LÍQUIDA
INTRODUÇÃO: O DESAFIO DE FALAR COM
BAUMAN
Bauman foi um sociólogo diferente: levou
seus trabalhos para as mesas de bar, as
conversas de restaurantes, enfim, para o
cotidiano. Seu público vai desde
acadêmicos até pessoas sem nenhuma
familiaridade com a universidades ou
programas de pós-graduação.
Sua sociologia busca interpretar a
contemporaneidade, denominada pelo autor como a
fase líquida da modernidade, em contraposição à
modernidade sólida, primeira fase do capitalismo,
na época, ainda pesado.
No entanto, a amplitude que suas obras alcançaram
não andou lado a lado aos livros introdutórios.
Mesmo sendo um autor reconhecido, é muito
comum ouvir sobre sua teoria a partir de entrevistas,
mas não propriamente de seus livros.
RELAÇÕES LÍQUIDAS: ALEVEZA DE SER
(PREFÁCIO)
Em Bauman, a metáfora que traduz a
modernidade e suas relações líquidas é a da
fluidez. Em comparação com os sólidos, os
líquidos e gases são flexíveis, leves; a fluidez é
sua característica particular, é o que lhes
distingue do corpo bruto, da solidez: sempre
que atingidos por uma força tangencial sofrem
uma constante mudança de forma.
Os fluidos, portanto, não mantém sua forma com
facilidade e, de certa forma não fixam o espaço nem
prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm
dimensões espaciais claras, mas neutralizam o
impacto e, portanto, diminuem a significação do
tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o
tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a
qualquer forma e estão constantemente prontos (e
propensos) a mudá-la. (Modernidade líquida. 2001,
p. 8.
Em relação ao tempo, os sólidos são
praticamente indiferentes. Não é
necessário dar atenção à passagem do
tempo para explicar um sólido, mas para
descrever um líquido o tempo passa a ser
ingrediente essencial, já que sua forma é
móvel e cada arranjo espacial tem a
duração de um momento.
É neste sentido que a leveza do
líquido é associada com a velocidade:
vencer o espaço ao longo do tempo é
uma característica óbvia da liquidez,
da inconstância em relação ao mundo
físico.
Tempo disperso, espaço irrelevante, velocidade:
essas são características que Zygmunt Bauman
coloca como marcas da história da modernidade
e a metáfora da fluidez é perfeita para seus
objetivos. O sociólogo sabe que tais
considerações soam estranhas para aqueles que
já estão acostumados com a narrativa utilizada
normalmente para descrever a história moderna.
No entanto, não seria a
modernidade fluida desde seu
início? Não foi seu objetivo
“derreter os sólidos” e colocar à
prova da realidade toda e qualquer
tradição e crença?
Se o “espírito” era “moderno”, ele o era na
medida em que estava determinado que a
realidade deveria ser emancipada da “mão
morta” de sua própria história – e isso só
poderia ser feito derretendo os sólidos (isto é,
por definição, dissolvendo o que quer que
persistisse no tempo e fosse infenso à sua
passagem ou imune a seu fluxo).Modernidade
líquida… p. 9)
Toda e qualquer armadura de proteção
colocada no passado deveria ser destruída
e o sagrado, profanado. Mas não nos
enganemos, pois os sólidos destruídos pela
modernidade seriam substituídos por
outros: o plano era trocar os defeituosos
por um conjunto aperfeiçoado e talvez
perfeito, para nunca mais ser trocado.
Os primeiros sólidos a se derreter, diz Bauman, eram “as
lealdades tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações
que atavam pés e mãos, impediam os movimentos e restringiam
as iniciativas”3. Era necessário desassociar a empresa de
negócios das obrigações familiares ou dos deveres éticos que as
associações profissionais desempenhavam, para assim, dar livre
fluxo ao cálculo racional dos efeitos, segundo Weber. Sem a
ética e as obrigações para com o lar e o núcleo familiar, a
empresa ficava somente com o “nexo dinheiro”, nas palavras de
Thomas Carlyle, e as relações sociais perdiam sua gama plural
de referências para caírem às regras e critérios racionais e
inspirados em negócios. (BAUMAN, Zygmunt. p. 10)
Esse desvio fatal deixou o campo aberto para a
invasão e dominação (como dizia Weber) da
racionalidade instrumental, ou (na formulação de
Karl Marx) para o papel determinante da economia:
agora a “base” da vida social outorgava a todos os
outros domínios o estatuto de “superestrutura” – isto
é, um artefato da “base”, cuja única função era
auxiliar sua operação suave e contínua. (BAUMAN,
Zygmunt. p. 11)
A contínua libertação da economia em relação aos
laços com a esfera política, ética ou cultural deu
base para uma nova ordem social que se constitui
principalmente por termos econômicos. Esta ordem
é reproduzida incessantemente, de maneira que a
capacidade reflexiva de se pensar suas normas
acaba sendo suprimida e sua rigidez se torna o
“artefato e o sedimento da liberdade dos agentes
humanos”5. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
líquida… p. 11.
Ironicamente, a rigidez da ordem é resultado da
flexibilização, privatização, liberalização crescentes
e descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e
do trabalho. Além disso, há o aspecto das relações
líquidas entre sujeitos: as técnicas de “velocidade,
fuga, passividade” são maneiras que permitem o
desengajamento constante entre os agentes e o
sistema, já que em vez de se encontrarem e se
organizarem, eles são inseridos em posições que
exigem o desenlace.
Como o poder já não é exercido a partir de centros de
controle fixos, já não é possível imaginar uma mudança
social radical, já que não se sabe ao certo onde se
encontra a maquinaria central. Revolucionar a sociedade
deixou de ser uma tarefa da agenda política hegemônica.
Bauman afirma que o traço permanecente da
modernidade de derretimento dos sólidos foi estendido
até as forças que poderiam colocar o sistema em pauta na
agenda política, ou seja, o que está sendo derretido agora
são as ligações entre os projetos individuais de vida e as
ações coletivas.
A modernidade como um todo está tendo sua
força de derretimento realocada e distribuída,
de maneira que a família, por exemplo, se
tornou uma categoria zumbi, sem relevância,
sem estabilidade, sem referência na vida dos
familiares. Todos os padrões de relacionamento
que pressupõe dependência foram colocados na
malha do derretimento: aos poucos, vão sendo
esfacelados pelo martelo moderno.
O resultado da falta de referências é a
impossibilidade de se guiar
seguramente ao longo da vida: sem
pontos de orientação seguros, passa a
ser tarefa individual encontrar um
caminho para seguir e arcar com a
possibilidade do fracasso.
É claro que isso não significa que a
liquefação das relações leva a
liberdade para os agentes sociais,
como se fossem capazes de construir
suas vidas a partir do zero e sem
interferência externa durante a
trajetória da vida.
As pessoas ainda são dependentes da sociedade
para obter comida e materiais de construção,
por exemplo, mas o que mudou foi a
experiência do agente dentro da sociedade, já
que ele deixou de ter grupos de referência e
passou a viver numa esfera de comparação
universal, em que a responsabilidade de
autoconstrução, de criação de si, está sempre
subdeterminada e tem como único fim real a
morte do indivíduo.
Como não há mais padrões e ordens
dadas, somos os únicos responsáveis por
traçar todo caminho e decidir todos as
ações que iremos fazer durante a vida.
Vive-se a modernidade privatizada e
individualizada. Por sua vez, a
modernidade começa com a separação (na
experiência cotidiana) do tempo e do
espaço.
Diferente das épocas pré-modernas, em
que ambos eram entrelaçados por redes
densas na experiência vivida, a
modernidade traz a teorização
mutuamente independente de cada um,
deixando com o tempo a história, ou seja,
sua capacidade de carregar experiências e
permanecer em expansão, em eterna
conquista.
O tempo adquire história uma vez que a
velocidade do movimento através do
espaço (diferentemente do espaço
eminentemente inflexível, que não pode
ser esticado e que não encolhe) se torna
uma questão do engenho, da imaginação e
da capacidade humanas. BAUMAN,
Zygmunt. p. 16.
Ao mesmo tempo, a velocidade só
pode ser pensada através da
variação prática do espaço no
tempo, portanto, do deslocamento
possível através de tecnologias que
estão além da perna humana ou
equina.
O tempo, assim, deixou de se manter em uma
relação dialética com o espaço, de ser o polo de
ataque, de movimento, de conquista, enquanto o
espaço era o polo de defesa, da guerra de trincheiras
e de fixidez. A mais nova arma na conquista do
espaço passou a ser o tempo e a velocidade de
movimento, acesso a meios mais rápidos de
mobilidade e comunicação, passaram a ser
ferramentas de exercício do poder e da dominação.
Armas essas que entram em confronto com a
visão paradigmática do exercício do poder
proposta por Michel Foucault em Vigiar e
Punir. O projeto do Panóptico, concebido por
Jeremy Bentham, era sua metáfora do poder na
modernidade. Ali, os detentos eram presos em
celas totalmente vigiadas, isolados um dos
outros e colocados sob um controle que não se
mostrava a eles.
Os vigias, no projeto de Bentham, não precisavam
de fato estar em seus postos para que o olhar da
vigilância estivesse presente: este olhar era inscrito
no indivíduo isolado. A oposição entre os vigias e os
detentos era a oposição entre movimentação e
fixidez, entre tempo e espaço, pois os vigias podiam
se locomover livremente pelas instalações do
Panóptico enquanto cada preso era destinado às
rotinas impostas e aos espaços fixados pela
arquitetura do projeto.
O Panóptico era um modelo de
engajamento e confrontação mútuos entre
os dois lados da relação de poder. As
estratégias dos administradores, mantendo
sua própria volatilidade e rotinizando o
fluxo do tempo de seus subordinados, se
tornavam uma só. Mas havia tensão entre
as duas tarefas.
A segunda tarefa punha limites à primeira
– prendia os “rotinizadores” ao lugar
dentro do qual os objetos da rotinização
do tempo estavam confinados. Os
rotinizadores não eram verdadeira e
inteiramente livres para se mover: a opção
“ausente” estava fora de questão em
termos práticos. (Pág.17)
Ou seja, a presença física de algum guarda ainda era
necessária para o controle do movimento dos
subordinados. Além disso, o Panóptico é caro, precisa de
grandes espaços e de manutenção, também precisa de
reparo de equipamento internos de vigilância,
profissionais para se contratar e remunerar, custos com o
básico para manter os internos produtivos, pior: é
necessário garantir um bem-estar no local, uma harmonia
– é necessário se responsabilizar pela vida de quem é
internado. Essa responsabilidade fixa sujeitos, “ela requer
presença, e engajamento, pelo menos como uma
confrontação e um cabo-de-guerra permanentes”(p. 17).
Já na dita pós-modernidade, afirma
Bauman, o poder não precisa mais se fixar
em um local geográfico específico, pois
pode ser exercido à distância, com a
velocidade de um sinal eletrônico. A
movimentação que o poder exige pode ser
feita instantaneamente e ele se torna, por
sua vez, extraterritorial.
O espaço deixa de ser uma resistência e o
Panóptico perde parte de suas consequências
irritantes (a presença, a necessidade do
engajamento, os custos de vida), já a
modernidade no estágio presente, diz o autor, já
pode ser definida como pós-Panóptica: é
possível (e melhor) que a ordem seja cumprida
fora do alcance de sua visibilidade, de forma
que os operadores do poder possam se inclinar
para a pura inacessibilidade.
Bauman fornece como exemplos as guerras do Golfo e da
Iugoslávia, onde havia relutância em utilizar tropas
terrestres não só pelo trauma do recolhimento dos corpos
que as guerras passadas já haviam instalado nos sujeitos,
mas também porque não fazia mais sentido: era caro,
contra produtivo, não atendia aos objetivos de guerra, que
já não eram expulsar o inimigo de seu território, seja pela
fuga ou pela morte, mas sim atacar estrategicamente
pontos específicos que acabariam com qualquer iniciativa
inimiga no campo de batalha.
A força militar e seu plano de guerra de “atingir e
correr” prefigura, incorpora e pressagia o que de
fato está em jogo no novo tipo de guerra na era da
modernidade líquida: não a conquista de novo
território, mas a destruição das muralhas que
impediam o fluxo dos novos e fluidos poderes
globais; expulsar da cabeça do inimigo o desejo de
formular sua própria regras, abrindo assim o até
então inacessível defendido e protegido espaço para
a operação dos outros ramos, não-militares, do
poder. (p. 19)
E o sociólogo termina
parafraseando Clausewitz, pois
a guerra se torna uma
“promoção do livre comércio
por outros meios”.
Por sua vez, com a formação do Estado
moderno e a inserção de suas fronteiras
rígidas que coincidiriam com as fronteiras
da nação, os povos nômades, como
ciganos, foram alocados para os objetivos
da força de construção da ordem como
inimigos. Qual a relação disso com a nova
estratégia de guerra e com o pós-
Panoptismo?
Com o derretimento das fronteiras de mercado entre
os países, o nômade da modernidade líquida passa a
ser o dominante, não mais o perseguido. No entanto,
é necessário ter cuidado aqui, Bauman diz que o
dominante é a elite nômade e extraterritorial,
capitalistas que podem frequentar qualquer lugar do
mundo e, sem local fixo, manter seu controle sobre
o capital. A referência física “do” capitalista se
perde num fluxo de capital incessante e não há mais
como apontar o dedo para um sujeito.
Os nômades pré-modernos, considerados
sujos, subdesenvolvidos, sem cultura,
atrasados, agora são as populações pobres
que não podem se mover, que não têm
dinheiro para utilizar da velocidade como
arma de conquista do espaço ao longo do
tempo.
Não mais orgulhoso de seu trabalho, o novo
grupo nômade não se interessa pela obra, pela
construção do império. Como não são mais a
causa última ou referência nos movimentos que
o mercado tem, não há mais nenhum remorso
em descartar um negócio que não está indo bem
ou, como as leis trabalhistas são, de pouco em
pouco, eliminadas pela realização do livre fluxo
do capital, demitir centenas de pessoas.
O durável, fixo, eterno, que sempre foi o
desejo dos poderosos, é invertido. Os
novos poderosos querem algo descartável,
que possa ser expurgado sem grandes
problemas e que não os responsabilizem
pelo despejo. A distopia da instituição de
relações líquidas é a miséria em forma de
liberdade.
EMANCIPAÇÃO
A emancipação é um dever: ela se torna necessária,
se “libertar da sociedade” – o que significa se
afastar de qualquer totalitarismo, na crítica de
Herbert Marcuse. O problema, observa o teórico da
Escola de Frankfurt, é que não há uma base de
massas para levar esta tarefa até seu fim, pois as
pessoas estão satisfeitas com a sociedade capitalista
na medida em que ela “cumpre o que prometeu” –
isso, claro, se refere às populações da Europa e
Estados Unidos.
Bauman esclarece que o “libertar-se” é “literalmente
libertar-se de algum tipo de grilhão que obstrui ou
impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se
mover ou agir”[1]. Mover-se e agir com liberdade é,
portanto, não observar obstáculos ou resistências: como
Arthur Schopenhuer identificou, a realidade é feita
através das resistências que a vontade (o ato de querer)
recebe, pois é a falta de coordenação do mundo, sua total
indiferença em relação a minha vontade, que me faz
percebê-lo como outro, como “real” e, assim,
desobediente, delimitador.
Poucas pessoas desejavam ser
libertadas, um número menor ainda
estava disposto a agir para se libertar
e ninguém tinha certeza se o estado de
coisas do mundo libertado seria
realmente melhor que o estado em que
se encontravam.
Se o mundo existe na medida em que meu querer é
delimitado, então a função do mundo é frustrar meu
querer num limite em que ele se torne compatível
com a realidade. Daí vem o equilíbrio: adequar o
querer à realidade ou aumentar a própria
possibilidade de ação sobre o mundo, com fins em
atingir os objetos e objetivos da vontade. Depois
que este equilibro atinge estabilidade, não há mais
motivação ao indivíduo para se libertar, pois não há
nada prático que peça essa libertação.
Aqui, Bauman estabelece a divisão entre a liberdade subjetiva e
objetiva (assim como entre necessidade de libertação subjetiva e
objetiva). A liberdade subjetiva envolve a ação do agente na
realidade, pois é percebida em relação ao “princípio de
realidade”, caso as possibilidades práticas de ação estejam
dentro das possibilidade deste princípio, tem-se um
sujeito que se sente livre, mas essa liberdade não é
objetivamente comprovada, já que sua liberdade objetiva
depende sempre das possibilidade práticas reais e das
limitações impostas externamente (através das relações
sociais) e internamente (através das próprias aspirações
de cada agente).
É possível que, através de constante
manipulação dos desejos e intenções,
os sujeitos nunca experimentem de
fato os limites objetivos de suas
possibilidades de ação, o que coloca
suas intenções e seus desejos abaixo
dos limites da liberdade objetiva, por
exemplo.
A distinção entre liberdade “subjetiva” e “objetiva” abriu uma genuína
caixa de Pandora de questões embaraçosas como “fenômeno versus
essência” – de significação filosófica variada, mas no todo
considerável, e de importância política potencialmente enorme. Uma
dessas questões é a possibilidade de que o que se sente como liberdade
não seja de fato liberdade; que as pessoas poderem estar satisfeitas
com o que lhes cabe mesmo que o que lhes cabe esteja
longe de ser “objetivamente” satisfatório; que, vivendo
na escravidão, se sintam livres e, portanto, não
experimentem a necessidade de se libertar, e assim
percam a chance de se tornar genuinamente livres.(P. 23)
Ainda havia outra ameaça: as
pessoas poderiam simplesmente
não querer a liberdade, rejeitar
a perspectiva de libertação
devido aos exercícios que ela
prevê.
Sendo assim, Zygmunt Bauman ainda
insere uma pergunta: a libertação é uma
bênção ou uma maldição? Como
responder esta pergunta, se a liberdade e a
libertação eram pautas no topo da agenda
política na maior parte da era moderna?
Os pensadores se pegaram diante de uma
situação clara: muitas vezes as pessoas não
queriam a liberdade pautada pela modernidade,
assim, houve dois tipos de resposta para a
relação da liberdade com os indivíduo, 1) a
resposta aristocrata (adjetivo dado por mim),
que considera o povo indigno ou incapaz da
liberdade, e 2) a resposta sincera, pois considera
que o povo pode não estar errado em negar a
oferta de liberdade.
Enquanto a primeira resposta anula a noção
individualista – que Bauman remete ao libertário
David Conway e Charles Murray – de que quando
um adulto vive sob seus próprio recursos, com
aquilo que ele próprio produz, sua vida passa a ser
feliz, pois sua expectativa está somente sobre si; já a
segunda resposta tem contextualidade no homem
selvagem hobbesiano, pois reduz o ser humano,
quando sem coerções sociais, a um animal violento
(não a um indivíduo livre).
A segunda visão foi desenvolvida por
Durkheim, que fundou a sociologia
científica ao tratar dos fatos sociais como
conjunto de normas práticas (coercitivas,
gerais e exteriores) passiveis de punição
caso não obedecidas: estes carregariam a
verdadeira libertação humana, na
superação do estado humano pré-social ou
associal.
É a submissão às normas que liberta o ser
humano, e seu inferno passa a ser a rebeldia em
relação a elas: quando não se segue normas, o
mundo deixa de ter um sentido claro e cada
ação é permeada por agonia, a rotina se perde e
o dia a dia é puro caos, “fazendo com que cada
movimento seja impregnado de riscos difíceis
de calcular” (p.28)
A ausência de clareza nas normas, o
estado chamado por Durkheim de Anomia,
é a pior situação possível para sobreviver
o cotidiano, pois as normas têm a
vantagem de capacitar e incapacitar cada
sujeito a ela submetido, já a anomia
significa a pura incapacitação.
No entanto, é a modernidade
líquida que carrega a dissolução
das normas impostas por
instituições sociais,
O que foi separado não pode ser colado
novamente. Abandonai toda esperança de
totalidade, tanto futura como passada, vós que
entrais no mundo da modernidade fluida.
Chegou o tempo de anunciar, como fez
recentemente Alain Touraine, “o fim da
definição do ser humano como ser social,
definido por seu lugar na sociedade, que
determina seu comportamento e ações”.(p. 29)
Em seu lugar, o princípio da combinação
da “definição estratégia da ação social que
não é orientada por normas sociais” e a
“defesa, por todos os atores sociais, de sua
especificidade cultural e psicológica”
“pode ser encontrado dentro do indivíduo,
e não mais em instituições sociais ou em
princípios universais.
Ou seja, a denúncia de Marcuse já não faz mais
sentido, pois os indivíduos alcançaram toda
liberdade que poderiam alcançar e a questão da
liberdade não é mais o ponto principal: as
instituições sociais cada vez mais deixam ao
próprio indivíduo a responsabilidade por
qualquer decisão sobre si, não há mais uma luta
de libertação do indivíduo contra as normas
com tendências totalitaristas da sociedade.