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Da Fantasia à Realidade
Esquizoparanoide
• Embora ao desenvolver a sua teoria o conceito de posição
possa ser compreendido como idêntico ao de fase / etapa do
desenvolvimento, Klein utiliza o termo posição, pois sua
compreensão é de que o conceito ultrapasse um simples
período do crescimento
Esta “camada” do nosso funcionamento mental nunca é totalmente
superada, embora venha a perder com o tempo, se os processos
psíquicos e as interações com o ambiente se dão de forma saudável, a
sua predominância (CINTRA e FIGUEIREDO, 2010, p. 102).
Posição
• Desde o início o ego é exposto à ansiedade provocada pela
polaridade inata das pulsões e ao impacto da realidade externa
realidade
E
G
O
Pulsão Pulsão
de vida de morte
fantasia
Posição Esquizoparanoide
• Sob o impacto da pulsão de morte e de uma ansiedade
intolerável o ego reage realizando uma desintegração
defensiva que envolve defletir (expulsar) parte das pulsões
para o exterior
• a relação com os objetos da realidade externa e a percepção de
que existem dois ambientes (interno e externo) auxilia o ego a
lidar com estas angústias
Posição Esquizoparanoide
• Para manter a pequena integridade o ego cinde e:
• projeta o mau (senso de medo, ansiedade, frustração)
• transforma o temor de aniquilamento (interno) em um temor de
perseguição (externo) ansiedade ganha um nome ou objeto
• parte da ansiedade da pulsão de morte é retida como fonte de
agressividade que é utilizada para se defender dos medos
persecutórios dos objetos externos (distorcidos)
• projeta o bom (satisfação, senso de prazer corporal, segurança)
• a pulsão de vida através da libido é projetada para criar um
objeto que irá satisfazer o instinto de preservação da vida
• parte da libido é retida para poder estabelecer uma relação
libidinal com o objeto (idealizado)
• Cria-se o complexo paradoxo do seio bom e do seio mau
Posição Esquizoparanoide
• O ego estabelece um relacionamento com dois objetos parciais
que são internalizados (introjetados):
Seio idealizado x Seio persecutório
• Nesta posição a relação do ego com os objetos é parcial, pois
os objetos não são percebidos de forma integrada (completa)
• em sentido anatômico e fisiológico a mãe ainda não é
percebida como figura completa, o bebê se relaciona com
partes dela: o seio
• em sentido dinâmico a angústia divide os objetos em bom e
mau, mas como os mecanismos de defesa são onipotentes e
intensos transformam-no em: persecutório e idealizado
Posição Esquizoparanoide
Seio Seio
idealizado persecutório
Seio
Projeção
Cisão
Introjeção
Objeto Objeto
bom mau
Mundo interno
Pulsão Pulsão
Self
de vida Self
de morte
bom mau
Posição Esquizoparanoide
• O mais comum, ou regular nos estágios mais primitivos é que
esta dinâmica opere frente à ansiedade sentida pelo ego
Posição Esquizoparanoide
• Se a hostilidade for grande demais ou se o bebê não
experimentar o alívio de seus ataques ao seio → a bondade do
seio idealizado é fantasiada como insatisfatória e a integração
do ego ficará prejudicada → “Spider”
• O conflito entre as pulsões de vida e de morte se dá entre:
amar x invejar / tê-lo x destruí-lo
• O contato imediato com a realidade é alterado pela fantasia
inconsciente e a realidade age sobre a fantasia
• O cuidado e a paciência da mãe contribuem para o senso de
bem-estar do bebê
• as fantasias podem ser temperadas pelo relacionamento com a
mãe (ambiente – Winnicott)
• A mãe / terapeuta tem de sustentar ou conter emoções que são
penosas demais para o bebê / paciente suportar
Posição Esquizoparanoide
• A predominância do objeto bom ou mau depende:
do relacionamento mãe-bebê
da força inata da inveja (pulsão de morte)
da capacidade de tolerar frustração
Função do Terapeuta
Formas de defesa do
ego na posição
esquizoparanoide
• Cisão → mantém uma distância suficientemente segura entre
os objetos persecutórios e os ideais
• Projeção → transforma, troca o perigo sentido internamente,
por um perigo externo
• Introjeção → busca incorporar o bom enquanto o mau é
projetado
• Negação onipotente → nega totalmente a perseguição a fim
de controlá-la.
• a superidealização do seio cria a ilusão temporária de proteção
completa dos ataques perseguidores internos
• Identificação Projetiva → partes do ego e os objetos internos
são cindidos e projetados para dentro do objeto externo, que é
então possuído e controlado pelo sujeito que se identifica com
a parte projetada
Mecanismos de Defesa
O paciente é um jovem universitário que procurou a análise durante uma
crise de depressão. Esta se manifestava por grande desânimo, ideias de
suicídio, não encontrando sentido nos valores que acreditava até então e nos
objetivos pelos quais lutara. Praticava esportes perigosos (alpinismo, karatê,
corrida de automóveis), sendo comuns os acidentes decorrentes destes.
Dificilmente reconhecia sua responsabilidade, se reconhecia era por pouco
tempo, para logo em seguida negar. Era habitual transformar suas derrotas –
onde sua autodestrutividade tinha um papel importante - em triunfos.
Uma ocasião contou-me, se vangloriando, que no fim de semana durante
uma luta, perdera um dente incisivo, gabando-se de sua iniciativa em ter ido ao
dentista sem ter avisado os pais para não preocupá-los. Acreditava que suas
capacidades intelectuais eram muito maiores que na realidade. Mas também era
habitual que as frustrações que sofria servissem de estímulo para ataques
autodestrutivos. Eram frequentes as alternâncias de estados de excessiva
valorização com estados de desvalia e descrença pessoal.
Era muito requisitado pelas jovens, mas não demonstrava interesse especial
por nenhuma. As pessoas eram vistas como meio para realizar seus desejos e
ficava muito indignado quando se sentia contrariado por elas, como se tivessem
obrigação de lhe servirem.
Caso Clínico
Em relação a mim havia ocasiões em que demonstrava excessiva
admiração - quase sempre ligada a intenções de conseguir algo de mim - e
outras uma grande indiferença. Esperava resoluções mágicas e rápidas,
reclamando por se ver frustrado nessa expectativa. Quando eu mostrava alguma
coisa real e benéfica que havíamos conseguido na análise não reconhecia isso
como resultado de nossos esforços. Numa dessas ocasiões disse com
indiferença: "Não vejo como a análise pode ter me ajudado. Se eu melhorei
nesse ponto era porque tinha que melhorar. O tempo que se encarregou de
resolver o problema”.
A sessão que vou relatar é a terceira de uma semana em que ele estava
muito deprimido pois não fora aprovado na seleção de um emprego que
almejava. Nas sessões que antecederam os exames falara bastante do emprego
e com muito entusiasmo, acreditando que a sua vitória seria certa. Nesta sessão
ele rememorava a sua reprovação, alternando queixas sofridas e arrogância. A
expressão deste sentimento era feita com irritação, dizendo-se injustiçado e
revoltado, que isso não poderia ter acontecido com ele. Também voltava contra
si, dizendo que não valia mais a pena viver, sentindo-se um incapaz, que iria
sempre fracassar na vida.
Caso Clínico
Apesar de me parecer claro seu narcisismo ferido, tinha a impressão que
interpretar nessa linha não iria ser bem recebido por ele. Eu estava preocupado
naquele momento com o grande potencial agressivo do paciente e de como me
dirigir a ele para evitar um incremento desnecessário de agressão. Por outro
lado me sensibilizava com a grande dor que ele manifestava. Com muito tato
comecei a falar algo da mágoa que ele sentia, visando mais, por intermédio da
fala, que ele pudesse sentir minha presença, meu interesse por ele, e isso
pudesse lhe trazer conforto. Mas ele me interrompeu logo de início dizendo
agressivamente em voz alta: "Pare com isso!“
Eu o atendi impactado pela agressão. Ele falou gaguejando, tentando com
dificuldade, controlar a sua agressividade: "Não fale nada. Tudo o que você
fala são como facas que me penetram. É verdade. Sinto facas entrando em
mim." O intenso clima emocional não dava lugar para as palavras. No silêncio
eu alternava entre o sentimento de permanecer afastado, conforme o desejo do
paciente, e o desejo de querer me aproximar. Via-o muito solitário, fechado em
si mesmo. Quando percebi que a nossa relação caminhava para a esterilização
tentei novamente: "Quando você se mostra sofrido, com muita dor por não
conseguir o que queria, quer minha ajuda, mas quando me percebe perto de
você acha que sou perigoso e teme que eu possa machucá-lo ainda mais. Então
se irrita, se fecha e me quer longe”.
Caso Clínico
Ele emite um som de assentimento e diz: “Lembra o meu cachorro. Outro
dia ele estava ganindo de dor com a orelha machucada, cheia de vermes. Dava
pena. Fui cuidar dele e ele tentou me morder“. Penso que está claro no
material o uso que o paciente faz do mecanismo de identificação projetiva: a
expulsão de sua agressividade e partes de seu self mau – um superego cruel e
agressivo – para dentro de mim, passando a me ver dessa forma e temendo-me.
Esse superego é decorrência do fracasso em se identificar com uma imagem
idealizada. Na medida em que eu passo a ser esse superego agressivo tenta me
controlar, tentando me calar e deixar-me distante dele.
Devido ao fracasso na identificação com um objeto idealizado (que ao ver
do paciente se daria quando conseguisse a colocação profissional) a única
alternativa que conhece é um auto arrasamento total, e no dizer dele, não mais
valendo a pena viver. Entrega-se à pulsão de morte, identificando-se com os
objetos destrutivos. Estes sentimentos destrutivos tornando-se intoleráveis são
cindidos e projetados em mim, tentando se aliviar da ameaça de
morte. Outra tentativa fracassada, porque agora passa a sentir-se ameaçado pelo
perigo que acredita que vem de mim. Há nesse movimento um caráter de
concretude física que imprime às minhas palavras, esvaziando o sentido
original delas de simpatia e ajuda. Ele as transforma em facas que lhe
penetram.
Caso Clínico
As defesas esquizoparanoides se estruturam para o self lidar com os
impulsos destrutivos pelos quais se sente ameaçado, temendo por eles ser
aniquilado. A idealização é uma das formas de se proteger desta ameaça, e
quanto mais intensos estes impulsos maior a cisão do ego para afastá-los e
atingir um estado onde se sente seguro. Penso que a identificação projetiva,
com seus processos de cisão e projeção, além de ser um meio para a
idealização está intimamente ligada em sua origem a esta defesa.
Caso Clínico