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A Construção

Sociocultural da
Doença e Seu Desafio
para a Prática Médica

Prof. Araré Carvalho


Subsistemas de Saúde?

Existe a necessidade de se implantar


subsistemas de saúde específicos,
garantindo, o direito universal à saúde e a
inclusão de comunidades no planejamento,
gestão, execução e avaliação dos serviços de
saúde?

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■ Há a necessidade de um modelo
de atenção diferenciada que
respeite as especificidades
culturais e práticas tradicionais
de cada grupo?

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A Doença
Não é um evento primariamente
biológico
Ela é elaborada por meio de episódios culturais e sociais
e depois como um evento biológico.

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A Cultura é um Sistema Simbólico, não são
Valores Fixos e Estabelecidos. Ela fornece um
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modelo mas que depende da interpretação
pessoal (Experiência + SUBJETIVIDADE)

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O sistema de saúde é também um sistema
cultural que integra componentes
relacionados à saúde e fornece ao
indivíduo as pistas para a interpretação
de sua doença e as ações possíveis.

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A Cultura (Estrutura Estruturante)

■ A cultura emerge da interação dos atores que estão


agindo juntos para entender os eventos e procurar
soluções.
■ Cultura não é uma expressão estática e homogênea
de crenças e valores, mas uma construção simbólica
do mundo sempre em transformação.
■ A também é uma elemento de construção
sociocultural.

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A Doença é também
Sociocultural
Não é uma categoria fixa, mas uma sequência de
eventos que tem dois objetivos para os atores:

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1° 2°
Entender o sofrimento Se possível aliviar o
no sentido de sofrimento.
organizar a
experiência vivida; e
Em termos gerais, os seguinte passos caracterizam a doença como
processo: (a) Reconhecimento dos sintomas do distúrbio como
doença; (b) o diagnóstico e a escolha do tratamento; e (c) avaliação
do tratamento.

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(a) (b) (c)
Reconhecimento do O processo de As pessoas envolvidas
estado de doença diagnóstico para que avaliam os resultados.
baseado nos sinais as pessoas envolvidas Em caso simples a
que indicam que nem possam decidir o que doença some e todos
tudo vaai bem. Os fazer. Esse momento ficam satisfeitos.
sinais que são geralmente acontece Quando a doença
reconhecidos como no contexto familiar continua é preciso
indicadores de doença buscar novos sinais ou
depende da cultura. reinterpretar os velhos.

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A Experiência da Doença em Casos Mais Prolongados e
Sérios…

...remete, muitas vezes, a


questões que vão além do
tratamento dos sintomas
físicos, ela abacar um
sentido etiológico, que
procura as causas da
doença para além do corpo
físico, deslocando a
doença do plano biológico
para o cosmológico, sociais
ou morais.

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■ Numa mesma cultura, a dor é experienciada de
diferentes maneiras entre os sexos e classes. Em
comunidades mais tradicionalistas, no Brasil, os
homens negam sentir dores e solicitam ajuda com
menor frequência em postos de saúde (Elsen, Pain,
Nardi, Gonçalves, 1998).

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■ Não está se dizendo que
simplesmente que a dor se manifesta
diferentemente, dependendo da
cultura, um fato que parece ser bem
estabelecido. A relação corpo/cultura
vai bem além da questão do
sofrimento físico.
Implica dizer que os processos biológicos da doença
nem sempre seguem um caminho universal e que é
necessário relativizar a visão biomédica de que os
processos biológicos são independentes do contexto.

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Dada a grande importância da cultura nos processos
de saúde e doença, é necessário aos médicos que
desenvolvam uma “competência” cultural como
parte da sua competência clínica. A escuta da
narrativa do paciente não deve ser filtrada para se
“ouvir somente o que é importante na visão
biomédica”. Os aspectos sociais e culturais
fazem parte do entendimento do paciente.

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COSMOLOGIA
SOBRE SAÚDE,
DOENÇA Ε
HANSENÍASE
Pensar sobre saúde e doença, no contexto da medicina
popular, significa, necessariamente, refletir sobre as causas
que promovem um e outro fenômeno. No caso dos grupos
amostrais estudados, o problema deixa de ser meramente
teórico na medida em que envolve um evento concreto de
doença na família. Trata-se ainda de uma doença que significa
uma efetiva ameaça à subsistência, uma vez que o seu
desenvolvimento implica uma degeneração de nervos que
pode impedir o indivíduo de executar muitas atividades físicas
exigidas pelo mercado de trabalho. Além disso, a hanseníase é
uma doença carregada de significados simbólicos que
remetem a uma situação de exclusão e estigma.

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O contágio através
“ de um determinado
microorganismo é amplamente reconhecido como uma
condição importante na doença, mas que não reflete
uma causa fundamental. Esta, refere-se quase sempre
a um processo de desequilíbrio do indivíduo, seja ele
no relacionamento com o próprio corpo, com o seu
trabalho ou com o seu meio social e familiar, ao
contrário da saúde, que reflete harmonia e equilíbrio
nessas esferas

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Se a gente tiver um contato Eu não acredito que
com alguém que está doente nenhuma doença pegue.
pode pegar uma doença. Mas Tem gente que fala que
é preciso que o corpo esteja pega, mas eu não acredito
abalado, enfraquecido, senão porque eu já vivi com
a gente estaria doente toda a muita gente doente e
hora. Por isso, é muito nunca peguei. (Comunicante,
importante não passar 37 anos, cozinheira)
nervoso, não beber, não
tomar droga. (Comunicante, 51
anos, do lar)

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Para tratar e curar a hanseníase, a pessoa precisa de
paciência e calma. Se ela for ansiosa e nervosa, aí não tem
jeito. Foi assim que agi com meu marido que se tratou
direitinho e teve alta em cinco anos. Já a minha irmã nunca
teve um ambiente bom com sua família e por isso ela não
consegue melhorar. Não é possível um doente se recuperar
num ambiente ruim, principalmente no caso da hanseníase
que é uma doença dos nervos. Se a pessoa não conseguir ter
calma ela não sara. (Comunicante, 74 anos, aposentada)

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■ O meu marido não é nem A doença é necessária
um pouco nervoso e eu porque ela limpa o corpo,
acho que é por isso que o homem precisa adoecer
ele está sarando. Acho devido aos pecados do
que foi por isso também corpo. (Comunicante, 66 anos,
que nele a hanseníase aposentado, analfabeto)
não foi muito grave.
Quando a gente está
muito atacada, eu acho
que a gente pode pegar
qualquer doença.
(Comunicante, 51 anos, do l ar)

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■ Eu acho que a hanseníase, assim como
muitas outras doenças, se pega pela
relação sexual. Eu só não entendo como
peguei porque sou viúvo e não tenho
mulher há dez anos. Só pode ter sido dos
casos que tive antes do casamento.
■ (Doente, 57 anos, aposentado)

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O meu marido deve ter
Eu acredito que a doença pego hanseníase por causa
é uma provação por do serviço que ele faz, do
parte de Deus. O espírito entulho que ele mexe e
não terminou de pagar e carrega no caminhão. A
a doença vem para doença pode ter vindo
saldar alguma falta também das suas viagens,
cometida no passado. ele vai muito à Bahia e só
(Comunicante, 63 anos, do lar) pode ter trazido de lá, daqui
é que ele não pegou.
(Comunicante, 43 anos,
aposentada)

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■ Eu adoeci por causa do trabalho,
muito sol, chuva e saco de cimento
nas costas. A dormência que começou
no corpo foi devido do trabalho duro
que eu fazia, do peso que tive que
carregar. (Doente, 74 anos, aposentado)

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Saúde é fácil para o rico e muito difícil para o pobre.
A gente sabe que para ter saúde é preciso comer
carne, peixe, verdura, fruta, mas a gente só pode
comer o que tem no dia e fica faltando vitamina no
corpo. Com o tempo vem a doença, não tem como
evitar. (Comunicante, 71 anos, do lar)

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Fiquei doente por causa da falta de paz, da
infelicidade no casamento. Quando eu fico
nervosa o corpo fica enfraquecido, desgastado, e
aí, como a comida de pobre já não tem muita
substância, é difícil repor as energias. Quando
soube da traição do meu marido com outra
mulher, os meus nervos ficaram abalados e a
minha doença veio disso. (Doente, 61 anos, faxineira)

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QUEIROZ, MS., PUNTEL, MA. A endemia hansênica: uma
perspectiva multidisciplinar [online]. Rio de Janeiro:
Editora FIOCRUZ, 1997. 120 p. ISBN 85-85676-33-7.

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