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Felizmente há luar!

Luís de Sttau
Monteiro
(1926-1993)
Vida e obra de Sttau
Monteiro
Biografia

-Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu a 3 de


Abril de 1926, em Lisboa, e morreu a 23 de Julho de 1993,
na mesma cidade.

-Viveu a sua infância e adolescência em Londres, onde o seu


pai exerceu, durante as décadas de 30 e 40, as funções
de embaixador de Portugal, até ser demitido por Salazar
em 1943.

- Esses anos em Inglaterra foram decisivos para a sua formação


intelectual, devido ao contacto próximo com o panorama histórico-político vivido
na Europa e com a cultura e mentalidade inglesas.

- De regresso a Portugal, frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de


Lisboa, tendo concluído o curso em 1951.

- Exerceu advocacia apenas durante dois anos. Assim, e como forma de


sobrevivência material, dedicou-se ao jornalismo e à atividade
publicitária, o que lhe permitiu dar largas à sua atividade literária.
- Teve um importante papel na divulgação da dramaturgia estrangeira, produzida
nos anos 50/60, tanto como tradutor como encenador de peças de vários autores
(como por exemplo William Shakespeare).

- Em 1961, foi preso pela PIDE (depois de ter sido alvo de várias perseguições).

- Nesse mesmo ano (1961) publicava-se a peça de teatro Felizmente há luar!, que
a Associação Portuguesa de Escritores distinguiu com o Grande Prémio de teatro no
ano seguinte, mas que a censura do regime salazarista apreendeu de imediato.

- Revelou-se um forte opositor ao regime fascista, dando guarida a vários amigos


perseguidos pela polícia de estado.

- Entre 1962 e 1967, desiludido com Portugal, autoexilou-se em Inglaterra, onde


entrou num período de forte produção literária.

-Sttau Monteiro desenvolveu uma intensa atividade jornalística em revistas


como Almanaque e o suplemento “A Mosca”, do Diário de Lisboa que
dirigiu até 1979.

-Nos primeiros tempos da curta e ilusória “primavera marcelista”, As Mãos de


Abraão Zacut, publicada em 1968, seria a primeira peça de Sttau Monteiro a
representar-se, no Teatro Estúdio de Lisboa, em 1969.
- Em 1978, subiu à cena, no Teatro Nacional, a peça Felizmente há luar!, numa
encenação do próprio autor, que não foi recebida de forma unânime pela crítica:
uns valorizando o trabalho político do autor, outros queixando-se da fraca
encenação e outros da intenção satírica.

Principais obras publicadas

Ficção:
Um Homem Não Chora, romance,1960
Angústia para o jantar, 1961
E se For Rapariga Chama-se Custódia, novela 1966
Agarra o verão, Guida, Agarra o Verão, romance inédito que constituirá a base da
telenovela Chuva na Areia, 1982

 Teatro:
Felizmente Há Luar!,1961
Todos os Anos pela primavera,1963
O Barão, adaptação da novela de Branquinho da Fonseca para o teatro,1965
Auto da Barca do Motor Fora de borda,1966
A Guerra Santa,1967
A Estátua,1967
As Mãos de Abraão Zacut,1968
Sua Excelência,1971
Temáticas mais comuns nas suas obras

- Luís de Sttau Monteiro foi um homem que entendeu a vida como um desafio: o
de conciliar uma profissão com o prazer e a liberdade de ser e estar.

- Nunca abdicou dos seus ideais, nomeadamente a defesa da liberdade, a luta


contra a intolerância e as injustiças sociais, o que o levou a afirmar que, para ele,
“a única coisa sagrada (era) ser livre como o vento”

As temáticas presentes na
obra Felizmente há luar! são
Em toda a sua obra revela estes
exatamente a ânsia pela
três
liberdade e a luta contra a
ideais que sobretudo se
intolerância e as injustiças
exprimem
sociais. através da linguagem teatral.

Como o próprio autor diz:


“ A minha vida é uma luta pela liberdade (…) E ao lado disso o
teatro é uma literatice sem o mais pequeno interesse”
ade histórica – paralelismo do tempo da história e do tempo
- Logo no início da peça, nas didascálias laterais, Sttau Monteiro apela para a
necessidade de o leitor “entender, logo de entrada, que tudo o que se vai passar
no palco tem um significado preciso” e “que os gestos, as palavras e o cenário
são apenas elementos de uma linguagem a que tem de adaptar-se”.

- Desta forma afirma que na peça Felizmente há luar! existe um paralelismo


entre um passado histórico revisitado e a contemporaneidade portuguesa dos
anos sessenta.

Foi esta a forma que o escritor encontrou para ludibriar a censura oficial e poder
criticar a sociedade portuguesa do seu tempo.
As instituições da sociedade fascista são, assim, postas em causa pela critica da
sociedade portuguesa do Antigo Regime.
Tempo da história Tempo da escrita
(século XIX- 1817) (séc. XX - 1961)

Agitação social que levou à revolta Agitação social dos anos 60:
liberal de 1820: - conspirações internas;
- conspirações internas; - principal irrupção da guerra colonial;
- revolta contra a presença da corte no Brasil e influência do - regime ditatorial de Salazar.
exército britânico
- regime absolutista e tirânico.

- Classes fortemente hierarquizadas. - Maior desigualdade entre ricos e pobres.

Povo oprimido, explorado (pelas classes dominantes) e - Povo reprimido e explorado.


resignado.

- Proximidade entre o poder do Estado e da Igreja: Amizade entre o


- Proximidade entre o poder político e a Igreja. cardeal cerejeira e Salazar.

- Miséria, medo e analfabetismo:


- A “Miséria, o medo e a ignorância”: » Obscurantismo, mas crença na mudança
» Obscurantismo, mas “felizmente há luar”

- Luta contra a opressão do regime absolutista. - Luta contra o regime totalitário e ditatorial.

- Denúncia da opressão e miséria - Agitação social e política com militares antifascistas a protestarem.

- Perseguições dos agentes dos governantes britânicos. - Perseguições da PIDE.

- Censura à opinião - Censura à imprensa:


» Nenhum texto ou obra era publicado sem exame prévio ( lápis azul).

- Execução do general Gomes Freire, paradigma da história - Condenação em processos sem provas
O espaço - físico e social
Espaço físico
Ao longo da peça surgem referências a espaços físicos reais,
contextualizadores da ação e criadores de verosimilhança:

 Campo de Ourique
“ Em Campo d`Ourique – já lá vão mais de dez anos – quando eu era soldado
no regimento de Gomes Freire…” (na fala do Antigo Soldado)

 Cais do Sodré
“No Cais do Sodré há um café, Excelência, onde se reúnem todos os dias os
defensores do sistema das cortes…” (fala de Vicente dirigindo-se a D. Miguel)

 O Rato
“ Tenho uma missão para si. Quero que se torne conhecido para os lados do
Rato e que veja quem entra em casa do meu primo” (Fala de D. Miguel dirigindo-
se a Vicente)
“ Tenho o corpo no Rato e a alma em S. Julião da Barra (…)”

 S. Julião da Barra
“ Que estará ele fazendo a esta hora, fechado numa cela em S. Julião
da Barra?” (fala de Matilde interrogando-se acerca da detenção do
General Gomes Freire de Andrade)
 Campo de Sant`Ana
“Durante uns instantes ouve-se o latim dos padres que acompanham os presos
ao Campo de Sant`Ana e veem-se os populares, sentados, a meia-luz.”

Espaço social

A articulação entre o espaço físico e o espaço social é conseguida pela utilização


de objetos – símbolos e pela postura e comportamento de personagens que
identificam os dois grupos socias em oposição: o grupo do poder e o do povo
oprimido.

Espaço do poder Espaço do povo

Interior Exterior: rua

Presença de cadeiras figurativas do poder e riqueza. Poucos adereços: caixote, boneca esfarrapada, sacos vazios.
Presença de um criado de libré.

Triunvirato: Beresford, D. Miguel e principal Sousa Povo indistinto

Vestes imponentes do principal Sousa Povo andrajosamente vestido


Multidão de mutilados e doentes que pedem esmola.

Vaivém de delatores Presença constante de polícia vigilante, anunciada por som de


tambores

Ausência de liberdade em andar pela rua

Prisão onde encerram Gomes Freire: masmorra de condições


indignas
Os símbolos
Titulo – Felizmente há luar !

- É uma expressão que faz parte de um documento escrito por D. Miguel e enviado ao
intendente da polícia, no dia da execução do general.
-No texto de Sttau Monteiro, é uma expressão proferida por duas personagens de “
mundos “ diferentes, no final do ato II: D. Miguel, símbolo do poder , e Matilde , símbolo da
resistência .
- Tendo em conta esta dualidade, o luar é interpretado de forma diferente por cada uma das
personagens. Para D. Miguel, o luar permitirá que o clarão da fogueira seja visto por todos,
atemorizados aqueles que ousem lutar pela liberdade, sendo por isso um efeito dissuasor.
Para Matilde, o luar sublinha a intensidade do fogo, incitando à ousadia daqueles que
acreditam na mudança e na caminhada para a “ luz da liberdade”(prenúncio da revolução
liberal), constituindo-se, por isso, como um estimulo para que o povo se revolte.
-Intencionalmente, Sttau Monteiro escolhe esta expressão para título da sua obra e reforça o
seu objetivo: a esperança no restabelecimento da justiça.

Lua

- Por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando
de forma, a Lua representa dependência, periocidade.
- A luz da lua, devido aos ciclos lunares, também se associa à renovação. A luz é a força
extraordinária que permite o conhecimento e a lua poderá simbolizar a passagem
da vida para a morte e vice-versa, o que , aliás, se relaciona com a crença na
vida para além da morte.
Saia verde

- Encontra-se associada a momentos de felicidade vividos pelo casal.


- O verde da saia simboliza a esperança de que um dia se reponha a justiça.
-É sinal de um amor verdadeiro e transformador, pois Matilde, vencendo
aparentemente a dor e a revolta iniciais, comunica aos outros esperança através
desta simples peça de vestuário.

Fogueira
-Para D. Miguel Forjaz, a fogueira constituirá um ensinamento para o povo; para
Matilde, a chama da fogueira manter-se-á viva e a liberdade triunfará.
- Se no presente a fogueira se relaciona com a tristeza e a escuridão, no futuro
relacionar-se-á com a esperança e a liberdade.

Moeda de cinco réis


- Funciona como símbolo do desrespeito que os mais poderosos mantinham para
com o próximo, o que contraria os mandamentos de Deus.
As personagens
Grupos de personagens
As personagens do poder – “Três conscienciosos governadores do Reino”:

- o poder político representado por D. Miguel;


- o poder religioso na figura do principal Sousa;
- o poder militar representado por Beresford.
 
Os delatores

- Andrade Corvo e Morais Sarmento, “ dois denunciantes que honraram a classe”


-Vicente, “um provocador em vias de promoção”.
 
As personagens do antipoder

- General Gomes Freire de Andrade, a presença ausente;


- Matilde de Melo, “ a companheira de todas as horas”;
- Sousa Falcão, “o inseparável amigo”;
- Frei Diogo.
 
O Povo
- Manuel, “ o mais consciente dos populares”.
- Rita, “ a mulher do Manuel”
- Os populares, “ o pano de fundo permanente”.
Caracterização das personagens
As personagens do poder

D. Miguel

-Pequeno tirano, inseguro e prepotente, revela-se um homem contrário ao


progresso e insensível à justiça a à miséria.
- O seu discurso preconceituoso e profundamente demagógico constrói-se sobre
verdades e convicções falsas. Os argumentos do “ardor patriótico”, da
construção de “um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e
confiante, que vivia lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no
Senhor” são o eco fiel do discurso politico Salazarista.
- D. Miguel revela falsidade e hipocrisia.

Beresford

 - Personagem cínica e controversa que lidera o processo de Gomes Freire, não


como um dever nacional ou militar, mas apenas motivado por interesses
individuais: a manutenção do seu posto e da sua tença anual.
-A sua presença contribuiu para acentuar as contradições no seio do poder.
- É um homem crítico em relação a Portugal e está sempre pronto a denegrir a
sua imagem.
- Surge como uma voz que reprova a atuação de D. Miguel e do principal Sousa.
Principal Sousa
 
-Além da hipocrisia e da falta de valores éticos, esta personagem deixa
transparecer que os interesses particulares suplantam o bem comum – “Agora
me lembro de que á anos, em Campo de Ourique, Gomes Freire prejudicou muito
a meu irmão Rodrigo! “

-Simboliza, de igual modo, o arranjo entre a Igreja, enquanto instituição, e o


poder e a demissão da mesma em relação à denúncia das verdadeiras injustiças.

-As didascálias que acompanham esta personagem no ato I – “ O principal Sousa


surge no palco imponentemente vestido.” (p.36) – e no ato II – “ Surge a meio do
palco (…) Está vestido de gala e sentado na cadeira em que apareceu no 1º ato”
(p. 121) – mostram tratar-se de um homem vaidoso que aprecia a riqueza e o
luxo, o que entra em conflito com os princípios da Igreja.

- É um homem que não apresenta uma forte convicção relativamente aos


procedimentos adotados contra o general Gomes Freire : tem dúvidas e
hesitações. “Não me agrada a condenação dum inocente…”
Os delatores

 Vicente
- Elemento do povo

- Trai os seus iguais, chegando mesmo a provocá-los, apenas lhe interessando a


sua própria ascensão político-social.

- A sua atuação evidencia dois momentos distintos:


• Num primeiro momento, tenta denegrir junto do povo o prestígio do general,
assumindo-se como um provocador e agitador
“ Vocês ainda não estão fartos de generais? (…) Tu, José: Tens sete filhos
com
fome e frio e vais para casa com as mãos a abanar. Julgas que o Gomes
Freire os vai vestir? (…) E tu (…) Julgas que matas a fome com balas?
Idiotas!
(…) O que eles querem é servir-se da gente”

• Num segundo momento, assumindo o papel específico de denunciar o


general
a D. Miguel a troco da nomeação como intendente da política.

- Ele é indubitavelmente todo aquele que se vende ao poder, de forma pouco


escrupulosa.

“Eu, chefe de policia! Estou a ver a cara do povo… (…) o povo a vir bater-me à
porta:
Andrade Corvo e Morais Sarmento
- São os delatores por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos
ideais, para servir obscuros “propósitos patrióticos”.

As personagens do antipoder

Sousa Falcão
- Sousa Falcão, “o inseparável amigo”, “ o amigo de todas as horas”, é o amigo fiel
em quem se pode confiar e que está sempre pronto a exprimir a sua solidariedade
e amizade.

- No entanto, ele próprio tem consciência de que, muitas vezes, não atuou de
forma adequada com os seus ideais, faltando-lhe coragem para passar à ação. Por
isso, para ele, o general é mais do que um amigo, é alguém que ele desejaria ser.

- O processo de Gomes Freire permite a Sousa Falcão uma reflexão e


consciencialização da sua própria existência- “ Há homens que obrigam todos os
outros homens a reverem-se por dentro”( Diálogo final com Matilde)
Gomes Freire de Andrade
- Como o próprio dramaturgo afirma, “está sempre presente, embora nunca
apareça” e é a personagem central de peça.

- Gomes Freire aparece-nos, então, como um homem instruído, letrado, “um


estrangeirado”, um militar que sempre lutou em prol da honestidade e da justiça.

- O povo vê nele o seu herói, o único que será capaz de o libertar do clima de
opressão e terror em que vive, depositando nele as derradeiras esperanças de
sobrevivência e de regresso a uma sociedade justa e livre do domínio dos ingleses
e da tirania da regência.

- É o símbolo da luta pela liberdade, da defesa intransigente dos ideais e daí que a
sua presença se torne tão incómoda para os “reis do Rossio”.

- A sua morte, servirá de lição a todos aqueles que ousem afrontar o poder político
e também, de certa forma, económico, representado pela tença que Beresford
recebe.

- O martírio de Gomes Freire, a sua lição de coragem, bem como a sua


determinação em não abandonar o sonho de ver Portugal livre, constituem os
principais elementos da construção do caracter épico e trágico desta personagem.
Matilde de Melo
-“Companheira de todas as horas” de Gomes Freire é ela quem dá voz á injustiça
sofrida pelo seu homem.

- As suas falas, imbuídas de dor e revolta, constituem também uma denúncia da


falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja, identificando-se com a ideologia
progressiva dos anos 60.

- Os monólogos desta personagem revelam tratar-se de uma mulher que foge ao


paradigma das mulheres da sua época. Ex: Não estava casada com Gomes Freire,
sendo, por isso, apelidada de “a amante de Gomes Freire”.

-Quando dialoga com os representantes da Igreja, revela um profundo


conhecimento dos seus princípios e insurge-se contra a leviandade de um Igreja
que desconhece o verdadeiro significado da caridade da justiça e da igualdade
entre os homens.

- Quando dialoga com o povo mostra-se insatisfeita com a sua falta de


solidariedade e apoio.
- Matilde é uma personagem modelada, uma vez que se apresenta inicialmente
como uma mulher que apenas quer salvar o seu homem mas ao tomar consciência
da trama maquiavélica que envolve o general, acaba de assumir a luta de Gomes
Freire, revelando-se firme e corajosa.
-Acreditando num reencontro pós-morte, Matilde reafirma a crença numa outra
vida para além da vida terrena, revelando-se, assim, como uma cristã autêntica.

- No entanto, a consciência da inevitabilidade do martírio do seu homem arrasta-a


para um delírio final em que envergando a saia verde que o general lhe oferecera
em Paris, Matilde dialoga a uma só voz , com Gomes Freire vivendo momentos de
alucinação intensa e dramática. Estes momentos finais pelo seu caracter surreal,
denunciam o absurdo a que a intolerância e a violência dos homens conduzem.

Frei Diogo de Melo e Meneses

-Esta personagem é o símbolo do antipoder dentro da Igreja – “ se há santos,


Gomes Freire é um deles…”.

- Surge por oposição ao principal Sousa, representante de uma igreja que em tudo
se distância dos princípios mais autênticos da Igreja de Cristo e que, por isso,
desvirtua a interpretação dos textos sagrados.

- Frei Diogo é o representante de uma igreja autêntica.

- É ele que fortalece Matilde quando esta parece deixar de ter fé e afirma que “A
misericórdia de Deus é infinita”. Acrescentando que “Haja o que houver, não julgue
a Deus pelos homens que falam em seu nome”. Este apelo de Frei Diogo denuncia
a atuação contraditória dos homens da Igreja.
 O Povo
- Encontra-se representado pela presença de “vários populares” e não tem uma
intervenção direta no conflito dramático .

- É um grupo de infelizes , de desanimados, que ninguém respeita, que não vive, mas
apenas sobrevive, e cuja condição contraria os princípios da dignidade humana.

 Manuel e Rita
- São símbolos de um povo oprimido e esmagado, sem vitalidade.

- Têm consciência da injustiça em que vivem, sabem que são simples joguetes nas
mãos dos poderosos, mas sentem-se impotentes para alterar a situação.

- Veem em Gomes Freire uma espécie de messias e, desta forma, a sua prisão é uma
espécie de traição à esperança que o povo nele depositava.

-A fala de Manuel, no início do ato II, evidencia um tom irónico que acompanha o
desdobramento de personalidades que a personagem ensaia: o oprimido que suplica
miseravelmente uma esmola e o opressor que humilha de forma arrogante.

Reforça o panorama de injustiça social, de falta de liberdade e dignidade humana que


toda a peça claramente denuncia.
Manuel e Rita acabam também por simbolizar a desesperança, a desilusão, a
frustração de toda uma legião de miseráveis face á quase impossibilidade de
mudança da situação opressiva em que vivem.
Personagens reais da peça

Gomes Freire de Andrade D. Miguel Pereira Forjaz


(Viena,1757-1817,S. Julião da Barra) (1769 – 1827)
António de Sousa Falcão

- Foi acusado de liderar uma conspiração Matilde de Melo


em 1817 contra a monarquia de Dom João VI
Frei Diogo de Melo e
- Embora não fosse provado o seu envolvimento Marechal Beresford Meneses
foi detido, preso, condenado à morte e (1768-1854)
enforcado junto ao Forte de São Julião da Barra  Pedro Pinto de Morais
por crime de traição à Pátria. Sarmento

- Após a vitória liberal, a memória do general Andrade Corvo de


foi reabilitada, transformando – se num dos Camões
mártires da liberdade.
 D. José António de
-Sttau Monteiro encontra na figura histórica do Meneses e Sousa
general o exemplo do homem que sacrifica a vida Coutinho – Principal
em nome do valor da liberdade. Sousa
A ação da peça
Resumos dos atos
Ato I

- O ato inicia-se com uma cena coletiva.

- Do conjunto do povo, andrajosamente vestido, destacam-se Manuel, Rita, dois


populares, uma velha e Vicente. O diálogo entre as personagens incide sobre a
miséria em que vivem e a impotência de a solucionar, traduzida na interrogação de
Manuel ”Que posso eu fazer?”.

- O Som dos tambores, que se ouve ao longe , faz com que os populares comecem
a falar de Gomes Freire de Andrade - “ Um amigo do povo! Um homem às
direitas !”

- Todos parecem adorar Gomes Freire, exceto Vicente que desconstrói a imagem do
general como homem perfeito. O seu discurso é repleto de ironia , tentando
mostrar aos que o ouvem que o general não é diferente dos outros poderosos,
porque “ O que há é homens e generais”.

-Entretanto, o povo dispersa com a chegada de dois polícias que vêm


recolher informações e que se aproximam de Vicente.
- O diálogo entre as três personagens mostra-nos, progressivamente, que Vicente
orienta a sua vida em função do dinheiro e do poder – “Só acredito em duas coisas:
no dinheiro e na força”.

-Por isso, não tem pudor em afirmar que vende os seus ” irmãos”, porque eles lhe
fazem lembrar a fome e a miséria em que nasceu - “…sempre que olho para eles
me vejo a mim próprio: sujo , esfomeado, condenado à miséria por acidente de
nascimento”.

- Este “acidente” foi determinante para a revolta contra a sua condição – “A única
coisa que me distingue de um fidalgo é uma coisa que se passou há muitos anos e
de que nem sequer tive a culpa : o meu nascimento “.

-Depois, os dois polícias comunicam a Vicente que o governador do reino , D.


Miguel Pereira Forjaz , lhe quer falar para, provavelmente o incumbir de “uma
missão especial”. Vicente imagina-se já chefe de polícias e, face ao comentário do
primeiro polícia de que , tendo sido “os portadores da boa nova”, poderiam ser
recompensados, lembra a arrogância dos poderosos , mesmo quando a sua origem
é humilde. “ Ah! Ah! Ah! Os degraus da vida são logo esquecidos por quem soube a
escada… Pobre de quem lembre ao poderoso a sua origem… Do alto do poder,
tudo o que ficou para trás é vago e nebuloso. (…) Quem sobe, amigos, larga os
homens e aproxima-se de Deus! Passa a ser julgado por outras leis…”
-D. Miguel dá uma missão a Vicente: vigiar a casa de seu primo, o general Gomes
Freire de Andrade, para os lados do Rato.

-Vicente sai e os” três reis do Rossio”, D. Miguel, o principal Sousa e o Marechal
Beresford dialogam sobre o estado da nação, o perigo das novas ideias subversivas
que destruirão o país e o “reino de Deus”. Chegam, então à conclusão de que é
necessário encontrar um nome , alguém que possam acusar de ser o responsável
pelo clima de insurreição que alastra pelo país. Andrade Corvo e Morais Sarmento,
antigos companheiros do general e atuais delatores apresentam-se diante dos
governantes, dando-lhes conta dos resultados das suas investigações , em troca de
“algo mais substancial”.

-De novo sós, os três governadores dialogam sobre o castigo a aplicar a quem ousa
ser inimigo do reino, tomando forma a ironia de Beresford, que sem inibições ,
desprestigia os portugueses e assume sem pudor a sua sobranceria e o seu
interesse meramente económico – “Pretendo uma única coisa de vós: que me
pagueis - e bem!”. Pragmaticamente Beresford afirma que troca os seus serviços
( a reorganização do exército) por dinheiro. O principal Sousa confessa que a
atitude do marechal lhe desagrada, mas que precisa dele para encontrar “o chefe
da conjura”.

- Mais tarde Andrade Corvo, Morais Sarmento e Vicente indicam o nome do


opositor, era general Gomes Freire de Andrade. Agora só resta a “Morte ao traidor
Gomes Freire de Andrade”.
Ato II

- Inicia-se com uma cena coletiva.

- Manuel revela a sua impotência perante a prisão do general e constata que a


situação de miséria em que vivem é ainda mais desesperante – “E ficamos pior do
que estávamos… Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome …”.

- Os restantes populares acompanham-no no seu desalento, até uma nova


intervenção policial, que dispersa o grupo.

- Rita mostra a sua piedade relativamente a Matilde (tinha-a ouvido chorar após a
prisão do seu homem) e suplica a Manuel que não se meta “nestas coisas”.

- Matilde surge, proferindo um discurso solitário, em que relembra os momentos de


intimidade vividos com o seu general e ironiza dizendo que, se o seu filho ainda
fosse vivo, lhe ensinaria a ser cobarde e “ a cuidar mais do fato do que da
consciência e da bolsa do que da alma.”

- Sousa Falcão, “amigo inseparável de Matilde e de Gomes Freire”, surge diante de


Matilde, confessando o seu desânimo e desencanto face ao país em que vive –
“O Deus deste reino é um fidalgo responsável que trata como amigo o Pôncio
Pilatos (…) Vive num solar brasonado e dá esmolas, ao domingo, por
amor a Deus.”
- Sousa Falcão despede-se de Matilde e parte em busca de notícias do amigo,
deixando Matilde, chorosamente triste, mas com vontade de enfrentar o poder.-
“Vou enfrentá-los. É o que ele (o general) faria se aqui estivesse”.

- Diante de Beresford, que aproveita a situação para humilhar a mulher do general,


Matilde suplica-lhe a sua libertação- “Quero o meu homem! Quero o meu homem,
aqui ao meu lado!” -sem qualquer fruto.

- Matilde desesperada, aproxima-se dos populares, que, indiferentes à sua


presença, evocam Vicente, agora feito chefe da polícia.

- No entanto, Manuel e Rita, após momentos de recriminação a Matilde, de que a


oferta de uma moeda como esmola é símbolo, manifestam-lhe a sua solidariedade
moral- “Não a podemos ajudar, senhora. Deus não nos deu nozes e os homens
tiram-nos os dentes…”

- Sousa Falcão reencontra-se com Matilde e revela-lhe que ninguém pode ver o
general, já encarcerado numa masmorra sombria em S. Julião da Barra, sem direito
a julgamento. Matilde, inconformada, recorda, então, a saia verde que o general
um dia lhe oferecera em Paris e, como que recuperada do seu desgosto, decide
enfrentar uma vez mais o poder.
O seu objetivo é exigir um julgamento e, para isso dirige-se ao principal Sousa,
desmontando a mensagem evangélica, para lhe mostrar quanto o seu
comportamento é contrário aos ensinamentos de Cristo- “ Como governador, já
perdoou a Cristo o que ele foi e o que ele ensinou?”
- Sousa Falcão anuncia que a execução do general está próxima. Matilde, em
desespero, pede, uma vez mais, pela vida do general e D. Miguel Forjaz informa
que a execução se prolongará pela noite ,”mas felizmente á luar…”

- Matilde inicia ,então, um discurso de grande intensidade dramática : dirige-se a


Deus, interpelando-o e lembrando-lhe os seus ensinamentos e os resultados
práticos desses ensinamentos- “Senhor: não pretendo ensinar-te a seres Deus,
mas, quando chegar a hora da sentença não te esqueças de que estes sabiam o
que faziam!” Os populares comentam a execução do general: recusaram-lhe o
fuzilamento e vai ser queimado.

- O ato termina com Sousa Falcão e Matilde em palco: o amigo do general elogia-o;
Matilde despede-se do homem que amou -“ Dá-me um beijo- o último na terra – e
vai! Saberei que lá chegas-te quando ouvir os tambores!”, e lança palavras de
coragem e ânimo ao povo – “Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela
fogueira (…) felizmente há luar!”
Conclusão…

Escrita numa época de tirania, ditadura e opressão, com o objetivo de levar o


publico leitor a refletir sobre as circunstancias da situação politica que se vivia no
momento (1961), poder-se-á dizer que Felizmente há luar! Perdeu a sua eficácia
argumentativa?

O texto de Sttau Monteiro desenvolve uma serie de aspetos/temas que são


universais e atemporais:
- A luta por um ideal (liberdade);
- A denuncia das injustiças sociais
- A questão da religião: o ser e o parecer
- A coragem
- A lealdade
- a condenação da opressão e da delação
-a dimensão do verdadeiro patriotismo
- A amizade
- a condição feminina: a mulher com um papel ativo na sociedade
- as diversas vertentes do amor: amor à pátria
amor à liberdade
amor - paixão
Trata-se de um texto engagé – como eu – à causa do homem, à causa da vida.
Luís de Sttau Monteiro

Fim…

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