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Memorial do Convento (1982)

Linguagem, estilo e estrutura


Era como se eu lhes tivesse a contar a eles a história que
eles me tinham contado. E, como você sabe, quando falamos,
não usamos sinais de pontuação. Temos pausas [de respiração]
e até, como eu digo nos meus livros, os dois únicos sinais de
pontuação, o ponto e a vírgula, não são sinais de pontuação,
são uma pausa, uma pausa breve e uma pausa longa.

José Saramago, em entrevista ao jornal Expresso, 2004

José Saramago
É como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as
palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para
serem ouvidas. Ora, o narrador oral não precisa de pontuação,
fala como se estivesse a compor música […].

José Saramago, Cadernos de Lanzarote – Diário II (1994) 


LINGUAGEM E ESTILO
1) Transgressão das regras O narrador incorpora no seu
formais do registo discursivo discurso as falas das personagens

• Registo do discurso direto das personagens sem


«Só há um Deus, gritou, mas o vento
a mudança de linha, o travessão ou as aspas.
levou-lhe [ao Padre Bartolomeu] as palavras
da boca. Então Blimunda disse, Se não
• A fala da personagem é introduzida por vírgula
abrirmos a vela, continuaremos a subir,
seguida de maiúscula.
aonde iremos parar, talvez ao sol.»
2) Uso original da pontuação
É como narrador oral que me vejo. […] Ora, o
• O estilo saramaguiano dispensa deliberadamente narrador oral não precisa de pontuação, fala
os pontos de exclamação e de interrogação. como se estivesse a compor música.
José Saramago

O discurso ganha em fluidez e ritmo,


aproximando-se da oralidade.

E, como você sabe, quando falamos, Ah, e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a
não usamos sinais de pontuação […]. Blimunda e desatou a chorar, […]
José Saramago
3) Estrutura sintática complexa
• Frase longa, com séries de orações: orações
subordinadas e orações coordenadas (sindéticas e
assindéticas).

• Paralelismo sintático.

• Inversão da ordem sintática (anástrofes e hipérbatos).



Objetivo: glosar o tipo de discursos do período barroco.
«Agora não se vá dizer que, por
segredos de confissão divulgados,
«Parece apenas um gracioso jogo de souberam os arrábidos, […]. Agora não
palavras, um brincar com os sentidos que se vá dizer que D. Maria Ana, […].
elas têm, como nesta época se usa, […]» Agora não se vá dizer que el-rei contará
[…].»
Outras características da linguagem e do estilo
em Memorial do Convento
«Além das conversas das mulheres, são os
• Presença de comentários e asserções aforísticas. sonhos que seguram o mundo na sua órbita.»

• Utilização de provérbios e expressões populares. «[….] abundam no reino bastardos da real


semente e ainda agora a procissão vai na
praça.»
• Ironia e sarcasmo, utilizados na crítica e na
denúncia. «[…] os reis são assim, têm uma
honra maior que a dos outros homens,
nota-se logo pela coroa».
• Cruzamento de diferentes registos: léxico erudito
e arcaizante, discurso popular, alternância entre
O narrador pretende
registo formal e informal. dizer o contrário:
a honra não advém do
nascimento.
ESTRUTURA DE MEMORIAL DO CONVENTO

POLIFONIA
LINEARIDADE INTERTEXTUALIDADE
Termo aplicado a relatos que
«[…] são redutíveis a uma não RELAÇÃO ENTRE TEXTOS /
linha única de TEXTOS EM DIÁLOGO
O romance segue
Existe um narrador desenvolvimento, integrando 
uma narrativa linear –
heterodiegético mas […] num todo complexo vários TEXTOS CONVOCADOS EM
a ordem cronológica componentes dotados de
várias vozes assumem MEMORIAL DO CONVENTO
dos acontecimentos é relativa autonomia.»
o discurso e relatam os 
respeitada (Dicionário de Narratologia)
acontecimentos Bíblia, Mensagem, Os Lusíadas,

+ Sermões do Padre António Vieira…
interrompida por • Citação
presença de outros
analepses e prolepses • Epígrafe
discursos literários
(«narrado anacrónico») • Referência «Da sua gaiola de madeira pregou o
• Paráfrase celebrante ao mar de gente, se fosse o
• Paródia mar de peixes, que formoso sermão se
teria podido repetir aqui […]»

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