- A vida humana não pode ser entendida como uma história coerente com início, meio e fim, mas como uma série de posições ocupadas em um espaço social em constante transformação.
- A noção comum de "história de vida" pressupõe uma filosofia da história que vê a vida como um caminho orientado, o que é uma ilusão retórica.
- Instituições sociais como o nome próprio tentam impor uma identidade constante ao longo do tempo, mas essa identidade é uma abstração que ignora a descontinuidade
- A vida humana não pode ser entendida como uma história coerente com início, meio e fim, mas como uma série de posições ocupadas em um espaço social em constante transformação.
- A noção comum de "história de vida" pressupõe uma filosofia da história que vê a vida como um caminho orientado, o que é uma ilusão retórica.
- Instituições sociais como o nome próprio tentam impor uma identidade constante ao longo do tempo, mas essa identidade é uma abstração que ignora a descontinuidade
- A vida humana não pode ser entendida como uma história coerente com início, meio e fim, mas como uma série de posições ocupadas em um espaço social em constante transformação.
- A noção comum de "história de vida" pressupõe uma filosofia da história que vê a vida como um caminho orientado, o que é uma ilusão retórica.
- Instituições sociais como o nome próprio tentam impor uma identidade constante ao longo do tempo, mas essa identidade é uma abstração que ignora a descontinuidade
Televiso [1997]; O Senso Prtico [2009]; A Reproduo: elementos para uma teoria do sistema de ensino [1978]; Questes de Sociologia [2003]; O Que Falar Quer Dizer: a economia das trocas simblicas [1998]; A economia das trocas simblicas [2003] O Poder Simblico [1992]; As Regras da Arte: gnese e estrutura do campo literrio [1996]; Razes Prticas: Sobre a teoria da ao [1996]; Razes Prticas: sobre a teoria da aco [1997]; Contrafogos: tticas para resistir invaso neoliberal [1998]; Meditaes Pascalianas [2001]; Contrafogos 2: por um movimento social europeu [2001]; A Produo da Crena: contribuio para uma economia dos bens simblicos [2001]; As Estruturas Sociais da Economia [2001]; Lies da Aula: aula inaugural proferida no Collge de France em 23 de abril de 1982 [2001];
A histria de vida uma dessas noes do senso
comum que entraram como contrabando no universo cientfico; inicialmente, sem muito alarde, entre os etnlogos, depois, mais recentemente, com estardalhao, entre os socilogos. Falar de histria de vida pelo menos pressupor - e isso no pouco que a vida uma histria
[...] caminho que percorremos e que deve ser
percorrido, um trajeto, uma corrida, um cursus, uma passagem, uma viagem, um percurso orientado, um deslocamento linear, unidirecional (a mobilidade"), que tem um comeo (uma estreia na vida"), etapas e um fim, no duplo sentido, de trmino e de finalidade (ele far seu caminho" significa ele ter xito, far uma bela carreira), um fim da histria.
Isto aceitar tacitamente a filosofia da histria
no sentido de sucesso de acontecimentos histricos, Geschichte, que est implcita numa filosofia da histria no sentido de relato histrico, Historie, em suma, numa teoria do relato, relato de historiador ou romancista, indiscernveis sob esse aspecto, notadamente biografia ou autobiografia.
Primeiramente, o fato de que a vida constitui
um todo, um conjunto coerente e orientado, que pode e deve ser apreendido como expresso unitria de uma "inteno" subjetiva e objetiva, de um projeto: a noo sartriana de "projeto original" somente coloca de modo explcito o que est implcito nos j", "desde ento", "desde pequeno" etc.
o relato autobiogrfico se baseia sempre, ou
pelo menos em parte, na preocupao de dar sentido, de tornar razovel, de extrair uma lgica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistncia e uma constncia, estabelecendo relaes inteligveis, como a do efeito a causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constitudos em etapas de um desenvolvimento necessrio.
Essa propenso a tornar-se o idelogo de sua
prpria vida, selecionando, em funo de uma inteno global, certos acontecimentos significativos e estabelecendo entre eles conexes para lhes dar coerncia, como as que implica a sua instituio como causas ou, com mais frequncia, como fins, conta com a cumplicidade natural do bigrafo, que, a comear por suas disposies de profissional da interpretao, s pode ser levado a aceitar essa criao artificial de sentido.
significativo que o abandono da estrutura do
romance como relato linear tenha coincidido com o questionamento da viso da vida como existncia dotada de sentido, no duplo sentido de significao e de direo [...] Shakespeare no fim de Macbeth: " uma histria contada por um idiota, uma histria cheia de som e de fria, mas desprovida de significao"
Produzir uma histria de vida, tratar a vida
como uma histria, isto , como o relato coerente de uma sequencia de acontecimentos com significado e direo, talvez seja conformarse com uma iluso retrica, uma representao comum da existncia que toda uma tradio literria no deixou e no deixa de reforar.
Allain Robbe-Grillet, "o advento do romance
moderno est ligado precisamente a esta descoberta: o real descontnuo, formado de elementos justapostos sem razo, todos eles nicos e tanto mais difceis de serem apreendidos porque surgem de modo incessantemente imprevisto, fora de propsito, aleatrio
A inveno de um novo modo de expresso
literria faz surgir a contrario o arbitrrio da representao tradicional do discurso romanesco como histria coerente e totalizante, e tambm da filosofia da existncia que essa conveno retrica implica.
Nada nos obriga a adotar a filosofia da
existncia que, para alguns dos seus iniciadores, indissocivel dessa revoluo retrica; mas; em todo caso, no podemos nos furtar a questo dos mecanismos sociais que favorecem ou autorizam a experincia comum da vida como unidade e como totalidade.
De fato, como responder, sem
sair dos limites da sociologia, a velha indagao empirista sobre a existncia de um eu irredutvel a rapsdia das sensaes singulares?
podemos encontrar no habitus o princpio
ativo, irredutvel s percepes passivas, da unificao das prticas e das representaes (isto , o equivalente, historicamente constitudo e portanto historicamente situado, desse eu cuja existncia, segundo Kant, devemos postular para justificar a sntese do diverso sensvel operada na intuio e a ligao das representaes numa conscincia).
[...] a nica maneira de apreende-Ia como tal
consiste talvez em tentar recuper-la na unidade de um relato totalizante O mundo social, que tende a identificar a normalidade com a identidade entendida como constncia em si mesmo de um ser responsvel, isto , previsvel ou, no mnimo, inteligvel, a maneira de uma histria bem construda (por oposio a histria contada por um idiota), dispe de todo tipo de instituies de totalizao e de unificao do eu.
o nome prprio, institui-se uma identidade social
constante e durvel, que garante a identidade do indivduo biolgico em todos os campos possveis ande ele intervm como agente, isto , em todas as suas histrias de vida possveis. a assinatura, signum authenticum que autentica essa identidade, a condio jurdica das transferncias de um campo a outro, isto , de um agente a outro, das propriedades ligadas ao mesmo indivduo institudo.
O nome prprio o atestado visvel da
identidade do seu portador atravs dos tempos e dos espaos sociais, o fundamento da unidade de suas sucessivas manifestaes e da possibilidade socialmente reconhecida de totalizar essas manifestaes em registros oficiais, curriculum vitae, cursus honorum, ficha judicial, necrologia ou biografia, que constituem a vida na totalidade finita, pelo veredicto dado sobre um balano provisrio ou definitivo
Designador rgido", o nome prprio a forma
por excelncia da imposio arbitrria que operam os ritos de instituio: a nominao e a classificao introduzem divises ntidas, absolutas, indiferentes as particularidades circunstanciais e aos acidentes individuais, no fluxo das realidades biolgicas e sociais.
Em outras palavras, ele s pode atestar a identidade da
personalidade, como individualidade socialmente constituda, a custa de uma formidvel abstrao. Tudo leva a crer que o relato de vida tende a aproximarse do modelo oficial da apresentao oficial de si, carteira de identidade, ficha de estado civil, curriculum vitae, biografia oficial, bem como da filosofia da identidade que o sustenta, quanto mais nos aproximamos dos interrogatrios oficiais das investigaes oficiais - cujo limite a investigao judiciria ou policial -, afastando-se ao mesmo tempo das trocas ntimas entre familiares e da lgica da confidencia que prevalece nesses mercados protegidos.
As leis que regem a produo dos discursos na
relao entre um habitus e um mercado se aplicam a essa forma particular de expresso que o discurso sobre si; e o relato de vida varia, tanto em sua forma quanto em seu contedo, segundo a qualidade social do mercado no qual oferecido - a prpria situao da investigao contribui inevitavelmente para determinar o discurso coligido.
o objeto desse discurso, isto , a apresentao
pblica e, logo, a oficializao de uma representao privada de sua prpria vida, pblica ou privada, implica um aumento de coaes e de censuras especficas (das quais as sanes jurdicas contra as usurpaes de identidade ou o porte ilegal de condecoraes representam o limite).
[...] da situao de investigao, que, segundo a
distancia objetiva entre o interrogador e o interrogado e segundo a capacidade do primeiro para "manipular" essa relao, poder variar desde essa forma doce de interrogatrio oficial que , geralmente sem que o saiba o socilogo, a investigao sociolgica at a confidencia - atravs, enfim, da representao mais ou menos consciente que o investigado far da situao de investigao, em funo de sua experincia direta ou mediata de situaes equivalentes (entrevista de escritor clebre ou de poltico, situao de exame ete.) , e que orientar todo o seu esforo de apresentao de si, ou melhor, de produo de si.
Ela conduz construo da noo de trajetria
como srie de posies sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espao que ele prprio um devir, estando sujeito a incessantes transformaes.
Tentar compreender uma vida como uma srie
nica e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vnculo que no a associao a um "sujeito" cuja constncia certamente no seno aquela de um nome prprio, quase to absurdo quanto tentar explicar a razo de um trajeto no metr sem levar em canta a estrutura da rede, isto , a matriz das relaes objetivas entre as diferentes estaes.
O que equivale a dizer que no podemos
compreender uma trajetria (isto , o envelhecimento social que, embora o acompanhe de forma inevitvel, independente do envelhecimento biolgico) sem que tenhamos previamente construdo os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relaes objetivas que uniram o agente considerado - pelo menos em certo nmero de estados pertinentes - ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espao dos possveis.
Essa construo prvia tambm a condio
de qualquer avaliao rigorosa do que podemos chamar de superfcie social, como descrio rigorosa da personalidade designada pelo nome prprio, isto , o conjunto das posies simultaneamente ocupadas num dado momento por uma individualidade biolgica socialmente instituda e que age como suporte de um conjunto de atributos e atribuies que lhe permitem intervir como agente eficiente em diferentes campos.
A necessidade desse desvio pela construo
do espao parece to evidente quando enunciada - quem pensaria em evocar uma viagem sem ter uma ideia da paisagem na qual ela se realiza? - que seria difcil compreender que no se tenha imposto de imediato a todos os pesquisadores, se no soubssemos que o indivduo, a pessoa, o eu, "o mais insubstituvel dos seres", como dizia Gide, para o qual nos conduz irresistivelmente uma pulso narcsica socialmente reforada, tambm a mais real, em aparncia, das realidades, o ens realissimum, imediatamente entregue a nossa intuio fascinada, intuitus personae.