Você está na página 1de 56

Trabalho apresentado a disciplina de Pensamento Social Brasileiro -

Programa de Pós Graduação em Antropologia Social – PPGAS/UFG


Profº Drº Luis Felipe Hirano

Discentes
Dhiogo Gomes
Patrick de Oliveira
Bruno Filene
VIDA
• Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros/Minas Gerais, no dia 26 de
outubro de 1922 e faleceu em Brasília-DF no dia 17 de Fevereiro de 1997.
• Foi um antropólogo, escritor e politico brasileiro, conhecido por seu foco em
relação aos indígenas e à educação no pais.
• Suas ideias de identidade latino-americana influenciaram vários estudiosos
latino-americanos posteriores. Como Ministro da Educação no
Brasil, realizou profundas reformas que o levou a ser convidado a
participar de reformas universitárias no Chile, Peru, Venezuela, México e
Uruguai, depois de deixar o Brasil devido à ditadura militar de 1964.
• Foi casado com a etnóloga e antropóloga romena Berta Gleizer Ribeiro até
1974
FORMAÇÃO / CARREIRA PROFISSIONAL
• Foi para Belo Horizonte estudar Medicina, porém ao cursar disciplinas de
Ciências Sociais, decidiu-se por esta área. Em 1946, formou-se em antropologia
pela Escola de Sociologia e Politica de São Paulo e dedicou seus primeiros anos
de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da
Amazônia (1946-1956).
• Notabilizou-se fundamentalmente por trabalhos desenvolvidos nas áreas
de educação, sociologia e antropologia, tendo sido, ao lado do amigo a quem
admirava, Anísio Teixeira, um dos responsáveis pela criação da Universidade de
Brasília, elaborada no início da década de 1960, ficando também na história
desta instituição por ter sido seu primeiro reitor. Redigiu o projeto, como
funcionário do Serviço de Proteção ao Índio, do Parque Indígena do Xingu,
criado em 1961. Também foi o idealizador da Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF). Publicou vários livros, vários deles sobre os povos
indígenas.
• Darcy Ribeiro foi ministro da Educação durante Regime
Parlamentarista do Governo do presidente João Goulart (18 de
setembro de 1962 a 24 de janeiro de 1963) e chefe da Casa Civil entre
18 de junho de 1963 e 31 de março de 1964. Durante a ditadura militar
brasileira, como muitos outros intelectuais brasileiros, teve seus direitos
políticos cassados e foi obrigado a se exilar, vivendo durante alguns
anos no Uruguai.
• Durante o primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1983-
1987), Darcy Ribeiro, como vice-governador, criou, planejou e dirigiu a
implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEP), um
projeto pedagógico visionário e revolucionário no Brasil de assistência
em tempo integral a crianças, incluindo atividades recreativas e
culturais para além do ensino formal - dando concretude aos projetos
idealizados décadas antes por Anísio.
• Nas eleições de 1986, Darcy foi candidato ao governo fluminense
pelo PDT concorrendo com Fernando Gabeira (então filiado
ao PT), Agnaldo Timóteo (PDS) e Moreira Franco (PMDB), mas foi
derrotado nas urnas, com a eleição de Moreira.
• Foi responsável pela criação e pelo projeto cultural do Memorial da América
Latina, centro cultural, político e de lazer, inaugurado em 18 de março de 1989,
no bairro da Barra Funda, em São Paulo, assim como foi responsável pelo
projeto de lei que deu origem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
(LDB), lei 9394/96 aprovado pelo senado brasileiro.

• Exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro de 1991 até sua morte em
1997 - anunciada por um lento processo canceroso que comoveu o Brasil. Darcy,
sempre polêmico e ardoroso defensor de suas ideias, teve, em sua longa agonia, o
reconhecimento e admiração até dos adversários.
INFLUÊNCIAS
• As ideias de Darcy Ribeiro pertenciam à escola evolucionista de sociologia e
antropologia, e suas principais influências eram neoevolucionista Leslie White e Julian
Steward, além do arqueólogo marxista Vere Gordon Childe. Ele acreditava que os povos
passavam por um "processo civilizatório, começando como caçadores-coletores. Este
"processo civilizatório" teria sido marcado por revoluções tecnológicas e, entre elas,
Darcy enfatizou as oito mais importantes:

a revolução agrícola
a revolução urbana
a revolução da irrigação
a revolução metalúrgica
a revolução pecuária
a revolução mercantil
a revolução industrial
a revolução termonuclear
OBRA: ANTROPOLOGIA DA CIVILIZAÇÃO

1. O processo civilizatório – 1968


2. As Américas e a civilização – 1969
3. Os índios e a civilização – 1970
4. Os brasileiros – 1972
5. O dilema da América Latina - 1978
6. O povo Brasileiro - 1995

• “Diários Índios” publicado em 1994, é seu trabalho etnográfico realizado


durante duas expedições do SPI entre os anos de 1949-1951. Dados e
informações dessa pesquisa etnográfica contribuíram para o antropólogo
escrever sua Obra “Antropologia da Civilização”, que é composta dos seis
volumes citados acima.
OUTROS APONTAMENTOS
• Darcy foi influenciado pela análise funcionalista em um primeiro momento e
depois pelo materialismo histórico dialético.
• Teve como orientadores: Herbert Baldus (Bacharelado em Ciência Sociais
/Antropologia e Mestrado em Antropologia) e Sérgio Buarque de Holanda .
• Pode ser considerado o fundador de uma antropologia brasileira (embora muitos
questionem).
• Darcy está interessado na relação dos Povos Indígenas e o Estado.
• Darcy também escreveu sobre educação e produziu obras literárias .
• Sua teoria está ocupada com a história e com o pensamento social brasileiro.,
sobretudo em dissolver o eurocentrismo e o etnocentrismo impregnado nos
saberes/epistemologias sobre o Brasil e a América Latina.
• Darcy rompe qualquer teoria ou ideia essencialista.
Operários, 1933. Óleo sobre tela. Tarsila do Amaral.

Ilustra a capa da última edição de O povo brasileiro: a formação e o


sentido do Brasil. Ribeiro, Darcy. Ed. Global, 2013.
O POVO BRASILEIRO: A FORMAÇÃO E O SENTIDO DO
BRASIL
Introdução:
- O livro “O Povo Brasileiro”, lançado em 1995, foi anunciado como a obra-síntese do
antropólogo Darcy Ribeiro, que ele levou exatos 30 anos para concluir. Veiculou-se até que
Darcy estaria doente terminal em um CTI, do qual fugiu para refugiar-se em sua casa na
praia de Maricá, com o firme propósito de juntar as anotações que se acumulavam ao
longo de três décadas e por fim compor o livro. A vontade de terminá-lo era tanta, que
acabou dando uma sobrevida a Darcy que estava doente de câncer.
• “Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português
com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados
como escravos”. (p.19)
• “(...) se fundem para dá lugar a um povo novo, um novo modelo de estruturação
societária”. (p.19)
• “O que tenham os brasileiros de singular em relação aos portugueses decorre das
qualidades diferenciadoras oriundas de suas matrizes indígenas e africanas; (...).”
(p.20)
I. O NOVO MUNDO - MATRIZES ÉTNICAS
A Ilha Brasil
• “A costa atlântica, ao longo dos milênios, foi percorrida e
ocupada por inumeráveis povos indígenas. Disputando os
melhores nichos ecológicos , eles se alojavam, desalojavam e
realojavam, incessantemente”. (p.29)
• “(...) o grupelho recém-chegado de além-mar era superagressivo
e capaz de atuar destrutivamente de múltiplas formas.
Principalmente como uma infecção mortal sobre a população
preexistente, debilitando-a até a morte.” (p.30)
• “O que a documentação copiosissima nos conta é a versão do
dominador”. (p.30)
A Matriz Tupi
• “Na escala da evolução cultural, os povos Tupi davam os primeiros passos da
revolução agrícola, superando assim a condição paleolítica, tal como ocorrera pela
primeira vez, há 10 mil anos, com os povos do velho mundo”. (p.31)
• Observação:
- neste tópico Ribeiro está referindo ao momento que os portugueses encontraram os
Tupi, ou seja, no descobrimento do Brasil, que o antropólogo vamos conceituar como
“achamento”.
- Darcy entende por revolução agrícola entre os indígenas do Brasil , a domesticação de
diversas plantas, refere-se sobretudo a mandioca que se tornou de fundamental
importância para sobrevivência de vários grupos indígenas, “já que ela não precisa ser
colhida e estocada, mantendo-se viva na terra por meses”. (p.31).
- Além da mandioca, cultivavam o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o amendoim, o
tabaco, a abóbora, o urucu, o algodão, o carauá, cuias e cabaças, as pimentas, o
abacaxi, o mamão, a erva-mate, o guaraná, dezenas de arvores frutíferas, como caju, o
pequi etc. O autor diz: “faziam, para isso, grandes roçados na mata, derrubando as
árvores com seus machados de pedra e limpando o terreno com queimadas”. (p.32)
• “ (...) os Tupi só conseguiram estruturar efêmeras confederações regionais que
logo desapareceram. A mais importante delas, conhecida como Confederação
dos Tamoios, foi ensejada pela aliança com os franceses instalados na baía de
Guanabara. Reuniu, de 1563 a 1567, os Tupinambá do Rio de Janeiro e os Carijó
do planalto paulista – ajudados pelos Goitacá e pelos Aimoré da Serra do Mar,
que eram da língua Jê – para fazerem a guerra aos portugueses e aos outros
grupos indígenas que os apoiavam”. (p.33)
Observação. Essa guerra foi entre portugueses e franceses, dos calvinistas contra os
jesuítas, os grupos indígenas confederados foram usados pelos europeus e não
sabiam exatamente porque estavam lutando.
• A antropofagia dos Povos Tupi: “Comiam seus prisioneiros de guerra porque,
com a rudimentariedade de seu sistema produtivo, um cativo rendia pouco mais
do que consumia, não existindo, portanto, incentivos para integrá-lo à
comunidade como escravo”. (p.35)
• “Muitos outros povos indígenas tiveram papel na formação do povo brasileiro.
(...) os Paresi, os Bororo, os Xavantes, os Kayapó, os Kaingang e os Tapuia e os
Guaikuru, os índios cavaleiros”. (p.35)
A Lusitanidade
• “Ao contrário dos povos que aqui encontraram, todos eles estruturados em
tribos autônomas, autárquicas e não estratificadas em classes, o enxame de
invasores era a presença local avançada de uma vasta e vetusta civilização
urbana e classista”. (p.37)
Observação:
- Lisboa através do Conselho Ultramarino ditava, previa, planificava, ordenava e
provia qualquer decisão relacionada a colônia;
- “Outro coordenador poderosíssimo era a Igreja católica, com seu braço
repressivo, o Santo Ofício”. (p.38)
• “Era a humanidade mesma que entrava noutra instância de sua existência, na
qual se extinguiriam milhares de povos, com suas línguas e culturas próprias e
singulares, para dar nascimento às macroetnias maiores e mais abrangente que
jamais se viu”. (p.39)
• “O motor dessa expansão era o processo civilizatório que deu nascimento a dois
Estados nacionais: Portugal e Espanha, que acabavam de constituir-se,
superando o fracionamento feudal que sucedera a decadência dos romanos”.
(p.39)
II. O ENFRENTAMENTO DOS MUNDOS
As opostas visões
• “Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento
espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo”. (p.42)
• “Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os índios”. (p.42)
• “Pouco mais tarde, essa visão idílica se dissipa. Nos anos seguintes, se anula e
reverte-se no seu contrário: índios começam a ver a hecatombe que caíra sobre
eles”. (p.43)
• “A cristandade surgia a seus olhos com o mundo do pecado, das enfermidades
dolorosas e mortais, da covardia, que se adorava do mundo, tudo conspurcando,
tudo apodrecendo”. (p.43)
• “Os recém – chegados eram gente prática, experimentada, sofrida, ciente de
suas culpas oriundas do pecado de Adão, predispostos à virtude, com clara
noção dos horrores do pecado e da perdição eterna”. (45)
• “A branquitude trazia da cárie dental à bexiga, à coqueluche, à tuberculoso e ao
sarampo. Desencadeia-se, ali, desde a primeira hora, uma guerra biológica
implacável. De um lado, povos peneirados, nos séculos e milênios, por pestes a
que sobreviveram e para as quais desenvolveram resistência. Do outro lado,
povos indenes, indefesos, que começavam a morrer aos magotes. Assim é que a
civilização se impõe, primeiro, como uma epidemia de pestes mortais. Depois
pela dizimação através de guerras de extermínio e da escravização. Entretanto,
esses eram tão só os passos iniciais de uma escalada do calvário das dores
inenarráveis do extermínio genocida e etnocida”. (p.47)
• “Esses índios cativos, condenados à tristeza mais vil, eram também os
provedores de suas alegrias, sobretudo as mulheres, de sexo bom de fornicar, de
braço bom de trabalhar, de ventre fecundo para prenhar”. (p.48)
• “ A vontade mais veemente daqueles heróis d’além-mar era exercer sobre aquela
gente vivente como seus duros senhores. Sua vocação era a de autoridade de
mando e cutelo sobre bichos e matos a gentes, nas imensidades de terras de que
iam se apropriando em nome de Deus e da lei”. (p.48)
Razões desencontradas:
• “Frente à invasão europeia, os índios defenderam até o limite possível
seu modo de ser e de viver. Sobretudo depois de perderem as ilusões
dos primeiros contatos pacíficos, quando perceberam que a submissão
ao invasor representava sua desumanização como bestas de cargas “.
(p.49)
• “Em poucas décadas desapareceram as povoações indígenas que as
caravelas do descobrimento encontraram por toda a costa brasileira e
os primeiros cronistas contemplaram maravilhados. Em seu lugar
haviam instalado três tipos novos de povoações. O primeiro e principal,
formado pelas concentrações de escravos africanos dos engenhos e dos
portos. Outro, disperso pelos vilarejos e sítios da costa ou pelos campos
de criação de gado, formado principalmente por mamelucos e brancos
pobres. O terceiro esteve constituído pelos índios incorporados à
empresa colonial como escravos de outros núcleos ou concentrados nas
aldeias, algumas das quais conservaram sua autonomia, enquanto
outras eram regidas por missionários”. (p.53)
• “Apesar do projeto jesuítico de colonização do Brasil nascente
ter sido formulado sem qualquer escrúpulo humanitário, tal foi
a ferocidade da colonização leiga que estalou, algumas décadas
depois, um sério conflito entre os padres da Companhia e os
povoadores dos núcleos agrário-mercantis”. (p.53)
Observação:
- Para os jesuítas os poucos índios que restaram passaram a ser
criaturas de Deus e donos originais da terra, com direito a
sobrevivência se abandonassem suas heresias para se tornarem
membros da Igreja
- Para os colonos (núcleo agrário-mercantil), “os índios era um
gado humano, cuja natureza, mais próxima de bicho que de
gente, só os recomendava à escravidão”. (p.53)
O Salvacionismo
• “Nas décadas do achamento, descoberta ou invasão do Brasil,
surgiram descrições cada vez mais minuciosas das novas terras.”.
(p.56)
• “Aqueles índios, tão diferentes dos europeus, que os viam e os
descreviam, mas também tão semelhantes, seriam eles também
membros do gênero humano, feito do mesmo barro pelas mãos de
Deus, à sua imagem e semelhança? Caíram na impiedade? Teriam
salvação”? (p.57)
• “ A utopia jesuítica esboroou e os inacianos foram expulsos das
Américas, entregando, inermes, desvirilizados, os seus catecúmenos
ao sacrifício e à escravidão na mão possessa dos colonos”. (p.62)
• “É de se perguntar, aqui, se não foi o próprio êxito que levou os
projetos utópicos de jesuítas e de franciscanos ao fracasso”. (p.62)
III O PROCESSO CIVILIZATÓRIO
Povos Germinais
• “O poderio singular que alcançou a civilização Árabe por mais de um milênio de
esplendor, seja a expansão ibérica, que criou a primeira civilização universal”.
(p.64)
- Em relação ao mundo árabe: “a categoria de império despótico salvacionista” -
nunca quiseram converter ninguém, gritavam o jihad, conquistavam a área e
deixavam o povo viver
. Em relação ao mundo ibérico: ‘a categoria de império mercantil salvacionista’” –
revolução tecnológica mercantil que deu acesso ao ultramar. OBS: a tecnologia foi
inventada pelos árabes, porém, os portugueses foram os primeiros a concatena-la.
- Nações germinais – que deram origem a outras variantes da humanidade (Roma,
os iberos, os ingleses e russos ). A França, Alemanha e Itália não são nações
germinais.
O barroco e o gótico
• “ Dois estilos de colonização se inauguraram no norte e sul do Novo
Mundo. Lá, o gótico altivo de frias gentes nórdica, transladados em
famílias inteiras para compor a paisagem de que vinham sendo
excluídos pela nova agricultura, como excedentes de mão de obra. Para
eles, o índio era um detalhe, sujando a paisagem que, para se
europeizar, devia ser livrada deles”. (p.69)
• “Cá, o barroco das gentes ibéricas, mestiçadas, que se mesclavam com
os índios, não lhes reconhecendo direitos que não fosse o de se
multiplicarem em mais braços, postos a seu serviço”. (p.69)
• “Nós, ao contrário, somos a promessa de uma nova civilização
remarcada por singularidades, principalmente africanidades. Já por
isso, aparecemos a olhos europeus como gentes bizarras, o que, somado
à nossa tropicalidade índia, chega para aqueles mesmos olhos a nos
fazer exóticos”. (p.73)
Atualização histórica
• “Estamos diante do resultado de um processo civilizatório que, interrompendo a linha
evolutiva prévia das populações indígenas brasileiras, depois de subjugá-las, recruta
seus remanescentes como mão de obra servil de uma nova sociedade, que já nascia
integrada numa etapa mais elevada da evolução sociocultural”. (p.74)
- Base primeira da sociedade brasileira: os engenhos de cana de açúcar.
- A base da sociedade brasileira organizada a partir dos engenhos possui três planos:
1. Plano adaptativo: as tecnologias com que se produzem e reproduzem as condições
materiais de existência – transporte, construção civil, guerra, instrumentos de metal e
dispositivos mecânicos, o engenho, a produção de açúcar, a mineração, a navegação,
os bens de consumo (inclusive o escravo), o gado, as plantas cultiváveis, tijolos, telhas
rodas de carro, pontes e barcos .
2. Plano associativo: os modos de organização da vida social e econômica - escravatura
indígena e africana, outras formas de estruturação social não fundada pelo
parentesco, patronato, as elites, estratificação social e capital financeiro.
3. Plano ideológico: relativo às formas de comunicação, o saber, às crenças, à criação
artística e a autoimagem étnica – a língua portuguesa, os letrados e eruditos, a Igreja
oficial e o Estado e artistas.
II. GESTAÇÃO ÉTNICA - CRIATÓRIO DE GENTE
O Cunhadismo
• “A instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o
cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à sua
comunidade. Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim
que ele a assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o
aparentavam com todos os membros do grupo”. (p.81)
• “E, por fim, se teve que passar do cunhadismo às guerras de captura de
escravos, quando a necessidade de mão de obra indígena se tornou
grande demais”. (p.82)
• “A função do cunhadismo na sua nova inserção civilizatória foi fazer
surgir a numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o
Brasil. É crível até que a colonização pudesse ser feita através do
desenvolvimento dessa prática”. (p.82)
O governo geral
• “Para preservar seus interesses, ameaçados pelo cunhadismo generalizado, a
Coroa portuguesa pôs em execução, em 1532, o regime das donatarias. Quase
todos os contemplados vieram tomar posse com a função de povoá-las e fazê-las
produzir, elevando a economia colonial a um novo patamar”. (p.86)
• “O sistema de donatarias foi implantado mais vigorasamente por Martin
Afonso, trazendo as primeiras cabeças de gado e as primeiras mudas de cana.
Não há registro de que tenha trazido negros africanos e os deixado aqui. Mas,
como os portugueses viviam cercados de escravos já em Lisboa, é ate improvável
que ele e seus capitães não tenham vindo acompanhados dos seus serviçais”.
(p.87)
• “O donatário era um grão-senhor investido de poderes feudais pelo rei para
governar sua gleba de trinta léguas de cara. Com o poder político de fundar
vilas conceder sesmarias, licenciar artesãos e comerciantes, e o poder
econômico de explorar diretamente ou através de intermediários suas terras e
até com o direito de impor pena capital”. (p.87)
Cativeiro indígena
• A escravidão indígena predominou ao longo de todo primeiro século
(XVI). Só no século XVII a escravidão negra viria a sobrepujá-la (...)”.
(p.98)
Apontamentos:
- No século XVII a escravidão indígena subsistiu nas áreas pioneiras
como estoque de escravos baratos utilizáveis para funções auxiliares.
- Os colonos não desfaziam da mão de obra indígenas, embora
preferissem a mão de obra africana , sobretudo na produção mercantil
de exportação.
- Os índios eram ideais para transportar cargas, pessoas, preparar
alimentos, para a caça e a pesca. Os africanos eram tidos como ágeis,
eram bastante aproveitados em atividades que exigiam trabalha braçal
mais pesado, tais como: no engenho de cana de açúcar e na mineração.
II. MOINHOS DE GASTAR GENTE
Os Brasilíndios
• “Os brasilíndios foram chamados de mamelucos pelos jesuítas espanhóis horrorizados
com a bruteza e desumanidade dessa gente castigadora de seu gentio materno”.
(p.107)
• Mamelucos, refere-se “a uma casta de escravos que os árabes tomavam de seus pais
para criar e adestrar em suas casas-criatórios, onde desenvolviam o talento que acaso
tivessem”. (p.107)
• “Nossos mamelucos ou brasilíndios foram, na verdade, a seu pesar, heróis
civilziadores, serviçaos del-rei, impositores da dominação que os oprimia”. (p.108)
Observações:
- Os mamelucos eram meio-índios, eram os rebentos do cunhadismo (a relação sexual do
branco português com as índias gerava filhos mamelucos).
- Os mamelucos foram rejeitados e hostilizados por vários grupos indígenas.
Os afro-brasileiros
• “Os negros do Brasil foram trazidos principalmente da costa ocidental africana.
(...). Os primeiros, das culturas sudanesas, é representado, principalmente ,
pelos grupos Yoruba – chamado nagô -, pelos Dahomey – designados
geralmente como gegê – e pelos Fanti-Ashanti - conhecidos como minas -, além
de muitos representantes de grupos menores de Gâmbia, Serra Leoa, Costa da
Malagueta e Costa do Marfim. O segundo grupo trouxe ao Brasil culturas
africanas islamizadas, principalmente os Peuhl, os Mandinga e os Haussa, do
Norte da Nigéria, identificados na Bahia como negros malé e no Rio de Janeiro
como negros alufá. O terceiro grupo cultural africano era integrado por tribos
Bantu, do grupo congo-angolês, provenientes da área hoje compreendida pela
Angola e a Contra Costa, que corresponde ao atual território de Moçambique”.
(p.114)
• “Concentrando-se em grandes massas nas áreas de atividade mercantil mais
intensa, onde o índio escasseava cada vez mais, o negro exerceria um papel
decisivo na formação da sociedade local.” (p.116)
• “A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de
torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e
classista”. (p.120)
Os Neobrasileiros
• “Graças à auto-identificação própria e nova que iam assumindo e, também, ao acesso
a múltiplas inovações socioculturais e tecnológicas, as comunidades neobrasileiras
nascentes se capacitaram a dar dois passos evolutivos. Primeiro, o de abranger maior
número de membros do que as aleias indígenas, liberando parcelas crescentes deles
das tarefas de subsistência para o exercício das funções especializadas. Segundo,
incorporar todos eles numa só identidade étnica, estruturada como um sistema
socioeconômico integrado na economia mundial”. (p.121)
Observação:
- Com a formação dos neos brasileiros uma camada superior desligada das tarefas
produtivas emergia em três setores letrados, participantes de certos conteúdos eruditos
da cultura lusitana:
1. “Uma burocracia colonial comandada por Lisboa, que exercia a função de governo
civil e militar”;
2. “Outra religiosa, que cumpria o papel de aparato de indoutrinação e catequese dos
índios e de controle ideológico da população, sob a regência de Roma”;
3. Por ultimo, um setor “que viabilizava a economia de exportação, representada por
agentes de casas financeiras e de armadores, atenta aos interesses e às ordens dos
portos europeus importadores de artigos tropicais”. (p.125)
Os Brasileiros
• “O nome Brasil geralmente identificado com o pau-de-tinta é na verdade muito mais antigo.
Velhas cartas e lendas do mar-oceano traziam registros de uma ilha Brasil referida
provavelmente por pescadores ibéricos que andavam à caça de bacalhau. Mas ele foi quase
imediatamente referido à nova terra, ainda que o governo português quisesse lhe dar nomes
pios, que não pegaram. Os mapas mais antigos da costa já a registram como “brasileira” e os
filhos da terra foram, também, desde logo chamados “brasileiros”. Entretanto, o uso do nome
como gentílico, que um povo atribua a si mesmo, só surgiria muito depois”. (p.126)
• “É bem provável que o brasileiro comece a surgir e a reconhecer-se a si próprio mais pela
percepção de estranheza que provocava no lusitano do que por sua identificação como membro
das comunidades socioculturais novas, porventura também porque desejoso de remarcar sua
diferença e superioridade frente aos indígenas”. (p.127)
• “O primeiro brasileiro consciente de si foi, talvez, o mameluco, esse brasilíndio mestiço na
carne e no espírito, que não podendo identificar-se com os que foram seus ancestrais
americanos – que eles despreza -, nem com os europeus – que o desprezavam -, e sendo objeto
de mofa dos reinóis e dos lusonativos, via-se condenado à pretensão de ser o que não era nem
existia: o brasileiro.”. (p.128)
• “O brasilíndio como o afro-brasileiro existiam numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é
partir dessa carência essencial, para livrar-se da ninguendade de não-índios, não-europeus e
não-negros, que eles se vêem forçados a criar a sua própria identidade étnica: a brasileira”.
(p.131)
O ser e a consciência
• “Lamentavelmente , o processo de construção
da etnia não deixa marcas reconhecíveis
senão nos registros de um grupo tão exótico e
ambíguo como os letrados. Esses, por duas
razões, além de poucos e raros, são
fanaticamente identificados seja com a etnia
do colonizador português, seja com sua
variante luso-jesuítica”. (p.134)
III. BAGOS E VENTRES
Desindianização
Observação:
- Darcy quando se viu ausente de dados estatísticos para o passado , ele elaborou
um conceito “demografia hipotética” para ajudá-lo pensar o contingente da
população brasileira quando da invasão.
- O antropólogo acredita que 5 milhões era o total da população indígena
brasileira quando da invasão.
• “Havia , tanto do lado português como do espanhol, uma tendência evidente dos
estudiosos para minimizar a população indígena original.” (p.141)
- Muitos estudiosos viam exageros nas fontes primárias dos cronistas , que viram
os índios com seus próprios olhos.
- Estes estudiosos também queriam ocultar o peso do impacto genocida sobre as
populações americanas.
O incremento prodigioso
• “ As grandes façanhas históricas brasileiras foram a conquista de um território
continental e a construção de uma população que ultrapassa os 150 milhões.
Nenhum desses feitos foi gratuito. Portugal, que viveu mil anos na obsessão de
fronteira, temeroso de ser engolido pela Espanha, aqui, desde a primeira hora,
tratou de marcar e alargar as bases de suas posses territoriais. Plantou
fortalezas a mil léguas de qualquer outro povoado. Manteve pela guerra, por
séculos, pontos de fixação de seus lindes, como a Colônia do Sacramento “.
(p.149)
• “A construção da população , não se fez como um propósito deliberado, foi
resultante de uma política demográfica espontaneísta de que resultou tanto a
depopulação de milhões de trabalhadores como o incremento de outros
milhões”. (p.149)
• “(...) a população brasileira se constrói simultaneamente pela dizimação mas
atroz e pelo incremento mais prodigioso”. (p.149)
• “Utilizando largamente a imensa disponibilidade de ventres de mulheres
indígenas escravizadas, o incremento da população mestiça foi nada menos que
miraculoso”. (p.149)
Observações:
- Darcy chama atenção para alguns acontecimentos: 1) no começo do século XIX (
março de 1808) – o antropólogo chama de “invasão portuguesa. De um dia para
outro, quase 20 mil portugueses, fugindo das tropas de Napoleão, aportam à
Bahia e ao Rio”. (p.157)
- Dom João VI trouxe consigo o melhor da burocracia portuguesa.
- Milhares de portugueses disputaram lugares a tapas nas naus inglesas
convocadas para a operação.
- Diferente da América Espanhola que esfacelava em vários nações aqui se
manteve a unidade.
- Com a chegada dos burocratas portugueses surgia uma outra classe brasileira
“os nobres”, ou a burguesia – eles se apropriaram do que havia de melhor no
país, no entanto Darcy acredita que nos ensinaram a governar.
• “Em 1800, a população do território brasileiro recupera seu montante original de
5 milhões. Mas o faz com uma composição invertida. A metade é formada, agora,
por “brancos” do Brasil, predominantemente “pardos” – quer dizer, mestiços e
mulatos -, falando principalmente o português como língua materna, e já
completamente integrados à cultura neobrasileira”. (p.158)
Estoque Negro
• “O ‘branco’ colonizador e seus descendentes aumentavam, século após
século , não pelo ingresso de novos contingentes europeus, mas,
principalmente, pela multiplicação de mestiços e mulatos. Os negros,
por sua vez, cresceram passo a passo com os brancos, mas, ao contrário
destes, só o fizeram pela introdução anual maciça de enormes
contingentes de escravos, destinados tanto a repor os desgastados no
trabalho, como aumentar o estoque disponível para atender a novos
projetos produtivos”, (p.160)
• “A negra-massa, depois de servir aos senhores, provocando às vezes
ciúmes em que as senhoras lhes mandavam arrancar todos os dentes ,
caíam na vida de trabalho braçal dos engenhos e das minas em
igualdade com os homens. Só a essa negra, largada e envelhecida, o
negro tinha acesso para produzir crioulos”. (p.163)
III. PROCESSO SOCIOCULTURAL
1. Aventura e rotina
• As guerras do Brasil
- Critica a ideia de “cordialidade e de povo pacífico”
- Conflitos de toda ordem (étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais). “A feia verdade”
- “O mais assinalável é que nunca são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros.”
(p.127)
- Palmares (1695): Escravos x senhores
- Cabanos (1835-1840): brancos x caboclos e senhores x serviçais (obs: exclusão do componente indígena
no termo “caboclo”)
- Canudos (1893-1897): várias ordens de tensão: classista, raciais e outros, inclusive o religioso
- O processo de formação do povo brasileiro: “entrechoque de seus contingentes índios, negros e
brancos” (p.127). (“índios” x jesuítas x colonos x colonizadores x negros)
- Há conflitos interétnicos antes e durante a colonização. Contudo, a entrada do componente branco europeu,
dominador dos demais grupos humanos foi se “configurando como uma macroetnia expansionista”
(p.128).
“Os Yanomami e as emoções desencontradas que eles provocam entre os que defendem e os que
querem desalojá-los são apenas o último episódio dessa guerra secular.” (p.128). (Obs: Link com “O
eterno retorno do encontro” de Ailton Krenak)
• A empresa Brasil
- 4 ordens de ação empresarial:
1. empresa escravista; 2. Empresa comunitária jesuítica; 3. Microempresas de gêneros de subsistência (lucro
menor)
4. Núcleo portuário de banqueiros, armadores e comerciantes de importação e exportação (setor parasitário,
dominante e mais lucrativo da economia colonial)
“Essa intermediação alucinada, foi por séculos, o motor mais poderoso da civilização ocidental. Aquele que
mais afetou o destino do gênero humano pelo número espantoso de povos e seres que mobilizou, desgastou
e transfigurou.” (p.134).
• Avaliação
- No Tratados da terra e gente do Brasil (1584), O Padre Cardim faz um balanço dos resultados das missões e da
colonização.
- O extermínio de muitas etnias e das poucas que sobraram em número reduzido de sua população, a “conversão dos
índios em cristãos” e cativos das missões e dos colonizadores (resistência indígena, do litoral aos sertões)
- Passagens pela Bahia (“Bahia gorda do recôncavo baiano, tão oposta a Bahia do bode dos sertões São-
franciscanos” [p.141]), Pernambuco (“era maior ainda a suntuosidade [...]” [p.142]), Rio de Janeiro (“o
encantamento de Cardim com a terra brasílica atinge o auge [p.143]) e São Paulo (“Diferente é o retrato
que nos dá São Paulo e suas quatro pobres vilas.” [p.144]. São Vicente; Santos; Itanhaém e Piratininga)
“Podia-se dizer, talvez, que o fracasso maior foi do stalinismo jesuítico, que tentou um socialismo precoce e
inviável, e fracassou. Ao contrário, o sucesso foi de seus opositores. Também fracassados, porque não
sendo um para si na busca de suas condições de prosperidade, permanece sendo um povo para os outros.”
(p.145).
2. A urbanização caótica
• Cidades e vilas
- O Brasil “nasceu já como uma civilização urbana” (p.146) = Separada entre elementos rurais e citadinos,
com funções distintas mas que complementavam-se, sendo comandado pela elite erudita das cidades.
- A primeira é Lisboa (“que não conta”[p.146]). A primeira de fato, “foi a Bahia” no 1º século. Seguida das
cidades do Rio de Janeiro e João Pessoa. No 2º século: São Luís, Cabo Frio, Belém e Olinda. No 3º
século, “interioriza-se a vida urbana” (p.146): São Paulo, Mariana em Minas e Oeiras no Piauí. No 5º
século a rede explode tomando conta de todo território brasileiro.
- Estrutura: burocracia real, atividades ligadas a vida religiosa (igrejas, escolas de nível primário),
assistência médica “para os casos desesperados, resistentes as mezinhas domésticas tradicionais”
(p.148); empórios de importação de escravos e manufaturas de exportação do açúcar, depois do ouro
Hierarquia social: “O crescimento dos centros urbanos dá lugar a uma burocracia civil e eclesiástica da
mais alta hierarquia e a um comércio autônomo e rico, integrado quase exclusivamente por
reinóis” (p.148).
- Aglomerados menores surgiam próximas as áreas de produção/extração ou nos caminhos de transporte de
cargas. Exemplos desses lugares que alcançaram grande expressão: Campina Grande, Sorocaba, Feira de
Santana, Campo Grande, Itapecuru-mirim, Caxias, Oeiras, Crato, etc.
• Industrialização e urbanização
- Processos complementares vistos no geral (empregos gerados pela industrialização e mão de obra advinda
do êxodo rural da população buscando oportunidades). Para Ribeiro não é bem assim, uma análise linear,
há fatores externos sobre os dois processos: “No século XVI, são os carneiros ingleses que expulsam a
população do campo.” (p.149).
- No Brasil, monopólio da terra e monocultura promovem a expulsão da população do campo: “A população
urbana salta de 12,8 milhões, em 1940, para 80,5 milhões, em 1980. Agora é de 110,9 milhões.”
(p.150).
- Nenhuma cidade foi preparada para receber tamanho contingente. Consequências: “miserabilização da
população urbana e uma pressão enorme na competição por empregos.” (p.150).
- Tal quadro de êxodo rural não afetou significativamente a produção agrícola pela sua crescente
mecanização
“É um mistério inexplicável até agora como vive o povaréu do Recife, da Bahia, com aquela trêfega
alegria, e, ultimamente, como sobrevivem sem trabalho milhões de paulistas e cariocas.” (p.150).
- O poder dos setores elitistas, industrial (interesses estrangeiros), do agronegócio e a falta de querer político
em uma resolução dos problemas urbanos pela via da reforma agrária (Cita a UDR no congresso)
- Capitalismo de Estado (Vargas) X Abertura econômica (JK)
“A história nos fez, pelo esforço de nossos antepassados, detentores de um território prodigiosamente
rico e de uma massa humana metida no atraso, mas sedenta de modernidade e de progresso, que
não podemos entregar ao espontaneísmo do mercado mundial. A tarefa das novas gerações de
brasileiros é tomar este país em suas mãos para fazer dele o que há de ser, uma das nações mais
progressistas, justas e prosperas da Terra” (p.154).
• Deterioração urbana
- Soluções esdrúxulas, mas que estavam ao alcance; a urbanização das favelas, o tráfico
de drogas e o crime organizado (“solução”)
- Deculturação: “o normal na marginália é uma agressividade em que cada um
procura arrancar o seu, seja de quem for. Não há família, mas meros
acasalamentos eventuais. A vida se assenta numa unidade matricêntrica de
mulheres que parem filhos de vários homens. Apesar de toda a miséria, essa
heroica mãe defende seus filhos e, ainda que com fome, arranja alguma coisa
para pôr em suas bocas” (p.155). (Obs: Link com Carolina Maria de Jesus)

- A presença evangélica e de religiões afro-brasileiras (“competição”) e o Catolicismo


(perda de espaço). Salvação de homens do alcoolismo, mulheres da violência dos
maridos bêbados e crianças de toda sorte de violência como dos incestos.
3. Classe, cor e preconceito
• Classe e poder
1 (classes dominantes). Dois corpos conflitantes, mas complementares: O patronato (o empresariado que
enriquece na exploração econômica). O patriciado (cargos de poder como general, deputado, bispo, líder
sindical entre tantos outros).
- O patrício quer ser patrono e o patrono quer ter as glórias de um cargo, mandato. Busca por poderes
políticos e econômicos!
2 (Setores intermediários). Abaixo desses dois corpos: A) pequenos oficiais, profissionais liberais,
professores, policiais, o baixo-clero e similares. B) bolsão da aristocracia operária com empregos
estáveis e o bolsão de pequenos proprietários, arrendatários e gerentes de grandes propriedades rurais.
“Todos eles propensos a prestar homenagem as classes dominantes, procurando tirar disso alguma
vantagem” (p.157).
- Entre o clero e intelectuais dessa classe é que apareceram insurgentes subversivos a ordem dominante. “Por
isso mesmo mais padres foram enforcados que qualquer outra categoria de gente.” (p.157)
3 A grande massa (classes subalternas e oprimidas): “principalmente negros e mulatos, moradores das
favelas e periferias da cidade” (p.157). C) minifundistas, assalariados rurais e de fábricas, prestadores
de serviços. D) trabalhadores estacionais, empregados domésticos, biscateiros, delinquentes, prostitutas,
mendigos.
- As classes mais baixas são forçadas no sistema, mantendo-se as classes dominantes. Aos oprimidos cabe:
[...] “romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê-la” (p.158).
• Distância social
- Ricos e pobres se distanciam socialmente e culturalmente (como “povos distintos”):
“Ao vigor físico, à longevidade, à beleza dos poucos situados no ápice – como expressão do
usufruto da riqueza social – se contrapõem a fraqueza, a enfermidade, o envelhecimento
precoce, a feiura da imensa maioria – expressão da penúria em que vivem”.
“Ao traço refinado, à inteligência – enquanto reflexo da instrução - , aos costumes patrícios
e cosmopolitas dos dominadores, correspondem o traço rude, o saber vulgar, a
ignorância e os hábitos arcaicos dos dominados” (p.159).
- Contraste gritante para Ribeiro: “A multidão de uma praia de Copacabana e os moradores
de uma favela ou subúrbio carioca, ou mesmo o público em um comício de Natal ou em
Campinas, como representações dessas camadas opostas, se configuram ao observador
mais desavisado como humanidades distintas.” (p.159).
- Para Ribeiro, as classes sociais brasileiras não podem ser representadas por um triângulo (nível
superior, um núcleo e uma base). Mas um losango com um ápice muito fino, com poucas
pessoas e um pescoço que vai alargando, como um funil invertido (p.161):
• Classe e raça
- Somada a distância social que separa e tornam ricos e pobres em opostos está a discriminação pesada sobre
“negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros.” (p.165).
- “A rebeldia negra é menor e menos agressiva do que deveria ser” (p.166).
- Os quilombos como formações protobrasileiras
- “Aculturação” do negro na sociedade nacional: “Nela se viu incorporado à força. Ajudou a constituí-la e,
nesse esforço, se desfez, mas, ao fim, só nela sabia viver, em razão de sua total desafricanização” (p.166).
- Atualidades da mentalidade escravista: os negros como culpados das próprias desgraças.
- Das fazendas para as cidades: “o negro urbano veio a ser o que há de mais belo e vigoroso na cultura
popular brasileira” (p.168) (carnaval, culto de Iemanjá, capoeira, etc). Ribeiro aponta que o negro aproveita
cada oportunidade para mostrar seu valor.
- O mulato como mais acessível ao “mundo dos brancos”: Aleijadinho, Machado de Assis, Rui Barbosa,
compositor José Maurício, o poeta Cruz e Sousa, o tribuno Luís Gama, os políticos Irmãos Mangabeiras e
Nelson Carneiro, intelectuais como Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos. “O mulato se humaniza no
drama de ser dois, que é o de ser ninguém” (p.168).
- “O enorme contingente negro e mulato é, talvez, o mais brasileiro dos componentes de nosso povo. O é
porque, desafricanizado na mó da escravidão, não sendo índio nativo nem branco reinol, só podia
encontrar sua identidade como brasileiro” (p.168)
- Prevalece a expectativa assimilacionista: a “morenização” da sociedade brasileira pela “branquização dos
pretos como pela negrização dos brancos” (p.169).
- Preconceito de marca: “negro é negro retinto, o mulato já é o pardo e como tal meio branco e se a pele é um
pouco mais clara, já passa a incorporar a comunidade branca” (p.169). Obs: ainda há a branquização por
meio da ascensão social segundo Ribeiro.
- Conteúdos de tolerância do Apartheid X Racismo assimilacionista: os exemplos de Pelé, Pixinguinha e Grande
Otelo. O assimilacionismo como deslocador dos negros em sua luta especifica, pela fluidez nas relações inter-
raciais.
4. Assimilação ou segregação
• Raça e cor
- Com base nos Censos, Ribeiro aponta fatores da diminuição do contingente de pretos face ao aumento de
pardos e brancos: como explicar?
- Número insignificante de mulheres brancas durante, a miscigenação de brancos com “índias” como fator
de “branquização” da população brasileira “já que o mestiço de europeu com índio configuram um
tipo moreno claro que, aos olhos e à sensibilidade racial de qualquer brasileiro, são puros brancos.”
(p.173).
- Presunção de que muitos negros tenham se classificado como pardo
- Qualidade de vida da população branca em relação as populações negra e indígena (contágios de doenças
dos europeus)
• Brancos versus negros
- Possibilidades muito maiores dos brancos ascenderem economicamente em relação aos negros (Os
imigrantes brancos)
- Após a abolição o negro se viu compelido a novas formas de exploração sendo somente integrado a
sociedade na condição de subalterno e subproletário.
- Citando Florestan Fernandes, crítica a ideia de “democracia racial” diante das condições de miséria da
população negra: “enquanto não alcançarmos esse objetivo, não teremos uma democracia racial e
tampouco uma democracia. Por um paradoxo da história, o negro converteu-se, em nossa era, na
pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos esse suporte da civilização moderna”
(1964, [738] p.177)
- Fora os preconceitos de raça ou de cor, “os brasileiros tem arraigado preconceito de classe” (p.178).
- Ribeiro aponta para uma sociedade multirracial no futuro
• Imigrantes
- Contingente importante na formação de conglomerados predominantemente brancos (sul do Brasil)
- Ribeiro não considera que esses imigrantes imprimiram a cultura europeia no Brasil isolada da brasileira,
mas que suas origens plasmaram a cultura nacional (com os demais elelementos) com suas contribuições
ao “brasileiro” como etnia nacional
5. Ordem versus progresso
• Anarquia original
- Contrapondo o projeto colonial o Brasil se fez no “caráter anárquico, selvagem e socialmente
irresponsável da expansão dos núcleos brasileiros.” (p.184).
- “Nós somos resultantes do embate daquele racionalismo burocrático, que queria executar na terra
nova um projeto oficial , com esse espontaneísmo que a ia formando ao deus-dará, debaixo do
poderio e das limitações da ecologia tropical e do despotismo do mercado mundial.” (p.184).
• Arcaico e moderno
- Desejo de transformação renovadora como característica marcante dos povos novos, entre eles o
brasileiro. “Não estando atados a um conservadorismo camponês, nem a valores tradicionais de
caráter tribal ou folclórico, nada os apega às formas arcaicas de vida, senão as condições sociais que
os atam a elas, a seu pesar.” (p.186). Para Ribeiro, é o reflexo principal da deculturação das matrizes
formadoras do povo brasileiro.
- O Brasil não rompe com a velha ordem colonial, as elites se mantém pelo autoritarismo na repressão de
mudanças rumo a uma modernidade que contemple os interesses populares. A “modernidade” só chega
para as elites, ex: as primeiras escolas de ensino superior.
• Transfiguração étnica
- “[...] é o processo através do qual os povos, enquanto entidades culturais, nascem, se transformam e
morrem.” (p.192). 4 dimensões: biótica, ecológica, econômica e psicocultural
- “Comprimida por todas essas pressões transformadoras, a cultura popular brasileira tradicional,
tornada arcaica, se vai transfigurando em novos moldes. Estes, embora correspondentes ao padrão
‘ocidental’ comum às sociedades pós-industriais, assumem no Brasil qualidades peculiares
relacionadas á especificidade do processo histórico nacional. Como essas variam por regiões, as
áreas culturais operam como estruturas de resistência à mudança, num esforço de preservação de
suas características” (p.198).
IV. OS BRASIS NA HISTÓRIA
• Brasis
- Pelo valor local que vê na história, Ribeiro, ponderando suas generalizações, compõe os cenários
regionais das “ilhas-Brasil”
- “A identidade étnica dos brasileiros se explica tanto pela precocidade da constituição dessa matriz
básica da nossa cultura tradicional, como por seu vigor e flexibilidade.” (p.203)
• Brasil crioulo
- Cultura desenvolvida nas comunidades das faixas de terra férteis do Nordeste sendo o principal motor a
economia de fazenda de açúcar
• Brasil caboclo
- Cultura amazônica atrelada a exploração das drogas dos sertões (principalmente seringais)
• Brasil sertanejo
- Cultura que se funde entre as regiões agreste do nordeste até o cerrado do Brasil central, firmada na criação
de caprinos e de gado, com presenças marcantes das figuras do criador e do vaqueiro.
• Brasil caipira
- Cultura da população composta por mamelucos paulistas primeiramente forjada no bandeirantismo e
escravidão indígena, depois na mineração, mais tarde nas grandes fazendas de café e na industrialização
• Cultura gaúcha
- Cultura fundada no pastoreio nas campinas do Sul com duas variantes:
1. Matuta-açoriana (bem similar a caipira)
2. Gringo-caipira (das páreas de colonização de imigração alemã e italiana principalmente)
V. O DESTINO NACIONAL
“O Brasil foi regido primeiro como uma feitoria escravista, exoticamente tropical, habitada
por índios nativos e negros importados”. (P.447)

“Depois, como um consulado, em que um povo sublusitano, mestiçado de sangues afros e


índios, vivia o destino de um proletariado externo dentro de uma possessão estrangeira.”
(P.447)

“Os interesses e as aspirações do seu povo jamais foram levados em conta, porque só se
tinha atenção e zelo no atendimento dos requisitos de prosperidade da feitoria
exportadora.” (P.447)

“Nunca houve aqui um conceito de povo, englobando todos os trabalhadores e


atribuindo‐lhes direitos. Nem mesmo o direito elementar de trabalhar para nutrir‐se,
vestir‐se e morar.” (P.447)
“Essa primazia do lucro sobre a necessidade gera um sistema econômico acionado por um
ritmo acelerado de produção do que o mercado externo dela exigia, com base numa força de
trabalho afundada no atraso, famélica, porque nenhuma atenção se dava à produção e
reprodução das suas condições de existência.” (p.447)

“Em consequência, coexistiram sempre uma prosperidade empresarial, que às vezes


chegava a ser a maior do mundo, e uma penúria generalizada da população local.” (P. 448)
“Alcancam‐se, assim, paradoxalmente, condições ideais para a transfiguração étnica
pela desindianização forçada dos índios e pela desafricanização do negro, que,
despojados de sua identidade, se vêem condenados a inventar uma nova etnicidade
englobadora de todos eles.” (P.448)

“O núcleo luso, formado por muito poucos portugueses que aqui entraram no
primeiro século, e por mulheres mais raras ainda, que aqui vieram ter, olhando a
todos os mais desde a altura do seu preconceito de reinóis, da força das suas armas,
operacionava sua espoliação econômica, querendo impor a todos sua fôrma étnica e
sua cara civilizatória.” (P.448)

“Estava já maduro quando recebe grandes contingentes de imigrantes europeus e


japoneses, o que possibilitou ir assimilando todos eles na condição de brasileiros
genéricos.” (P. 449)

“Ao contrário do que sucede com outros países, que guardam dentro do seu corpo
contingentes claramente opostos à identificação com a macroetnia nacional, no Brasil,
apesar da multiplicidade de origens raciais e étnicas da população, não se encontram
tais contingentes esquivos e separatistas dispostos a se organizar em quistos.” (P.450)
“O que desgarra e separa os brasileiros em componentes opostos é a
estratificação de classes.” (P.450)

“Outros intérpretes de nossas características nacionais vêem os mais


variados defeitos e qualidades aos quais atribuem valor causal.” (P.451)

“Para Sérgio Buarque de Holanda seriam características nossas, herdadas dos iberos,
a sobranceria hispânica, o desleixo e a plasticidade lusitanas, bem como o espírito
aventureiro e o apreço à lealdade de uns e outros e, ainda, seu gosto maior pelo ócio
do que pelo negócio. (...) resultaria uma certa frouxidão e anarquismo, a falta de
coesão, a desordem, a indisciplina e a indolência. Mas (...) também, certo pendor para
o mandonismo, para o autoritarismo e para a tirania.” (P. 451)
“Muito pior para nós teria sido, talvez, e Sérgio o reconhece, o contrário de nossos
defeitos, tais como, o servilismo, a humildade, a rigidez, o espírito de ordem, o sentido
de dever, o gosto pela rotina, a gravidade, a sisudez.” (P.451)

OBS:. Nesta análise sobre a historicidade resultante do caráter nacional, em que


dialoga com Sérgio Buarque, Darci pontua que seria mais “nefasto” se tais
características substituíssem o caráter nacional, visto que tirariam a adaptabilidade,
flexibilidade, a originalidade dos indisciplinados etc.
“Fala‐se muito, também, da preguiça brasileira, atribuída tanto ao
índio indolente, como ao negro fujão e até às classes dominantes
viciosas. Tudo isto é duvidoso demais frente ao fato do que aqui se fez.”
(P.452)

“A questão que se põe é entender por que eles (Os norte-americanos),


tão pobres e atrasados, rezando em suas igrejas de tábua, sem destaque
em qualquer área de criatividade cultural, ascenderam plenamente à
civilização industrial, enquanto nós mergulhávamos no atraso.” (P.452)

“(…) efetivo fator causal do atraso, é o modo de ordenação da


sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre
sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. Não há,
nunca houve, aqui um povo livre, regendo seu destino na busca de sua
própria prosperidade.” (P. 452)
O CONFRONTO
“Nós, brasileiros, nesse quadro, somos um povo em ser, impedido de se‐lo. Um
povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime
ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de
nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si,
afundada na rünguendade.”(P.453)

Obs:. “rünguendade” é um neologismo. O prefixo rünguen só foi encontrado em


pesquisas do Google em língua Mapuche e significa grunir, rugir, ressoar.

“Olhando‐os, ouvindo‐os, é fácil perceber que são, de fato, uma nova


romanidade, uma romanidade tardia mas melhor, porque lavada em sangue
índio e sangue negro.” (P.453)

“Com efeito, alguns soldados romanos, acampados na península Ibérica, ali


latinizaram os povos pre‐lusitanos. O fizeram tão firmemente que seus filhos
mantiveram a latinidade e a cara, resistindo a séculos de opressão de invasores
nórdicos e sarracenos.” (P.453)
“É de assinalar que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os
brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente
e também um dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma
língua, sem dialetos. Não abrigam nenhum contingente reivindicativo de
autonomia, nem se apegam a nenhum passado. Estamos abertos é para o
futuro”.(P.454)

“Nosso destino é nos unificarmos com todos os latino‐americanos por nossa


oposição comum ao mesmo antagonista, que é a América anglo‐saxônica, para
fundarmos, tal como ocorre na comunidade européia, a Nação
Latino‐Americana sonhada por Bolívar.”(P.454)

“Precisa agora se‐lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se


fazer uma potência econômica, de progresso auto‐sustentado. Estamos nos
construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e
tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor,
porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à
convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais
bela e luminosa província da Terra.” (p.454)
“Os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como
uma só gente, pertencente a uma mesma etnia. Essa
unidade não significa porém nenhuma uniformidade. O
homem se adaptou ao meio ambiente e criou modos de
vida diferentes. A urbanização contribuiu para
uniformizar os brasileiros, sem eliminar suas diferenças.
Fala-se em todo o país uma mesma língua. Fala-se em
todo o país uma mesma língua, só diferenciada por
sotaques regionais. Mais do que uma simples etnia, o
Brasil é um povo nação, assentado num território
próprio para nele viver seu destino.”
Darcy Ribeiro
Fim .

Você também pode gostar