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CURSO DE INTERVENÇÃO

SISTÉMICA E FAMILIAR

CARTAS NARRATIVAS E CONTO SISTÉMICO


ALBERTO BORGES
CARTAS NARRATIVAS (WHITE & EPSTON, 1990)

Um meio narrativo para um fim terapêutico


CARTAS NARRATIVAS - NARRATIVE MEANS TO THERAPEUTIC ENDS (
WHITE & EPSTON, 1990)

Pensamento lógico científico Pensamento narrativo

Argumento e veracidade História e verosimilhança


Lógica formal Sucessão de acontecimentos através do tempo
Descoberta empírica Perspetivas em mudança
Procura causas gerais Significado implícito mais do que explícito
Factos universais Subjetividade
Objetividade Perspetiva múltipla
Certezas estabelecidas
EXPERIÊNCIA

Constructos objetivos, classes de eventos e Particularidades da experiência pessoal


sistemas de classificação e diagnóstico Significados – pontos de união entre os
diversos aspetos da experiência, estabelece
uma relação entre a experiência presente e
passada e o futuro

OBSERVADOR

Separação entre observador e observado O observador e o observado coexistem na


narrativa que se desenvolve, em que o
observador tem o papel de autor privilegiado
na sua construção
TEMPO

Factos universais independentes do tempo Relatos existem em virtude do


e do espaço desenvolvimento dos acontecimentos
através do tempo
Passar o teste do tempo
Sentido (os relatos têm um início e um
fim)

Uma narrativa é constituída por um


enredo, que converte os eventos numa
história
LINGUAGEM

Prática Linguística no modo Indicativo Modo subjuntivo – expressa uma dúvida ou


(expressa uma certeza ou um facto), um desejo
sentido materializado, substancial
Significado Implícito, ampliar o campo das
Consistência e não contradição possibilidades e a multiplicidade
Descrições quantitativa do que qualitativas
Linguagem técnica, uso unívoco das Complexidade e subjetividade da experiência
palavras Polissemia e exploração
AGÊNCIA PESSOAL

Passivo/autómato de alto nível Protagonista,

Existem forças internas e externas que Participante no seu próprio mundo,


atual sobre a pessoa sendo estas que
determinam a sua vida Acto interpretativo, contado numa história
TERAPIA SITUADA NO MODO NARRATIVO DO PENSAMENTO

• Máxima importância das vivência da pessoa

• Favorecer a perceção de um mundo em mudança através do tempo

• Modo subjuntivo, desencadeia possibilidades, estabelece significados implícitos e


perspetivas múltiplas

• Estimula a polissemia e o uso de uma linguagem informal, poética e pitoresca na


descrição das vivências com a intenção de construir novos relatos;
TERAPIA SITUADA NO MODO NARRATIVO DO PENSAMENTO

• Convida a tomar uma postura reflexiva e a participar em cada acto interpretativo;

• Fomenta o sentido de autonomia e de re-autoria da própria vida e relações ao contar e


voltar a conter a própria história

• Reconhece que as histórias se co-produzem e tenta estabelecer condições em que o objeto


se converte em autos privilegiado
CARTAS NARRATIVAS

• Um meio narrativo para um fim terapêutico

• Com o objetivo de converter as vivências numa narrativa que tenha sentido (coerência e
realismo)

• As cartas narrativas tornam-se numa propriedade partilhada por todos os


participantes;

• Converter as narrações em cartas recolhe mais fielmente o trabalho realizado que os


outros métodos de registo;
CARTAS NARRATIVAS

• Estas cartas tornam o terapeuta responsável perante a pessoa/família e perante a


comunidade profissional, são um diálogo mais do que um monólogo profissional;

• Situam a experiência de uma pessoa/família no curso do tempo. a narrativa parece ser


a única forma de descrever o tempo vivido, nem o tempo horário ou calendário ou outra
ordenação cíclica;

• Os relatos são mais ricos e completos podem trazer significados a mais acontecimentos
da vida das pessoas

• Todas as partes participam na busca de novos significados e novos possibilidades que


põem em dúvida a descrição saturada dos problemas
FUNÇÃO

• Ligar acontecimentos, encontros, o passado com o presente e com as possibilidades


futuras;

• Para além de proporcionar uma sequência narrativa promove uma ponte entre as
sessões;

• Realçam progressos;

• Solidificam mudanças positivas;

• Sustentam os significados criados durante as sessões terapêuticas;

• Apontam outras direções possíveis

• Proporcionam suporte emocional


FUNÇÃO

• Sustentam competências e criam flexibilidade

• Reforçam a capacidade do cliente de trabalhar os problemas

• Possibilitam um espaço de distanciamento, pois perduram no tempo

• Permitem que os clientes reflitam sobre os eventos durante a terapia

• Transmitem as ideias de uma forma permanente, podendo ser consultadas

• Permitem entrar no mundo do cliente (protagonista) e proporcionar um contexto de


colaboração a criar ideias novas e originais
TIPOS DE CARTAS

• CARTAS DE CONVITE (EXEMPLO)

• CARTAS DE DESPEDIDA (EXEMPLO)

• CARTAS DE FOLLOW-UP

• CARTAS DE RECOMENDAÇÃO (EXEMPLO)

• CARTAS PARA OCASIÕES ESPECIAIS (QUANDO NÃO VÃO À TERAPIA)

• CARTAS BREVES, REFLEXÕES APÓS A SESSÃO, BUSCA DE INFORMAÇÃO,


CONVOCAM UM PÚBLICO QUE MANTENHA E ELABORA NOVAS HISTÓRIAS
DE MANEIRA INTENSA
CONTO SISTÉMICO
O CONTO SISTÉMICO

• O conto sistémico tem algumas semelhanças com o conto tradicional, segundo florence
calicis (1999):

• Fórmulas ritualizadas: “era uma vez…”

• Forma de transmissão oral

• Enfase na comunicação analógica: tom de voz, inflexões de voz, mímica…

• Estrutura do conto: ritmo particular, sequencia que implica um início, desenvolvimento e


final.

• Situa-se no mundo do imaginário, não na realidade

• Situa-se no mundo da interpretação, do intersubjetivo.


MAS HÁ DIFERENÇAS…

• O conto sistémico vai do particular ao universal, ao contrário do conto tradicional. refere-se a

uma família em concreto; é criado para essa família e não irá servir para outra, embora

utilize elementos universais no seu desenvolvimento no que diz respeito a valores, crenças,

mitos, etc.
• O conto sistémico é um comentário sobre uma relação familiar. Coloca em cena a

permanência de certos papéis e o aspeto redundante de esquemas relacionais específicos na

família e levanta indiretamente a questão do porquê.

• O conto introduz um código comum entre o terapeuta e a família e, ao fazê-lo, permanece no

espaço terapêutico, cujos participantes - terapeuta e família – podem referir-se a ele na sua

totalidade ou a elementos particulares do mesmo, noutros momentos do processo.


SÍNTESE ENTRE O RELACIONAL E O INTRAPSÍQUICO

• Para criar um conto para uma família, o terapeuta utiliza a informação que obtém dessa

mesma família, sendo o conto válido apenas para essa família e inclui não só informações

sobre características pessoais de cada um dos membros, mas também as formas de

relacionamento entre si, formas de comunicação, valores, etc.


• Para criar um conto sistémico, o terapeuta utiliza os factos que a família relata: as suas

redundâncias, os seus circuitos de interação e também as suas crenças, o que pensam sobre

si mesmos e sobre as suas relações.

• Phillipe Caillé (1990) fala sobre estes elementos como os modelos operacional e fundador:
MODELO FUNDADOR

• A família nasce com uma teoria sobre si própria, qualquer que seja a duração ou verdade

sobre essa mesma teoria. este modelo é visto como uma realidade partilhada por todos os que

fazem parte da célula familiar, é específico e não se pode exportar de uma família para outra

e contém vários níveis:


NÍVEIS DO MODELO FUNDADOR

• Nível mítico: determinado número de crenças e convicções sobre a natureza específica da

relação.

• Nível fenomenológico: repetição de certas sequencias de interação características.

• Recursividade autorreferencial entre esses dois níveis


MODELO OPERACIONAL

• Utiliza-se para resolver problemas técnicos e relacionais e não apresenta um carácter de

intimidade. exemplo: como se comportar socialmente.

• Este modelo pode exportar-se ou importar-se livremente de um sistema para outro e está em

constante avaliação, pelo que se deve provar que é ou não eficaz relativamente a outros

modelos. é composto por dois níveis:


MODELO OPERACIONAL

• Nível teórico: reúne um certo número de dados reconhecidos como verdadeiros. estas crenças

não têm limite quanto à sua validez, podem ser partilhadas por todos os que as queiram ter

em conta.

• Nível técnico: reúne as práticas e as aplicações conhecidas derivadas de determinadas

teorias. são constantemente aperfeiçoadas e desenvolvidas dentro de uma teoria

relativamente a um critério de eficácia.


MODELO OPERACIONAL: ALGUNS EXEMPLOS:

• Regras à mesa;

• Regras para sair à noite;

• Regras para receber amigos…


• O conto sistémico pretende incluir elementos destes dois modelos no momento da sua

elaboração; no entanto, o conto refere-se, fundamentalmente, ao modelo fundador, ou seja,

àquilo que é específico da família e que permite o desenvolvimento de uma identidade

familiar, por um lado e, por outro, do sentimento de pertença.


• “ (…) a informação contida no conto tem um efeito: perturbar o esquema cognitivo da

família. esta perturbação coloca o sistema num estado de criação de novas diferenças

relativamente à informação fornecida anteriormente ao terapeuta. por sua vez, estas novas

diferenças vão atuar novamente como perturbações ao equilíbrio cognitivo alcançado com o

terapeuta, que criarão novas diferenças e assim sucessivamente.”

• A partir do momento em que o processo evolutivo permite à família redefinir um modelo

fundador compatível com uma quantidade de modelos relacionais, a oposição entre a

finalidade de pertença e de inserção desaparece


SUGESTÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CONTO SISTÉMICO

• O terapeuta observa as interações da família e procura uma estrutura que ligue as


modalidades de intercâmbios observados; reúne a informação necessária sobre papéis,
relações e mitologia familiar, elaborando assim, entre duas sessões, um conto para
apresentar à família.

• Na apresentação do conto realiza-se a indução, relata-se o conto e, ao finalizá-lo, entrega-se


uma folha de papel com um lápis a cada um dos membros da família para terminarem o
conto. as crianças podem fazer um desenho em vez do conto escrito.

• No final, cada um passa a explicar o que escreveu.

• Termina com a fase dos comentários.


BIBLIOGRAFIA

GRANJA, D. O., 2008. LA TERAPIA FAMILIAR SISTÉMICA. CUENCA: UNIVERSIDAD POLITÉCNICA


SALESIANA

WHITE & EPSTON, 1990. MEDIOS NARRATIVOS PARA FINES TERAPÊUTICOS. BARCELONA:
EDICIONES PAIDÓS IBÉRICA, S.A.,

PAIVA, L. & RASERA ,E. (2012). O USO DAS CARTAS TERAPÊUTICAS NA PRÁTICA CLÍNICA.
PSICOLOGIA CLÍNICA, RIO DE JANEIRO, VOL 24, N.1, P. 193 – 207

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