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Shakespeare

Conhecimentos prévios

Don Martin - Mad


Kenneth Branagh. Hamlet, 1996.

“Tupy or not tupy”. Manifesto Antropófago. Oswald


de Andrade. Revista de Antropofagia, n. 1, 1928
Do seu ponto de vista, o que significa a
peça Hamlet?
Do seu ponto de vista, o que significa a
peça Hamlet?

- vingança
- política
- loucura
- sexualidade
- meta-teatro
- filosofia
Condições da primeira recepção

Globe theatre (1599 - 1613)


- Divertimento popular e mau
visto
- Não era aceitável que os nobres
se associassem ao teatro público
(distinto do de corte)
- Os puritanos viam o teatro
como coisa do demônio
25 m de diâmetro exterior por 10
de altura
Globe Theatre, copperplate engraving.
Mary Evans Picture Library
Condições da primeira recepção
“Quem quer que visite a capela de Satã, quero dizer, o Teatro, lá
não encontrará nem a ausência de jovens debochados, nem penúria
de prostitutas inteiramente desprovidas de qualquer vergonha; eles
se apertam na primeira fila diante do estrado, para acabar expondo
seu impudor, e ser um objeto aos olhos dos homens. Sim, tal é seu
comportamento, abertamente destituído de vergonha, que cada
homem pode perceber por suas atitudes lascivas em direção
àqueles nos quais estão interessados, sim, eles parecem estar aí
como em uma casa de devassidão. Porque, freqüentemente, sem
respeito para com o lugar nem para com a companhia que os cerca,
eles cometem abertamente essas imundas obscenidades que são
horríveis de cometer até em segredo como se, o que quer que
façam, tenha justificativa.”
“Segunda Imprecação de Condenação das Peças e dos Teatros” (1580).
Apud. Harbage. Shakespeare’s Audience, 1941.
Condições da primeira recepção
- Platéia ruidosa e pouco
atenta (2.000 pessoas
distribuídas entre a platéia e
os 3 andares de galerias).
- Espaço aberto – dificuldade
de audição e compreensão.
- Hamlet é a peça mais longa
escrita por Shakespeare (4.042
linhas com 29.551 palavras,
73% delas em verso e 27% em "Old Globe in Shakespeare's day," ilustração de A.
Forestier, Illustrated London News, 1910
prosa). Mary Evans Picture Library
Condições da primeira recepção
Lojistas e estudantes, sobretudo de Direito, artesãos, aprendizes e
trabalhadores podiam, por um penny (ou seja, o preço de dois pepinos ou de
¼ de litro de cerveja) ouvir na platéia os 3 toques de trombetas anunciando
o prólogo, enquanto consumiam nozes, maçãs, ou guloseimas, regados a
cerveja, e até vinho, trazidos por algum criado de uma hospedaria vizinha.
Um outro penny dava acesso aos assentos na galeria inferior e um terceiro,
à do meio, onde se instalavam mestres-artesãos e comerciantes, pessoal da
Corte e pequena nobreza. Os grão-senhores ocupavam os camarotes de 12
pence ou assentos bem à vista no palco.
Havia batedores de carteira, mas não mais do que na Bolsa, em Saint Paul
ou em Westminster. A platéia era bastante perturbada por tumultos entre
jovens que tratavam o lugar como um país conquistado.
No entanto, 85% dos londrinos adultos parecem ter ignorado o teatro, seja
por serem puritanos, seja pela distância das salas (2 milhas do centro) seja
por que, simplesmente, não se interessavam por teatro.
[Guy Boquet. Teatro e Sociedade: Shakespeare. SP: Perspectiva, 1989.]
Condições da primeira recepção
Enredo conhecido
A fonte da história do príncipe dinamarquês está na Gesta
Danorum, obra de Saxo Gramaticus, (1150-1206), escrita em
latim, e que recebeu o título de Danish History, na edição inglesa
de 1514.
A versão que pode ter chegado às mãos de Shakespeare é a de
François Belleforest, intitulada de Histoires Tragiques, de 1576.
Shakespeare a teria adaptado, introduzindo novos personagens,
alterando nomes e ampliando cenas.
Há uma série de lendas relativas à história do príncipe
dinamarquês, muito populares na época. Acredita-se que mesmo
na época de Shakespeare, uma versão alemã da tragédia corria
encenada pela Europa.
Condições da primeira recepção
O palco era uma plataforma quadrada (14 m de largura por 9 de
profundidade) diante de uma parede com duas portas, encimado
por uma galeria de camarotes que podiam acolher atores e
músicos. Atores e espectadores ficavam muito próximos
fisicamente.
Havia pouco cenário: um trono
representava um palácio, árvores em
um vaso significavam uma floresta,
tochas acessas indicavam que era
noite. O mesmo alçapão por onde saía
o fantasma de Hamlet configurava o
Globe Theatre, reconstruído – 1995
túmulo de Ofélia.
http://www.shakespeares-
As roupas eram coloridas e os efeitos globe.org/navigation/frameset.htm -
Virtual Tour
sonoros, os mais diversos.
Condições da primeira recepção

As companhias teatrais
- Papéis distribuídos aos pedaços:
desconhecimento do conjunto do
texto.
- Atores analfabetos.
- Rapazes nos papéis femininos
(conseqüentemente pouco
numerosos).

Nathan Field entrou para a companhia Children of the Queen's


Revels e nela permaneceu até 1616, quando entrou para a King’s
Men, provavelmente para substituir Shakespeare.
Fonte: Hulton Getty
Condições da primeira recepção
As companhias teatrais

Seu caráter itinerante fez com que fossem confundidas com os vagabundos, os
quais eram passíveis de serem submetidos ao açoite e ao trabalho forçado. Para
evitar isso, as companhias profissionais de meados do XVI procuraram ser
admitidas entre os servidores de grandes senhores, que lhes asseguravam proteção
em troca de representações particulares em serões privados à noite.
Sua sorte melhorou quando o Conselho Privado considerou seu trabalho como um
comércio (1581), uma profissão (1582), um emprego (1583), com a condição de
ter uma licença para representar em um teatro e observar restrições de horário e
calendário.
As troupes eram compostas por uma dúzia de acionistas (7 ou 8 possuíam
também partes da propriedade da sala), por pensionistas muito mal pagos (6 ou 7
libras por semana – equivalente ao salário de um pedreiro), e por figurantes mais
mal pagos ainda. Contavam também com músicos e maquinistas, bem como com
um ponto e um figurinista.
Condições da primeira recepção
- Autores não gostavam de publicar seus textos. O único
contrato conhecido entre um autor e uma companhia teatral
do XVI estipulava que Richard Brome, o autor:
“não consentirá que nenhuma peça feita ou a ser feita por ele para
vossos súditos ou seus sucessores desta companhia em Salisbury
Court seja impressa com seu assentimento, conhecimento,
participação ou direção sem licença da dita companhia ou da
maioria dos sócios.”
Os estatutos do Whitefriars Theatre previam que:
“Nenhum membro da dita Companhia publicará doravante, ou fará
publicar sob qualquer forma, cadernos de peças ora em uso ou que
venham a ser por ela adquiridos, sob pena de multa de quarenta
libras.”
[Irvin Matus / Tom Bethel. Em busca de Shakespeare – quem foi o autor. SP. Paz
e Terra, 1993]
Publicação
A publicação não dava dinheiro, nem prestígio para o autor –
os nobres não assinavam seus textos, recorrendo a
pseudônimos:
“Entre a grande e a pequena nobreza, vê-se que muitos
cultivam as ciências louváveis, sobretudo a poesia, mas
sucede que não têm coragem de escrever e, se o fazem,
não gostam que se saiba de sua habilidade. Conheço
inúmeros cavalheiros notáveis na corte que produziam
boas obras, mas acabaram por suprimi-las ou tiveram de
contentar-se em vê-las editadas sem menção de seus
nomes – como se desdouro fosse para um fidalgo ser
considerado letrado.”
[Puttenham, 1589.]
Publicação

- Shakespeare era acionista do Globe e ator (fazia papéis de


pai nobre em peças de Ben Jonson e nas suas). Supõe-se que
tenha feito o Fantasma em Hamlet, por exemplo.
- As peças eram consideradas patrimônio da companhia como
um todo e, portanto, Shakespeare não poderia publicá-las, nem
extrair lucros de uma eventual publicação.
- Nenhuma das obras de Shakespeare teve publicação
autorizada durante sua vida.
Publicação de Hamlet
Primeiro Quarto: Publicado
em 1603, é a mais curta das 3
versões de Hamlet.
Possivelmente foi transcrito de
memória por atores. É
considerado por muitos como
um “Mau” Quarto (Bad
Quart). Existem 2 cópias do
Primeiro Quarto de Hamlet.

The Tragicall Historie of Hamlet, Prince of Denmark. By William


Shakespeare. As it hath beene diverse times acted by his Highnesse servanes
in the Cittie of London: as also in the two Universities of Cambridge and
Oxford, and else-where. At London printed for N.L. and John Trendell. 1603.
Publicação de Hamlet

Segundo Quarto: Publicado em


1604/5, é a mais longa das 3 versões
(aproximadamente 200 linhas a mais).
Restam 7 cópias do Segundo Quarto.

The Tragicall Historie of Hamlet, Prince of Denmark. By William Shakespeare.


Newly imprinted and enlarged to almost as much againe as it was, according to
the true and perfect Coppie. At London. Printed by I.R. for N.L. and are to be
sold at his shoppe under Saint Dunstons Church in Fleetstreet, 1604
Publicação de Hamlet

Terceiro Quarto: Publicado


em 1611 por John Smethwick,
para quem Nicholas Ling
["N.L." das 2 versões
anteriores] tinha transferido
seus direitos.
Baseia-se no segundo quarto.

The Tragedy of Hamlet Prince of Denmarke. By William Shakespeare. Newly


imprinted and enlarged to almost as much againe as it was, accordint to the true
and perfect Coppy. At London. Printed for John Smethwicke, and are to be sold
at his shoppe in Saint Dunstons Church yeard in Fleetstreet. Under the Diall.
1611.
Publicação de Hamlet
Primeiro Folio: Preparado pelos
colaboradores de Shakespeare depois
de sua morte (1616), foi publicado
em 1623. É a primeira edição de
peças reunidas de Shakespeare.
Os quartos e o folio são
significativamente diferentes.

Mr. William Shakespeares Comedies


Histories, & Tragedies. Published according
to the True Originall Copies. London.
Printed by Isaac Iagaard, and Ed. Blount,
1623.
http://shea.mit.edu/ramparts/
Autoria
William Shakespeare não deixou nenhum manuscrito de suas
peças, não se responsabilizou por nenhuma edição, não
preparou um prefácio ou advertência, e não autografou nem
dedicou nenhum exemplar das obras impressas.
O William Shakespeare, de Stratford, era de origem humilde e
teve pouquíssima instrução formal.

“Há um abismo entre a vida e a obra”, pois


em 1598, Shakespeare produzia, dirigia,
interpretava, além de vender malte e mover
processos por pequenas quantias de dinheiro.
Sequer sabemos se a gravura do frontispício
do Folio, executada por Droeshout, lembra as
feições de Shakespeare.
Autoria
As buscas pelo “verdadeiro” autor levaram a vários candidatos,
desde o século XIX, dentre os quais se destacou Edward de
Vere, conde de Oxford.
O conde de Oxford, um nobre, teria problemas para assumir a
autoria dos textos e, tendo conhecido o jovem William
Shakespeare em Londres, tornou-o seu “testa-de-ferro”. Oxford
o teria estabelecido como acionista na Companhia do
Camareiro-Mor (Chamberlain’s Men), onde ele trabalhou como
ator e diretor.
Shakespeare foi também acionista do Globe e ator, fazendo os
papéis de pai nobre em suas peças e nas de Ben Jonson – sem
que seja possível precisar em quais atuou, salvo talvez pelo
Fantasma em Hamlet.
Autoria
Há seis documentos assinados por
Shakespeare. Joseph M. English Jr., analista
de documentos do laboratório de ciências
forenses da Universidade de Georgetown,
acredita que as assinaturas são de um homem não afeito a escrever
o próprio nome, em especial a última parte dele.

Seu testamento especifica itens como uma


tigela de prata, um par de calças, um prato,
uma cama, mas não menciona livros nem
manuscritos. Àquela altura, metade de suas
peças nunca tinham sido publicadas, mas ele
Assinatura no testamento
não parece preocupado com seu destino.
(1616)
Avaliação contemporânea
As regras de composição
Até o século XVIII, as peças de Shakespeare foram acusadas de
neglicenciar as unidades de tempo, espaço e ação, de ignorar os
autores e preceitos antigos, de violar o decoro pelo recurso à
tragicomédia e às personagens sobrenaturais, assim como de
utilizar trocadilhos e versos brancos.
“O que há de assustador é que o monstro tem um partido na
França, e para cúmulo da calamidade e do horror, fui eu outrora
o primeiro a falar desse Shakespeare; fui eu o primeiro a mostrar
aos franceses algumas pérolas que encontrara em seu enorme
estrume. Não esperava que eu serviria um dia para pisotear as
coroas de Racine e de Corneille a fim de ornar a fronte de um
histrião bárbaro”.
[Voltaire. Lettre au comte d’Argental, 1776.]
A consagração

- No século anterior, as peças de Shakespeare tinham sido


pouco valorizadas. Em 1612, Sir Thomas Bodley, fundador da
Bodleian Library de Oxford, ordenou ao bibliotecário que
catalogasse os “refugos” entre os quais estavam as peças
teatrais: “algumas talvez valha a pena conservar, mas uma em
quarenta, no máximo.” Ele temia que houvesse escândalo,
“caso transpire que nós conservamos livros de somenos.”
Nenhuma das peças de Shakespeare foi conservada.
- As peças de Shakespeare começaram a ser valorizadas a
partir de meados do século XVIII, quando os padrões de
composição clássica começam a ser questionados.
A consagração
“Por essa época (1827), os atores ingleses chegaram a Paris. Eu jamais
havia lido uma só peça de teatro estrangeiro. Anunciaram Hamlet. Eu
conhecia somente o de Ducis. Fui ver o de Shakespeare. [...]
Oh! Era isto então que eu procurava, que me faltava, que devia vir a
mim; [...] Eu vi assim Romeu, Virgínio, Shylock, Guilherme Tell,
Otelo... Eu devorei o repertório estrangeiro e reconheci que no mundo
teatral tudo emanava de Shakespeare, como no mundo real tudo emana
do sol; que nem podia ser comparado a ele, porque ele era tão
dramático como Corneille, tão cômico como Molière, tão original
como Calderón, tão pensador como Goethe, tão apaixonado como
Schiller. Eu reconheci que suas obras, e só as dele, continham tantos
tipos quanto as obras de todos os outros reunidos. Eu reconheci, enfim,
que era o homem que mais tinha criado depois de Deus.”
[Alexandre Dumas. Apud: Pierre-Aimé Toucherd. Le Thetre et l’angoisse des
hommes, 1968.]
A consagração
Sigmund Freud (A Interpretação dos Sonhos, 1900), comparou Hamlet à
figura de Édipo (Sófocles). Segundo Freud, a fantasia infantil de Hamlet
ficou por tempos reprimida, só aflorando numa situação similar à da
neurose. Para Freud, Hamlet era um histérico que aparentava ter, como
demonstram suas atitudes para com Ofélia, repulsa ao sexo.
Não o vê porém como um incapaz, concentrado apenas a executar
vinganças imaginárias. A inação de Hamlet devia-se ao fato de seu tio
Cláudio ter feito o que o jovem príncipe desejava ter feito: matar o próprio
pai.
Freud salienta que, ao escrever Hamlet, Shakespeare estava sob o impacto
da morte do seu pai, John, o que explicaria a presença de um espectro
paterno no primeiro ato da peça, e lembra também que um de seus filhos
chamava-se Hamnet, concluindo que "a vida anímica do personagem não
era outra senão a do próprio Shakespeare".
[http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/hamlet3.htm]
Sites
- http://ise.uvic.ca/
- http://search.eb.com/shakespeare/ind_shakes.html
- http://educaterra.terra.com.br/voltaire/especial/home_shakespeare.htm

-http://www.folger.edu/template.cfm?cid=865

Artista desconhecido. Shakespeare signboard.


[final XVII – começo XVIII]

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