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ARCADISMO

CONTEXTO HISTÓRICO
O Arcadismo (ou Neoclassicismo) surge em 1756 com a fundação da
Arcádia Lusitana: movimento de reação ao Barroco. O Arcadismo
procurava restabelecer o equilíbrio, a harmonia e a simplicidade da
literatura renascentista, rompida pelo período da contrarreforma
protestante.

O nome faz referência à Arcádia, região do sul da Grécia que, por


sua vez, foi nomeada em referência ao semideus Arcas (filho de
Zeus e Calisto). Denota-se, logo de início, as referências à mitologia
grega que perpassa o movimento.
O poeta árcade baseia-se nos preceitos do Iluminismo (movimento
filosófico de bases racionalistas e antirreligiosas).

 1687: Philosophiae naturalis principia mathematica (Princípios


matemáticos da filosofia natural) – Issac Newton --- o mundo
concreto segue uma ordem lógica, e que o homem é capaz de
desvendar os mistérios da natureza por meio do raciocínio.

“A natureza e suas leis jaziam na escuridão:


Deus disse: ‘Faça-se Newton!’ e tudo se iluminou” (POPE, Alexander)
Voltaire

Rousseau

Immanuel Kant
O movimento literário do século XVIII desponta em meio a momentos
marcantes da história mundial. Como o Iluminismo (movimento cultural
da elite europeia que visava ao esclarecimento – século das Luzes –,
levando ao espírito enciclopédico: difusão do conhecimento); a
Independência dos Estados Unidos (1776); a Revolução Francesa
(1789), que pregava os princípios de liberdade, igualdade e
fraternidade; a Inconfidência Mineira (1789), movimento que busca
a independência do Brasil em relação a Portugal; a Economia:
desenvolvimento industrial e comercial; o Despotismo esclarecido do
Marquês de Pombal; e a Fundação da Arcádia Lusitana (1756 –
Academia Literária de Portugal).
Despotismo esclarecido: modernização das monarquias absolutas por meio da
assimilação dos conceitos de eficiência propostos pelo Iluminismo.

Pombal: proibiu os autos de fé e voltou contra a forte influência da Companhia de Jesus,


expulsando os jesuítas do reino em 1959.

Quadro: O marquês de Pombal expulsando os jesuítas, de Louis-Michel van Loo e Claude


Joseph Vernet, 1766.
O movimento tem características reformistas, pois seu intuito era o de dar
novos ares às artes e ao ensino (criação da Enciclopédia), aos hábitos e
atitudes da época. A aristocracia em declínio viu sua riqueza esvair-se e
dar lugar a uma nova organização econômica liderada pelo pensamento
burguês.

A poesia árcade repudiava as coisas inúteis e valorizava o contato


com a natureza, símbolo de felicidade e harmonia. Seus cenários são as
paisagens campestres e bucólicas, em contraste com o avanço industrial e
a realidade social estabelecida na época.

Arcadismo, por sua vez, foram influenciados pela cultura francesa


devido aos acontecimentos movidos pela burguesia que sacudiram toda a
Europa (e o mundo Ocidental).
O BALANÇO, DE NICOLAS LANCRET
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Segundo o crítico Alfredo Bosi, em seu livro História Concisa da
Literatura Brasileira (São Paulo: editora Cultrix, 2006), houve dois
momentos do Arcadismo no Brasil:

a) poético: com o retorno à tradição clássica com a utilização dos


seus modelos e a valorização da natureza e da mitologia.

b) ideológico: influenciado pela filosofia presente no Iluminismo, que


traduz a crítica da burguesia culta aos abusos da nobreza e do clero.
a) Visão antropocêntrica;
b) Busca pelo equilíbrio;
c) Sentimento Pastoral;
d) Bucolismo;
e) Influência da cultura greco-latina;
f) Convencionalismo amoroso;
g) Influência das ideias iluministas;
h) Contraste entre o ambiente urbano e o ambiente
campestre;
i) Presença dos lemas árcades (Carpe Diem, Inutillia Truncat,
Aurea Mediocritas, etc.)
Bucolismo/Pastoralismo: a poesia árcade retrata uma natureza
tranquila e serena, procurando o “Lócus Amoenus”, um refúgio calmo
que se contrastava com os centros urbanos monárquicos. O burguês
culto buscava na natureza o oposto da aristocracia.

Pseudônimos pastoris: o fingimento poético (simulação de


sentimentos fictícios) é marcado pela utilização dos pseudônimos
pastoris. Como pastores, os poetas, em sua maioria burgueses que
vivam nos centros urbanos, realizavam o ideal da mediocridade
dourada (aurea mediocritas).

Universalismo: os árcades não compactuam com o individualismo.


Tratam dos temas de maneira geral ou universal.
Os autores árcades dialogam, em suas obras, com
questões fundamentais da época, tais como a relação
entre o homem e a riqueza (aurea mediocritas é um
conceito que discute isso, por exemplo) ou como era viver
na cidade (os preceitos fugere urbem e locus amoenus são
referentes a esse assunto).

Importante notar que os escritores árcades, prezavam pela


simplicidade da linguagem, expressas sobretudo
nos sonetos (forma fixa literária muito utilizada por eles)
de versos decassílabos (dez sílabas poéticas).
"PSIQUÊ REVIVIDA PELO BEIJO DO AMOR",
DE ANTONIO CANOVA
Carpe diem: significa aproveitar o dia, viver o momento com grande
intensidade. Foi a atitude assumida pelos poetas-pastores, que
acreditavam que o tempo não parava e, por isso, deveria ser vivido
plenamente em todos os sentidos.

Que havemos de esperar, Marília bela?


Que vão passando os florescentes dias?
As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! Não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O estrago de roubar ao corpo as forças
e ao semblante a graça. (Tomás Antônio Gonzaga, Lira XIV de Marília
de Dirceu)
TÓPICAS ÁRCADES
Locus amoenus (lugar agradável): a natureza é idealizada como um
espaço de beleza e de primavera eternas:

Num sítio ameno,


Cheio de rosas,
De brancos lírios,
Murtas viçosas,
De seus amores
Na companhia,
Dirceu passava
Alegre o dia. (Tomás Antônio Gonzaga, Lira XXIII de Marília de Dirceu).
Aurea Mediocritas: os poetas, autointitulados pastores, exaltavam a
vida simples, equilibrada, espontânea e humildade. Para ser feliz,
bastava estar em comunhão com a natureza.

para viver feliz, Marília basta


que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
Graças à minha estrela! (Tomás Antônio Gonzaga, Lira LVIII de Marília
de Dirceu)
Fugere Urbem: os árcades buscavam uma vida simples, próxima da
natureza, longe das confusões urbanas. A modernização das cidades
trazia os problemas dos conglomerados urbanos. A alternativa era
mudar-se para os prados e campos.

Deixa louvar da corte e vã grandeza:


Quando me agrada estar contigo,
Notando as perfeições da Natureza! (Manuel Maria Barbosa du
Bocage, Convite a Marília)
Inutilia Truncat/Objetivismo: as inutilidades eram cortadas. A
linguagem era depurada, sem exageros ou o rebuscamento da
poesia barroca. Os poetas árcades eram contidos em sua expressão
poética.

Alguém há de cuidar que é frase inchada


Daquela que lá se usa entre essa gente,
Que julga que diz muito, e não diz nada. (Cláudio Manuel da Costa,
Écloga III).
ARCÁDIA, 1885, POR FRIEDRICH VON KAULBACH.
PRINCIPAIS AUTORES
Manuel Maria Barbosa du BOCAGE (português) – poeta de transição
entre o Arcadismo e o Pré-Romantismo.

No Brasil, temos Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga,


Basílio da Gama, Santa Rita Durão, Silva Alvarenga.
Camões, grande Camões, quão
semelhante
Camões, grande Camões, quão
semelhante Ludíbrio, como tu, da Sorte dura

Acho teu fado ao meu, quando os Meu fim demando ao Céu, pela
cotejo! certeza

Igual causa nos fez, perdendo o Tejo, De que só terei paz na sepultura.

Arrostar co'o sacrílego gigante;


Como tu, junto ao Ganges sussurrante, Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Da penúria cruel no horror me vejo; Se te imito nos transes da Ventura,

Como tu, gostos vãos, que em vão Não te imito nos dons da Natureza.
desejo, (Bocage)

Também carpindo estou, saudoso


amante.
Lira I Dos anos inda não está cortado:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Os pastores, que habitam este monte,
Que viva de guardar alheio gado; Com tal destreza toco a sanfoninha,
De tosco trato, d’expressões grosseiro, Que inveja até me tem o próprio
Alceste:
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Ao som dela concerto a voz celeste;
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Nem canto letra, que não seja minha,
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Graças, Marília bela,
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
Graças à minha Estrela!
E mais as finas lãs, de que me visto.
[...]
Graças, Marília bela,
Marília de Dirceu, de Tomás Antônio
Graças à minha Estrela! Gonzaga

Eu vi o meu semblante numa fonte,


No poema de Tomás Antônio Gonzaga, percebemos vários dos
preceitos latinos anteriormente citados. Trata-se de um sujeito lírico
vivendo no campo (locus amoenus), cultivando uma vida simples
(aurea mediocritas), longe das dinâmicas de vida na cidade (fugere
urbem). Além disso, percebemos também a valorização do amor e a
idealização da amada, característica árcade que perduraria pelo
movimento seguinte, o romantismo.
PANTEÃO DE PARIS, FRANÇA
ARCADISMO NO BRASIL
ARCÁDIA ULTRAMARINA
Trata-se de uma sociedade literária fundada na cidade de Vila Rica
(MG), influenciada pela Arcádia italiana (fundad em 1690) e cujos
membros adotavam pseudônimos, isto é, nomes artísticos, de pastores
cantados na poesia grega ou latina. Por isso que alguns dos principais
nomes do Arcadismo brasileiro publicavam suas obras com nomes
inspirados na mitologia grega e romana.
- inspiração nos modelos clássicos greco-latinos e renascentistas, como por
exemplo, em O Uraguai (gênero épico), em Marília de Dirceu (gênero lírico)
e em Cartas Chilenas (gênero satírico);
- influência da filosofia francesa;
- mitologia pagã como elemento estético;
- o bom selvagem, expressão do filósofo Jean-Jacques Rousseau, denota a
pureza dos nativos da terra fazem menção à natureza e à busca pela vida
simples, bucólica e pastoril;
- tensão entre o burguês culto, da cidade, contra a aristocracia;
- pastoralismo: poetas simples e humildes;
- bucolismo: busca pelos valores da natureza;
- nativismo: referências à terra e ao mundo natural;
- tom confessional;
- estado de espírito de espontaneidade dos sentimentos;
- exaltação da pureza, da ingenuidade e da beleza.
MINERAÇÃO DE OURO PRETO DA MONTANHA
ITACOLOMI, DE JOHANN MORITZ RUGENDAS, 1835
Os escritores brasileiros buscavam inspiração na literatura árcade,
que já estava consolidada no cenário internacional, mas há alguns
aspectos diferentes, como por exemplo a imagem da natureza, que
era mostrada de forma muito mais selvagem.

Embora nem toda a temática do arcadismo aborde como influência o


contexto histórico, a maioria dos autores árcades eram participantes
do movimento político da Inconfidência Mineira. Dessa forma, nas
poesias, conseguimos perceber uma vertente mais política e que
anseia por um Brasil independente.
No Brasil, teve como marco inicial o livro “Obras Poéticas”,
de Cláudio Manuel da Costa, em 1768, e foi a principal tendência
estética produzida no país na época, tendo seus principais autores
presentes na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto, em Minas Gerais.

A obra dos árcades brasileiros pode ser dividida em “poemas


líricos”, “obras satíricas” e “literatura épica”. Os principais autores
árcades são Tomás Antônio Gonzaga, autor do clássico “Marília de
Dirceu” e das revolucionárias “Cartas Chilenas”; Cláudio Manuel da
Costa, poeta de grande qualidade; Basílio da Gama, que escreveu
o livro “O Uraguai”; e Santa Rita Durão, autor de “Caramuru”.
As obras épicas do neoclassicismo no Brasil foram as primeiras, em
nossa história, a construir um retrato literário de momentos
fundamentais da formação do povo brasileiro, iniciando assim um
processo de reflexão, por intermédio da literatura, de questões que
envolviam nossa identidade e características.
CASA FRANÇA-BRASIL, RIO DE JANEIRO
AUTORES E OBRAS
Tomás Antônio Gonzaga, que escreveu o livro lírico “Marília de Dirceu” (1792) e as
satíricas “Cartas Chilenas” (1863);

Cláudio Manuel da Costa, autor dos livros “Culto Métrico” (1749), “Munúsculo
Métrico” (1751), “Epicédio” (1753), “Obras Poéticas de Glauceste Satúrnio
(sonetos, epicédios, romances, éclogas, epístolas, liras)” (1768), “O Parnaso
Obsequioso e Obras Poéticas” (1768), “Vila Rica” (1773) e “Poesias Manuscritas”
(1779);

Basílio da Gama, cujas obras são “Epitalâmio às núpcias da Sra. D. Maria Amália”
(1769), “O Uraguai” (1769), “A declamação trágica” (1772), “Os Campos Elíseos”
(1776), “Relação abreviada da República e Lenitivo da saudade” (1788) e
“Quitúbia” (1791).

Santa Rita Durão, que escreveu as obras “Pro anmia studiorum instauratione oratio”
(1778) e “Caramuru” (1781).
BARROCO X ARCADISMO
Enquanto o Barroco representa um homem em conflito entre o
sagrado e o profano (é bom lembrar que nessa época, século XVII, a
Contrarreforma havia restaurado vários valores medievais no mundo),
o Arcadismo apresenta um sujeito fiel à razão, crente na ciência.
Além disso, vale dizer que linguagem do Barroco era rebuscada e
cheia de paradoxos, enquanto, no Arcadismo, comunica-se com
mais clareza e simplicidade.
“A MORTE DE SÓCRATES” - JACQUES-LOUIS
DAVID, EM 1787.
QUESTÃO
(Enem - 2008)
Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes outeiros,
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Corte, rico e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,


Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,


Que chega a ter mais preço, e mais valia
Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto,
Aqui descanse a louca fantasia,
E o que até agora se tornava em pranto
Se converta em afetos de alegria.
Cláudio Manoel da Costa. In: Domício Proença Filho. A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2002, p. 78-9.
Considerando o soneto de Cláudio Manoel da Costa e os elementos
constitutivos do Arcadismo brasileiro, assinale a opção correta acerca
da relação entre o poema e o momento histórico de sua produção.

a) Os “montes” e “outeiros”, mencionados na primeira estrofe, são


imagens relacionadas à Metrópole, ou seja, ao lugar onde o poeta se
vestiu com traje “rico e fino”.
b) A oposição entre a Colônia e a Metrópole, como núcleo do poema,
revela uma contradição vivenciada pelo poeta, dividido entre a
civilidade do mundo urbano da Metrópole e a rusticidade da terra
da Colônia.
c) O bucolismo presente nas imagens do poema é elemento estético
do Arcadismo que evidencia a preocupação do poeta árcade em
realizar uma representação literária realista da vida nacional.
d) A relação de vantagem da “choupana” sobre a “Cidade”, na
terceira estrofe, é formulação literária que reproduz a condição
histórica paradoxalmente vantajosa da Colônia sobre a Metrópole.
e) A realidade de atraso social, político e econômico do Brasil
Colônia está representada esteticamente no poema pela referência,
na última estrofe, à transformação do pranto em alegria.
“O JURAMENTO DOS HORÁCIOS” POR JACQUES-
LOUIS DAVID, 1784.

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