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O Ano da Morte de

Ricardo Reis
José Saramago
Contextualização histórico-literária

 O século XX é um momento de rutura a vários níveis.


 A partir das duas Grandes Guerras, o mundo mudou.
 A relação entre História e verdade foi abalada e passou a
entender-se o relato histórico como uma versão dos
acontecimentos geralmente ligada ao poder.
 A História deixou de ser considerada um “armazém de
verdade” e o texto histórico é encarado como uma maneira
parcial e pessoal de abordagem.
 O romance da segunda metade do século XX recorre ao
discurso histórico, reescrevendo-o e apresenta, muitas vezes,
factos que reconhecemos, sob um ponto de vista novo.
A Reescrita da História no final do milénio

• O discurso histórico é hoje considerado parcial e parcelar,


pois regista apenas uma parte daquilo que aconteceu.

• As minorias são pobres em documentos, por isso, se tornam


pobres em História.

• No romance histórico do século XX, os acontecimentos


passam a ser perspetivados de uma forma múltipla, expondo
o ponto de vista do homem comum, dando voz a quem nunca
a teve e apresentando versões diferentes de factos
reconhecíveis.
Representações do século XX

• O espaço da cidade

• O tempo histórico

• Os acontecimentos políticos
O espaço da cidade

• As veredas da cidade e as da criação poética no romance têm


sempre a esclarecê-las os versos camonianos, pois é
impossível imaginar Portugal sem Camões e sem Os Lusíadas.
Reis está em Lisboa, Pessoa também, o primeiro habitando
próximo do Adamastor, o segundo, o Cemitério dos Prazeres.
Representações do século XX

• O romance recupera
um tempo: 1936,
um poeta: Ricardo Reis,
uma poesia: Fernando Pessoa,
um contexto de amizade e de especulação intelectual
entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa, sem deixar de lado
a ficção e as profecias para o futuro de Portugal.
O espaço da cidade, o tempo histórico e os
acontecimentos políticos

• O romance desenha a paisagem da Europa de 1936:


a França governada por Léon Blum e as notícias das
vitórias do movimento do “Front Populaire”;

a Itália fascista de Mussolini e o nacionalismo, a anexação


do território independente da Etiópia e a não oposição da
França que teme que Itália faça uma aliança com a
Alemanha;

a Alemanha de Hitler e o seu prestígio técnico-científico:


“o adamastórico Graf Zeppelin” (p. 286);
a Espanha de Franco e a Guerra Civil;
O espaço da cidade, o tempo histórico e os
acontecimentos políticos

o retrato de Portugal:
 da primeira República à Ditadura (45 governos, 8 eleições, 8
presidentes em 15 anos);
 Salazar, desde 1928 no cargo de Ministro das Finanças e
verdadeiro líder da nação;
 Salazar visto como “Salvador da Pátria”, dentro do espírito
messiânico e sebastianista de quem acredita num futuro
glorioso garantido por um passado grandioso;
 os jornais portugueses comprometidos com o discurso do
poder;
 da repressão à contestação;
 a Mocidade portuguesa e a educação dos jovens;
 os movimentos contra o regime.
Deambulação geográfica e viagem literária
Deambulação geográfica e viagem literária

“Ricardo Reis atravessa o


jardim, vai olhar a cidade, o
castelo com as suas muralhas
derrubadas, o casario a cair pela
encosta. O sol branqueado bate
nas telhas molhadas, desce
sobre a cidade um silêncio,
todos os sons são abafados, em
surdina, parece Lisboa que é
feita de algodão…”
(O Ano da Morte de Ricardo Reis, p. 69)
Deambulação geográfica e viagem literária

“Vai subindo a rua do Alecrim,


pelas calhas dos elétricos ainda
correm regueirinhos de água, o
mundo não consegue estar
quieto, é o vento que sopra, são
as nuvens que voam, da chuva
nem fala, tanta tem sido. Ricardo
Reis para diante da estátua de
Eça de Queiroz”
(O Ano da Morte de Ricardo Reis, p. 66)
Deambulação geográfica e viagem literária

“(…) já pensou que não


teríamos Lusíadas se não
tivéssemos tido Camões, é
capaz de imaginar que
Portugal seria o nosso sem
Camões e sem Lusíadas.”
(O Ano da Morte de Ricardo Reis, p. 211)
Deambulação geográfica e viagem literária

“(…) sob o vento protetor


do Adamastor, já se viu que
Luís de Camões exagerou
muito, este rosto carregado, a
barba esquálida, os olhos
encovados, a postura nem
medonha nem má, é puro
sofrimento amoroso”.
(O Ano da Morte de Ricardo Reis, p. 308)
Representações do amor: um homem, duas mulheres

LÍDIA MARCENDA
• Nome (“as rosas” das Odes) • Nome (de construção gerundiva,
• Musa de Ricardo Reis que o narrador aproxima do da
Blimunda do Memorial, para além
• Plano do ideal da relação com o radical latino
que o faz significar “a que está a
enfraquecer”, “a que vai murchar”
em contraste com as “rosas” das
Odes)
• Figura serviçal: “existência
• Menina de Coimbra
desfocada de musa”

• Figura labiríntica e inatingível


Intertextualidade

• José Saramago, leitor de Luís de Camões


‐ Citações da lírica e da épica

• José Saramago, leitor de Cesário Verde


‐ Atitude deambulatória: observador acidental

• José Saramago, leitor de Fernando Pessoa


‐ Citações da poesia pessoana
O Narrador

• O romancista mistura vozes de Reis e Pessoa, documentadas


em textos em prosa e verso já publicados.
• Saramago atribui palavras às personagens em perfeita
consonância com o seu perfil e forma de pensar.
• O leitor fica por vezes indeciso, sem saber a quem remeter a
autoria de certas frases e palavras.
• Saramago revela uma capacidade inigualável de assumir a
personalidade do Outro, integrando-se totalmente nele,
inclusive falando com a sua voz e dicção.
Linguagem e estilo: o discurso ficcional

• Parataxe (predomínio das ligações coordenativas sobre as


subordinativas)
• Abundância da virgulação
• Integração do discurso dialogal na mancha seguida do texto,
suprimindo grande parte dos pontos e dos parágrafos
• Texto cerrado e denso
‐ onde o diálogo e o discurso do narrador se imiscuem
‐ onde é difícil separar as falas das personagens umas das outras
‐ onde a maior parte dos sinais emotivos de pontuação
(exclamação, interrogação, reticências, travessões) se exclui
O Ano da Morte de
Ricardo Reis
José Saramago

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