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CONHECENDO O

ACERVO DA
IGREJA DE NOSSA
SENHORA
D´AJUDA
UM SANTUÁRIO DA CULTURA PORTO-SEGURENSE
Uma história de conquista
 A primeira Casa da Companhia de Jesus na Capitania
de Porto Seguro (1549-1551)
 Resultado da ação missionária dos primeiros jesuítas:
Navarro, Jacome, Rodrigues
 Localizada na freguesia de Santo Amaro, ao sul de Porto
Seguro, no alto de um outeiro para melhor segurança
 A escolha do orago como homenagem a Thomé de Souza:
centralidade da ação pacificadora dos inacianos
 “Dois anos há que viemos para estas terras do Brasil e achamos os
nossos irmãos da Companhia, que com grande solicitude se
afadigavam nesta vinha um tanto estéril e que não compensou
ainda os trabalhos e a diligência dos operários (...) Aqui há uma
casa da Companhia da invocação de Nossa Senhora da Ajuda, de
muito boa ajuda e de grande devoção. Aí se reúnem aos sábados
os habitantes de duas ou três vilas; pelo que está o seu tanto
exposta aos perigos da guerra que repetidas vezes movem os
índios que são inumeráveis contra os cristãos” (Padre Ambrósio Pires,
15 de junho de 1555)
Uma história de devoção
 O primeiro santuário mariano do Brasil
A formulação de uma narrativa que destaca a origem
miraculosa da igreja
 Um “farol” para as tormentas dos mares, das guerras e
da morte: a tradição católica da sociedade
portuguesa no contexto da contrarreforma
 A articulação entre a demanda da colonização e a
demanda da evangelização
 “Tem esta igreja um belo altar da Saudação de Nossa
Senhora, e uma bela fonte, muito amada do nosso padre
Manoel da Nobrega. Quando se edificava a casa, esta
fonte se abriu milagrosamente, por que estando um homem
sobre uma árvore a corta-la, alevantou-se a terra com ela e
arrebatou o homem sem que o menor perigo lhe viesse, e
assim brotou no lugar onde foi a árvore uma fonte, bebendo
da qual vários enfermos sararam e todos sem mais se curam.
Se isto tivesse acontecido em outro lugar, tornava-se objeto
de grande devoção, qual outra Guadalupe” (Padre
Navarro, 15 de junho de 1552)
 “(...) ermida de Nossa Senhora da Ajuda em um
monte mui alto, e no meio dele, no caminho porque
se sobe, uma fonte de água milagrosa (...) dando
saúde aos enfermos que a bebem, como na origem,
que subitamente a deu o Senhor ali pela oração de
um religioso da Companhia” (Frei Vicente do
Salvador, História do Brasil, 1627)
Uma história além dos jesuítas
 A consolidação da igreja como um santuário
A expulsão dos jesuítas na década de 1590 não
acaba com as atividades religiosas da igreja d´Ajuda
 A povoação (Arraial) se organizou a partir da
dinâmica religiosa da pequena ermida
 A população local assumiu o papel de protagonista da
devoção, desenvolvendo diversos sentidos e expressões
da fé no poder intercessor de Nossa Senhora
 A irmandade de Nossa Senhora da
Ajuda como expressão do
empoderamento leigo da devoção
(patrimônio do povo).
 Uma entidade das elites: 960 reis para
entrar e 160 reis anuais.
 Responsável pela “festividade da Mãe
de Deus”, que devia ser feita “com
toda pompa, asseio e decência devida,
com missa cantada, sermão, Senhor
exposto, música e procissão”
Um monumento arquitetônico
 Uma obra clássica do barroco, que foi modelada na década de
1770: “Fiz também reedificar de esmolas (...) por bons artífices à
moderna e de pedra e cal a igreja de Nossa Senhora da Ajuda, de
todo o corpo e frontispício” (Ouvidor José Xavier Machado
Monteiro, 01/06/1772)
 Torre sineleira instalado do lado direito, com acabamento
piramidal, no estilo da do Convento de Santo Antônio de Cairú
(1660), também imitado na igreja matriz da Pena
 Frontispício apresenta volutas com medalhão central de Nossa
Senhora da Ajuda e portada em arenito com porta de madeira com
folhas almofadadas
Um acervo plural
 Acervo de esculturas religiosas (século XVI ao XIX)
que retrata arte, devoção e práticas sociais
 Acervo de objeto litúrgicos de destacado valor
artístico
 Acervo de ex-votos numeroso, diversificado e
representativo
Os ex-votos e seus sentidos
 Uma tradição greco-romana incorporada à cultura
religiosa cristã
 Um objeto que simboliza um “acerto de contas”:
relação entre fiel e Deus, por meio dos santos e de
Maria
 Uma “crônica da sociedade do passado”: documento
que retrata a fé, o cotidiano, os medos, a vida social
 Um veículo de comunicação: relação entre privado e
público na experiência da fé
 “o que se pendura no altar de um santo em
agradecimento da mercê recebida, e em satisfação do
voto que se fez. Costumavam os romanos pendurar nos
altares de suas fabulosos deidades, uns fragmentos de
tábuas dos navios que tinham escapado do naufrágio,
em que se via pintada a mercê, que imaginavam ter
recebido por intercessão do nome, ao qual se tinham
encomendado” (BLUTEAU, Raphael. Vocabulario
portuguez e latino. V. 8, Tomo II, 1728, p. 582)
A sala de milagres: patrimônio da fé
 Uma capela testemunhal: espaço de “pagamento”
dos votos prometidos, expressão do poder
miraculoso da santa
 Um lugar de memória: acervo de bens culturais que
retratam os sentidos da fé e da vida
 Um museu não-musealizados
 “E a padroeira, a Virgem, é especialmente invocada
pelos navios e barcos pesqueiros das costas vizinhas, em
caso de perigo ou de ventos contrários. Sua fama
estende-se até mesmo à cura de vários padecimentos,
desde que invocada com a devida fé. O interior do
edifício é decorado com desenhos grotescos de navios
em apuros, quartos de enfermos etc, havendo legenda
debaixo de cada um, relativas aos diferentes episódios
que pretendem comemorar” (Thomas Lindley, 1802)
 “Estivemos na sala dos milagres e vimos 300 quadros. Os pintores
são homens que nunca cursaram uma escola, nem mesmo a
primária. Mas são artistas. Os desenhos são rudes, mas
expressivos. Aquele homem que teve congestão pulmonar está
derramando sangue. O menino que caiu do pé de cacau está
olhando para um quadro onde aparecem uns garotos brincando. A
mãe do menino ferido fez promessa para que a perna do filho
não fosse cortada. Agora é um nafraugio. Os homens estão de
joelhos e, nos céus, a estampa de Nossa Senhora. As figuras
aparecem com expressões” (Edmar Morél, A vingança do
Abaitara, 1940, p. 31)
O acervo dos ex-votos d´Ajuda
 Um acervo amplo e diversificado que revela aspectos
da história cultural, social e econômica da cidade e
região
 Um acervo portador de significativo valor patrimonial,
reconhecido sobretudo pela própria comunidade
católica
 Um acervo negligenciado do ponto de vista dos
estudos acadêmicos e da política pública de cultura
(preservação, documentação, promoção)
Uma tipologia temática
 Antropomorfos: representam o corpo humano por inteiro
ou partes, em réplicas de gesso ou outro material
 Zoomorfos: pedidos de proteção aos animais,
especialmente aqueles vinculados às atividades
econômicas
 Médicos: oferendas relacionadas com a providência da
cura, relacionada a doenças ou acidentes
 Representativos de valor: oferendas de joias ou
pequenas lembranças
Outras tipologias
 Iconográficos: quadros, desenhos, fotografias etc

 Escultóricos: santa, cabeça, perna, estômago etc

 Textuais: cartas, bilhetes, poemas etc


Características gerais do acervo
 Existência de objetos datados da segunda metade do século
XIX até os dias atuais, depositados por personagens
famosos e anônimos da cidade e região
 As informações contidas nos ex-votos indicam que a
extensão da fama miraculosa da santa se espalhava,
principalmente, pela costa da Bahia, leste mineiro e norte
capixaba
 Predominância de ex-votos fotográficos (3x4 e 22x16) e
escultóricos (cera ou parafina), evidenciando a interferência
da industrialização e a restrição do uso dos “artistas de
milagres”
A liberdade de expressão
Diversidade

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