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Para tal é mister que saibamos ver o outro não apenas como
o “o outro”, mas como o “eu-dele” para ele. Mas claro: sig-
nifica ver o outro como ele é na condição de “eu”, ou seja,
de indivíduo próprio, peculiar, semelhante, sim, mas desi-
gual e não na condição de “outro”, que é como ele chega até
nós. (Rubem Braga)
surdo, isto é, a experiência que ele está vivendo que pode estar
acontecendo de três diferentes formas:
1. A experiência (estar fazendo) no ato de transformar-se:
faz-se experiências no contato com a diferença que está no
outro surdo. É um ato de ir construindo a identidade, ato
que permite novamente colocar a descoberto as identida-
des nunca prontas, fragmentadas, em contínua constru-
ção;
2. A experiência (exportada) no ato do surdo dar: de sua
experiência do estar sendo surdo ao outro surdo, identida-
des em questão de dependência, que tem necessidade do
outro igual;
3. A experiência (de resistência ou fragmentação): é a expe-
riência que acontece nas trocas com ouvintes (Quadros e 171
Perlin, 2003). F
Realmente, admitir a diferença no surdo é aceitar a diferença como
ouvintes da própria experiência como diferentes. Tem a ver com o
pessoal, com a individualidade ou com a experiência de quem vai
assumir/assumiu o ser o outro. Manifesta-se na formatação do
programa do aceitar a diferença do ser surdo. A experiência é a
que vai aí dentro do programa do proposto “vir a ser surdo” pelo
povo surdo. É uma experiência altamente compensadora porque
faz parte do conteúdo desse programa que o surdo vive. Nesse
sentido, é inadmissível aceitar, por parte dos surdos, que ouvintes
que não os conhecem (isso inclui não conhecer a sua língua) sin-
tam-se autorizados a se colocarem na posição do outro surdo,
enquanto um eu surdo sendo outro deste ouvinte.
31 Said (1978), no seu livro sobre o orientalismo, descreveu uma bela concep-
ção do homem oriental como modelo. Epistemologicamente, concebemos
o “ouvicentrismo” no sentido de que ele existe na medida em que o ouvinte
seja centro de toda metodologia da normalidade.
:
Reconhecendo a diferença
Estamos ressaltando nosso objetivo de reconhecimento por parte
do ouvinte de um sistema que passa pela simulação de um uni-
verso vital onde o signo assume posições de equilíbrio e valor per-
ceptíveis apenas nos que fazem uso dele. Baudrillard, então, me-
rece ser citado novamente:
aqueles que quando envolvidos com surdos estão por outras ra-
zões que não estejam relacionadas com as perspectivas surdas. O
estão por estar com uma perspectiva clínico-terapêutica. Nesse
caso, estão por ter ganhos profissionais com isso, mas o que não
implica em conhecer o Outro surdo, mas sim em manterem sua
condição dentro da dicotomia em que se inscreve uma percepção
dos surdos equivocada com base na anormalidade. Para os surdos,
esses ouvintes são os mais complicados de se discutir e refletir
sobre o Ser surdo, pois a visão do surdo está diretamente associa-
da com incapacidade, incompetência, impossibilidade dentro de
uma concepção determinista da condição do ser com base na nor-
malidade ouvinte.
Há, também, aqueles outros ouvintes que se impõem, pois se
acham superiores que os surdos. As narrativas prosseguem: mas 181
esses ouvintes fazem pelos surdos, fazem tudo, tem quem luta com F
objetivo de se promover, não importa se é o surdo que está do lado
deles, puxam os surdos, assim como conseqüência temos surdos acomo-
dados e leis que não combinam. Estes são aqueles que nós surdos pode-
mos dizer que não são dos nossos, querem se promover, precisa muito
cuidado pois são assim mesmo. Há ainda aqueles outros ouvintes que
fazem “caridade”. Abrem espaço para os surdos, mas não incentivam
os surdos a pensar, pois continuam sendo o centro, os fazedores de
tudo.
Há, também, aqueles ouvintes que buscam perceber o “eu”
do outro, o “eu” dos surdos, que geralmente são poucos e que,
também, se constituem de diferentes formas. Entre eles, estão
aqueles que tentam aprender um pouco a língua de sinais para se
comunicar com os surdos. Esses ouvintes, então, são ouvintes es-
peciais. Consideram o surdo como o “outro que está aí”. As narra-
tivas surdas seguem: Gosto de ir lá naquela loja, porque tem aquela
34 Atualmente tem sido mais fácil para que o povo surdo acompanhe o progresso
e construa também a civilização unida à causa social surda. Essa civilização
surda mudou desde a morte de L’Epée, quando os surdos começaram a orga-
nizar-se na perspectiva da resistência cultural. Hoje essa resistência é contra a
globalização lingüística e cultural.
:
Referências
BAUDRILLARD, Jean. A troca impossível. Rio de janeiro: Nova Fron-
teira, 2002.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
BRAGA, Rubem. O velho tema do Eu do Outro. Crônica.
FOUCAULT. Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1989. 185
HOPENHAYN, Martin. Estilhaços de utopia. Vontade de poder, vibra- F
ção transcultural e eterno retorno. In LARROSA, Jorge & SKLIAR,
Carlos. Habitantes de Babel. Política e poética da diferença. Belo Ho-
rizonte: Editora Autêntica, 2001
PERLIN, Gladis & QUADROS, Ronice Müller de. O ouvinte o outro
do outro surdo. In: Anais do II Seminário Internacional Educação
Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais. Florianópolis: Fapeu-002,
2003. CD Room.
SAID, Edward. Orientalism. London: Routledge, 1978.
SKLIAR, Carlos B. Palestra proferida na Semana Acadêmica da UFRGS,
2002.
SKLIAR, Carlos Bernardo. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o
outro não estivesse aí? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.