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“ O sonho da razão produz

monstros”, de Goya.
É um poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita com calma lucidez, a
relatividade e a fugacidade de todas as coisas. ”Vem te sentar comigo Lídia, à
beira do rio”.

A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurista triste, pois defende o prazer do


momento como caminho para a felicidade (“carpe diem”). Apesar deste prazer que
procura e a felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a
verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, a ataraxia sente que tem de viver em
conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer numa verdadeira
ilusão da felicidade, conseguida pelo esforço estóico, lúcido e disciplinado.

Na tentativa de iludir o sofrimento resultante da consciência aguda da precariedade da


vida, do fluir continuo do tempo e da fatalidade da morte só é possível através do
sorriso, do vinho e das flores.

A intemporalidade das suas preocupações: a angustia do homem perante a brevidade


da vida e a inevitabilidade da Morte e a interminável busca de estratégias de limitação
do sofrimento que caracteriza a vida humana.
EPICURISMO PAGANISMO
  - Busca da felicidade   - Crença nos deuses
  - Moderação dos prazeres   - Crenças na civilização da Grécia
  - Fuga à dor (aponia)   - Intelectualização das emoções
  - Ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a   - Medo da morte
perturbação)
ESTOICISMO (conformismo)
NEOCLASSICISMO
  - Aceitação das leis do destino (apatia)
  - Poesia construída com base em
  - Indiferença face às paixões e à dor
  - Abdicação de lutar
ideias elevadas
  - Auto disciplina   - Odes
HORACIANISMO
  - Carpe diem: vive o momento
  - Aure mediocritas: a felicidade possível está
na natureza
Mestre, são plácidas À beira-rio, Colhamos flores.
Todas as horas À beira-estrada, Molhemos leves
Que nós perdemos, Conforme calha, As nossas mãos
Se no perdê-las, Sempre no mesmo Nos rios calmos,
Qual numa jarra, Leve descanso Para aprendermos
Nós pomos flores. De estar vivendo. Calma também.

Não há tristezas Girassóis sempre


O tempo passa,
Nem alegrias Fitando o sol,
Não nos diz nada.
Na nossa vida. Da vida iremos
Envelhecemos.
Assim saibamos, Tranquilos, tendo
Saibamos, quase
Sábios incautos, Nem o remorso
Maliciosos,
Não a viver, De ter vivido.
Sentir-nos ir.
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos, Não vale a pena
Lendo as crianças Fazer um gesto.
Por nossas mestras, Não se resiste
E os olhos cheios Ao deus atroz
De Natureza... Que os próprios filhos
Devora sempre.
Referência ao que considera seu
mestre, Alberto Caeiro
Mestre, são plácidas
Todas as horas Não nos devemos afastar
totalmente da vida, porque as
Que nós perdemos, horas perdidas em viver nunca são
verdadeiramente perdidas, se as
Se no perdê-las, tornarmos num símbolo concreto,
se lhes dermos a nobreza de as
Qual numa jarra, aceitar viver.

Nós pomos flores.


Não há tristezas não existem emoções, a
menos que não saibamos
Nem alegrias viver a vida.
Na nossa vida.
O sofrimento pode ser evitado,
Assim saibamos, evitando a vida ela mesma,
evitando ser vividos por ela em
Sábios incautos, vez de sermos nós a vivê-la.

Não a viver,
Mas decorrê-la, Reis aconselha-nos a "decorrê-la /
Tranquilos, plácidos, Tranquilos , plácidos", como
"crianças", com os "olhos cheios de
Lendo as crianças Natureza". Essa Natureza que ele
certamente desconhece, como
Por nossas mestras, Caeiro desconhecia e apenas
cantava, mas que é ainda o alvo da
E os olhos cheios sua atenção como poeta Pagão.

De Natureza...
Passando pela vida, num "leve
À beira-rio, descanso", Reis espera não ter de se
confrontar com os mesmos obstáculos
À beira-estrada, do seu Mestre Caeiro. Parece afirmar
perante si próprio que a sua missão
Conforme calha, está de certo modo facilitada - ele
escolhe o seu próprio caminho e não
Sempre no mesmo precisa de se descobrir. A sua
natureza é uma afirmação, uma
Leve descanso escolha e não uma descoberta.

De estar vivendo.
O tempo passa,
É uma questão de deixar "o
Não nos diz nada. tempo ir" - certamente não
uma opinião do próprio
Envelhecemos. Fernando Pessoa que tão
interventivo era no seu tempo
Saibamos, quase - para que tudo finde um dia
futuro.
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Resistir - isso está fora de
Não se resiste questão, correndo o risco de
enfurecer o deus que come os
Ao deus atroz seus próprios filhos.

Que os próprios filhos


Devora sempre.
Tempo
perífrase Pessoas: cristãos, judeus…
A calma necessária para esta falta de
Colhamos flores. actividade, para esta ataraxia, é
aprendida com a Natureza. Eis o papel da
Molhemos leves Natureza em Reis - como exemplo eficaz
de algo que passa pelo tempo mas que
As nossas mãos fica sempre igual, que em rigor aceita o
tempo e a mudança com nobreza. Basta
Nos rios calmos, que aprendamos com ela a ficar imóveis
perante o tempo, que decidamos não
Para aprendermos mudar nada à nossa volta. "Colhamos
flores" e "molhemos as mãos nos rios
Calma também. calmos".
Girassóis sempre Como girassóis que olham o Sol - nova
referência a uma flor - Reis espera que
Fitando o sol, assim passemos ao lado de tudo,
incólumes, sem influir nem sermos
Da vida iremos modificados, quase que figuras estranhas
em sombra, pintados num qualquer
Tranquilos, tendo quadro, sem grande pormenor, mas ainda
assim almas humanas, ainda assim vidas
Nem o remorso conscientes.

De ter vivido.

metáfora de Homens que desfrutam a vida


Tendo como base a mitologia grega onde a
imagem que se tem de Chronos (chamado
Saturno pelos romanos), é a de um homem que
devora o seu próprio filho, num acto de
canibalismo difícil de compreender na
actualidade. No entanto, esta representação
deve-se ao facto de os antigos gregos tomarem
Chronos como o criador do tempo, logo de tudo
o que existe e possa ser relatado, a exemplo do
Deus único e criador dos cristãos, judeus e
muçulmanos, sendo que, por este facto, se
consideravam como filhos do tempo (Chronos),
e uma vez que é impossível fugir ao tempo,
todos seriam mais cedo ou mais tarde vencidos
(devorados) pelo tempo, ou seja, não se pode
fugir ao inevitável – morte.
Saturno devorando a un
hijo (titulo original) –
Francisco de Goya 1823
Ricardo Reis dirige-se àquele que considera seu Mestre, Alberto Caeiro.
Afirma que a passagem do tempo é tranquila, embora inexorável. Compara a
brevidade da existência das flores que são cortadas para pôr numa jarra.

Para Ricardo Reis, a vida não é triste nem alegre, é uma curta passagem.
Aconselha a viver em ataraxia, tal como se fossemos crianças inocentes,
usufruindo da Natureza, através da visão.

É uma atitude cerebral, calculada, não tendo nada de inocente, é adquirida através de
um processo mental de autodisciplina.

Desvalorizando a passagem do tempo visto que é esta que o angustia. Perante a


consciência de que há envelhecimento e de que este conduz à morte, o poeta sujeita
se a um processo de aceitação e de abandono, porque não vale a pena combater o
inevitável, a morte.

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