O documento descreve a aproximação de Lacan com a psicanálise, desde sua tese de psiquiatria sobre a paranoia de autopunição até seu conceito seminal do Estádio do Espelho. O documento também discute como Lacan teorizou a natureza do Eu na psicanálise, distinguindo-o da concepção filosófica tradicional e enfatizando seu caráter conflituoso e alienante.
O documento descreve a aproximação de Lacan com a psicanálise, desde sua tese de psiquiatria sobre a paranoia de autopunição até seu conceito seminal do Estádio do Espelho. O documento também discute como Lacan teorizou a natureza do Eu na psicanálise, distinguindo-o da concepção filosófica tradicional e enfatizando seu caráter conflituoso e alienante.
O documento descreve a aproximação de Lacan com a psicanálise, desde sua tese de psiquiatria sobre a paranoia de autopunição até seu conceito seminal do Estádio do Espelho. O documento também discute como Lacan teorizou a natureza do Eu na psicanálise, distinguindo-o da concepção filosófica tradicional e enfatizando seu caráter conflituoso e alienante.
Psicanálise • Lacan graduou-se em medicina, especializou- se em psiquiatria e logo depois trabalhou na enfermaria especial de alienados da Chefatura de Polícia, sob a direção de Clérambault, um dos mestres da psiquiatria francesa da época. • Eram levadas para essa enfermaria pessoas que haviam cometido algum crime, mas que não poderiam ser responsabilizadas caso apresentassem um distúrbio mental. • Foi nesse lugar que Lacan fez sua tese de psiquiatria “Da psicose paranoica e suas relações com a personalidade". Nela Lacan relata o fato de alguns pacientes se curarem após cometerem um crime. A partir dessa observação, Lacan propôs um novo diagnóstico, denominado “paranoia de autopunição”. • A característica principal da paranoia de autopunição é o efeito de cura que um ato criminoso produz num sujeito que o comete em decorrência de um delírio. • Apesar de ter recolhido muitos casos dessa manifestação, Lacan escreveu sua tese fundamentando-se no Caso Aimée, que se tornou o paradigma da paranoia de autopunição. • Aimée era o nome de uma mulher que pertencia à burguesia, uma funcionária pública fascinada por uma atriz famosa. • Numa noite, ela foi à saída do teatro onde a atriz trabalhava e atacou-a com uma navalha. A atriz teve os tendões da mão cortados, e Aimée foi então presa e levada para a clínica de Clérambault. • A conclusão a que Lacan chegou foi que o que estava em jogo naquele caso era uma idealização patológica, a princípio pela irmã, depois pela atriz. • Porém, as únicas noções que poderiam explicar a razão da conduta da paciente não estavam na psiquiatria: eram conceitos que só existiam na psicanálise. No caso, o conceito de Superego. • Logo em seguida, em 1933, Lacan publicou dois textos: "O problema do estilo e a concepção psiquiátrica das formas paranoicas da experiência" e “Motivações do crime paranoico: o crime das irmãs Papin”, que era o relato do caso de duas irmãs, empregadas domésticas em Paris, que, em certo dia, por um motivo fútil – a falta de luz em casa – mataram e esquartejaram suas patroas. • Ao publicar esse texto, propondo as razões do crime paranoico, Lacan avançou em relação à sua tese anterior: a concepção de que o outro é o que o criminoso quer ser, então, ele tem de anular o outro para que possa existir – caso contrário, se perde nesse outro. O Estádio do Espelho
A estruturação da realidade psíquica
• Em 1936, com 35 anos de idade e já psicanalista, Lacan escreve um texto em que descreve seu Estádio do Espelho. • Nele, Lacan produziu uma teoria sobre a conformação da estrutura psíquica do sujeito, e o que se elabora então não é mais o motivo do crime paranoico, e sim a constituição da realidade. • Inicialmente, o trabalho de Lacan sobre o Estádio do Espelho seria apresentado no Congresso de Marienbad, em 1936, por ocasião do simpósio sobre os resultados terapêuticos da psicanálise. • Havia um confronto terrível entre todas as posições − annafreudianos em franco ataque contra kleinianos, Edward Glover dissociando-se publicamente das teses de Melanie, apoiado por Melitta – e foi nesse clima que Lacan tomou a palavra, no dia três de agosto às três e quarenta da tarde, na segunda sessão científica do congresso, sendo interrompido dez minutos mais tarde por Ernest Jones, no meio de uma frase. • Partindo do trabalho de conexão entre a biologia e a sociologia de Henri Wallon "Prova do espelho e a noção do corpo próprio", de 1931 −, e dos estudos sobre etologia, Jacques Lacan teorizou o momento da constituição do eu mediante a identificação com a imagem do outro. E a isso denominou Estádio do Espelho. • O infeliz encontro de Marienbad ao menos trouxe um saldo teórico positivo: essa primeiríssima formulação lacaniana de uma teoria do Imaginário, bem como as bases de uma teoria do sujeito. • Em 1949, ao ser apresentado como nós o conhecemos, o texto recebeu o título de “O Estádio do Espelho como formador da função do Eu tal como nos é revelado pela experiência analítica”, escrito desde o ponto de vista da observação e da metodologia da psicanálise – e o que se deduz: a constituição do Eu (Je). O Eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise • Em seu Seminário, Livro 2, Lacan define a natureza do eu. • Há uma concepção pré-analítica do eu elaborada, no decurso dos séculos, pelos filósofos ou mesmo pela consciência comum. • Na época de Freud, a elaboração filosófica formulava a equivalência entre eu e consciência. • Essa concepção anterior exerce uma atração sobre aquilo que a teoria de Freud introduziu de radicalmente novo. • Mas, quanto mais Freud avança em sua obra, menos consegue situar a consciência, e ele tem que confessar que ela é insituável. • A noção freudiana do eu foi transtornadora a ponto de introduzir a expressão ‘revolução copernicana’. • Freud quis abolir as perspectivas precedentes no sentido de um descentramento do eu. • Distinção fundamental entre a psicologia e a psicanálise. • Não é só um conflito de escolas, porque a técnica e a teoria estão intimamente relacionadas. • “O inconsciente escapa totalmente a este círculo de certezas no qual o homem se reconhece como um eu. É fora desse campo que existe algo que tem todos os direitos de se expressar por [eu] e que demonstra este direito pelo fato de vir à luz expressando-se a título de [eu]. • [eu] é um outro. • Com Freud faz-se irrupção de uma nova perspectiva que revoluciona o estudo da subjetividade e que mostra justamente que o sujeito não se confunde com o indivíduo. • O sujeito não é sua inteligência, não está no mesmo eixo, é excêntrico. • O sujeito como tal é algo diferente de um organismo que se adapta. • Por enquanto vamos nos ater a esta metáfora tópica – o sujeito está descentrado com relação ao individuo. É o que [Eu] é um outro quer dizer. • Freud descobriu no homem o peso e o eixo de uma subjetividade que ultrapassa a organização individual como soma das experiências individuais. • O eu, desde o início da descoberta freudiana, sempre foi considerado como sendo conflituoso que, mesmo quando situado como uma função com relação à realidade, nunca deixou de ser tido por algo que se conquista num drama. • Há uma ingenuidade do sujeito que acredita em si, que acredita que ele é ele. Todos temos tendência a acreditar que nós somos nós. Mas em muitas circunstâncias, bem precisas, duvidamos bem disso. • Eu forte/eu fraco: uma entificação segundo a qual não só os indivíduos existem mas ainda alguns existem mais que outros. • As resistências têm sempre sua sede no eu: O que corresponde ao eu é o que por vezes chamo a soma dos preconceitos que comporta todo saber, e que cada um de nós carrega individualmente. • O inconsciente é esse sujeito desconhecido do eu, não reconhecido pelo eu. • Der Kern unseres Wesen, o núcleo de nosso ser não coincide com nosso eu. Eis o sentido da experiência analítica. • Este eu tem de ser despojado do privilégio de uma certa evidência conferida pelo prestigio dado à consciência como experiência, um caráter cativante, do qual é preciso desprender-se para ter acesso à nossa noção de sujeito para Freud. • A realidade do sujeito está no inconsciente, excluído do sistema do eu. • A experiência do espelho tem um caráter primordial na teoria psicanalítica, se a entendermos mais do que como uma fase bem delimitada do desenvolvimento da criança, como um modelo que atravessa toda a vida do sujeito, representando a relação libidinal essencial com a imagem corporal, e ilustrando o aspecto de conflito presente na relação dual. • No texto O Estádio do Espelho como formador da função do eu, publicado treze anos depois de Marienbad, Lacan aponta que a apreensão do corpo é prematura em relação ao próprio domínio motor e fisiológico insuficientes da criança. • Nesse primeiro momento de estruturação do sujeito, a criança, com suas fantasias de corpo fragmentado − por conta de sua prematuridade neurofisiológica – se antecipa numa unidade a partir da imagem do outro, ou seja, da imagem do corpo próprio encontrada no espelho, na qual ela vai se alienar virtualmente. • É no Estádio do Espelho que Lacan inaugura a escrita da letra a, utilizada nesse momento para cifrar o eu e o objeto, esse último considerado como o semelhante. No espelho, o nascimento do eu se confunde com a constituição da imagem do corpo próprio, ao mesmo tempo em que a imagem no espelho é apreendida como objeto. • Nessa relação inaugural com o Outro, o homem investe o objeto por meio de sua imagem especular, e essa miragem de totalidade lhe dá uma forma ortopédica ao corpo próprio, numa espécie de precipitado da forma do seu • O Estádio do Espelho de Lacan é o precursor da dialética da alienação do sujeito no eu. O sujeito jamais apreende a si mesmo, a não ser sob a forma do seu eu (moi), estritamente dependente do outro especular, que constitui sua identidade. • A forma do eu (moi) é, portanto, uma miragem: sem ser constituída, paradoxalmente é constituinte. Constituinte e alienante − tomando, como Lacan, alius em sua acepção primária de outro Imaginário ◊ Simbólico • O Outro, na sua dimensão de alteridade inteiramente remetida ao Simbólico e à linguagem, surge aí para convocar o sujeito a se inserir em seus sistemas significantes, como forma de organizar uma representação do que a imagem lhe apresenta. • O espelho é, portanto, o ponto de partida da subjetividade humana, já que a imagem do corpo próprio é uma espécie de “matriz simbólica” do sujeito, proto-símbolo de sua presença no mundo. • Nesse instante de ver, a presença do Outro vem marcar indelevelmente o sujeito pelo significante, descorporificando o eu − ou eu (moi) −, que entra no discurso como forma de dar substância ao sujeito ou Eu (je). • Na relação inter-humana há duas dimensões diferentes, ainda que elas se enlacem continuamente – uma é a do imaginário, a outra a do simbólico. Elas de certa forma se entrecruzam, e é sempre preciso saber que função ocupamos, em que dimensão nos situamos com relação ao sujeito, de uma maneira tal que realize quer uma oposição, quer uma mediação. (Es) S a’ (autre =outro)
(moi = o eu) a A (Autre = Outro)
Um esquema óptico • Afirmando que, até aquele momento, não se tinha ainda tirado o partido que se poderia da óptica, que lhe parece uma “ciência engraçada que se esforça para produzir com aparelhos a coisa singular que se chama imagens”, Lacan se utiliza, a partir de 1953, de um elaborado diagrama, referido ao experimento do físico Henri Bouasse, como segundo momento da formulação do Estádio do Espelho, pela introdução do Simbólico, acrescentando um espelho plano e mudando o lugar do observador. • Em matéria de óptica, temos muitas ocasiões para nos exercer em certas distinções que lhes mostram o quanto a dimensão simbólica conta na manifestação de um fenômeno. • Trata-se de um experimento clássico que se fazia na época em que a física era divertida. • O Esquema do buquê invertido • Através da utilização de um espelho côncavo, um sujeito imaginado é levado a ver dois objetos distintos, uma jarra e um ramo de flores, como se este estivesse contido naquela. • O buquê reflete-se sobre a superfície esférica, para vir ao ponto luminoso simétrico. A partir de então forma-se uma imagem real. • Nesse momento, enquanto vocês vêem o buquê real, verão aparecer um buquê imaginário muito curioso, que se forma bem no gargalo do vaso. Como seus olhos devem se deslocar linearmente no mesmo plano, vcs terão uma impressão de realidade, sem deixarem de sentir que alguma coisa é estranha, borrada, porque os raios não se cruzam muito bem. • Com a única condição de que seu olho esteja no campo dos raios que já vieram se cruzar no ponto correspondente. • Quer dizer que, na relação do imaginário com o real, e na constituição do mundo tal como ela resulta disso, tudo depende da situação do sujeito. • E a situação do sujeito é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mundo simbólico, ou, em outros termos, no mundo da palavra.