Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
B-9
Jairo Czar
Fidelidade
Chico Viana
O casamento deles andava morno. Os dois ngiam no reconhecer isso, mas chegou um momento em que no dava mais para disfarar. Foi ento que uma noite, depois de jantarem, Clodoaldo falou meio sem jeito para Tmara:
canina
- Um nome, por sinal, originalssimo! -ironizou Tmara. - E voc queria Brad Pitt! Brad Pitt Bull! Ridculo... No entende nada de ces. - E voc no entende nada de mulheres. Tot, que cochilava perto dos dois, parece ter percebido que era o assunto da conversa. Baixou uma orelha e eriou a outra, como se quisesse escutar melhor. - Ou levo Tot comigo, ou no me separo! -- sentenciou a mulher. - O mesmo digo eu. Sem Tot, no h separao!
- Acho que devemos dar um tempo. - Concordo -- disse ela prontamente. - Amanh vou dar entrada nos papis. - timo. -- E completou, depois de um breve intervalo: -- No fao questo de muita coisa. Vendemos o apartamento, e voc me d a metade. Fico tambm com um dos carros, e com Tot. - Ah, isso no! Tot meu. - Seu? Por qu? Fui eu que sempre dei comida, limpei o xixi, cuidei dele quando cou doente. - Mas eu fui quem lhe deu o nome.
Ficaram uns dias nisso, chateando-se mutuamente e agora em rixa declarada por causa do cachorro. Ento Clodoaldo teve a ideia: - Vamos deixar que ele decida. - Ele?! .Como? - Botamos nossas malas na sala e ngimos que vamos sair de casa. Cada um chama Tot. Vamos ver para quem ele se dirige. O vencedor o ganha para sempre. Tmara aprovou. Tinha com o cachorro uma convivncia mais ntima do que o marido, que se limitava a lev-lo para passear e fazer as necessidades fora do apartamento. Clodoaldo via nesse encargo seu trunfo; conava na atrao que os machos tm pela liberdade. Fizeram como planejado. O co se habituara a v-los preparar as malas para viajar. Sabia o que ia ocorrer quando as bagagens cavam na sala por um, dois dias. Dessa vez estranhou, pois cada um dos donos se postou junto a uma mala e comeou a chamar por ele. Aqui, Tot! No, Tot. Aqui! Valia tudo -- estalar os dedos, amaciar a voz, dar pancadinhas no cho. Atarantado, o animal no sabia o que fazer. Olhava alternadamente para um e para o outro, ameaava ir numa direo mas logo recuava. Repetiram mais de uma vez a experincia, e nada. Como o cachorro no se decidia, o casamento ia se mantendo. A cada nova encenao Tot se mostrava mais rme e equidistante. Parecia ter conscincia de que a sua delidade aos dois era o que ainda os mantinha juntos.