Marisa T. O. Fonterrada Desenredando a trama da música na escola brasileira Olhando a história Após o descobrimento, vieram os Jesuítas – Os primeiros educadores do país. Práticas de influência da educação (também musical) no Brasil. Duas características podem ser percebidas: 1. O rigor metodológico de uma ordem de inspiração militar. 2. A imposição da cultura lusitana, que desconsiderava a cultura e os valores locais, substituindo-os pelos da pátria burguesa. No filme “A Missão” uma orquestra europeia formada por meninos índios, retrato dessa condição. O Brasil sendo descoberto no século XVI, acompanhava os fenômenos europeus ligados às experiências de escolarização. Companiha de Jesus: Caráter viril, determinado e de inspiração militar, pragmaticamente voltado para o trabalho e a obediência aos superiores hierárquicos. Os “exercícios espirituais” (1534-1990) de Inácio de Loyola (Nobre militar fundador da ordem jesuítica) apresentam os seguintes preceitos básicos: 1. Programação minuciosa das tarefas do dia 2. Estabelecimento de objetivos e metas 3. Recordação do programado no dia anterior e comparação com o efetivamente realizado (No caso tratando-se de exercícios espirituais mas facilmente transposto para outras áreas). Há nos exercícios, um conjunto de regras, num controle absoluto do psiquismo humano. Nos “exercícios espirituais” de Loyola, contraditoriamente pregam a independência do pensamento, entre outros. Foi dentro desses princípios racionais e metodológicos que, provavelmente, se instalou a primeira proposta pedagógica em educação musical. Curumins em missões católicas treinados aprendiam músicas e autos europeus. Durante o período colonial a educação (musical e geral) estava diretamente vinculada à igreja, portanto, estreitamente ligada às formas e ao repertório europeus e a preceitos básicos de organização e ordenação de conteúdos. É preciso que se diga que o ensino da música se dava pela prática musical e pelo canto. NÃO HAVIA CONCEITO DE EDUCAÇÃO MUSICAL TAL COMO COMPREENDEMOS HOJE. Nesse sentido estava ligada aos modos europeus de promover a educação. Com a vinda da família real de Portugal ao Brasil (1808) a música antes restrita a igreja estendeu-se aos teatros, que costumavam receber companhias estrangeiras de óperas, operetas e zarzuelas. Pode-se supor que as regras do ensino não tivessem sofrido alterações: 1. Métodos progressivos 2. Grande ênfase na memorização 3. Confronto entre objetivos propostos e metas alcançadas. Ao mesmo tempo, firmava-se a prática informal da música popular: Sem moldes, de maneira espontânea, valorização da habilidade instrumental e improvisação. Embora haja registro de escolas como Santa Cruz, dos negros escravos, ou das desenvolvidas pelo padre José Mauricio (mestre de capela do imperador e professor de música na escola), foi em 1854 que se instituiu por meio de decreto o ensino de “noções de música” e “exercícios de canto”. Um ano após a proclamação da república em 1889, foi dado mais um passo: passou-se a exigir “formação especializada do professor de música” (Decreto nº981) No século XX, o professor Anísio Teixeira, discípulo de John Dewey, com a proposta da Escola Nova, trouxe ao Brasil ideias como: 1. A arte deveria ser retirada do pedestal em que se encontrava e colocada no centro da comunidade. 2. Na escola, o ensino da música não deveria restringir-se a alguns talentosos, mas ser acessível a todos. Surge, em 1845, o Conservatório Brasileiro de Música no Rio de Janeiro Em São Paulo, foi fundado o Conservatório Dramático e Musical na mesma rota dos recentes conservatórios europeu e americanos, sendo de formação humanística europeia, perfeitamente alinhados com o que lá se produzia e pensava O curso de música do Conservatório nitidamente privilegiavam o ensino de instrumento. Ensino de música X Ensino de instrumento = Sinônimos. Dos exercícios: Exercícios técnicos progressivos, repetição, memorização e formação de repertório. Mais tarde ideias nacionalistas passaram a influenciar o Conservatório, principalmente com Mário de Andrade com seus textos de resgate ao folclore. No instituto de Educação Caetano de Campos, um modelo educacional para a época, tina não o objetivo de formar instrumentistas mas sim de permitir acesso da população à prática musical. Aplicava-se métodos como “O ensino da música pelo método analítico, de João Gomes Júnior e do Maestro Gomes Cardim, publicado em SP em 1926 Os autores se baseavam nas pesquisas de europeus como Charcot, Brouillard, Broca, Boyer e Fourrier. O Cientificismo dominava a educação e eles expunham com minucia o papel do cérebro no aprendizado de uma língua em paralelo ao aprendizado da música Há porém uma dicotomia entre a busca de pressupostos de natureza cientifica para o desenvolvimento da linguagem musical e a prática da música (que se resumia ainda a práticas repetitivas e solfejos sequenciais. Um sopro novo chega na década de 1920, com Mário de Andrade e a importância do folclore e da música popular. A identidade brasileira começava a ganhar espaço. Na mesma época surgia a figura de Villa Lobos, companheiro de Mario, figura importante do movimento junto a Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, entre outros. Um nome pouco citado que contribuiu para o ensino nas escolas é do Maestro Fabiano Lozano, que defendia e praticava o canto coral com seus alunos. Dizem que este teria inspirado Villa Lobos com seu projeto educacional de canto coral. Orlando de Leite e Homero Magalhães (alunos de Villa Lobos) observam: Villa Lobos em suas viagens à Europa, tinha conhecido os métodos ativos de educação musical e se encantara com Kodaly. As características que chamaram a atenção de Villa fora: 1. O uso de material folclórico e popular da própria terra 2. A ênfase no ensino da música por meio do canto coral (o que democratizava o acesso a essa arte) 3. O uso do manossolfa O nacionalismo, no qual se identificava, era um fenômeno das nações marginais que reafirmavam sua identidade e buscavam reconhecimento. A ideias nacionalistas provocavam o fortalecimento da identidade nacional: Os brasileiros se empenhavam pelos sertões e restingas, buscando arrancar a alma brasileira, expressa nas artes. Embora no governo Vargas fosse obrigatório a frequência dos professores aos cursos de formação, a exigência se tornou difícil – se não impossível – de ser cumprida, entre tantos fatores as dimensões gigantescas do Brasil e a m´´a qualidade ou ausência das estradas, dificultando os deslocamentos. O canto orfeônico diferia de Kodaly em seus modos de implantação. A ênfase era colocada no incentivo à experiência musical. Um número impressionante de estudantes lotavam os estádios de futebol para cantar música brasileira. Em Villa Lobos temos a valorização dos grandes agrupamentos corais a serviço da identidade musical brasileira. A vivência musical e carisma de Villa substituíam o rigor do método. Enquanto Getúlio visava o poder da música para arregimentar massa e uni-las tirando partido disso, Villa-Lobos, por sua vez, via a oportunidade de fazer o Brasil todo cantar. Na década de 1960, o canto orfeônico foi substituído pela educação musical. A nova proposta e a velha não se diferiam muito, no entanto aumentava o interesse de músicos brasileiros pela educação musical. Alguns revolucionários: Anita Guarnieri, Isolda Bacci Bruch em São Paulo, Liddy Chiafarilli Mignone, entre Rio e SP, Sá Pereira, Gazy de Sá, Lorenzo Fernandes no Rio, e o casal Ernst e Maria Aparecida Mahle em Piracicaba. Todos vindos de forma herdada de Ergar Willems, Jacques Dalcroze, Calr Orff e Zoltán Kodály sendo que tinham em comum a desvinculação da aula de músico do ensino de instrumento, o incentivo à prática musical, o uso do corpo e a ênfase no desenvolvimento da percepção auditiva. Hans Joachim Korllreutter Ao mesmo tempo que o nacionalismo de Mário de Andrade, o cant orfeônico de Villa-Lobos...em 1937 chegava ao Brasil Koellreutter, inovando na música brasileira a “música nova” Abriu um campo voltado à pesquisa e à experimentação e novas posturas da arte contemporânea. Seu intuito era difundir e divulgar obras conhecidas ou não. Foi aluno de Paul Hindemith Korllreutter antecipou a importância da vanguarda, anteviu a era da informação, o edvento das mídias e o papel da música popular na cultura brasileira. Para Korllreutter uma improvisação tem de ser muito preparada, discutida, estruturada, caso contrário, pode-se cair na experimentação desprovida de sentido. Por sua postura de proporcionar pretextos para a exploração e criação, alinha-se a educadores da chamada segunda geração: Paynter, Schafer, Self e Porena O curso de formação de professores de música Em 1960 foi criado pela Comissão Estadual de Música, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Governo, o Curso de Formação de Professores de Música. Os alunos se submeteram a prova de seleção: dez vagas na capital, e Vinte no interior. Bolsas de estudo eram oferecidas a alunos do interior para manterem-se na capital. Investia-se na formação musical do professor e tinha-se oportunidades de estudar com grandes nomes como Roberto Schnorrenberg, Osvaldo Lacerda, Cyro José Monteiro Brisolla, Diogo Pacheco e Klaus Dieter Wolf. Formação voltada ao ser músico. “Sem ser músico, seria impossível ser educador musical (Brisola 1960)” O curso não conseguiu a legalização e após apenas uma turma de 1960 a 1963 não conseguirem nem um diploma. Porém muitos desses músicos tiveram destaque no cenário musical paulistano e brasileiro, entre eles a autora do presente trabalho. Novos Rumos: a educação musical sob suspeita 1971 – Promulgação da lei n.5692/71. A música passa a ir perdendo seu espaço na escola, pois se extingue a disciplina educação musical do sistema educacional brasileiro. Substituindo pela atividade da educação artística. Os cursos superiores de educação artística surgiram em 1974, depois da lei, e tinha caráter polivalente (domínio de várias áreas de expressão artística: Música, teatro, artes plásticas, desenho, dança...) Curso de 2 ou 3 anos para licenciatura. Ficava a lacuna na formação por ter que dominar em tão pouco tempo tanta coisa. O discurso da educação artística amparava-se no conceito modernista (ampliação do universo sonoro, expressão musical comprometida com a prática e a livre experimentação) Esse discurso não está distante das iniciativas experimentais da educação musical (Segunda geração), porém apenas como postura ideológica. O espontaneísmo da proposta substituía o cientificismo do início do século XX e o ufanismo da fase nacionalista. O improviso substituía o rigor do método. Os professores operam com um mínimo de regras e tem, como preocupação maior “não tolher a expressão de seus alunos”. Livre expressão é a palavra de ordem. Interessante observar que esse discurso libertário ocorria justamente a época do governo militar (décadas de 70 e 80) Parece que a educação artística funcionava como válvula de escape. Um único espaço aberto à liberdade de expressão. E hoje, como é? Volta hoje a crença no método, como meio de asseguramento de sucesso no ensino da música. Acredita-se que tendo objetivos claros e precisos e uma metodologia adequada, serão alcançados bons resultados nas propostas. As propostas pedagógicas governamentais agora são feitas, mais por especialistas em gestão empresarial do que por educadores e menos ainda por especialistas em educação musical. Não mais professor > aluno, mas mão dupla entre aluno e professor. Nesse sentido, por um lado, paga-se tributo ao método, por outro se é permeável às conquistas do século XX, apresentando outra face da educação: Conhecimento do meio ambiente, relevância das condições sócio-econômico- culturais, importância dos processos de ensino aprendizagem, e pesquisas a respeito das maneiras de estimular a criança na construção do conhecimento. Busca por descoberta, experimentação e ações criatvas Contraditoriamente, a ausência quase total da música nas escolas de ensino fundamental e médio Ainda não se conquistou uma situação particularmente favorável à presença de música nas escolas. A ação governamental é “morosa”, isso dificulta a implantação de cursos de graduação mais ágeis e afinados, impedindo ou dificultando sua atualização, e a consciência das profundas mudanças com as quais se convive a cada dia. Continuam a ter cursos de licenciatura em Ed. Artística de caráter polivalente, modelo implantado em 1971. A situação se modifica com a disposição do governo federal de dar novo impulso à educação, com a criação de cursos de artes com habilitação específica, sendo poucas escolas que se antecipam criando cursos nesse modelo. Além da legislação aprovada em Dezembro de 1996, apontando uma nova maneira do ensino de artes é preciso reflexão se é grande a distância que separa a lei e os documentos governamentais a esse respeito. O ensino da música no atual sistema educacional brasileiro Desde 1990 muitos já vem fazendo decretos, recomendações e pareces apontando sobre o modelo educacional Às escola brasileiras. Material este de cunho informativo, prescritivo e avaliativo. João Palma Filho em “A política educacional brasileira” faz análise da politica educacional numa revisão da literatura que cobre os pontos do discurso governamental encontrado nos documentos (Leis, decretos, RCN e PCN) “Estamos irremediavelmente ligados ao nacional e ao global, onde a própria sociedade nacional só tem sentido se vista no horizonte aberto pela existência da sociedade global. (Palma, 2001, p.28). Portanto políticas públicas dependem das decisões políticas e econômicas. Prega a reforma educacional frente às transformações do mundo da economia, política e sociedade. “Já não existe uma distinção nítida entre o econômico e o cultural” A contribuição de Violeta Gainza O estudo da educação brasileira apresentado por Palma é rocoborado pela educadora musical argentina Violeta Hemsy de Gainza. Sua análise aponta para o fato de a rede educativa de um país estar integrada ao sistema de educação pública. Sustentado pela plataforma política oficial, abarcando a educativa, com suas leis, orientações para o planejamento de ensino, entre outra questões. Aponta também para propostas independentes, fora do sistema educacional mas que exercem influência sobre ele. Procedimentos que eram levados da educação independente à escola pública. Generaliza-se intervir nas políticas educacionais para adequar o cortorno pedagógico às normas do projeto neoliberal, para reorganização pedagógica da grade curricular. Gainza é pioneira na aplicação da técnica Gerda Alexander ao ensino do piano, tem sido grande incentivadora da musicoterapia, organizadora de encontros de educação musical, eutonia, e musicoterapia. Foi presidente do Fladem – Foro Latinoamericano de Educación Musical. O Fladem mapeia a situação, e as atividades ligadas a educação musical, incentiva o diálogo, a troca de experiências entre os países latino- americanos. Por necessidade de afirmação, educadores têm comparecido aos encontros para revigoramente da identidade educacional. Tendo sentido onde a música popular por mais massacrada encontra-se em plena ascensão. Paralelos com a América Latina O histórico da educação musical no século XX, apresentado por Gainza em muito pontos coincide com a história da disciplina no Brasil. No Brasil de 1850 a 1960, a educação musical foi conduzida por especialistas que contribuíram para seu fortalecimento. Gainza relata que” Nos anos 70, as lutas políticas que ocorreram nos países latino-americanos deram espaço a governos fortes, ditaduras e processos militares. Diferentemente o Brasil baniu a música da escola, distanciando-se dos irmãos latino-americanos. As fissuras no plano educacional estão presentes em diversas situações: Entre a prática e a teoria pedagógica; entre os distintos níveis da educação; entre o filosófico/pedagógico e o administrativo; entre a arte e a tecnologia; entre os novos planos e programas e as oportunidades de capacitação. Gainza aponta para a brecha existente entre as propostas curriculares governamentais de países latino-americanos e projetos de educadores musicais pedagogicamente atualizados. Para ela, o processo de globalização descarta nuances e sutilezas ao se dispor a capacitar o aluno para inseri-lo no mercado de trabalho. Para Gainza “o panorama da educação musical, até o momento, apresenta-se bastante confuso e desorientador. Após 1990 outra tendência se sobrepôs, numa orientação cognitivista e neocondutista. Gainza lamenta que a educação musical se aproxime de modelo empresarial em orientação por administradores e não especialistas.