu nossos planos. Avante então, vencer as
dificuldades! – disse, voltando para o outro lado da piscina.
– A Mell enfraquece qualquer um! – comentou Dora para si.
Alonso, depois de desaparecer um tempão, estava retornando para junto
dela quando é surpreendido por um professor que lhe perguntou.
– Você não me é estranho! Nos conhecemos de algum outro lugar?
– Acho que não! O senhor está se confundindo porque eu tenho uma
cara muito comum!
– Tem certeza? – insistiu o homem.
– Tenho! Absoluta! Não freqüentamos os mesmos meios, eu sou
bolsista! – frisou.
O professor desculpou-se pelo incomodo e Alonso pôde voltar para
Dora. Recolocando a máscara urgentemente.
– O que o professor queria com você? – quis saber ela.
– Nada! Só queria me parabenizar por um trabalho.
– CDF! Que demora! Onde estão as bebidas? Não se afaste mais, estou
com uma impressão terrível de que alguém me observou o tempo todo, só
agora que você voltou é que passou.
– Impressão sua sentindo falta da minha presença protetora!
– Convencido!
– Tá! Eu te mostro o motivo da demora! – disse ele, estendendo-lhe a
mão.
Uma música começou a tocar fazendo movimentar o casal que
permanecia imóvel em posição de dança.
– Me perdoe por hoje mais cedo. – pede Alonso.
Eles dançaram até o fim da música, como se não fossem fazer isso
nunca mais.
Dora estava cansada, mas sorria feito uma criança que ganhou o que
mais desejava. Porém, quando voltava para a mesa, viu um vulto que se
destacou dos outros, passar entre os convidados do outro lado da piscina.
– O quê foi aquilo? – sussurrou para si própria, se achando louca.
– Aquilo o quê? – perguntou Alonso, que escutou o que ela disse.
– Nada! Deve ser cansaço, acho que vou me refrescar um pouco no
toalete. Licença. Vá descansando esses pés de valsa que eu já volto! – brincou
antes de sair, dando-lhe um selinho.
Dora saiu dos fundos do pátio, onde se encontrava a piscina e
atravessava a pista de dança, quando de repente o vulto cruzou seus olhos
novamente. Uma silhueta familiar que a preocupava muito conhecer.
Ela ia passando entre as pessoas que agitavam na pista, às vezes
vendo-o nítido, outras vezes só reluzindo a vestimenta preta bem mais a frente
dela, que não desistia de seu objetivo.
– Eu só posso estar louca mesmo, pra estar fazendo isso! Vai ver todo
mundo tem razão! – pensava.
Dora estava num jogo de gato e rato que ela mesma criou e que não
sabia no que ia dar. Na certa, pensou que encontraria o rapaz da roupa preta,
ele se identificaria, ela se desculparia por sua gafe e a situação estaria
solucionada. Mas não foi bem assim que aconteceu.
Após muito procurar pela pista de dança e arredores já estava
desistindo, quando o avistou na sacada de uma sala que estava aberta no
primeiro andar. Mell avisou nessa hora sobre a queima de fogos que começaria
para saudar o baile, enquanto Dora corria ansiosa para pegá-lo.
Chegou à sacada exatamente no começo do foguetório, mas viu que lá
não tinha ninguém.
– Droga! Nem na bebida eu posso colocar a culpa desse meu devaneio.
– diz decepcionada por ter gastado seu tempo correndo atrás de um fantasma
e constatando que não bebeu nada.
De repente, freneticamente alguém apareceu atrás de Dora, lançou a
mão em suas costas e virou-a indefesa para trás, dando-lhe um beijo com meia
máscara levantada. Os fogos ardiam no céu, multicoloridos e incessantes como
nos melhores shows do gênero. Lá em baixo todos assistiam a cena inusitada,
inclusive Alonso que foi procurar por ela. Era impossível não ver o casal
mascarado iluminado pela luz do acontecimento.
Dora, após o elemento surpresa, deu um tapa de imediato no atrevido,
que respondeu rindo. Ela olhou para baixo e pode ver Alonso indo embora
decepcionado por reconhecê-la na sacada.
– Seu idiota! Olha o que você fez! – grita para o mascarado de
vestimenta preta, virando-se para ele. – Paris, não é você, é? Porque se for
dessa vez você foi longe demais! – continuou.
Ele não respondeu nada e continuou observando pela máscara.
– Eu mereço! Que espécie de baile é esse que todo mascarado vem me
atazanar? – pergunta olhando para o céu.
– Foi você que começou a me seguir. – respondeu o mascarado rindo.
– É que eu tive a insana impressão de ser meu ex-namorado... Mas é
impossível! E por isso você já vai beijando a primeira que te seguir! – diz,
querendo recuperar a razão.
– Você quase acertou! – fala, retirando a máscara de vez.
Dora, ao olhar para seu rosto fica catatônica sem conseguir ter alguma
reação por mais que tentasse.
Enquanto isso na rua, Alonso estava descendo a avenida da faculdade.
Quando um carro vem a toda velocidade no silêncio desértico do local e
acelera para cima dele que se joga para o lado, saindo do alvo mortal e rolando
para o canto da calçada. O veículo continuou sua corrida desenfreada
deixando apenas o rastro de pneu queimado até desaparecer no fim da pista.
Ele observa a partida do carro até que o celular toca.
– Alô!
– Você não está fazendo seu trabalho direito! – diz do outro lado uma
voz feminina.
– Se eu ficasse lá ela ia desconfiar de tanta panaquice! – justifica.
– Acho que está confundindo seus propósitos.
– Não é nada disso! Eu garanti que ia dar tudo certo e vai dar, confia em
mim!
– Acho melhor que sim, ou não quero nem pensar nas conseqüências se
tudo for descoberto.
– Pode deixar! Agora preciso ir, tenho que pensar em como dar um jeito
no nosso problema. – desliga, se limpando e envolvendo as mãos nos cabelos
que ficaram bagunçados.
Alonso pensava intimamente, apesar de querer passar tranqüilidade,
que o cerco estava se fechando e ele por mais que não quisesse, perdeu o
controle sobre Dora e seus sentimentos. Sentia ciúme e a queria mais que
tudo.
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Na manhã seguinte...
Eram ainda sete horas, Dora virava na cama expressando os rascunhos
da noite mal dormida. Ela pensava desanimada em Alonso que dessa vez não
a perdoaria, em Aidan e sua semelhança surreal com David e no barraco que
aconteceu com Mell, no ódio que a ex-amiga sentia. Só mais detalhes de sua
vida toda errada.
Inesperadamente o celular toca.
– Alô! – resmunga.
– Alô, Dora não desliga!
– Resolveu começar cedo seu plano de vingança contra mim! Você
nunca levantou a essa hora antes na vida! Já sei! Deve estar achando que o
detetive marcou com você de manhã pra me vingar e quer dar o troco? Se for
isso, eu já estava acordada! E não tô a fim de recomeçar o pesadelo de ontem!
– Não é nada disso! Pára de falar e me ouve, é sério! – diz Mell num tom
angustiado.
– O quê você tá fazendo? Mell, você tá correndo? Tá fugindo da polícia?
– Não é da polícia! Mas eu preciso ir embora de New Park e antes
queria falar com você sobre tudo que aconteceu!
– Não é mais um daqueles planos malucos de vingança, porque se for
quem tá passando dos limites agora é você! – diz Dora acordada e elétrica.
– Eu juro que não, você precisa saber de coisas que não faz nem idéia e
pensando bem pude ver o quanto fui burra!
– Calma Mell! Não tô entendendo nada, o que você precisa me contar?
– Nós somos só peças manipuladas do jogo, e eu fui a pior de todas
elas, agora sei o quanto errei com você Dora! Perdão! – grita.
– Mell? Se a gente se encontrar e conversar é claro que eu te perdôo!
Venha e a polícia poderá te proteger! Podemos resolver tudo isso juntas!
– É tarde! Eu queria, mas o jogo acabou pra mim! – grita Mell chorando,
seguido de uns ruídos estranhos de alguém se sufocando e esperneando.
– Mell? Mell? Meeeeellllllll!!!!! – grita Dora apavorada sem resposta, só o
silêncio.
Ela veste preto, mas o baile é cor de rosa. Cap26.
Já fazia duas semanas que a polícia havia rastreado o local onde estava
o celular de Mell. Não encontraram qualquer sinal dela ou pista de seu
paradeiro, era só um beco perto da Escola de Artes Central, como qualquer
outro, com o telefone jogado no chão sem nenhuma informação suspeita.
Depois disso Dora andava mais tensa que nunca, pois se culpava pelo
desaparecimento. Os investigadores e até o detetive Leo achavam que Mell
devia mais do que se supunha, por isso resolveu se fazer de vítima para Dora e
representar seu desaparecimento, enquanto na verdade fugia. Mas ela sabia
que não era bem assim, ou isso, ou Mell era o R, porque após voltar do beco
na mesma manhã do fato, Dora encontrou o costumeiro cartão vermelho
grudado na porta de seu loft em Holanda Garden. E esse dizia.
Os dias passaram rápidos após o New Dad Day frustrado de Lara, que
no primeiro momento não se conformou no ponto final dado pelo marido na
relação. Mas a mãe de Dora não é mulher de se deixar abater por problemas
de ordem maior. Segundo ela, o marido foi enterrado numa luxuosa e íntima
cerimônia particular. Pelo menos é o que imaginava contar para os
conterrâneos de New Park nos mínimos detalhes. Dora não agüentou a nova
neura da mãe que até de viúva resolveu se vestir, indo ao shopping e
reformulando o guarda-roupa inteiro com essa desculpa.
Voltou para seu loft em Holanda Garden, local que ela conhecia há tão
pouco tempo, mas que já amava como se vivesse ali a vida toda. Chegou à
noite e sem examinar nada resolveu cair direto na cama, só acordou de manhã
com estranhas batidas na porta. Parecia que arranhavam e esmurravam-na
com desespero até parar, recomeçando tudo de novo.
De início ficou com medo, pensando em ligar para alguém ou ignorar as
batidas, mas depois com a incessante insistência, foi se encaminhando
devagar para o barulho e quase sem respiração encostou seu ouvido esquerdo
junto à porta. Apenas o silêncio era notado para de repente surgir um arranhão
que prometia rasgar a madeira, Dora controlava-se para não gritar. Olhou pelo
olho mágico e não viu ninguém, até que se encheu de coragem e gritou.
– Se for você R acho bom parar e ir embora porque eu já chamei a
polícia e meus amigos!
Ouviu como resposta o silêncio, acompanhado de resmungos sem nexo.
Como sempre, ela perdeu a paciência e se encheu de coragem para abrir a
porta, furiosa. Já ia gritando novamente, quando observa o motivo daquilo tudo
a seus pés.
– Mell! Meu Deus, o que fizeram com você? – pergunta anestesiada
olhando o estado da moça.
Mell estava encostada na porta parecendo um trapo humano, vestindo
um pijama velho e sujo, com os cabelos crequentos. Via-se que não tomava
banho há muito tempo, não dizia coisa com coisa em seus sussurros e também
estava faminta.
– Mell! Quem fez isso com você? Como você chegou aqui? Quem te
trouxe? – perguntava sem pausa, desesperada tentando levantar a garota que
teve medo dela quando se aproximou e arranhou a porta como protesto.
Dora tinha a mostra pela primeira vez do que realmente R era capaz.
Pensava que só podia ter sido ele a fazer aquilo para não deixar nem sombra
do que foi Mell. A brincadeira de gato e rato havia ficado séria e se tornado
crime comprovado.
– Eu vou cuidar de você, vai ficar tudo bem! – disse chorando com raiva
do R.
Pegou o telefone e discou.
– Alô!
– Alô, Alonso! Eu preciso de você, venha me ajudar, por favor, agora! –
diz nervosa.
– Bom dia pra você também, Dora! Não é muito cedo pra brincadeiras?
– Não é brincadeira, eu preciso de ajuda! – grita, já com raiva de Alonso
também pela enrolação.
Ele percebe que é realmente sério e com uma melhor entonação
responde.
– Tá! É que você sempre brinca, já tô chegando, fica calma! – fala
desligando o telefone e correndo para se vestir.
Dora levantou Mell com muita paciência, se aproximando devagar e
praticamente a carregou com dificuldade até o banheiro onde a limpou como
pôde e depois a colocou na cama. Quando Alonso chegou, ela estava deitada,
mas muito agitada, Dora correu para recebê-lo.
– O quê aconteceu? – perguntou mostrando-se desalinhado como quem
se vestiu as pressas, trazendo consigo uma surpresa.
– Você não imagina! Eu estava dormindo e de repente ouvi umas
batidas estranhas na porta, fiquei com medo de abrir, mas depois me enfureci!
– Claro! É a nossa Dora! – desdenha Alonso.
– Me deixa terminar! Aí abri e quem estava caída aqui na frente? A Mell,
ou o que restou dela!
– Ela estava morta? – perguntou frio.
– Não, mas tá quase de tão mal tratada. Acho que ela foi seqüestrada e
os caras não tiveram a mínima pena.
– E por que você não chamou aquele detetive metido a sabichão, o Leo
Turner?
– Eu nem pensei direito, você estava mais perto. Mas por quê? Não
queria vir me socorrer? – desconversa Dora que não queria revelar sobre o
jogo de R a fim de protegê-lo.
– Não é nada disso e você sabe!
Só depois de toda essa conversa é que Dora notou a surpresa de
Alonso, ele estava acompanhado de um rapaz.
– E quem é esse? – perguntou curiosa.
– É meu amigo Romeo, que mora comigo, lembra? Achei que você
podia precisar de mais ajuda e resolvi trazê-lo.
Romeo que estava calado até esse momento cumprimenta.
– Olá! É um prazer finalmente conhecer a razão de tantas loucuras do
meu amigo!
– Ele está fazendo tipo! – diz dando uma cotovelada em Romeo.
– Vamos vê-la então! Quem sabe vocês me ajudam a arrancar alguma
informação dela!
Iam se dirigindo para o quarto quando Romeo comenta baixinho com
Alonso.
– Eu tenho que reconhecer que ela é uma ótima candidata para ficar
com você no futuro! Parece ter as qualidades exigidas. – anima-se.
– Fica quieto, não é hora e nem lugar pra esses comentários!
Entraram quietos no local onde se dividia como quarto e puderam ver a
garota um pouco melhor pelo trato que Dora lhe deu, deitada na cama muito
debilitada. Não tinha nada do glamour que ela tanto defendia antes de
desaparecer. Alonso e o amigo se impressionaram.
– Dora, temos que chamar o seu amigo detetive e um médico com
urgência! – sussurra Alonso.
– Avisar os pais dela também seria uma boa idéia! – acrescenta Romeo.
Este, curioso aproxima-se de Mell para observar seu estado mais de
perto quando a garota acorda num susto e recomeça sua lamúria
descontrolada. Agarra as mãos de Romeo lhe olhando profundamente com
olhos marejados dizendo.
– Eu sou uma peça quebrada! Todos nós somos, precisamos ser
consertados antes que nos joguem fora!
Todos se assustaram, principalmente Romeo que não era atraído por
fortes emoções. Tentou se soltar.
– Alonso me ajuda! Essa maluca não quer me soltar, bem que você me
disse que a vida dessa Dora não era comum! Estou aqui só há meia hora e
quase virei comida de zumbi! – confessa baixinho para o amigo.
– Cala a boca Romeo! Fica aí apoiando a Mell que eu vou fazer umas
ligações com a Dora e já volto!
– Não Alonso! Aqui sozinho! E se ela for uma louca agressiva? –
pergunta trêmulo.
– Não fale besteiras Romeo! Não queria ajudar? Conhecer a Dora? Pois
teve o que queria! Bem vindo ao nosso mundo de aventuras! – respondeu
Alonso deixando o amigo só.
– Nervoso o seu amigo! – comenta Dora.
– É só o jeito dele, mas é a melhor pessoa que você pode ter ao lado
numa emergência. – defende Alonso.
Foram chamar toda a cavalaria enquanto Romeo segurava a mão de
Mell que não o soltava por nada. Após algum tempo ela se acalmou dos
ataques e dormiu profundamente, o amigo medroso de Alonso então começou
a gostar de ser o porto seguro de alguém, pensou em como a garota seria sem
toda aquela sujeira e psicose, olhando em volta para tocar rápido e com os
dedos tremendo o rosto de Mell, num afago carinhoso que a fez suspirar
aliviada.
Um barulho se fez e ele disfarçou o ato com um meio sorriso que não
escondia a alegria repentina, Mell curiosamente também pareceu sorrir. Sua
expressão era da menina que agora sonhava bons sonhos e apesar de presa
por muito tempo numa torre havia finalmente sido libertada por seu príncipe.
Mesmo sucumbida pelo beijo de Alonso, Dora foi mais forte para voltar a
si e dar-lhe um tapa na cara que não aceitaria suborno como forma de
explicação. Ficaram quietos por um tempo, um em cada canto da sala.
Pensando cabisbaixos por onde começar as resoluções dessa longa história.
Até que Alonso resolveu começar.
– Eu posso explicar agora? – sussurrou.
– Se você for começar com mais mentiras é melhor...
– Não! Dessa vez será tudo verdade, eu juro que só lhe brindarei com a
verdade, pra provar o meu amor de uma vez por todas! E se depois da
explicação você disser que não me perdoa, eu entenderei e sumirei da sua vida
pra sempre!
Dora pareceu relutante no início, mas depois se sentou calada,
concedendo-lhe uma chance. Alonso recomeçou.
– Você já ouviu falar na Baviera?
– Acho que sim! Um país que fica do outro lado do oceano! Mas o quê
isso tem a ver? – ela perguntou sem entender.
– Meu pai é Cônsul de lá! E eu deveria estar lá também se não fossem
alguns problemas sérios! – respondeu pensativo.
– Problemas? Você não é daqui então? – Dora espantou-se.
Alonso, nessa hora a olhava com olhos tristes, sabia que contar seus
segredos custaria o amor que tinha. Mesmo assim, tomou coragem e replicou.
– A Baviera é um importante centro comercial que une diversos países
nos mais diferentes ramos de negócio, por isso o país vive pisando em ovos
para ser bem guardado em seu direcionamento, pois se alguma coisa sair
errada as conseqüências poderiam ser catastróficas. O maior problema que
eles tem por lá é a família real que por mais que o parlamento tente dissuadir
sempre acaba falhando e são eles quem tomam as decisões finais.
– Mas você não precisa ficar no meio disso, seu pai é só um Cônsul e
está tão distante da Baviera. Não sei como isso te afetaria?
– Meu pai é só um Cônsul como você diz, mas eu sou o próximo
representante da família na linha de sucessão! Deveria ser meu pai, mas a
verdade é que nós somos desse país e não da Baviera. E com certeza eu seria
só um bolsista na Faculdade se não fosse por meu tio o Rei, que não tem filhos
nem mulher descobrir-nos em Holanda Garden.
Dora o ouvia boquiaberta sentindo as palavras de Alonso pesadas
conforme saiam de sua boca, ganhando seus ouvidos em choque.
– Isso tudo é inacreditável e confuso demais! E eu que achava que já
tinha todos os conflitos do mundo. Agora você me vem também com todos do
universo? Acho que não posso ouvir mais nada! – diz Dora saindo da sala,
quando Alonso segura em seu braço e pede que fique.
Ela cedeu, retornando de fasto para trás ficando a poucos metros da
porta no que seria a última e indecisa chance de explicar.
– Há uns dez anos meu tio estava sozinho e doente pressionado pelo
parlamento a entregar o poder, porém ele é um homem teimoso e mandou em
segredo que investigassem por parentes desconhecidos. Foi quando ele soube
que o pai dele, meu avô teve um caso com uma secretária particular que era
estrangeira. O rei então na época querendo abafar o escândalo mandou a
secretária de volta a seu país de origem sem saber que ela esperava um filho
dele. Meu pai então nasceu e ficou sem saber sobre sua paternidade até o dia
que meu tio mandou nos buscar e o nomeou Cônsul da Baviera pra que ele e
minha mãe pudessem desfrutar das mordomias da realeza.
– Esse enredo tá pior do que das novelas que minha mãe assiste! Mas
ainda não ouvi nada que te obrigasse a fazer parte do Clube do Pinóquio! –
gracejou Dora querendo aliviar o clima super tenso.
– Meu tio tentou de qualquer jeito validar os direitos do meu pai, mas o
parlamento negou dizendo que ele era ilegítimo e não tinha a formação
adequada. Aí ele muito esperto deslumbrou meus pais com tudo que pôde e o
poder subiu-lhes a cabeça, tanto que se esqueceram de mim. Meu tio distorceu
as leis e me fez seu sucessor que se prepararia com a devida formação.
Passando a perna no parlamento e fazendo muitos inimigos radicais.
– Mas isso é um absurdo! Alguém te perguntou alguma coisa? – revolta-
se Dora.
– Não! E mesmo que perguntassem eu só tinha doze anos! O pior foi
crescer no meio dessa guerra de gente falsa que me adulava enquanto tinham
seus próprios interesses. E como eu correspondia as expectativas exigidas
para assumir o trono, conspiravam até sobre meu assassinato.
– Eu imagino seu sofrimento! Se há uma coisa que eu não permito é que
me controlem! – Dora comove-se.
– Não tenho dúvidas de que em qualquer parte do mundo, em maior ou
menor escala todos nós vivemos numa New Park! Há uns dois anos eu
simplesmente cansei da minha vida e voltei pra Holanda Garden, pra terminar
minha formação e cumprir meu destino. E nesse meio tempo eu devo me
encontrar, me divertir e procurar uma esposa a altura da Baviera. – disse
olhando-a carinhosamente. – Condições impostas por meu tio pra que eu
viesse. Meus pais ficaram irados, achando que iam perder a boa vida com o
meu retorno, por isso vieram também e se acham os donos do mundo. O rei e
a rainha fora do reino, por isso eu os escondo da minha vida universitária, ou
logo as coisas seriam como na Baviera. – terminou.
– Mas ainda ficaram algumas pontas soltas! Por exemplo, o Romeo?
– Ele é meu secretário e melhor amigo. Nos conhecemos desde crianças
antes de eu ir embora.
– O medo da polícia e tudo que represente ser público?
– Eles poderiam me reconhecer ou ainda contar o que fiz a meus pais
que inventariam uma desculpa pra que eu tivesse que voltar pra Baviera.
– É, parece que você tem resposta pra tudo! – sussurra Dora indo
embora.
– Espera! Aonde você vai? – pergunta Alonso sem entender.
– Pensar, Alonso! Pensar... – já estava passando da porta quando Lara
a puxa com violência pra dentro novamente e discursa escandalosa.
– Filha eu não sei o que esse sujeito te contou, mas com certeza é
mentira! Isso tudo é uma armadilha pra te prender. Eu jamais faria qualquer
coisa pra te prejudicar, só queria te proteger!
Dora encara a mãe com surpresa e dispara.
– Eu não faço idéia do que você está falando Dona Lara!
Lara recobrou o juízo percebendo que havia falado demais no
afobamento. Começou a puxar a filha em sentido contrário.
– Me desculpe! Nem sei o que estou dizendo depois desse King-Kong
que você me fez passar! – desculpa-se fitando Alonso misteriosamente.
Dora desvencilhou-se da mãe e se sentou novamente.
– Lá vamos nós outra vez! Mãe quer ter a honra de começar a falar ou
eu vou ter que arrancar a verdade em suaves e cansativas prestações?
– Dora querida eu mandei que esse rapaz... – Lara ia dizendo quando
Alonso tomou a palavra.
– Dora nós não nos conhecemos por acaso! Sua mãe queria alguém que
ficasse perto depois dos momentos difíceis que você passou, por isso
contratou alguém pra te proteger!
– Vigiar! Você quer dizer! E esse alguém é... – soltou bufando de raiva
pelo abuso, apesar de já ter atinado quem era o espião.
– Foi pra chamar sua atenção que eu respondi atravessando sua
resposta, e não foi por acaso que eu apareci pra te ajudar na mudança. –
contou envergonhado.
Lara recomeçou.
– Você estava se descontrolando com facilidade, as pessoas
comentavam por todo lado. Então resolvi contratar um segurança, mas como
você jamais iria aceitar, ele teria que vir disfarçado de amigo! Aí procurei os
nomes dos bolsistas da faculdade porque eles aceitariam o trabalho e estariam
lá o tempo todo sem desconfiança! – conta com ar de vacilo.
– Foi então que Lara me encontrou por engano, pois eu só me matriculei
como bolsista pra despistar! Eu ia recusar, mas quando ví sua foto minha voz
comandou meu corpo e acabou aceitando e eu não me arrependo! – disse
Alonso sorrindo. – Ela começou a me instruir onde você estaria e como deveria
fazer pra chamar sua atenção.
– Por isso você apareceu pra me ajudar em Holanda Garden e logo
depois ela chegou! – compreende Dora enojada.
– Tudo se perdeu quando obviamente não aceitei o dinheiro e Lara
pensou que eu tinha intenção de ficar com você pra dar um golpe!
– Pensava não! Ainda penso! – grita Lara.
– E estamos nessa guerra que você já conhece quando nos
encontramos, mas ninguém teve coragem de revelar nada pra você!
– Era pro seu bem, pra te proteger minha filha! Se esse cara não fosse
tão complicado você não se machucaria com mais essa sordidez! Vamos
querida, você não precisa ficar aqui nem mais um minuto ouvindo esse verme!
– Ela me xinga com a boca cheia, mas se esquece que tentou me
atropelar no final do baile e ligava fazendo cobranças! Agora não se lembra
como me agradeceu por eu ter te seguido até a Carnation Street daquela
primeira vez! – ofende-se Alonso.
– Eu só te liguei, e se alguém tentou te atropelar é porque você deve
mais do que pensa! – retruca Lara.
Dora estava no meio dos dois exaltados, com as mãos tapando as
orelhas na tentativa de não escutar nada daquilo. Seus olhos jorravam lágrimas
dolorosas na respiração profunda. Até que dá um ponto final na discussão.
– Príncipe, espião, o que mais você vai me contar até o fim do dia? Vem
cá! Você é desse planeta? Porque se não for é só piscar e dizer que esse é o
momento! E claro a Santa Dora compreensiva vai entender! – ironizou irada.
Mal ela terminou as portas se abriram bruscamente e o Detetive Leo
apareceu do nada. Nenhum dos três entendeu sua aparição, mas Lara tinha
que desabafar a curiosidade em um comentário.
– Ah não! Só falta o país dele ser simpatizante ao terrorismo e eles
revelarem que escondem Osama Bin Laden em algum buraco!
Detetive Leo que conhecia Lara resolveu ignorar o que ela dizia e ser
direto. Já haviam muitos ultrajados com a situação, especialmente os pais de
Alonso.
– Estou apenas dando uma busca geral em conta de uma denuncia
anônima recebida esta manhã.
Não demorou muito e Leo desceu as escadas com uma mochila
reconhecida como sendo de Alonso que continha diversos cartões vermelhos,
fotos de David, de Mell sendo torturada, algemas, remédios, drogas e uma
arma. Tudo confiscado para averiguação. Alonso ao ver a cena se desesperou,
porém não mais do que Dora. Chorando e algemado desvencilhou-se dos
polícias para falar com ela.
– Dora acredita em mim! Eu não fiz isso, jamais teria coragem de te trair
e brincar com você desse jeito! – diz trêmulo e embargado pelo nervosismo.
Ela apenas olha para ele, e como se não estivesse enxergando nada
fala.
– Pois não foi isso que você e minha mãe acabaram de provar!
Após dizer isso ela sai deixando para trás um rapaz de coração
quebrado, uma mãe desnorteada e um circo de luxo.
– Eu preciso de ar! – grita desesperada enquanto corre pelas ruas sem
destino.
Alonso é levado para a delegacia.
– E eu que vim pra cá pra ficar longe de confusões! – pensa.
Toc – Toc!
A porta se abre rápida ficando nas mãos de quem batia a incumbência
de fechá-la.
– Não perderam tempo em fazer o trabalho sujo! Ou você ainda
continua com os planos de vingança? – pergunta Dora.
Ela se referia a Mell que finalmente deixou o hospital, acompanhada de
Romeo que não se separava mais dela.
– Nem uma coisa, nem outra! Só vim agradecer o que você fez por mim!
– respondeu Mell docemente.
– Então por que trouxe junto o Capitão Coragem aí?
– Ele está cuidando de mim! Acho que pela primeira vez na vida posso
dizer que tenho de verdade um amigo. – ela respondeu tocando o ombro de
Romeo.
Dora, engolindo a crítica real comentou sem jeito.
– É, dizem que ele faz isso!
Um silêncio constrangedor tomou conta dos três. Mell então respirou
fundo e começou.
– Eu não me lembro de nada ainda do que aconteceu, mas tenho
certeza que Alonso não é o cara que estão procurando. Não foi ele quem me
pegou, eu não sinto nada de estranho em relação a ele!
– Pronto! Tava demorando com a comissão de defesa! Olha pra quem
tem essa cara de santo eu tenho que concordar, o Romeo é muito bom
manipulador. Ele e o Alonso estão fazendo o serviço direitinho! – diz Dora.
– E depois dizem que a malvada da história sou eu! Dora presta atenção
no que você está dizendo, junte os fatos, pense um pouco. O Alonso não fez
outra coisa senão ficar do seu lado. Te protegeu nas horas mais improváveis
que ninguém mais acreditaria ou te ajudaria. Te perdoou tantas vezes! – grita
Mell segurando a amiga.
– Ele só fez isso porque era o trabalho dele pra me espionar pra minha
mãe! – sussurra Dora balançada.
– Não foi nada disso, e você sabe! Só não quer dar o braço a torcer, por
ter magoado um cara tão legal quanto ele. – termina.
– E se for verdade? O que eu faço? É tarde demais, ele encerrou
qualquer possibilidade de relacionamento quando fui à cadeia. – desilude-se.
Romeo que ouvia toda lamuria inconformado desabafa.
– Você e o Alonso são tão Shakespirianos! Sempre colocando
empecilhos no que deveria ser simples! Você gosta dele, ele gosta de você.
Claro, tem um maluco atrás de você e há pouco tempo ficou viúva! Mas... –
deduzia resmungando até que Mell lhe dá um tapa. – Mas o importante é que
vocês se amam e deveriam se unir pra enfrentar juntos tudo o que acontece e
ao invés disso saem brigando ao menor sinal de problema. E o pior, fazem
meus ouvidos de pinico, quando não me insultam ou me taxam de assassino
honorário. – continuava.
– Romeo! Romeo! – chama Mell.
– O quê foi? – grita irritado com a interrupção.
– Ela já entendeu, não é Dora? – diz Mell com expressão de “Pelo amor
de Deus concorde pra ele calar a boca.”
– Com certeza! Ele está na casa de vocês? – pergunta Dora
esperançosa.
– Não! Os pais o obrigaram a ficar com eles em Golden Rose ou teria
que voltar para a Baviera. – responde Mell pesarosa.
Dora então corre para o Furgão, deixando os amigos que agora ela
sabia serem de verdade dentro de casa observando sua reação. Em poucos
minutos estava nem sabe como na frente da mansão em Golden Rose. Os
seguranças não a deixavam entrar, tentou pular o muro atrás da casa, mas foi
pega e levada para uma salinha dos empregados para ser interrogada.
Esperou tristemente, achando que seria presa sem falar com Alonso,
porém a portinhola se abriu dando lugar a uma conhecida voz.
– Ora, ora! Como o mundo dá voltas! – desdenha.
– Por que tanta gente me fala isso? Você se surpreenderia com o
número! – diz envergonhada.
– Não será porque você sempre age impulsivamente achando que está
por cima da carne seca, mas o mundo te prova o contrário bem rapidinho?
– É, eu até assisti as cenas! Tenho gravadas pra provar seu ponto de
vista!
– Mas o quê de tão importante te trouxe aqui, a ponto de invadir a casa
de um assassino. Correndo o risco de ser assassinada? A necessidade
realmente faz coisas incríveis com as pessoas! – comenta irônico olhando para
cima.
– Segundo dois amigos meus, você não é tão perigoso quanto pensei!
Alonso se aproxima de Dora misterioso, a expressão não revelava suas
intenções. Foi chegando devagar, se agachando, tão perto de seu rosto a
ponto de Dora estremecer os brios e quase beijá-lo mandando tudo as favas.
Porém quando ele conseguiu o efeito que queria, apenas empurrou a cadeira
em que ela estava sentada dizendo.
– A polícia não precisa perder tempo com os seus chiliques! Vamos
para a sala de reuniões e aí você fala o quer de uma vez!
Dora desnorteada apenas o seguiu. Ele ainda mantinha a cara
enigmática quando entraram e se sentaram. Alonso estava muito formal na
cadeira de reuniões. As roupas sociais eram adequadas a posição ocupada,
até seus cabelos estavam diferentes, penteados como os de um engomadinho.
Ela percebeu isso e esperava que Alonso não tivesse se transformado também
por dentro. Antes de iniciarem a conversa um senhora uniformizada entrou e
manteve-se calada e carrancuda de pé ao lado da porta, até que ele a
dispensou.
– Nada por agora Helga, obrigado!
A mulher saiu do mesmo jeito, feito um soldado recebendo a dispensa
de seu general.
– Você tem três minutos antes da Conferência Internacional. – intima
ele.
– Eu só vim pedir desculpas pelo que aconteceu na prisão. E te dar
outra chance. Proponho que a gente se una pra descobrir quem é o R de uma
vez por todas!
– E o que te fez mudar de opinião? Pelo que eu saiba até hoje de manhã
o tal R era eu!
– Uns amigos me abriram os olhos, e se não é você então essa é sua
chance de provar!
– Primeiro, eu não pedi pra que esses amigos te procurassem! Segundo,
não preciso provar nada pra ninguém! E terceiro, você tá me magoando mais
uma vez me pedindo isso! – diz pausadamente sentindo-se ferido.
Dora então se levanta indo em direção a saída. Alonso mantêm-se
imóvel com as mãos sobre a mesa, embora quisesse não interrompeu a partida
assim como ela também não olhou para trás. Mais uma vez o orgulhoso
imperava sob o amor.
Chegou em casa contrariando o estado de espírito com que saiu. Mas a
resposta definitiva a seus problemas estava lá, debaixo da porta em forma de
um cartão vermelho e dizia.
– Não! Mas como é possível? Eu confirmei com a sua mãe que o Aidan
existe, ví uma foto dele e tudo! – diz inconformada.
– Claro, uma foto de quando era pré-adolescente, aposto! – desafia
David.
– Ela me mandou uma foto por e-mail, contou que ele mora em Roseville
e que é sem dúvida muito parecido com você...
– Muito parecido a ponto de pertencer mais a nossa família que o Paris!
O mesmo discurso abominável de sempre. E avoada, esqueceu-se de
acrescentar que ele tem doze anos e é aluno num colégio interno. A foto que
você viu é dele atualmente.
– Você, você é um monstro igual ao seu irmão, se são da mesma família
não é por acaso! Brincaram comigo e com as outras pessoas como se
fossemos peças de um jogo idiota no tabuleiro. Esse Aidan nunca me desceu
pela garganta, mas agora eu sei que ele era só você sendo o cara que queria
ser! – sussurra chorosa com raiva enquanto David a segura. Paris via a cena
mais adiante largado nos assentos.
Como resposta, estranhamente magoado com as ofensas, David
resolveu contar o começo e quais eram as regras do tal jogo.
– Quando pegamos a Mell, ela começou com isso de peças, já
desconfiada da nossa brincadeira! Dá pra acreditar, justo a Mell, que
convenhamos num teste de Q.I não obtém lá um número muito significativo.
Dois dígitos então são quase um milagre! – ri desdenhoso. – Mas foi brilhante,
não foi? Quem desconfiaria do priminho? E se desconfiassem, a desmiolada da
minha mãe mostraria a foto e quem adivinharia que o garoto é ele hoje em dia
e não o Aidan, no caso eu, na infância? Tá certo! Ela poderia acabar contando
ou alguém entendendo, mas o Aidan é quase meu clone e porque não
aproveitaria essa coincidência tão a calhar! Correr riscos só faz tudo ter um
gosto melhor! – termina vitorioso.
Paris então se aproximou do ex-casal e imprensando-a contra David
sentiu o cheiro suave e peculiar do corpo que ele tanto desejou e que até
pouco tempo estava sob o domínio de seu irmão.
– Conte a ela como nasceu a idéia que nos trouxe a esse momento! –
cochichou.
David, acariciando o rosto de Dora com o olhar orgulhoso no irmão
revelou.
– Uma aposta! Esse momento aconteceu por uma aposta! – ri.
– Paris e eu estávamos em casa, assistindo porcaria na TV e tomando
cerveja barata que escondíamos pra dias como aquele, que só enchendo a
cara pra agüentar quando no meio da conversa surgiu um comentário meu
sobre você. “A Dora ainda me amaria mesmo se eu estivesse morto!”. Paris
duvidou e disse que te faria me esquecer fácil se tivesse uma chance. A
conversa foi ganhando detalhes por toda à tarde até se transformar em aposta
e finalmente plano.
– E vocês tiveram a coragem de dizer a palavra amor tantas vezes
enquanto não amavam nem a si próprios! – diz Dora abismada se retirando do
meio deles.
David sem se abater continuou.
– Nossos primeiros inimigos foram nossos pais, mas eles nos ensinaram
a respeitar os papéis de cada um na vida. Mesmo quando se é abandonado
pelas viagens desnecessárias que fazem e te transformam num cara
supostamente perfeito e outro em total perdedor. Nós mantivemos os nossos
papéis até o fim e ninguém jamais desconfiou que nos falássemos em casa.
– Mas você pulou de um prédio e depois todo mundo te viu jogado na
rua lá em baixo!
– Um bom show de magia precisa de detalhes que o façam verdadeiro e
amarrando todos os pontos se transforma em realidade. Deu certo, New Park
acreditou inclusive você a espectadora V.I.P. Eu pulei sim, mas estava preso a
uma corda especial de alpinismo que ficou totalmente invisível na escuridão.
Paris tomou dessa parte a explicação para si.
– Eu precisava de um álibi então arranjei confusão aparecendo na porta
do Clube e quando corri para longe dei a volta no quarteirão a tempo de voltar
atrás do prédio, ver Mell indo embora após a briga com David e ele se prender
a corda que eu segurava exatamente segundos antes de você chegar. Ele
pulou, se soltou rápido e eu sumi na noite antes que alguém viesse.
Emocionante!
– Aí Paris! Sempre se contentando com pouco e fazendo de suas ações
verdadeiras peripécias! Sinceramente obrigado por você existir e fazer a
diferença. – debocha David rindo do irmão.
Paris ofendido corre em sua direção e lhe dá um murro na boca. O outro
apenas limpa o sangue no canto dos lábios e depois de uma cuspidela dita frio.
– Fracote!
Dora estava horrorizada com a espécie de “união” que eles tinham e que
nem nos piores sonhos pensou em conhecer. Minutos depois ambos se
recuperaram e dando as mãos como crianças fazendo as pazes continuaram
no clima anterior a briga.
– Nós pagamos e chantageamos um médico viciado que também vendia
anfetamina e qualquer coisa que lhe proporcionasse uma viagem para
constatar a minha morte no beco. O caixão foi fechado e quando se tem pais
relapsos e ricos o poder é ilimitado e eles não vão ligar pro que quer que você
faça. Não vão se importar nem se não puderem dar adeus ao filho! – ri David
com os olhos marejados recebendo o apoio de Paris. Fui morar em Isla Del
Flores nossa ilha particular que meus pais jamais visitaram, mas ajudava Paris
a vigiá-la pra saber como ia a aposta.
Dora ouvia a história debruçada numa das cadeiras sem expressão
alguma. Era impossível saber sequer se estava realmente alí.
– Eu estava ganhando de lavada no início, aí o Paris tentou com toda a
incompetência dele te conquistar... – dizia David quando foi interrompido.
– O ser perfeito tem que criticar os erros dos humanos. Me desculpe por
ser um mero mortal! Na próxima encarnação juro que tentarei ser um ciborg
como você! – reclama Paris.
David não deu importância e arrogante continuou.
–... Mas você o dispensou surgindo assim o R e as pistas de onde ele
planejava te salvar nos perigos, porém apareceu o Alonso que ninguém
convidou pra entrar no jogo! – grita descontrolado. – Dou colher de chá pro
meu irmão, mas pra esse cara mentiroso é demais! Sem falar no detetive a tira
colo. O que foi Dora? Você queria montar um harém? Nunca tinha percebido
isso em você antes! Talvez tudo fosse evitado se tivéssemos nos mostrado! Eu
até que gosto dessa nova Dora, que dá trabalho, mas torna a vida mais
interessante e não a previsível do Shopping.
– Eu não ligo mais! – sussurra sem forças, derrotada na cadeira.
– Bem! O jogo acabou, deu empate e todos vão viver pra sempre em Isla
Del Flores longe de mais problemas e desse teatro chamado New Park. –
termina David carregando Dora grogue para o carro. Paris ia atrás limpando as
provas.
Enquanto isso em Holanda Garden a polícia chegava ao loft de Dora.
Encontraram a porta aberta e vasculhando rápido viram o bilhete que foi
entregue ao Detetive Turner e Romeo que o acompanhava. Leram e correram
para a faculdade, mas quando chegaram só encontraram Mell desmaiada em
um dos banheiros, era tarde demais, já haviam partido.
Não muito longe David, Paris e Dora se dirigiam a Isla Del Flores e
deixavam New Park cada vez mais para trás.
– Nos quatro seremos muito felizes lá! – diz Paris entusiasmado
quebrando o silêncio.
– Nós quatro? – pergunta Dora mais consciente.
– Ah! Eu não te contei! O Alonso também veio, ele passou lá pela
faculdade e eu resolvi trazê-lo! Está aí atrás no porta-malas! Lá tem muitas
paisagens pra você ir visitá-lo num túmulo bem bonito que vamos construir.
Você escolhe o lugar! – comenta David eufórico.
Dora mediante a confissão de David baixou a cabeça e começou a rezar
punitiva. Não ligava em ser um objeto nas mãos dos dois loucos que de certo
modo ela contribuiu para que chegassem aquele estado, mas levaria seu amor
a morte por ter sido corajoso para salvá-la. Estava perdida e perderia o seu
verdadeiro e único amor.
– Isso sim é perder! – pensava inquieta.
Ela veste preto, mas o baile é cor de rosa. Cap36.
– Ups! Não foi dessa vez! – diz David alucinado ao perceber que o tiro
havia falhado. – O próximo não vai falhar, eu não deixei tantos buracos vazios!
– termina.
Alonso e Dora por uma pequena fração de segundos respiraram
aliviados pela falha do revólver. Apenas aproveitavam o tempo que parecia
infinito mediante a situação vivida. Nesse momento se entreolharam
profundamente, fechando os olhos em seguida na mesma hora, relembrando
todos os episódios e acontecimentos desde quando se conheceram até ali.
– “Quando conheci meu amor, a vida era um mistério sem sentido que
havia levado embora tudo que costumava conhecer e chamar de amor, mas
estava errada, era engano, eu não existia, enquanto pensava possuir entre
todas as coisas também o mundo. Mas ele chegou e me mostrou a duras
penas que eu não possuía nada, não era nada. Não existia, nem sequer
respirava de verdade para agradar quem não me enxergava, e ainda dizia ser
feliz.”
– “Quando conheci meu amor, usava máscaras por medo de assumir
quem eu era. Não que fosse mal, só não era verdadeiro. Já havia enfrentado
tantas coisas que nem havia escolhido, e quem podia pensar que fugindo dos
problemas iria encontrá-los aos montes e decidir enfrentá-los com prazer em
nome dela.”
– “E nós rimos.”
– “Choramos.”
– “Lamentamos.”
– “E agora estamos aqui, na reta final de uma vida, de uma jornada que
deveria continuar e se prolongar perante os séculos imortalizados, mas não
será assim e é por isso que eu te pergunto...”
Eles abriram os olhos, e fixamente o imortalizando na memória Dora lhe
perguntou apenas movendo os lábios trêmulos de emoção.
– Valeu à pena?
Alonso, rindo docemente, satisfeito em viver só mais aquela cena
respondeu.
– Cada segundo!
Ambos sorriram chorosos frente a frente e todo o drama seguinte deixou
de existir. Mesmo separados estariam juntos para sempre.
David e Paris observaram a reação derrotados. Nada do que haviam
feito podia separar o casal que se formou com tanta adversidade. Estavam
feridos e tudo o que queriam agora era acabar com a dor que só aumentava.
Além dos pais também foram rejeitados da pior maneira possível por uma
mulher. David então ia voltando a apontar a arma, dessa vez implacável para a
cabeça de Alonso quando ele lhe deu uma cotovelada. Um golpe que seria
tudo ou nada. Ele caiu para trás e antes que pudesse recuperar o equilíbrio
acabou prendendo o pé num entulho que estava à beira do riacho e acabou
caindo em sua ribanceira, prendendo-se com as mãos.
– Dora, meu amor me ajuda, por favor! – gritou David ao perceber que
ela o procurava na beirada, esforçando-se para enxergar algo na escuridão.
– Sinto muito! Dessa vez eu não devo, mesmo que pudesse! – responde
aturdida.
Paris, ao ver o que aconteceu com o irmão se jogou para cima de
Alonso e ambos rolavam no chão numa briga selvagem.
– Dora, você é melhor que ele! Se você pode salvá-lo faça isso e deixe
que outra pessoa faça o que tem que ser feito! – grita Alonso com dificuldade
no meio da briga.
Dora ia puxá-lo com a ajuda de um galho, porém David havia escutado
que ela estava fazendo aquilo só porque Alonso havia pedido. Ele a observou
nos olhos e debulhado em seus próprios pesadelos se soltou antes que ela
pudesse pegá-lo. Ela novamente presenciou aqueles olhos verdes se perderem
depressa em meio à noite. Olhos que se perderam mais uma vez, olhos que
sempre estiveram perdidos.
De repente um barulho de sirene se aproximava do local e Paris
congelou ao notar que David não estava lá.
– David!!! David, cadê você!!!! Seu idiota, você disse que sempre
estaríamos juntos se perdêssemos ou ganhássemos! – gritou inconformado.
Paris, desesperado se soltou de Alonso que tentou segurá-lo e sem
saída foi para a ribanceira, olhou ao redor como se despedisse de tudo e
afastou-se para trás até que não houvesse mais chão. Caiu envolto num grito
trágico de Dora.
Minutos depois a polícia chegou trazendo Leo, Romeo e Mell que se
lembrou finalmente onde esteve enquanto desapareceu. O casal os esperava
abraçados, consolando-se sem acreditar que agora havia acabado.
Fim.