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memória
TEORIA PSICANALÍTICA
2º SEMESTRE DE 2018
Psicanálise e memória
Freud compara a técnica psicanalítica à
técnica de escavar uma cidade soterrada
Como um arqueólogo diante das ruínas,
buscamos fragmentos do que há muito foi
derrubado
Possibilidade de recompor, pouco a pouco, a
trama de significados que envolve cada objeto
encontrado
Nas ruínas estão os vestígios de uma história
que, embora nos constitua, pouco
conhecemos
Sobre o trauma
Situações de extrema intensidade
Excesso
Insuficiente capacidade psíquica para
lidar com esse excesso
Impossibilidade de elaborar e nomear o
que foi vivido
Sintomas
Sobre as resistências
As resistências se expressam em
recuos, em esquecimentos, em
mudanças de assunto, em
empobrecimento dos conteúdos, das
associações.
As resistências não são intencionais:
o(a) paciente resiste, mas não sabe por
que nem como resiste.
Não há uma recusa consciente, mas
uma barragem que opera sem que o
sujeito saiba.
Psicanálise e memória
A intensidade afetiva demanda ser elaborada,
demanda ser simbolizada
O que não é elaborado e simbolizado, tende a
insistir, tende a retornar, tende a se repetir
O que não elaboramos em palavras, retorna
em nossas ações e relações
O que da nossa história não é simbolizado,
tende a se repetir
Experiência traumática
A experiência traumática não é uma cicatriz
A experiência traumática é uma ferida aberta
Há um excesso traumático provindo da
realidade
Há um excesso traumático que resulta da
falta de experiências de compartilhamento,
da falta de experiências de inscrição.
“Derivado do termo grego para designar ‘ferida’, o trauma pode ser
compreendido como o desdobramento de um sofrimento
desmedido para quem o viveu, gerando uma desorganização
psíquica que viola a capacidade de enfrentamento e domínio
prático e simbólico da experiência dolorosa.
Produz-se, por isso, um certo ‘apagamento’ da dinâmica mental
que permitira a elaboração ‘cicatrizante’, por assim dizer,
reduzindo então o poder de ordenar, estabelecer ligações, suportar
afetos e representar o acontecido”
(Beatriz de Moraes Vieira, 2008, p. 153)
Experiência traumática
A experiência traumática imobiliza, paralisa
Leva à repetição
Interfere na percepção da passagem do tempo
Intensidade afetiva que extrapola as
possibilidades de elaboração
Prejudica a capacidade de pensar sobre si e
sobre a própria história, de simbolizá-la, de
simbolizar-se
Experiência traumática
“(...) não se encontra uma resposta social capaz
de conter e processar simbolicamente as
intensidades afetivas.
Cria-se então uma área de experiência carente
de representação compartilhada.
São esses afetos não suportados e, portanto,
insuportáveis, os que podem produzir efeitos
traumatizantes, desintegrantes e mortíferos”.
(Luís Cláudio Figueiredo, 2003, p. 27).
Escuta
Possibilidade de reconstruir tramas de
sentido por meio da recomposição de
fragmentos de memória
Criar um espaço para o não elaborado, para
os fragmentos, para o impensável, para a
tradução para o que não foi dito e para o que,
muitas vezes, não consegue ser dito
Muitas das violências sofridas remetem ao
registro do inassimilável
Escuta
“Como pensar o intervalo (ou a distância) entre
a experiência do trauma – avalanche de espanto
e horror – e sua configuração como relato, como
experiência representável, possível de ser
narrada a um terceiro?”
(Marcelo Viñar, 2005, p. 125).
Escuta
Izabel Fávero.
Um dos policiais me torturou enquanto eu estava
no pau de arara nua, várias vezes teve orgasmo e
falava sobre isso. Eu ouvia os outros policiais
rindo e caçoando muito dele. Diziam: “Ô,
Humberto, o que diria a Dona Mafalda, se
soubesse que seu filho único só goza desse jeito?
Nair Benedito (continua).
Ele jogava muita água sobre meu corpo e girava
uma manivela sempre com mais violência, e
chegava ao orgasmo resfolegando, enquanto eu,
mesmo sem sentir dor, porque já estava há muitas
horas no pau de arara, urrava sem parar.
Nair Benedito
Eles pegaram meus testículos, puseram umas
fivelas de agulha e costuraram meus testículos,
virou um ralo pá pá pá furando. E meu pênis
também. Eles furaram todinho, virou um ralo. Era
como se fosse só uma coisa morta, eu quase morri
de dor, companheiro, era uma dor!
Manuel da Conceição
Mandaram tirar a roupa, “TIRA A ROUPA AÍ!”. Eu tirei
a roupa, aí me botaram, igual como carrega uma
galinha, sabe? Com a cabeça pra baixo, ali, um
tempão... puseram meu marido pra me dar choque na
vagina, puseram pra me dar choque, falavam pra ele,
“FALA AÍ, SENÃO VAMOS TORTURAR A SUA
MULHER”.
Eleonora Oliveira
A Janaina com cinco e o Edson, com quatro
anos de idade. Eu levando choques pelo corpo
todo. Na vagina, no ânus, nos mamilos, nos
ouvidos. E os meus filhos me viram dessa
forma. Eu urinada, com fezes.
Maria Amélia Almeida Teles (continua).
Enfim, o meu filho chegou para mim e disse:
“Mãe, por que você ficou azul e o pai ficou
verde?”. O pai estava saindo do estado de coma
e eu estava azul de tanto... Aí que eu me dei
conta: de tantos hematomas no corpo.
Crimélia de Almeida
“Perto da hora do parto, em vez de
levarem Crimeia para a enfermaria, a
colocaram numa cela cheia de baratas.
Como o líquido amniótico escorria pelas
pernas, elas a atacavam em bandos. Isso
durou quase um dia inteiro. Crimeia
alertou que seu filho poderia morrer. O
médico respondeu: “É melhor! Um
comunista a menos”. O pai de Joca foi
assassinado pelo regime militar meses
depois de o menino nascer”
Eliane Brum (2017).
Ele pegou uma cordinha, um cadarço, e
amarrou nos meus testículos e ficou batendo
um punhal, puxando, e falou “eu vou te castrar,
seu filho da puta”. E deu um corte nos meus
testículos. E ficou aberto, eles não costuraram,
eu fiquei internado no Hospital Militar, eles não
costuraram. No ânus, eles enfiavam um canudo
e soltavam um rato vivo dentro do canudo.
Francisco Ferreira de Oliveira.
Eu ficava nua, com o capuz na cabeça, uma corda
enrolada no pescoço, passando pelas costas até as
mãos, que estavam amarradas atrás da cintura.
Enquanto o torturador ficava mexendo nos meios
seios, na minha vagina, penetrando com o dedo
na vagina, eu ficava impossibilitada de me
defender, pois, se eu movimentasse os meus
braços para me proteger, eu me enforcava e,
instintivamente, eu voltava atrás.
Lucia Murat
Eu comecei a pensar nos meus alunos, eu sabia
que eu tinha muitos alunos envolvidos em
movimentos socialistas, sindicalistas. Tudo isso
na minha cabeça foi dando um pânico tão
grande, um medo de falar um nome de um
aluno, o medo foi tão grande, foi uma coisa
assim... tão inumada, que eu tenho a impressão
que com aquele pavor, aquela coisa toda, que
eu só pensava nos alunos.
Helena Werner
Essa é a primeira vez que eu estou contando,
abrindo, colocando isso. Porque, nesse período, no
final do ano de 1977, eu passei por vários
processos depressivos. Essa questão da gravidez
que eu tive, esse aborto, me deixou com um
problema muito grande em relação à
maternidade. Eu não consegui engravidar. Eu
engravidava, mas eu perdia. Isso faz 20 anos.