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Ciências dos Materiais

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Carlos Antonio Puccini de Brito


Os Atomistas - Erwin Schrödinger

2. A Alma feita de Átomos


- Tópico 2- A Alma feita de Átomos
Fig.i.b Heráclito e Democrito.
Figura.i.b. - Heráclito e Democrito.

Heráclito (esq.) e Democrito, reproduzidos pelo pintor renacentista


Donato Bramante em 1477 (Milão, Itália).
“A Alma é Feita de Átomos”
Em minha opinião, a derrota mais grave que a teoria sofreu, e
que a condenou a se transformar em “Bela-Adormecida” por
muitos séculos, era devido à sua extensão à alma.

A alma foi considerada como composta de átomos materiais,


particularmente pequenos e de grande mobilidade, espalhando-
se provavelmente por todo o corpo e desenvolvendo todas as
suas funções.

Isso é triste, porque esta explicação sobre a alma afastou da


teoria atomista os melhores e mais profundos pensadores dos
séculos seguintes.

Nós, entretanto, devemos ter cuidado para não fazer um exame


demasiado severo de Demócrito. É apenas um pequeno erro
para um homem cuja profunda compreensão da teoria do
conhecimento provarei agora.
A Alma é feita de Átomos

Ele assumiu, junto com a teoria atômica, a velha crença, ancorada


firmemente nas línguas até hoje, de que a alma é respiração.

Todas as palavras antigas para a alma significavam originalmente o ar


ou a respiração: , spiritus (Latim), anima (Latim), athman
(Sânscrito) (nas línguas modernas: expirar, animado, inanimado,
psicologia, etc.).

Bem, essa respiração é ar, e o ar é composto de átomos e, assim, a


alma é composta de átomos.

É um atalho direto para o problema metafísico central, que ainda não foi
resolvido até hoje.

(Veja a discussão primorosa no livro de Charles Sherrington (1) “O


Homem na sua Natureza”).
A Alma é feita de Átomos

Isto teve uma conseqüência terrível, que assombrou os pensadores


durante muitos séculos e que, de forma um pouco alterada, ainda hoje
nos confunde e desafia.

O mundo-modelo, consistindo de átomos e espaço vazio, implementa o


postulado básico de que a Natureza é compreensível, contanto que, em
qualquer instante, o movimento subseqüente dos átomos possa ser
determinado pela suas posições e velocidades atuais.

Assim, a configuração num determinado instante engendra a


necessidade da configuração seguinte, e esta da próxima, e assim por
diante, para sempre. Tudo é determinado estritamente pela condição
inicial.
A Alma é feita de Átomos

Fica difícil entender como esta teoria poderia incluir o comportamento


de seres vivos, inclusive nós, que somos cientes de poder escolher, em
grande medida, os movimentos de nosso corpo pelo livre arbítrio da
nossa mente.

Se, então, esta mente ou alma é ela mesma composta de átomos que
se movem de maneira determinista, não parece sobrar espaço para a
ética ou para o comportamento moral.

Nós somos compelidos, pelas leis da Física, a fazer exatamente, em


cada momento, apenas a coisa que nós deveríamos fazer.

Qual o sentido em se deliberar sobre o que é certo ou errado? Existe


lugar para a lei moral, se a lei natural é superior e a frustra
inteiramente?
A Alma é feita de Átomos

Esta antinomia (2) continua sem solução até hoje, como era há vinte e
três séculos atrás. Mesmo assim nós podemos analisar a proposição de
Demócrito, separando-a numa parte muito crível e outra absurda.

Ele admitiu:
(a) que o comportamento de todos os átomos dentro de um corpo vivo é
determinado pelas leis físicas da Natureza, e;
(b) que alguns destes átomos compõem o que nós chamamos de mente
ou alma.

A seu favor, considero que ele se manteve fiel à proposição (a), mesmo
que isso implique em uma antinomia, com ou sem a proposição (b).
Certamente, se você admitir (a), o movimento de seu corpo é
predeterminado, mas você não esclarece sobre os sentimentos que
fazem que você o mova, seja qual for a sua opinião sobre o que é a
mente.
A proposição (b) é verdadeiramente absurda.
“A Alma é feita de Átomos”
Notas:
(1) Charles Scott Sherrington (1857-1952): médico, cientista e filósofo inglês, ganhador do
prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1932.

(2) Antinomia (ou paradoxo): é a afirmação simultânea de duas proposições (teses, leis, etc.)
contraditórias entre si.

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