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Paulo Freire

Um pensador decolonial

Igor Robaina
Universidade Federal do Espírito
Santo

Dezembro de 2019
-Nasceu em 1921 (Recife) e faleceu em 1997 (São Paulo);
-Foi professor na PUC-SP e na UNICAMP;
-Fortemente envolvido com a Igreja Católica e a Teologia
da Libertação;
-Com o Golpe Militar foi preso por 70 dias e,
posteriormente, se exilou no Chile;
-Em 1969 foi para os EUA, mais especificamente, em
Harvard, onde ficou um ano;
-Entre 1970 e 1979 foi consultor do
Departamento de Educação do
Conselho Mundial das Igrejas (Suíça);
-Atuou em diferentes projetos de alfabetização pelo
mundo, com ênfase em países africanos, como Guiné-
Bissau.
Paulo Freire: um teórico decolonial
O autor pode ser caracterizado como um
pensador decolonial, pois ao estabelecer a
lógica que envolve opressor-oprimido coloca em
questão como a educação em seu sentido mais
amplo tem se configurado como um
instrumento de violência, injustiça e
manutenção das estruturas desiguais,
sobretudo, internamente e na escala nacional.
“Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará
preparado para entender o significado terrível
de uma sociedade opressora? Quem sentirá,
melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem,
mais que eles, para ir compreendendo a
necessidade de libertação. (FREIRE, Paulo.
Pedagogia do oprimido, p.32, 1978).
Para Paulo Freire, a educação seria uma espécie de medida para
pensar a organização da sociedade. Como estamos sendo
educados para sermos alunos? Como estamos sendo educados
para sermos professores? O que precisaria mudar? Será que se
reproduz lógicas coloniais em nossas práticas? Quais são as
permanências? Quais são as possíveis rupturas?

Os riscos da liberdade nos processos sociais, especialmente, o


educacional. (A escola como o primeiro espaço de controle);

Um primeiro esforço estaria em pensar as contradições e as


superações nas relações entre opressores-oprimidos.
Seu método é sempre partir de situações
concretas e não somente de uma ideia.

A educação como um processo domesticador.


Isso também valeria para as demais atividades
humanas nesta relação entre opressores-
oprimidos (Apple e Giroux);
Não existe inexorabilidade, ou seja, tudo é passível de transformação.
Crítica aos determinismos que servem para a cristalização das relações
de opressão.

“A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como
produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso.
Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na “invasão
da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade
opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (p.39)

Ele estabelece algo que se constituiria como uma posicionalidade, pois


cobra que os sujeitos busquem saber de si, ou seja, como processo
histórico e social. Quem somos nós? Qual a trajetória que nos trouxe
até aqui? Para onde podemos ir?
Esta configuração de opressão faria com que os
“homens” não pudessem ser mais.

Estamos diante de um movimento complexo,


pois os oprimidos precisam libertar a si
mesmos e aos seus opressores;

Ninguém se liberta sozinho, mas com o outro.


Este seja o lugar do professor nas ideias/ações
de Paulo Freire
A Dualidade como fronteira e
como escala
“Enquanto vivam a dualidade na qual ser é
parecer e parecer é parecer com o opressor, é
impossível fazê-lo. A pedagogia, que não pode
ser elaborada pelos opressores, é um dos
instrumentos para esta descoberta crítica – a
dos oprimidos por si mesmo e a dos opressores
pelos oprimidos, como manifestações da
desumanização” (p.32-33)
“Há algo, porém, a considerar nesta descoberta, que está
diretamente ligado à pedagogia libertadora. É que, quase
sempre, num primeiro momento deste
descobrimento, os oprimidos, em lugar de
buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a
ser opressores também, ou subopressores. A
estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela
contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se
“formam”. O seu ideal é, realmente, ser homens, mas, para
eles, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e
cuja superação não lhes está, clara, é ser opressores. Estes são
o seu testemunho de humanidade” (p.33)
“Sofrem uma dualidade que se instala na
“interioridade” do seu ser. Descobrem que, não
sendo livres, não chegam a ser autenticamente.
Querem ser, mas temem ser. São eles e ao mesmo
tempo são o outro introjetado neles, como
consciência opressora. Sua luta se trava entre
serem eles mesmos ou serem duplos. Entre
expulsarem ou não ao opressor de “dentro” de si.
Entre se desalienarem ou se manterem alienados.
Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre
serem espectadores ou atores. Entre atuarem ou
terem a ilusão de que atuam, na atuação dos
opressores. Entre dizerem a palavra ou não terem
voz, castrados no seu poder de criar e recriar, no
seu poder de transformar o mundo” (p.36)
“Para nós, contudo, a questão não está propriamente em
explicar às massas, mas em dialogar com elas sobre a sua
ação” (p.42);

“Quem inaugura a negação dos homens não são os que


tiveram a sua humanidade negada, mas os que a negaram,
negando também a sua” (p.45)

“Daí a afirmação anteriormente feita, de que a superação


autêntica da contradição opressores-oprimidos não está na
pura troca de lugar, na passagem de um pólo a outro. Mais
ainda: não está em que os oprimidos de hoje, em nome de
sua libertação, passem a ter novos opressores”. (p.47)
“Daí que tendam a transformar tudo o que os cerca em
objetos de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a
criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em
que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu
comando. Nesta ânsia irrefreada de posse, desenvolvem
em si a convicção de que lhes é possível transformar tudo
a seu poder de compra. Daí a sua concepção estritamente
materialista da existência. O dinheiro é a medida de todas
as coisas. E o lucro, seu objetivo principal. Por isto é que,
para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais,
à custa, inclusive, do ter menos ou do nada ter dos
oprimidos. Ser, para eles, é ter e ter como classe que
tem.” (p.49).
Não podemos esquecer que a
libertação dos oprimidos é libertação
de homens e não de “coisas”. Por isto,
se não é autolibertação – ninguém se
liberta sozinho, também não é
libertação de uns feita por outros
(p.58).
Na concepção “bancária” que estamos criticando, para a qual a educação é o ato de depositar,
de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica nem pode verificar-se esta
superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do
silêncio”, a “educação” “bancária” mantém e estimula a contradição.

Dai, então, que nela:


a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;
b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam
a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à
liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos. Se o educador é o que
sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos
segundos. Saber que deixa de ser de “experiência feito” para ser de experiência narrada ou transmitida.

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