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Prof.

Antônio Beethoven

TEORIAS FILOSÓFICAS DA ARTE


I – CONCEITO
 Ciente de que ‘teoria’ vem do grego ’Θεωρία e significa “acção de observar //
meditação, estudo // acção de ver uma festa // festa solene, procissão// envio
de deputados às festas solenes na Grécia// cargo de deputado nessas festas”
(PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego, 1990, p.
274) e de que ‘práxis’ também de origina do grego, mais exatamente de
Πράξις, denotando “acção, acto// actividade, exercício// execução,
realização// empresa, empresa pública (política, de guerra)// comércio,
negócio// reivindicação, manejo, intriga// maneira de operar, conduta//
maneira de ser, situação, sorte, fortuna, destino// resultado, conseqüência”
(Idem, p. 477), termo grego derivado do verbo πράσσω, o qual significa “v.
atravessar, percorrer// ir até ao fim, terminar, acabar// operar, trabalhar,
ocupar-se, negociar// fazer executar, realizar, lograr// fazer pagar// reclamar,
vingar// acabar, fazer perecer” (Idem, ibidem), pode-se compreender, pois
que a teoria sem práxis é paralítica – não consegue nem ficar de pé, quanto
mais andar – enquanto que a práxis sem teoria é cega, de maneira que “There
is nothing more practical than a good theory” [“Não existe nada mais prático
do que uma boa teoria”] (LEWIN, Kurt. Field Theory in Social Science: Selected
Theoretical Papers by Kurt Lewin. London: Tavistock, 1952, p. 169). Assim,
Teoria Filosófica da Arte é toda e qualquer elaboração intelectual com o fito de
explicar a natureza da obra de Arte (O Que é Arte ou unidade ou conexão
entre a dimensão ontológica e a ôntica do fazer).
II – TEORIAS
 Dentre as inúmeras considerações plausíveis, há nove
Teorias Filosóficas da Arte, a saber:
 Teoria da Arte como imitação (Teoria da Μίμησις);
 Teoria da Arte como Beleza (Teoria do Belo);
 Teoria da Arte como Gosto;
 Teoria da Arte como Sublime;
 Teoria Idealista da Arte;
 Teoria da Arte como Expressão;
 Teoria Institucional da Arte;
 Teoria da Arte como Forma Significante ou Teoria
Formalista ou da Empatia;
 Teoria da Arte como Potência.
III – Teoria da Arte como Imitação
(Μίμησις)
 É uma das duas Teorias Filosóficas da Arte existentes na Antiguidade, apresentada tanto por
Platão (429-347 a.C.), em seus diálogos A República (livros Γ e, principalmente, Κ), Crátilo,
Filebo e Sofista, quanto por Aristóteles (384-322 a.C.), em sua Poética, mormente nas seções
1447a 13-16, 1447a 20, 1448a e 1451b 8. Durante muito tempo, foi aceita pelos próprios
artistas como inquestionável. Uma obra é Arte se, e somente se, é produzida pelo homem e
imita algo.
 MÉRITO: O fato de muitas pinturas, esculturas e outras obras de Arte imitarem algo da
natureza: paisagens, pessoas, objetos, acontecimentos et cætera.
 CRITÉRIO de CLASSIFICAÇÃO: Permite-nos distinguir um objeto que é uma obra de Arte de
outro que o não é.
 CRITÉRIO de VALORAÇÃO: Possibilita-nos distinguir as boas das más obras de Arte. Nesse
sentido, uma obra de Arte seria tão boa quanto mais conseguisse aproximar-se do objeto
imitado.
 OBJEÇÕES: Esta teoria defende uma condição necessária: para que algo seja Arte tem de imitar
o real, e isso não acontece com todas as obras de Arte. Existem obras que são
reconhecidamente Arte e, seguindo essa teoria, não são classificados como tal. Muitas obras de
Arte não podem ser consideradas nem boas nem más, já que não imitam nada. Existem obras
de Arte que imitam algo sem que tenhamos condições de as avaliar, por exemplo, obras que
imitam algo que já não existe ou não é do conhecimento de quem as aprecia. Segundo essa
teoria, a Fotografia é a mais perfeita de todas as Artes.
IV – Teoria da Arte como Beleza
 A segunda das mais antigas Teorias Filosóficas da Arte, debatida e extensamente
comentada por Platão, principalmente nos diálogos Hípias Maior e Fedro, e Aristóteles.
Ao invés do que muitos erroneamente pensam, a Teoria da Beleza em tempo algum é
uma teoria rival da Teoria da Μίμησις, senão uma especificação desta última, à condição
de subconjunto mesmo, visto que uma obra de Arte só pode ser considerada como tal se
se assemelha ou imita o ideal de Beleza. Aqui impera, tanto quanto na Teoria Mimética
da Arte, o mundo platônico das ideias, do qual as obras existentes neste mundo
participam, limitada e erroneamente, mas participam, constituindo o Platonismo, assim,
não um Dualismo, mas em verdade uma dualidade apenas.
 MÉRITO: O ideal de Beleza foi árdua e diligentemente perseguido por gerações de
artistas, durante séculos, produzindo-se obras-primas de inigualável magnitude.
 CRITÉRIO de CLASSIFICAÇÃO: Permite-nos ansiar por um aprimoramento contínuo em
busca da obra ideal.
 CRITÉRIO de VALORAÇÃO: Também nos permite distinguir boas e más obras, ensejando
um critério draconiano de compreensão e estudo da obra de Arte.
 OBJEÇÕES: Justamente por servir como critério tão rigoroso de avaliação de obras
artísticas, a Teoria Filosófica da Beleza possibilitou toda sorte de julgamentos
arbitrários, a partir do que se considerava ‘belo’ em determinada época e lugar,
sujeitando-se, portanto, a uma interpretação subjetiva e, portanto, contingente do
crítico de Arte. Tentar conferir o mínimo de objetividade à Beleza é a missão a que
alguns filósofos da Arte contemporâneos se impuseram, quais Roger Scruton (1944-),
no intuito de se combater a antiarte duchampiana.
V – Teoria da Arte como Gosto
 Desenvolvida em fins da primeira metade do século XVIII, a partir de
ideias iluministas, cuja corrente artística foi o Neoclassicismo, a partir
das obras de Charles Batteux (1713-1780), Voltaire (1694-1778),
Montesquieu (1689-1755), influenciando sobremaneira Baumgarten
(1714-1762) e Mengs (1728-1779), trazendo, por consequência, o
nascimento do moderno significado da palavra ‘Estética’, a Teoria do
Gosto preconizava que “gosto [...] nada mais é senão a vantagem de
descobrir com sutileza e presteza a medida do prazer que cada coisa
deve dar às pessoas [...] É bom conhecer a fonte dos prazeres dos
quais o gosto é a medida: o conhecimento dos prazeres naturais e
adquiridos poderá servir para retificar nosso gosto natural e nosso
gosto adquirido. É preciso partir do ponto em que se encontra nosso
ser e saber quais são seus prazeres para poder avaliar esses prazeres
e, mesmo, por vezes sentir esses prazeres [...] como a perfeição das
artes consiste em nos apresentar as coisas de modo a nos
proporcionar o maior prazer possível, seria preciso que as artes
mudassem, uma vez que seria outra a maneira de nos darem prazer
[...] o gosto natural não é um conhecimento teórico; é uma aplicação
direta e requintada de regras que não conhecemos bem [...] o gosto adquirido
afeta, muda, aumenta e diminui o gosto natural, tanto quanto o gosto natural
afeta, muda, aumenta e diminui o gosto adquirido [...] gosto é aquilo que nos
liga a uma coisa por meio do sentimento, o que não impede que ele possa
aplicar-se às coisas do intelecto, cujo conhecimento dá tanto prazer à alma
que essa é mesmo a única felicidade que certos filósofos conseguem
compreender. A alma conhece por meio das ideias e dos sentimentos; ela
sente prazer por meio das ideias e dos sentimentos, pois, embora possamos
estabelecer uma oposição entre ideia e sentimento, quando a alma vê uma
coisa ela sente, e não há coisas tão intelectuais que ela não possa ver ou que
acredite não ver e, por conseguinte, que não sinta [...] Ter espírito consiste em
ter as faculdades bem constituídas, relativamente às coisas às quais se aplica
[...] se está mais ligada a um certo prazer delicado das pessoas comuns, seu
nome é gosto [...] A arte vem em nossa ajuda e nos revela a natureza que se
oculta em nós [...] pode-se dizer que a arte fornece as regras e o gosto, as
exceções; o gosto nos diz quando a arte deve governar e quando deve ser
governada” (MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e
de. O Gosto. Tradução, posfácio e notas por Teixeira Coelho. São Paulo:
Iluminuras, 2005, p. 12 14, 17, 19, 22 e 70).
 MÉRITO: A Teoria do Gosto enseja uma pesquisa objetiva
acerca da condição artística de uma obra, mediante o prazer
por ela evocado tanto no autor como no espectador, o que foi
seguramente um avanço colossal para época, mormente contra
uma forma de pensar hegemonicamente avessa a toda e
qualquer modo de pesquisa sensorial ou que valorizasse o
corpo e os sentidos, ainda mais no que tange a uma Filosofia da
Arte.
 OBJEÇÕES: O prazer é irredutível a qualquer espécie de cálculo.
Daí que qualquer tentativa de mensuração se torna irrealizável
a uma teoria hedonista como o é a do Gosto, inobstante sua
influência avassaladora sobre os pensadores iluministas em
geral. Em outras palavras, a Teoria do Gosto se autocontradiz,
por buscar objetivar (mensurar, calcular) algo é insitamente
subjetivo (o prazer), possibilitando, assim, interpretações
contingentes, para não dizer relativistas, por parte do crítico de
Arte.
VI – Teoria da Arte como Sublime

 Formada a partir de Platão (429-347 a.C.),


Lucrécio (99-55 a.C.) [Suave, Mari Magno: “É bom,
quando os ventos revolvem a superfície do grande
mar, ver da terra os rudes trabalhos por que estão
passando os outros; não porque haja qualquer
prazer na desgraça de alguém, mas porque é bom
presenciar os males que não se sofrem. É bom
também contemplar os grandes combates de
guerra travados pelos campos sem que haja da
nossa parte qualquer perigo” (De Rerum Natura, II,
início)], Longino (séc. III d.C.), “O efeito de uma
linguagem elevada sobre a audiência não é
persuasão, mas transporte”, pelo Terceiro Conde
de Shaftesbury (1671-1713) e pelo irlandês
 Edmund Burke (1729-1796) [“Tudo que seja de algum modo capaz de
incitar as ideias de dor e de perigo, isto é, tudo que seja de alguma
maneira terrível ou relacionado a objetos terríveis ou atua de um
modo análogo ao terror constitui uma fonte do sublime, isto é, produz
a mais forte emoção de que o espírito é capaz [...] Quando o perigo ou
a dor se apresentam como uma ameaça decididamente iminente, não
podem proporcionar nenhum deleite e são meramente terríveis; mas
quando são menos prováveis e de certo modo atenuadas, podem ser –
e são – deliciosas, como nossa experiência diária nos mostra [...] A
paixão a que o grandioso e sublime na natureza dão origem, quando
essas causas atuam de maneira mais intensa, é o assombro, que
consiste no estado de alma no qual todos os seus movimentos são
sustados por um certo grau de horror [...] O assombro, como disse, é o
efeito do sublime em seu mais alto grau; os efeitos secundários são a
admiração, a reverência e o respeito” (BURKE, Edmund. Uma
Investigação Filosófica sobre a Origem de nossas Ideias do Sublime e
do Belo. Tradução, apresentação e notas por Enid Abreu Dobránzsky.
Campinas-SP: Papirus/EdUNICAMP, 1993, p. 48 e 65, grifo original)],
 logo ecoada pelo enciclopedista Denis Diderot (1713-1784) na
França. Segundo eles, tudo o que espanta a alma, tudo o que
nela imprime uma sensação de terror, leva ao sublime, ou seja,
àquilo que é elevado, grandioso, exaltado. Nesta teoria, a beleza
e o sublime são opostos. Enquanto que a luz realça a beleza,
tanto treva como luz, levadas ao extremo, obliteram a visão do
objeto, e geram o espanto, a incerteza e a confusão, o sublime,
embora assim como a beleza, ele possa gerar deleite quando se
percebe que o terror é fictício. Era uma visão toda contrária à
concepção clássica de qualidade estética, admitindo a feiúra e o
horror como elementos capazes de gerar prazer estético pelo
estímulo intenso das emoções. Kant (1724-1804) contribui
para essa noção dizendo em sua Crítica do Julgamento que
"chamamos de sublime aquilo que é absolutamente grande", e
notando que a beleza se liga à forma do objeto, tendo, assim,
limites, e que o sublime é caracterizado pelo informe e pelo
ilimitado.
 MÉRITO: Trata-se da teoria da Arte fundante do Romantismo como
corrente estética, por excelência, apresentando uma abrangência
incrivelmente maior, se comparada com as teorias Mimética, da
Beleza e do Gosto, por envolver obras que não necessariamente se
enquadrariam em nenhuma destas últimas, mas que, ainda assim,
teriam garantido seu valor estético. Ao levar em conta a emoção,
juntamente com a razão, o grotesco, o terrível, o horrendo como
temas também de obras de Arte, a Teoria do Sublime ratificou o
império da imaginação sobre o fazer, constituindo, assim, a Arte na
forma por excelência de o ser humano superar os limites de seu
ambiente, por vezes asfixiante de tédio e fatos lamentáveis,
transcendendo a si mesmo para universos imaginários e paralelos,
independentemente de imitação, beleza ou gosto. Pela primeira vez,
na História, fatos “não artísticos”, para não dizer horripilantes,
independente de serem ou não verídicos, passam não só a inspirar
como a ser alvo de elaborações de obras de Arte, frutos
precipuamente da imaginação.
 OBJEÇÕES: Dentre as muitas, duas são capitais ao ataque à Teoria do
Sublime: 1ª) Tudo o que terrível ou horrendo pode ser tema de obra
de Arte, mas não necessariamente o é, nem muito menos a recíproca é
verdadeira, o que, infeliz e asininamente, alguns muitas vezes
concluem, ou seja, passam a considerar que tudo o que é terrível tem
de ser obra de Arte e toda obra de Arte tem de ser horrenda, ambas
inverdades absurdas, por sinal; 2ª) A Teoria do Sublime é a mais
filosofante de todas as Teorias da Arte, por justamente confundir o
início do filosofar (θάυμα – espanto, admiração, maravilha,
deslocamento, atopia) com o da própria obra de Arte, de maneira que
há uma ligeira indistinção entre Estética e Poética, invariavelmente
marcando um desalinho de ofício entre ambas, o que é, infelizmente,
lamentável, pois toda obra de Arte é espantosa, admirável e
maravilhosa, mas isso não necessariamente faz do artista um filósofo
e muito menos do espectador. Como corolário disso, muitos são os
que consideram que basta espantar quem quer que seja, infundindo-
lhe admiração e maravilha, para estar fazendo Arte, o que outrossim
não é verdade.
VII – Teoria da Arte como Expressão
 Insatisfeitos com a Teoria Mimética da Arte, muitos filósofos e artistas
do século XIX propuseram uma definição de Arte que ultrapassava as
limitação da mais antiga das teorias da Arte: uma obra é Arte se, e
somente se, exprime sentimentos e emoções do artista.
 MÉRITO: Muitos artistas testemunham que sem a existência de certas
emoções, determinadas obras não teriam certamente existido.
 CRÍTÉRIO CLASSIFICATIVO: permite classificar objetos como obras de
Arte, com a vantagem de classificar como tal todas as obras que não
imitam nada.
 CRITÉRIO VALORATIVO: uma obra é tanto melhor quanto melhor
conseguir exprimir os sentimentos do artista que a criou.
 OBJEÇÕES: Existem obras de Arte que não exprimem qualquer
emoção ou sentimento.Uma maior quantidade de objetos pode ser
classificada como Arte em comparação com a Teoria Mimética, mas
nem todas as obras de Arte são classificadas como tal. Como podemos
saber se uma determinada obra exprime corretamente as emoções do
artista que a criou, quando este já morreu há séculos?
VIIII – Teoria da Arte como Forma
Significante ou Teoria Formalista

 Considera que não se deve começar por


procurar aquilo que define uma obra de Arte
na própria obra, mas sim no sujeito que a
aprecia. Uma obra é arte se, e somente se,
provoca nas pessoas emoções estéticas. A
característica de provocar emoções estéticas
constitui a condição necessária e suficiente
para que um objeto seja obra de Arte.
OBJEÇÕES: Algumas pessoas não sentem
qualquer tipo de emoção perante certas obras
que são consideradas Arte.
IX – Teoria Institucional da Arte
 Defendida por George Dickie (1926-). Considera que existem dous
aspectos comuns a todas as obras de Arte: 1) Todas elas são artefactos
(são resultantes do trabalho humano); 2) Todas elas possuem o
estatuto de obras de Arte porque este lhes é conferido por pessoas
que detêm autoridade suficiente para o fazer.
 OBJEÇÕES: Nesta teoria, quase tudo pode se transformar numa obra
de Arte, visto que basta pessoas abalizadas nessa matéria afirmarem
que o é. Esta teoria não permite distinguir a boa da má Arte (dizer
que algo é Arte é apenas classificá-lo como tal). Trata-se duma teoria
circular, uma vez que Arte é só aquilo que um grupo restrito decide
considerar como tal. Como observa o filósofo Richard Wollheim
(1923-2003), ainda que se admita que as pessoas ligadas ao mundo
da Arte têm a competência de converter qualquer artefato numa obra
de Arte, nesse caso, deve haver razões para escolherem uns artefactos
e não outros. Se há razões, então são essas a fixar o que é Arte e o que
não o é, tornando-se inútil a Teoria Institucional.
X – Teoria Idealista ou Purista da
Arte
 Esta teoria defende que é na mente do artista que se encontra a
verdadeira obra de Arte. Defende que as obras de Arte são
diferentes dos artefactos, ou seja, nenhuma obra de Arte se
reduz a um meio destinado a um fim utilitário, visto que “A
Arte deve ser o fim de si mesma, buscando realizar a beleza
pura, sem se preocupar com a moralidade ou a utilidade”
[Théophile Gautier (1811-1872), do prefácio ao romance
Mademoiselle de Maupin]. Esta teoria se caracteriza por
diferençar as obras de Arte genuína, da recreativa e da Arte
religiosa.
 OBJEÇÕES: É de difícil aceitação a perspectiva segundo a qual
as obras de Arte são ideais (ao invés de serem objetos
materiais). Ao defender que só são obras de Arte genuínas
aquelas que não têm propósitos específicos, estas (por
exemplo, obras de Arquitetura) não deixam por isso de ser
artisticamente belas.
XI – Teoria da Arte como Potência
 Tendo pressupostos na distinção aristotélica de ato (ἐνέργεια) e
potência (δύναμις) – como forma de conciliação entre o pensamento
de Parmênides de Eleia (515-440 a.C.) e Heráclito de Éfeso (544-474
a.C.) – e derivada diretamente da Vontade de Potência de Nietzsche
(1844-1900), a Teoria da Arte como Potência foi preconizada pelo
Dadaísmo, mormente por Duchamp (1887-1968), mediante o ready-
made (objet trouvé), ao estabelecer que qualquer objeto, por mais
utilitário, inusitado ou trivial que pareça, é, sim, potencialmente uma
obra de Arte, bastando, para tanto, vir a ser esse objeto alvo
doravante de um discurso estético pertinente a um olhar artístico.
Tanto Arte quanto Antiarte o são em Ato, diferindo no que diz
respeito à origem e elaboração, pois, além de não surgir de um
trabalho de artesania, propriamente dito, o ready-made já está
potencialmente presente em quaisquer objetos, antiartísticos,
inclusive, os quais, por conta de um novo olhar e um novo discurso,
tornam-se, desse modo, também Arte, haja vista que “será Arte tudo o
que eu disser que é Arte” (DUCHAMP) – ou seja, todo acervo artístico
que nos foi legado pelo passado só é considerado Arte porque, afinal
de contas, alguém assim o disse e nós nos habituamos a admiti-lo.
 MÉRITO: Sem dúvida, a Teoria da Arte como Potência trouxe
uma das maiores revoluções estéticas de todos os tempos, ao
desencadear um questionamento sobre toda a Poética
tradicional, passando a universalmente albergar como sendo
Arte tudo o que é produzido mediante o trabalho humano,
independentemente de finalidade, quebrando, assim, os
cânones não só da Arte acadêmica senão da própria artesania
como ponto de partida da elaboração de uma obra estética,
deslocando de fato o eixo da Poética – até então centrada nas
técnicas, procedimentos e materiais – agora para o discurso
sobre a obra, sobretudo. Em função disso, a Teoria da Potência
se trata, em verdade, da mais dinâmica, por excelência, de
todas as teorias filosóficas da Arte, por acelerar a circulação,
como Arte, de não obras e performances , principalmente,
aumentando-se, desse modo, o volume de produção estética,
num ritmo vertiginoso, como jamais se viu na História da raça
humana.
 OBJEÇÕES: Por mais paradoxal que pareça, a originalidade da Teoria da Potência é, ao mesmo
tempo, seu calcanhar de Aquiles: ao centralizar a Poética no discurso sobre a obra de Arte, e
não mais nas técnicas, procedimentos e materiais, essa teoria filosófica perde a dimensão
poética da Arte, priorizando o que se fala sobre o que se faz, seja de quem for, venha de onde
vier. Em outras palavras, pela Teoria da Arte como Potência, qualquer um pode produzir obra
de Arte, independentemente de conhecimento técnico, domínio de procedimentos ou escolha
de materiais, pois o que importa é o discurso que haverá em torno do que será exposto. Mas, se
assim o for, então, não haverá maior artista do que um filósofo da Arte ou, pior, um crítico de
Arte, que também pode ser um historiador da Arte, um antropólogo da Arte, um sociólogo da
Arte, um psicólogo da Arte, o que é, logicamente, um absurdo e um desrespeito para com todos
os artistas, propriamente ditos. O paradoxo da Teoria da Potência reside no fato de, ao
considerar todo ser humano como artista – independentemente de formação, estudo, pesquisa,
dedicação, trabalho – tudo o que o ser humano faz inexoravelmente vem a ser Arte, não mais
apenas como potência, mas também agora em ato. Porém, que valor pode ter algo que
qualquer um pode fazer? Tal, em verdade, a vergonhosa contradição da Arte Contemporânea:
abolir a obra de Arte e ao mesmo tempo estipular seu preço. Infelizmente, a Teoria Filosófica
da Arte como Potência parece ter libertado a Arte das academias e da Poética (técnicas,
procedimentos e materiais); só não a libertou do mercado, o qual financia, por sua vez,
academias, museus e galerias de Arte... ou será de Antiarte?

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