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Afinal quem manda lá em

casa?
“Veio cá jantar” – confidenciou a mãe, mal o pai entrou na porta.
“Veio?” – ele fez um ar desalentado – “logo hoje que estou tão
cansado.”
“Eu sei, querido, ainda tentei evitar, mas não é fácil, tu sabes...”
“A minha vontade era ir para o quarto deitar-me e nem comer”
“Schiiuuu. Fala baixo. Talvez a coisa não dê para o torto.”
“É que se começar a tornar-se impossível, acho que hoje perco a
cabeça.”
“Mantém a calma, querido, não ligues.”
Ele respondeu num sussurro: “Vou ver”.
Entrou na sala e o filho, de 4 anos, estava a gritar num canto,
porque um carrinho tinha ido para baixo do sofá e não o conseguia
apanhar.
O pai ainda lhe tentou falar mas ele sacudiu-o e disse: “O pai apanha
o meu carro.” O pai baixou-se e apanhou-o, depois de uma enorme
ginástica. “Tens aqui o teu popó.
“Não é este é o cordalanja. O pai não sabe nada!”
O pai ficou com vontade de o esganar, mas achou que estava demasiado
cansado até para isso. Saiu da sala e foi tirar a gravata e pôr-se à
vontade. Da sala vinham urros e berros.
“Já percebeste, não percebeste. Ela veio mesmo para ficar!” – disse a
mãe.
Ele vestiu o pijama e o robe, e foi pelo corredor cantarolando: “Dona
Birra, vai-te embora, Dona Birra vai-te embora.”
Só mais de meia hora depois é que a citada senhora sairia de casa
deles, mas prometendo voltar no dia a seguir, ou sempre que tivesse
oportunidade...
Mário Cordeiro, O Grande livro dos Medos e das Birras
…por vezes chega na hora do
banho…outras na hora de ir para a
escola! Por vezes aparece no
supermercado, outras no parque…

A Dona Birra aparece em qualquer altura, sem


ser convidada, com as mais variadas formas e
quando menos temos paciência para visitas!!!!
Afinal quem é a Dona Birra?
A Dona Birra é uma manifestação das
emoções, sentimentos, vontades e
necessidades dos miúdos……(às vezes
também dos graúdos! Mas não digam a
ninguém!!!)

Eles crescem,
querem tornar-se
independentes…e os
pais fazem birras!!!
CUIDADO!!!! Pode
deitar-se para o
chão, morder, dar
beliscões,
arranhar, atirar
objectos para o
chão…
Ela quer…acha que pode…TU NÃO
DEIXAS!!! Ela chora, grita …mostra
FRUSTRAÇÃO
Mas porque é que
os nossos filhos
não são como os “ É que antigamente, só
miúdos de para teres uma ideia, os
antigamente, como putos não faziam birras nos
eu era? hipermercados porque não
havia hipermercados…”

“Os pais tinham mais tempo


Havia 2 canais de TV.
Sabíamos o que era apanhar
uma seca“Não havia esta
monumental. crise.
Sabíamos
que oAcreditava-se que tudo
TV Rural começava por se
volta criava – fosse
das 11,30, a que custo
ao Domingo e
já fosse. Uma desenhos
não havia palmada ou um
arraial
animados para de porrada
mais eram
ninguém.
normais
Podia-se e a maior
brincar parte dos
na rua…”
pais não se questionavam
acerca de tudo aquilo que
nós nos questionamos hoje em
dia.”
Então a Dona Birra faz parte
da família?

Como vais lidar com ela?


Estás preparada/o para
lhe dar a liberdade de
se ir embora?

Vamos lá entender
um bocadinho
melhor….
A Dona Birra não é Ela quer assumir
uma entidade responsabilidade pela
divina….é uma sua própria vida,
consequência da pelas suas
necessidade da necessidades e
criança se tornar vontades. Quer
mais independente… aprender a fazer
coisas sozinha. Quer
ser mais independente.
Ela quer sentir-se
capaz e competente.
Tu és o ADULTO! Tu és
“a criança é um ser responsável pela forma como
pulsional. Isto decides agir com o teu filho!
quer dizer que o
cérebro ainda está (não é que isto que lhe
em crescimento e queres ensinar?)
que a gestão que
têm sobre um
impulso ou desejo é
muito pequena…”

…”Sabemos que um
cérebro pequeno não
consegue ”pensar no
que fez” num estado
de birra. “
E como é
Como já temos
que isso se
vindo a falar ,
faz?
não há receitas
para criar
obras perfeitas! Outra vez a
mesma
conversa???

Mas há ingredientes
essenciais ao bem
estar e ao
crescimento saudável
das nossas crianças…

E nisto das
birras há
algumas
chaves de
ouro…
Chamam-se
…LIMITES;
REGRAS… EMPATIA

RESPEITO

AMOR…(afinal foste tu que


decidiste que querias ser mãe/pai)
Manter o foco na tua
relação com o teu filho e
não em corrigir o
comportamento pode ser
uma boa ajuda!!!

É preciso ajudar a
preencher a
necessidade por trás
do comportamento
Vamos ver alguns
casos concretos…
O que é
A testar
que
limites!
ensinaste?
Como
Disseste que não assim?
valia a pena pedir
nada…ele pediu 3 ou
4 vezes e tu deste!
Ele percebeu que Da próxima vez vai
repetir o
quando insiste
comportamento.
obtém o que quer…
Simplesmente re-pe-
tir!
Não é um teste, não
é uma provocação. É,
simplesmente, a
repetição do
comportamento
Isto leva-nos à
questão dos
castigos…aquela que já
falámos…Quantas vezes
castigamos os nossos
filhos por sentirmos
que eles se estão a
“esticar”?!? (quando
tantas vezes fomos nós
que os baralhámos, não
é?)
Vamos lá pegar de
novo no exemplo…
Também pode ser mais difícil
para ti de a tomares…mas essa é
a tua tarefa!!!
As coisas, sejam Todas?
elas quais forem,
têm de ser
explicadas às
crianças.

Sim, aquelas que Em qualquer idade?


lhes dizem
directamente
respeito.

Sim! Sim! Sim!


Com as palavras
adequadas, com os
detalhes
necessários.
Mas isto não precisa
de ser feito com ar
de Ogre
As crianças têm de
compreender que a resfriado!!!!
Podemos e devemos
vida tem regras e
partilhar estas regras
essas regras são com eles com amor,
para serem afecto e empatia!
cumpridas.
(Não se dá pontapés ao banco
da frente, num avião. Chega-
se a horas à escola. Não se
atira comida ao chão. Não se
atravessa a rua quando está
vermelho. Não se bate…)
Nós pais também temos
de compreender que Como?
estas regras são
fundamentais e que
somos nós aqueles que
Enunciando-as e
garantimos que os
modelando-as. E exigindo
nossos filhos conhecem
que elas sejam
essas regras.
cumpridas.
No sábado passado o meu filho, de 4 anos,
armou a barraca no supermercado, porque
queria um chocolate, mesmo antes de almoço!
Pois está claro que entre eu dizer-lhe que
não, que “não podemos comer chocolates antes
de almoço, se não depois perdemos a fome!” e
a vontade imensa de decidir o que é melhor
para si, lá deu espaço para que a famosa Dona
Birra chegasse com todo o seu esplendor!
Lá foi batendo o pé, arremessando coisas para
o chão e olhando para a minha cara (de diabo
em figura de gente), continuava, aumentando o
tom de voz, a dizer que ia comer o chocolate!
(pois está claro!!!)
Pelo supermercado iam circulando ilustres
desconhecidos que olhavam uns com ar de pena,
outros com ar de repudio, outros fingindo não
ver…ao longe avistei alguém do meu trabalho
que admirava a cena…
…estava a ser uma manhã difícil! O miúdo
acordou de madrugada (6h 30m da manhã…ninguém
merece!), cheio de vontade de estar comigo :
”Mamã, vamos brincar!”
“ Mamã, vem comigo ver televisão!”

Cheia de sono, e ao fim de ele fazer os seus


pedidos umas 100 vezes, levei-o para a sala,
dei-lhe uma taça com cereais e um pacote de
leite com palhinha (para não correr riscos de
entornar e sujar) e deitei-me a dormitar no
sofá… passado algum tempo ele foi buscar um
carrinho e pôs-se a brincar, fazendo de conta
que eu era a estrada…

Lá me levantei e resolvi ir limpar a casa


(Eram 8h da manhã!)…o miúdo vinha atrás de mim:
“Posso ajudar mamã?”
“Aproveita para brincares um bocadinho que
depois temos de ir ao supermercado!”
Acabei as limpezas e resolvi ir tomar banho. Ele
estava entretidinho a brincar e aproveitei para
relaxar…(ah, claro que antes de ir para o banho e
para prevenir algum tipo de discussão avisei que
quando eu saísse do banho, seria a vez dele!)

Quando terminei fui ter com ele, como combinado,


para o despachar (já estava a ficar tarde…) Não
queria!!!

Tive de o levar ao colo e aos berros para a casa de


banho. Já na banheira lá se acalmou!
Fomos para o carro directos ao supermercado
(hora:12h)

Foi então que tudo aconteceu…


Já te contei: ”quero um chocolate!” “Não pode ser!”
“Mas eu quero!” “Não pode ser que vamos
almoçar!”…blá, blá bla!!!!

Reconheces???

Vejamos o que aconteceu a seguir…


Não tenho estômago para isto!!! Toma lá o chocolate
e não me chateies mais! Que vergonha!!!...se não
almoçares paciência! (antes que mais alguém veja a
situação o melhor é calar o miúdo rapidamente…também
ninguém morre se ele não almoçar hoje!)

Dei-lhe duas palmadas e acabou a conversa! “Nunca mais


vens comigo ao supermercado, não te sabes comportar! E
o melhor é ficares caladinho! Agarrei nas compras que
já tinha no carrinho e fui pagar! (o resto podia ficar
para quando o miúdo estivesse na escola!)

Arrastei-o, aos gritos pelo supermercado, até


ao carro…
Deixei lá as compras e tudo!
Só queria sair dali…que vergonha!!!
(ahahhh mas não cedi!!!)
Baixei-me ao seu nível, olhei-o nos olhos
e…(percebi tudo!!!!)
Calmamente disse-lhe:” já percebi que te apetece
muito um chocolate e que se calhar até estás com
fome (caramba, passaram cerca de 4h desde que lhe
dei o pequeno almoço e nem tinha percebido!!!),
vamos até ao carro e já conversamos!”
Claro que ele continuou a chorar enquanto o
sentava na sua cadeirinha…
Fiquei 5 minutos cá fora a pensar…percebi o que tinha acontecido
no momento em que lhe olhei nos olhos:

Ele só queria a minha atenção, estar comigo…e eu não lhe dei!


Interpretei o comportamento dele como um ataque às minhas
necessidades pessoais (de dormir) e não atendi às suas…acordou
tão cedo a precisar da sua mãe!!!

Além disso ainda exigi…que esperasse, que brincasse, que


aguentasse…
Não percebi que eu sou o adulto, eu tenho a capacidade de me
auto-regular e de entender o que o meu filho precisa!

Temos sempre esta capacidade? Temos!!!


Conseguimos sempre utiliza-la?
Não!!!!
Mas é útil reflectir sobre quais as alternativas
que temos disponíveis!

EU SOU RESPONSÁVEL PELA FORMA COMO DECIDO


REAGIR COM O MEU FILHO!
Algumas dicas que podem ajudar a
prevenir a chegada da Dona Birra…
(Não te esqueças que tens de adaptar à idade!)
Muitas vezes o que custa
mais é nós pais termos
paciência e conseguirmos
dar à criança o espaço
necessário paz ela sentir
que a responsabilidade é
mesmo, só, dela. E as
sensações de ser
independente, capaz,
competente e
significativa crescem.
E agora vou
contar-te um
segredo!!!!
Sabias que os pais
também fazem Birras????

Quem???
Eu????

Sim!!!!
Queres ver?
Se não vens comer já, - Dá-me lá um
não há mais beijinho! Não dás? És
playstation/ patrulha feio!
pata/ Panda,…! (que maldade e que
(pimba, vais já ver quem mentira, ainda por cima!
manda aqui!) Os miúdos têm fases (de
beijos e não beijos)e, vá
lá, já há mais gente a
perceber isso!)

Pára de bater! Só os meninos feios é que


batem!
(maldade, mentira! Não se bate porque isso
magoa os outros. Ainda por cima, os putos,
quando têm sono, fazem destas coisas. Ok, há
alturas em que a coisa passou um tal estágio
que já pode ser mais do que isso MAS há
sempre, mas sempre uma falta qualquer e tu,
enquanto pai e mãe, tens de descobrir o que
é. Por aquilo que tenho vindo a ler um miúdo
que está bem emocionalmente não bate!)
Pára de brincar com o pacote do
açúcar! Olha que vem aí a polícia
(esta farto-me de a ouvir – dá mais
trabalho explicar porque é que aquilo
não se faz, tirar o pacote ou eu sei lá
do que dizer que vem aí o fiscal, não
é?)

Tira o dedo da boca que vais ficar


com ele desformado/vais ficar sem
dedo
(E se disseres a verdade? E se disseres
que os dedos têm micróbios? E se o tiveres
de repetir mil vezes, vem mal ao mundo? E
se disseres que estás cansada de lhe pedir
isso? E se lhe disseres apenas ‘dedo!’?
Experimenta! É que eles também se
esquecem, tal e qual como nós... ainda
para mais, é fonte de prazer...)
Bates-me? Pega lá que é para
aprenderes! O quê? Eu sou feia?
Vamos já ver se me voltas a falar
assim!

(E pronto, é isto... bater está


mal, pois claro, mas se o faz é
porque se calhar está chateado e
não sabe explicar... em vez
disso, age com calma e faz o que
gostarias que te fizessem numa
altura em que estás zangada É que
bateres por cima, acho eu, não
resolve grande coisa, pois não?
Achas que o teu filho te está a
desrespeitar? Procura ver mais
longe do que isso, boa?)
olha que vem aí o bicho mau
que te leva se não estiveres a
dormir
(A verdade é que os miúdos precisam
de descansar e dormir. Precisam. E
é isso que lhes temos de dizer e
explicar. E explicar que é assim
que eles crescem (em altura e na
cabecinha). E quando acordarem, vão
estar cheios de energia para
continuarem a brincar. Não há bicho
mau, ok? Não há!)
Estas ficam aqui só para nós..ok? ;)
Os reis lá de casa…ou os
pequenos ditadores?!?
Não gosto
de
Não gosto esparguete!
de ti! Não vou Quero ver
comer! desenhos
animados!

Quero que
me compres
chupa-
chupas!
Quero que Odeio-te!
só gostes
de mim!
Quero o
triciclo do
Manel!
Não vou fazer os
trabalhos de casa!
Vou fazer o que me
apetece! Tanto me
faz se perder o ano!
Quem são eles?
Escolhem a comida que vai ser feita
(se não não comem!)

Para atingirem os seus


fins: Gritam, ameaçam,
agridem física e
psicologicamente!
Têm pouca
tolerância à
frustração.
O estilo educativo predominante há décadas atrás se
baseava no autoritarismo: Os pais gritavam, ditavam
ordens e exerciam um controle punitivo sobre o
comportamento das crianças. De certa forma, por medo de
caírem nesse estilo de educação que muitos sofreram na
própria carne, o estilo educativo atual deslocou-se
para o extremo oposto: a ultra-permissividade.

As crianças, desde
cedo, precisam de
limites, caso
contrário tornam-se
neuróticas: "Precisam
de um código. Os pais
são como uma parede
onde chocam. Os
adolescentes,
sobretudo, precisam
de chocar, chocar e
ver que o outro não
cede".
Javier Urra
Autoridade não é o mesmo que
autoritarismo

Não é por não conseguirmos dar tudo


aos nossos filhos que somos maus
pais!

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