Você está na página 1de 25

Capítulo IV – O Escravo Negro na

vida sexual e de família do brasileiro


Notas iniciais

• “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na


alma, quando não na alma e no corpo – há muita gente
de jenipapo ou mancha mongólica pelo Brasil – a
sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do
negro.” (p. 283)

• “Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo [...], na


música, no andar, na fala, em tudo que é expressão
sincera de vida, trazemos quase todos a marca da
influência negra.” (p. 283).
Sobre a superioridade/inferioridade do negro

• Houve uma ideia, em meios ortodoxos e oficiais do


Brasil, em que o negro era superior ao indígena e até ao
português em vários aspectos de cultura material e
moral. Superior em capacidade técnica e artística.

• Mas a Revista do Instituto Histórico e Geográfico


Brasileiro, à época, questionou a rudimentar
organização política dos “filhos da terra adusta de Cam”,
que não poderiam ser colocados em um grau acima dos
“autóctones do Brasil”.
Sobre a superioridade/inferioridade do negro

• Além da maior superioridade técnica e de cultura dos


negros, tinha mais predisposição biológica e psíquica
para a vida dos trópicos.

• Considerava-se que o indígena na América era


introvertido, enquanto o negro, mais extrovertido. Onde
pode constatar-se o comportamento de populações
negras como a baiana – alegre, expansiva, sociável – e
outras mais influenciadas por sangue indígena
(piauiense, paraibana ou pernambucana) – tem-se a
impressão de serem mais caladas, tristonhas.
Sobre a superioridade/inferioridade do negro

• Essa disposição psíquica de maior adaptação biológica


ao clima quente, explicam em parte o motivo do negro
na América Portuguesa ter sido o maior colaborador do
branco na obra de colonização agrária, e ter
desempenhado mais que os indígenas a “missão
civilizadora europeizante”.

• Tem-se ressalvas com relação a essa extroversão dos


negros, pois não lhe atribui influência absoluta. E o
critério histórico-cultural demonstra que houve antes
uma incapacidade técnica e social, do que psíquica e
biológica. Além disso, a cultura, a dieta ou o regime
alimentar dos negros também contribuíram.
Sobre a superioridade/inferioridade do negro

• Parte dessa superioridade de eficiência econômica e


eugênica, era que o negro tinha um regime alimentar
mais equilibrado e rico, uma agricultura regular e criação
de gado, diferente dos indígenas, que eram nômades.

• Uma vez no Brasil, em um certo sentido, além de serem


considerados os verdadeiros donos da terra, dominaram
a cozinha. Nossa culinária se enriqueceu e refinou com
a contribuição africana.

• Acreditava-se que o negro, por suas características


somáticas, era a raça mais próxima da forma ancestral
do homem, cuja a anatomia supôs-se que era
semelhante a do chimpanzé. No entanto, os lábios dos
macacos são finos como o da raça branca, como
pontuou Franz Boas.
Sobre a superioridade/inferioridade do negro

• Os antropólogos revelaram que os negros tinham capacidade


mental similar a de outras raças (embora não se negou que
houvesse diferenças). Mas é difícil comparar o europeu com
o negro em termos ou sob condições iguais.

• Max Schmidt destaca dois aspectos da colonização africana


que deixam entrever superioridade técnica do negro sobre o
indígena e até sobre o branco: o trabalho de metais e a
criação de gado.

• Goldenweiser salientou que era absurdo julgar o negro por


sua capacidade de trabalho e sua inteligência, através do
esforço desenvolvido por ele nas plantações da América sob
o regime da escravidão. O negro devia ser julgado pela
atividade industrial que desenvolvia no ambiente de sua
própria cultura, com interesse e entusiasmo pelo trabalho.
Sobre a origem e a influência cultural

• Os negros importados para o Brasil eram da área mais


penetrada pelo islamismo, de cultura superior não só a
dos indígenas, mas da maioria dos colonos brancos
(que tinham que se reportar ao padre-mestre). Escravos
liam o Alcorão e faziam propaganda contra a missa
católica, dizendo que era o mesmo que adorar pau.
Foram obrigados a despir a camisola de malê para
virem de tanga, nos negreiros imundos.

• Forte relação do movimento malê da Bahia, em 1835,


com uma erupção de uma cultura adiantada, oprimida
por outra, menos nobre. Relatório da polícia da província
da Bahia relatou o nível de instrução dos “revoltosos”.
Sobre a origem e a influência cultural

• Alguns historiadores do século XIX limitaram a


procedência dos escravos importados para o Brasil ao
estoque banto. Sá Oliveira, por exemplo, colocou na
estratificação social da Bahia que os negros eram quase
todos “colhidos” nas tribos mais selvagens dos cafres e
atirados aos traficantes de escravos no litoral da África.

• Mas as pesquisas em torno da imigração de escravos


negros para o Brasil tornaram-se muito difíceis, depois
que o Governo Provisório de 1889, mandou queimar os
arquivos de escravidão na Bahia, sob a circular do
Ministério da Fazenda, em 13 de maio 1891.
Sobre a origem e a influência cultural

• Mesmo sem o valioso recurso das estatísticas


aduaneiras de entrada de escravos, Nina Rodrigues
conseguiu destruir o mito da colonização africana no
Brasil ter sido exclusivamente do povo banto.

• A carta escrita por Henrique Dias aos holandeses em


1647 traz a respeito: “De quatro nações se compõem
esse regimento: Minas, Ardas, Angolas e Creoulos:
estes tão malévolos que não temem nem devem; os
Minas tão bravos que aonde não podem chegar com o
braço, chegam com o nome; os Ardas tão fogosos que
tudo querem cortar de um só golpe; e os Angolas tão
robustos que nenhum trabalho os cança.” Os Ardas ou
Ardras eram gege ou daomeanos; os Minas, nagô; os
Angola, apenas, banto.
Sobre a origem e a influência cultural

• Além da língua banto, quimbunda ou congoense, Nina


Rodrigues apontou que os negros que aqui vieram
também falavam a gege, a haúça, a nagô ou ioruba.

• Sobre as importações, o critério utilizado foi quase


exclusivamente agrícola. Para o Brasil, a importação de
africanos fez-se atendendo-se a outras necessidades e
interesses. À falta de mulheres brancas; às
necessidades de técnicos em trabalhos de metal, ao
rugirem as minas.
• Mulheres eram criteriosamente selecionadas, no caso
de Minas Gerais, e diziam que eram pessoas de
delicadeza de traços e relativa beleza.
Sobre a origem e a influência cultural

• Os escravos vindos das áreas de cultura negra mais


adiantada foram um elemento ativo, criador, e quase
que se pode acrescentar nobre na colonização do Brasil;
degradados apenas pela sua condição de escravos.

• Vieram da África “donas de casa” para seus colonos


sem mulher branca; técnicos para as minas; artífices em
ferro; negros entendidos na criação de gado e na
indústria pastoril; comerciantes de panos e sabão;
mestres, sacerdotes e tiradores de reza maometanos.
Além disso, a proximidade da Bahia e Pernambuco da
costa da África atuou o sentido de dar às relações entre
o Brasil e o continente negro um caráter todo especial
de intimidade.
Sobre a origem e a influência cultural

• As áreas de cultura de onde vinham (pgs. 309 e 310)


não tinha nenhum confronto com a dos povos indígenas
do Brasil.

• Embora não seja unicamente, a colonização africana do


Brasil foi principalmente com elementos bantos e
sudaneses. Gente de áreas agrícolas e pastoris. Bem
alimentada a leite, carne e vegetais. Os sudaneses da
área ocidental, senhores de valiosos elementos de
cultural material e moral próprios.

• Importavam tecebas ou rosários, instrumentos sagrados


como o heré ou chéchéré (chocalho de cobre que nos
xangôs ou toques alvoroça as filhas-de-santo; ervas
sagradas e para fins afrodisíacos ou de puro prazer.
Sobre a origem e a influência cultural

• Os nagôs, por exemplo, do reino de Iorubá, deram-se ao


luxo de importar, tanto quanto os maometanos, objetos
de culto religioso e de uso pessoal (Noz-de-cola, cauris,
pano e sabão-da-costa, azeite-de-dendê).

• Obs.: Até fins do século XIX deu-se o repatriamento de


haúças e nagôs libertos da Bahia para a África, que
geges libertos repatriados fundaram em Ardra uma
cidade com o nome de Porto Seguro.

• Do contrário que é falado, o primeiro volume de


documentos relativos às atividades de bruxaria no
Brasil, registra vários casos de bruxas portuguesas.
Sobre a origem e a influência cultural
• Principais áreas de cultura (estudo de Melville
Herskvotis sobre a África):
a) Hotente, caracterizada pela criação de gado, pelo uso
de bois no transporte de fardos, pela utilização de suas
peles no vestuário, pelo largo consumo de sua carne,
etc.;
b) Boximane – cultura inferior à primeira, pobre, nômade,
sem animal nenhum a serviço do homem a não ser o
cachorro, sem organização agrária ou pastoril,
semelhante nesses traços à cultura indígena, mas
superior a esta em expressão artística (pintura);
c) A área de gado da África oriental (banto), caracterizada
pela agricultura, com a indústria pastoril superimpostal;
trabalhos em ferro e madeira, poligamia, fetichismo;
Sobre a origem e a influência cultural
d) Área do Congo – (também de lingua banto, e na fronteira
ocidental falavam tibo, fanti, etc.) a economia agrícola, além da
caça e da pesca; a domesticação da cabra, do porco, da galinha
e do cachorro; mercados em que se reúnem para a venda
produtos agrícolas e de ferro, balaios, etc.; posse da terra em
comum, a escultura em madeira como expressão artística e os
artistas ocupavam lugar de honra na comunidade;

e) Horn Oriental – mistura do contato da cultura negra do Sul


com a maometana do Norte, atividade pastoril, utilização de
numerosos animais (vaca, cabra, carneiro e camelo),
organização social influenciada pelo islamismo;

f) Sudão Oriental – área mais ainda influenciada que a anterior


pela religião maometana; língua árabe; abundância de animais a
serviço do homem; atividade pastoril; grande uso de leite de
camelo; nomadismo; tendas; vestuários de panos semelhantes
aos dos berberes;
Sobre a origem e a influência cultural

g) Sudão Ocidental – outra área intercultural, a negra


propriamente dita e a maometana; região de grandes
monarquias ou reinos (Daomei, Benin, Axanti, Haúça, Bornu,
Ioruba); sociedades secretas de largo e eficiente domínio sobre
a vida política; agricultura, criação de gado e comércio; notáveis
trabalhos artísticos de pedra, ferro, terracota e tecelagem;

h) Área do deserto (berbere);

i) Área egípcia, não foi muito mencionada, pois para o nosso


contexto, não influenciou diretamente a colonização; mas
tiveram uma e outra larga influência sobre o continente africano.
Sobre a origem e a influência cultural

• O grosso das crenças e práticas da magia sexual que se


desenvolveram no Brasil foram coloridas pelo intenso
misticismo do negro; algumas trazidas da África, outras
africanas apenas na técnica, servindo-se de bichos e
ervas indígenas. Nenhuma mais característica que a
feitiçaria do sapo para apresentar a realização de
casamentos demorados.

• Como em Portugal, a feitiçaria no Brasil, depois de


dominada pelo negro, continuou a girar em torno do
motivo amoroso, de interesse de geração e de
fecundidade; a proteger a vida da mulher grávida e da
criança ameaçada por tantos males.
Sobre a origem e a influência cultural

• As canções de berço portuguesa, modificaram-se na


boca da ama negra, alterando as palavras e adaptando
às condições regionais, ligando-as às crenças dos
índios e às suas (p. 327).

• Novos medos trazidos da África, ou assimilados dos


índios pelos colonos brancos e pelos negros, juntaram-
se aos portugueses. No mato, o saci-pererê, o caipora, o
homem de pés às avessas, o boitatá. Por toda parte, a
cabra-cabriola, a mula-sem-cabeça, o tutu-marambá, o
negro do surrão, o tatu-gambeta, o xibamba, o mão-de-
cabelo.
Sobre a origem e a influência cultural

• Processo de reduplicação da sílaba tônica, atuou sobre


várias palavras dando ao nosso vocabulário infantil um
especial encanto. O “dói” dos grandes tornou-se o
“dodói” dos meninos.

• A ama negra fez muitas vezes com as palavras o


mesmo que com a comida: machucou-as, tirou-lhes as
espinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a
boca do menino branco as sílabas moles. Ex. cacá, pipi,
bumbum, tentém, nenen, tatá, papá, papato, lili, mimi,
au-au, bambanho, cocô, dindinho, bimbinha.

• Os nomes próprios foram dos que mais se amaciaram:


Antônia, ficaram Toninhas, os Manuéis, Manés, etc.
Sobre a origem e a influência cultural

• O brasileiro – pelo menos do Norte – não sente exotismo em


palavras como caçamba, canga, dengo, cafuné, lubambo,
mulambo, caçula, quitute, mandinga, muleque, camundongo,
munganga, cafajeste, quibebe, quengo, batuque, banzo,
mucambo, bangüê, mocotó, bunda, zumbi, vatapá, caruru,
banzé, jiló, mucama, quindim, catinga, mugunzá, malungo,
birimbau, tanga, cachimbo, candomblé.

• Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama era um dos que se


indignavam quando ouvia “meninas galantes” dizerem
mandá, buscá, comê, mi espere, ti faço, mi deixe, muler,
coler, le pediu, cadê ele, vigie, espie. E dissesse algum
menino em sua presença um pru mode ou um oxente. Veria o
que era beliscão de frade zangado (p. 334).
Sobre a origem e a influência cultural

• Temos no Brasil dois modos de colocar pronomes,


enquanto o português só admite um – o “modo duro e
imperativo”: diga-me, faça-me, espere-me. Sem
desprezarmos o modo português, criamos um novo,
inteiramente nosso, caracteristicamente brasileiro: me
diga, me faça, me espere. Modo bom, doce, de pedido.
[...] “Faça-me”, é o senhor falando: o pai; o patriarca;
“me dê”, é o escravo, a mulher, o filho, a mucama (pgs.
334 e 335).
Sobre a origem e a influência cultural

• As diferenças que separaram cada vez mais o


português do Brasil do português de Portugal não
resultaram todas da influência negra, também da
indígena, dos ciganos, dos espanhóis, mas nenhuma
influência foi maior que a do negro.

• Caldcleugh, que esteve no Brasil em princípios do


século XIX, deliciou-se com o português colonial. Um
português gordo, descansado. Distinguiu-se logo do da
Metrópole. A pronúncia dos brasileiros pareceu-lhe
menos nasal do que a do português [...]. P. 332
Sobre o lado afetivo e sexual

• Suposição de que as mulheres negras eram mais


fogosas que as mulheres brancas foi rechaçada.
• Suposição da mulher negra ser responsável pelo
contágio de sífilis também foi rechaçada. “O negro foi
patogênico, mas a serviço do branco; como parte
irresponsável de um sistema articulado por outros.” (p.
321)
• Os negros mais jovens eram tratados como “brinquedos”
pelos filhos dos senhores de engenho.
• Era com a mulata de estimação que as meninas se
iniciavam nos mistérios do amor. E também, que muitas
vezes eram amamentadas. Importância das Mães
Pretas.
• As sinhás-moças tinham muito ciúmes das mucamas
Notas de conclusão

• A doçura nas relações de senhores com escravos


domésticos, talvez maior no Brasil do que em qualquer outra
parte da América.

• A verdade, porém, é que nós é que fomos os sadistas; o


elemento ativo na corrupção da vida de família; e muleques e
mulatas o elemento passivo. Na realidade, nem o branco nem
o negro agiram por si, muito menos como raça, ou sob a ação
preponderante do clima, nas relações do sexo e de classe
que se desenvolveram entre senhores e escravos do Brasil.
Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico
que nos dividiu, como um deus poderoso, em senhores e
escravos. Dele se deriva toda a exagerada tendência para o
sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em
casa-grande, principalmente em engenho [...] (p. 379).

Você também pode gostar