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ABORDAGENS

PSICOLÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS
Profa. Ma. Raíssa Almoedo
Contextualizando (brevemente)
A segunda Onda das Terapias Comportamentais

 De forma independente, Aaron Beck desenvolveu a Terapia Cognitiva, e Albert Ellis, a Terapia
Racional Emotiva (Terapia Comportamental Racional Emotiva ). Beck e Ellis buscavam a
modificação de pensamentos negativos e ilógicos associados com diversas dificuldades
psicológicas, como a depressão e a ansiedade.
 Assim, durante a década de 1960, diversos terapeutas comportamentais passaram a falar em
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a qual incluía mudanças nas cognições mal
adaptativas que contribuíssem para os transtornos psicológicos. Mediante o reexame sobre a
relação entre cognições disfuncionais e comportamentos desadaptativos, os terapeutas
começaram a ajudar os pacientes a reavaliar padrões de pensamentos distorcidos usando
estratégias que combinavam técnicas cognitivas e técnicas comportamentais;
 *A primeira geração da Terapia comportamental foi uma reação, uma movimentação contra as
concepções clínicas predominantes na época. A maior crítica era em relação às supostas fracas
evidências científicas que demonstrassem o impacto positivo dessas intervenções. Apesar de
trabalhos experimentais sobre aprendizagem terem sido conduzidos desde o início do século XX
(1913 - behaviorismo metodológico de Watson; 1945- Skinner), a abordagem só ganhou força na
década de 1950, com Hans Eysenck (investigou a efetividade das chamadas terapias de insight,
em especial, a psicanálise).
Revolução Cognitiva

 “Uma significativa convergência de trabalhos teóricos e experimentais, bem como a


consolidação de uma nova maneira de conceber a mente estiveram no cerne da
assim denominada revolução cognitiva ocorrida no final da década de cinquenta e
início dos anos sessenta.”
(Vasconcellos, 2007)
(TCC ou Terapia comportamental?)

 A Terapia Comportamental é frequentemente chamada na literatura como Terapia


de Modificação do comportamento e Terapia Cognitivo-comportamental. Muitos
terapeutas distinguem os termos mas não há uma padronização.
 Outros autores vão considerar o Termo Terapia Comportamental como o mais
apropriado para se referir a todo o campo de estudo que inclui as “três gerações”.
 O termo TCC seria então mais específico e seria utilizado para se referir a
tratamentos que incluem a reestruturação cognitiva.

 Recomendação de Leitura: Terapias Comportamentais de Terceira Geração – guia para


profissionais (Lucena-Santos, Pinto-Gouveia e Oliveira, 2015).
Terapias baseadas em modelos cognitivos (Cap. 12)
 Terapia Racional – Emotiva
comportamental (TREC)
 Terapia Cognitiva
 Terapia do Esquema

 “Este capítulo (12) tem como objetivo


abordar três métodos psicoterápicos
desenvolvidos a partir dos modelos
cognitivos, ou seja, cuja base é a noção de
que são as interpretações que os
pacientes fazem que estão na origem de
suas perturbações emocionais, seus
comportamentos problemáticos e seu
funcionamento desajustado.”

(CORDIOLI, 2019)
Ellis por Ellis

 Nosso comportamento, nosso ser, nós mesmos somos afetados por nossas filosofias, pelo que
pensamos (Ellis introduziu essa noção no campo da psicoterapia);
 Ao criar a TREC também introduzi a ideia de que nosso pensamento é também afetado pelo nosso
comportamento e pelos nossos sentimentos. Interacional;
 Se você mudar profundamente sua filosofia, seu pensamento, então é mais provável que você mude
profundamente seus sentimentos e seus comportamentos, especialmente aqueles sentimentos e
comportamentos perturbados.
 Eu atuei um bom tempo como psicanalista mas então eu descobri que não funcionava e eu tenho
um gene para eficiência, enquanto o pobre Sigmund Freud tinha um gene para a ineficiência.
 Quando pensamos de maneira não científica, devota, dogmática, inflexível estamos trazendo
distúrbios e prejuízos para nós mesmos. Por isso utilizamos métodos científicos flexíveis para
conseguir que você pense filosoficamenre, e assim, para de se auto-prejudicar (Undisturb yourself).
 (Recortes de uma Entrevista arretada https://www.youtube.com/watch?v=sgnTZ6wbxd8)

 https://www.youtube.com/watch?v=2cOLJBPQZRA (Caso Glória)


ALBERT ELLIS - TREC

 Albert Ellis nasceu em  Pittsburg, no dia 17 de setembro


de 1913, e era filho de pais judeus. Ele era o filho mais
velho de três crianças,. Seu pai era um homem de
negócios que teve sucessos pequenos nos seus
empreendimentos e mostrou uma afeição modesta por
seus filhos em função de suas constantes viagens de
negócios.

 Na sua autobiografia, Ellis caracterizou a sua mãe como


uma pessoa auto-absorvida com seu transtorno bipolar.
Segundo ele, ela era uma “tagarela alvoroçada que
nunca ouvia”. Ela expunha as suas fortes opiniões na
maioria dos assuntos, mas raramente oferecia uma base
factual para esses pontos de vista. Como seu pai, ela
também era emocionalmente distante de seus filhos. Ele
afirmava que, tipicamente, ela ficava dormindo quando
ele ia para a escola e, usualmente, não estava em casa
quando ele retornava. Em vez de se tornar uma pessoa
amarga, ele assumiu a responsabilidade por cuidar de
seus irmãos.
ALBERT ELLIS - TREC

 O pequeno Albert era frágil e sofreu de inúmeros


problemas de saúde durante a sua infância. Foi
hospitalizado aos cinco anos com problemas
renais. Também se submeteu a uma
amigdalectomia. Ele relatou oito internações
hospitalares entre os cinco e os sete anos. Uma
dessas durou quase um ano. Seus pais não
ofereceram quase nenhum apoio emocional
durante esses anos, visitando-o e consolando-o
raramente. Ellis parece ter fortalecido sua
resiliência ao ser confrontado com essas
adversidades enquanto ele “desenvolvia uma
indiferença crescente com essa negligência”.

 A doença séria nos rins desviou a atenção dele


dos esportes para os livros. As brigas em sua
família fizeram que seus pais se separassem
quando ele tinha doze anos, o que provavelmente
o conduziu a se interessar por compreender os
outros.
Albert Ellis - TREC

 Na escola, inclinou-se para se tornar “o” grande escritor americano. Planejou estudar
contabilidade para fazer dinheiro o suficiente a fim de se aposentar com 30 anos e
então escrever sem a pressão de ganhar dinheiro. Mesmo assim, ele se formou em
administração na City University de Nova York, em 1934. 
 Ellis dedicou a maior parte do seu tempo para escrever contos, peças, poesia, ensaios e
livros de não-ficção. Quando ele tinha 28 anos, já havia terminado quase duas dúzias de
manuscritos, sem conseguir, no entanto, publicá-los. Dedicou-se, então, exclusivamente
à não-ficção para promover o que ele chamou de “revolução familiar e sexual”.
 Enquanto ele coletava material para o tratado que ele chamava de “O Caso da Liberdade
Sexual”, seus amigos começaram a vê-lo como um especialista no assunto e
frequentemente o consultavam para serem aconselhados por ele. Ellis descobriu que
gostava de aconselhamento tanto quanto de escrever. Em 1942, voltou para a
universidade, entrando no programa de psicologia clínica da Universidade de Colúmbia.
Começou a atender seus clientes em aconselhamento sexual e familiar pouco depois de
receber seu mestrado em 1943.  
Albert Ellis - TREC

 Quando a Universidade de Colúmbia lhe outorgou o seu doutorado em 1947, Ellis


acreditava que a psicanálise era a forma de terapia mais aprofundada e efetiva.
Decidiu se submeter a um processo de formação em psicanálise e se tornar “o mais
destacado psicanalista dos próximos anos”. Os institutos de psicanálise se recusavam
a aceitar treinandos que não fossem médicos, mas ele descobriu um analista do grupo
de Karen Horney que concordou em praticar com ele uma análise clássica sob a
supervisão dele.
 Mas a fé de Albert Ellis na psicanálise foi se desintegrando rapidamente. Descobriu, por
exemplo, que seus clientes melhoravam rapidamente, independentemente de terem
sessões semanais ou diárias. Passou a ter um papel mais ativo, fazendo interpretações
e dando conselhos quando ele atendia pessoas com problemas sexuais ou familiares.
 Lembrou ainda que, antes de se submeter à análise, ele tinha resolvido muitos dos seus
problemas pessoais lendo e praticando as filosofias de Epicteto, Marco Aurélio, Spinoza
e Bertrand Russell. Começou, então a ensinar aos seus clientes os princípios que
tinham funcionado com ele. 
Albert Ellis - TREC

 No final de 1953, ele já não se definia como psicanalista e começou a desenvolver a sua forma
de psicoterapia racional, como a denominou no artigo  ‘Rational Psychotherapy’, que publicou
na revista Journal of General Psychology (1958).
 Em 1955, Ellis já havia largado a psicanálise completamente e estava se concentrando em
mudar o comportamento de seus clientes confrontando suas crenças irracionais, persuadindo-
os a adotar crenças racionais. Esse papel estava mais de acordo com o gosto dele, pois assim
conseguia se sentir mais honesto com ele mesmo. “Quando me tornei racional-emotivo,” disse
ele uma vez, “os processos pessoais da minha personalidade começaram a vibrar”. Ele publicou
seu primeiro livro sobre TREC, “Como Viver com um Neurótico”, em 1957. Dois anos depois, ele
organizou o Instituto para uma Vida Racional, onde ele oferecia workshops para ensinar seus
princípios para outros terapeutas. Depois de publicar a “Arte e a Ciência do Amor”, em 1960,
seu primeiro grande sucesso, publicou o seu clássico “Terapia Racional-Emotiva”, em 1962, em
que apresenta as onze crenças irracionais que ele concebia como a base da perturbação dos
seres humanos. O impacto dessas novas idéias foi enorme: era a primeira vez que estava sendo
proposto um tipo de psicoterapia baseada na influência de processos cognitivos sobre os
sentimentos e comportamentos. 
 “Neurose”, disse ele, era “só uma palavra da classe alta para choramingação”.
Albert Ellis - TREC

 A Terapia Racional-Emotiva-Comportamental (TREC) foi se tornando uma forma de


psicoterapia com uma popularidade cada vez maior. A TREC se tornou um método
de terapia orientado para solução de problemas de forma direta e eficiente dirigida
para fazer mudanças emocionais e comportamentais por meio de desafiar os
pensamentos auto-derrotistas. O sucesso da sua prática clínica, seus livros e seu
instituto de treinamento testemunham que seus métodos funcionavam. Ele se
tornou um dos terapeutas mais influentes da América.  Desde então, publicou 54
livros e mais de 600 artigos sobre a TREC, sexo e casamento.
 É com profunda tristeza que o Instituto Albert Ellis anuncia a morte de Albert Ellis,
Ph.D., no dia 24 de julho de 2007. O Dr. Ellis, que tinha 93 anos, morreu de causas
naturais. No momento da sua morte, ele era o Presidente-Emérito do Instituto
Albert Ellis, em Nova York”. (NY Times)
 Leitura recomedada: Uma homenagem a Albert Ellis (Bernard Rangé)
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872007000200008
Albert Ellis
• Albert Ellis nunca se declarou um
terapeuta sutil. "Eu fui o primeiro
psicólogo a dizer 'foda' e 'merda' na
conferência da Associação Americana
de Psicologia", ele anunciou
orgulhosamente a primeira vez que nos
encontramos.
• Um dos princípios da TREC é evitar
"musts“ (ter
que/devem/obrigatoriedade), a ideia
destrutiva de que nossas necessidades
e expectativas devem ser atendidas. Ellis
chama isso de "musturbation". Mas o
TREC não vê nada de errado em deixar
sua raiva sair — com frequência. É
mantê-la dentro que faz você se sentir
pior sobre si mesmo e as pessoas que te
enfureceram.
Albert Ellis

 O TREC prático e orientado a resultados abriu em grande parte o caminho para os livros de
auto-ajuda. Os livros mais vendidos de Ellis, como Sexo Sem Culpa e Como Controlar sua
Ansiedade Antes dela Controlá-lo, tornaram-se os avatares da psicologia pop. Mas eles também
estão fundamentados em uma técnica terapêutica cognitiva sofisticada.
 A aceitação é peça chave no TREC, cujos três pilares são a "autoaceitação incondicional",
"aceitação incondicional (do outro)" e "aceitação incondicional da vida". Sua mãe nunca disse
que te amava? Esse é o direito dela como um ser humano fudido e falível, como Ellis diria, e
frequentemente diz. Há coisas piores na vida do que não ouvir que você é amado por sua mãe,
ele argumenta. Não "horrorize" tal negligência; use o pensamento racional para entender que o
mau comportamento de outra pessoa não tem nada a ver com seu senso de identidade ou
potencial de felicidade.

Leitura recomendada (O artigo maravilhoso da NY mag):


https://nymag.com/nymetro/news/people/features/14947/index3.html

Tradução livre de fucked up* para fudido. O termo em inglês traz o sentido de infeliz, emocionalmente “danificado”,
que não funciona corretamente ou estúpido.
Albert Ellis

Um dos primeiros defensores dos direitos dos homossexuais, Ellis argumentou que
"os gays devem ser capazes de escolher qualquer tipo de relação de amor sexual que
eles preferem — excluindo, é claro, crianças e adultos mentalmente deficientes”.

Leitura recomendada (O artigo maravilhoso da NY mag):


https://nymag.com/nymetro/news/people/features/14947/index3.html
A TREC

 Uma das marcas da TREC é a ideia de que os seres humanos funcionam baseados em
crenças, algumas delas racionais e outras irracionais. As crenças racionais estão
relacionadas com estados emocionais negativos equilibrados, como tristeza, mágoa,
pesar, desprazer, aborrecimento; mas as crenças irracionais produzem reações
emocionais perturbadas, como pânico, depressão, fúria etc. Esses estados emocionais
têm uma relação direta com comportamentos saudáveis, como aqueles relacionados
com as crenças racionais, ou problemáticos, quando ativados por crenças irracionais.
 Albert Ellis também introduziu o modelo ABC, que ressalta claramente as relações entre
os acontecimentos (os ‘A’), as crenças (os ‘B’, do inglês beliefs) e as conseqüências
emocionais e comportamentais (os ‘C’). Isso facilitou muito o entendimento da
influência dos processos cognitivos no funcionamento emocional e comportamental.
Também sustentou que as crenças irracionais podem ser muito efetivamente
combatidas (os ‘D’, de dispute, disputar, combater) pelo uso dos métodos lógico-
empíricos da ciência.
(Rangé, 2007)
A TREC

A TREC afirma que a perturbação psicológica depende da tendência dos seres


humanos de fazerem avaliações absolutistas dos acontecimentos em suas vidas.
Essas avaliações, que têm a forma de “tenho quês”, de “deverias”, de “devos” e
“tenho-a-obrigação-de” dogmáticos, são os aspectos centrais de uma filosofia de
religiosidade dogmática que Ellis afirma ser o aspecto central da perturbação
emocional e comportamental humanas. Há, inclusive, um termo, infelizmente
intraduzível, que aparece frequentemente em seus escritos: “musturbation”.

(Rangé, 2007)
A TREC

Essa mistura de masturbação mental com “tenho quês” vai gerar um conjunto de conclusões irracionais
como as seguintes:
 Terrivelização (awfulizing): caracterizado pelo uso de palavras como “horrível”, “terrível”, “catastrófico”,
ao descrever alguma coisa, como, p.ex., ‘Seria terrível se...’, ‘Seria a pior coisa que poderia acontecer’,
‘Seria o fim do mundo’... É o que acontece  quando um acontecimento é avaliado como mais do que
100% ruim.
 Não-agüentoite (I-can’t-stand-it-itis): ver um acontecimento como insuportável, como em afirmações to
tipo ‘Não suporto isso’, ‘É absolutamente insuportável’, ‘Vou morrer se eu for rejeitado’... Diz respeito a
uma pessoa acreditar que não possa conseguir experimentar felicidade alguma se um acontecimento
que não devesse ocorrer, ocorra de fato.
 Exigências: usar ‘deverias’ (moralisar) ou ‘tenho-quês’ ( musturbating, masturbação mental), p.ex., ‘Eu não
devia ter feito aquilo’, ‘Eu não posso falhar’, ‘Preciso que ser amado’, ‘Eu tenho que tomar uma bebida’.
Rotulação de pessoas: rotular ou avaliar todo o seu self (ou o de outras pessoas), como, p.ex., ‘Sou um
estúpido / desesperado / inútil / sem valor’.

(Rangé, 2007)
A TREC

Ellis defendia também que todos os seres humanos são basicamente hedonistas, uma vez que têm uma forte
tendência biológica a ficarem vivos e a buscar um grau razoável de felicidade. Hedonismo é uma escolha,
mais do que uma necessidade absoluta, e, assim, parece provável que seja uma predisposição inata fazer
essa escolha fundamental.
No entanto, uma pessoa pode escolher entre satisfações imediatas e de longo prazo. Se uma pessoa
escolher conscientemente ter satisfações imediatas e aceitar as implicações dessa decisão, é uma
prerrogativa sua, e isso não é necessariamente irracional. Mas se, entretanto, uma pessoa escolher ter
gratificações imediatas, em vez de satisfações futuras, mas, depois, exigir tê-las também no futuro e se rebela
quando isso não acontece, este não é um comportamento racional. Da mesma forma, se uma pessoa escolhe
ter satisfações futuras, mas não consegue se impor, a disciplina necessária para isso, também não é racional.
Uma pessoa poderia ter um desejo de experimentar heroína, por exemplo. Poderia fazê-lo sabendo que
estaria correndo riscos de morrer de overdose ou de se tornar dependente; mas poderia também preferir não
experimentá-la, tendo em vista a possibilidade de problemas com traficantes ou com a polícia. As escolhas
feitas dessa forma poderiam ser escolhas racionais, mas escolher experimentar e depois se lamentar da sua
dependência seria uma escolha baseada numa crença irracional.
(Rangé, 2007)
A TREC (Cap. 12, CORDIOLI, 2019)

A terapia racional-emotiva comportamental (TREC) foi fundada por Albert Ellis, em


1955, e foi designada, inicialmente, como “psicoterapia racional” . Ela foi o primeiro
modelo de terapia cognitiva. A ideia central é a de que a filosofia de vida da pessoa
tem papel determinante nos transtornos psíquicos.
De acordo com a TREC, o ser humano seria orientado pelo hedonismo responsável,
ou seja, o fim maior da vida seria a busca da felicidade e a evitação do desprazer.
Essa procura deveria ser norteada pela racionalidade, a fim de evitar um hedonismo
inconsequente e imediatista. Então, seria aceitável optar pelo desprazer, se seu fim
fosse um prazer maior, ou seja, seria preciso ponderar entre objetivos e propósitos de
curto e longo prazos. Assim, escolhas racionais seriam aquelas que facilitassem a
consecução de alguns objetivos e propósitos mais imediatos sem comprometer a
realização daqueles de longo prazo.
A TREC (Cap. 12, CORDIOLI, 2019)

O modelo da TREC considera que há uma tendência inata a pensar de modo


irracional, embora sejam necessárias mais pesquisas que comprovem essa
predisposição biológica. No entanto, também é reconhecida a contribuição dos
processos de socialização na propensão das pessoas a transformar suas
“preferências” em “demandas absolutistas” sobre si mesmas, os outros e o mundo.
Tal inclinação do ser humano produziria sofrimento em virtude da insatisfação de
seus desejos tornados exigências. A orientação biológica do indivíduo também
permitiria reconhecer e alterar crenças irracionais, ajudando na realização dos
objetivos de vida de longo prazo
A TREC (Cap. 12, CORDIOLI, 2019)

O MODELO ABC
Activating Event (gatilho) – (qual foi a situação, quem estava envolvido, o que as
outras pessoas fizeram, qual foi o meu papel, que emoções estavam envolvidas)
Belief – (O que eu pensei quando o evento ativador aconteceu, como meus
pensamentos apoiaram a minha crença?)
Consequences – (Que tipo de emoções eu estou sentindo como resultado, que tipo
de comportamento pessoal negativo eu posso reconhecer como resultado de A e B,
como o meu comportamento influencia o meio)

Traduzido e adaptado de https://www.toolshero.com/psychology/abc-model-albert-ellis/


A TREC (Cap. 12, CORDIOLI, 2019)

O MODELO ABC
A – Evento ativador (interno ou externo)
B – Crenças (irracionais)
C – Consequências (emocionais, cognitivas e comportamentais)
A separação é apenas didática, visto que crenças, emoções e consequências se influenciam
mutuamente e estas últimas podem se tornar eventos ativadores.
Pessoas saudáveis não estão felizes o tempo todo e nem realizam todas as suas vontades. Elas
experimentam emoções como tristeza ou decepção, sem que isso as impeça de fazer
mudanças e adaptações necessárias para continuar a buscar a realização de seus objetivos
básicos de vida. É possível fazer uma distinção entre emoções negativas saudáveis (p. ex.,
tristeza ou preocupação) e aquelas prejudiciais (p. ex., depressão ou ansiedade). A filosofia de
vida orientada por “preferências” (em oposição à “tirania dos deverias”) promove a saúde e
envolve a capacidade de não catastrofizar, tolerar as frustrações e aceitar a si, os outros e o
mundo.
A TREC (Cap. 12, CORDIOLI, 2019)

 O sofrimento ocorre pela forma distorcida de interpretar as situações, mas o modelo da


TREC destaca que a origem das distorções está na adoção da filosofia das obrigações
(“tirania dos deverias”). A partir desta, surgiriam outras formas irracionais de pensar, como
“catastrofização” (“ser terrível”), baixa tolerância à frustração (“não aguentar”) e
depreciação de si e/ou outros (desmerecimento feito pelo indivíduo quando faz algo “que
não deveria” ou não fez aquilo “que deveria”).
 O sofrimento psíquico pode ser classificado em dois grandes blocos: (a) as perturbações do
ego, nas quais a pessoa se deprecia em virtude de exigências impostas a si mesmo, aos
outros e ao mundo: o indivíduo avalia como “ser terrível” quando não faz as coisas “direito”
e/ou não é aprovado por outros, como, supostamente, deveria ser; e (b) as perturbações
do desconforto, nas quais ocorre a avaliação de que o próprio “conforto” (a “vida”) está
ameaçado se as exigências que faz a si mesmo e/ou aos outros não forem atendidas.
 Nesse caso, quando as coisas não se apresentam como “deveriam” , seria uma catástrofe
(mais do que apenas desconfortável e desvantajoso). De acordo com Dryden e Ellis,1 um
dos diferenciais da TREC em relação a outras terapias cognitivas é a centralidade do
conceito de “ansiedade por desconforto” .
A TREC (Cap. 12, CORDIOLI, 2019)

 Pessoas saudáveis responsabilizam-se pela própria felicidade, sem deixar de


cooperar com os outros, e aceitam que nem sempre os outros (o mundo)
correspondem às suas expectativas. A tolerância consigo mesmo e com os outros
tende a crescer conforme aceitamos que todo ser humano é falível. Assim, a TREC
estimula o desenvolvimento da autoaceitação, em vez de da autoestima, pois esta
última envolve autoavaliações condicionais.
EXEMPLO CLÍNICO

J. ingressou na universidade cheia de entusiasmo. Seu desempenho acadêmico


chamava a atenção de professores e colegas. Ela realizou um trabalho em grupo e
logo se destacou por seu rigor com detalhes. Ficou responsável por cuidar da
apresentação do grupo e planejou cada pequena minúcia, mas as colegas não
seguiram suas orientações e fizeram pouco caso de sua preocupação com a urgência
das providências. Ela também recebeu críticas da professora e logo “sentiu” que as
coisas não sairiam como ela havia previsto. J. teve uma crise de choro durante um
dos encontros, e as colegas se irritaram com ela. Ela voltou para casa aos prantos e
disse aos pais que não iria mais à universidade. Seus pais ouviram toda a história,
mas não entendiam o porquê da desistência. Passaram-se dias, e seu humor foi
piorando; ela foi deixando de falar com colegas, perdeu o período de provas e
decidiu que não iria mais às aulas. Os pais pediram que ela iniciasse uma terapia, e,
com certa relutância, ela foi ao encontro do terapeuta. Depois de superar a
dificuldade para estabelecer o vínculo, J. resolveu falar de suas relações na
universidade.
EXEMPLO CLÍNICO

Terapeuta: O que aconteceu na época em que você decidiu deixar de ir às aulas?


J.: Não sei... Eu era boa aluna... Sempre fui a primeira da classe... Também gostava de
apresentar os trabalhos... Fiquei responsável pela apresentação, e foi um desastre! Elas não
estavam nem aí, tive que correr atrás de tudo sozinha e, depois, ainda acharam ruim e não
fizeram o que tinham que fazer! Foi a briga com as minhas amigas que me deixou assim!
Terapeuta: O que você pensou sobre tudo isso na época?
J.: Nada! Não pensei nada! Só senti raiva porque ia parecer que eu é que não fiz minha
parte. E a professora também não entendeu e ficou dizendo que eu tinha que “dar meu
jeito” . E quando chorei, todo mundo fez pouco caso.
Terapeuta: E depois?
J.: Aí fiquei com vergonha... Elas tinham que me pedir desculpas... Mas ninguém nem se
importou comigo. Fiquei sem cabeça para estudar, não fui fazer as provas e perdi o prazo
das substitutivas... Daí achei melhor ficar em casa.
EXEMPLO CLÍNICO

Terapeuta: O que a incomodou mais em tudo isso?


J.: Eu não conseguir fazer o que tinha que ser feito... Eu devia ter resolvido tudo!
Terapeuta: Não ter resolvido significa que...?
J.: Eu tinha que dar um jeito das meninas fazerem as coisas! Foi horrível quando vi
que elas ficaram pondo obstáculos em tudo que eu propunha.
Terapeuta: E por que foi tão “horrível” , e não apenas “chato” , que elas não fizessem
o que você propunha?
J.: Não sei, acho que me senti falhando em uma tarefa simples que eu deveria dar
conta!
EXEMPLO CLÍNICO

Terapeuta: E falhar nessa tarefa mostra o que sobre você?


J.: Sei lá! Só não quero que as pessoas pensem que sou uma fracassada, que não sei fazer
nada direito! Quando era criança, eu tinha que mostrar sempre para meu pai que eu sabia
fazer as coisas tão bem quanto minha irmã mais velha, eu consegui! Não aceito que, por causa
das colegas, todo mundo vai achar que ficou tudo uma droga!
Terapeuta: Você está me dizendo que não pode suportar o desconforto de não ter sucesso
absoluto na tarefa que se propôs a fazer?
J.: Não suporto a ideia de que todo mundo vai pensar que eu fracassei, que não sirvo para
nada!
Terapeuta: Você está me dizendo que o desempenho em uma tarefa é o que define seu valor?
O questionamento da crença irracional prosseguiu em outras sessões, visto que uma das
crenças dogmáticas da paciente envolvia a não aceitação de que o valor do ser humano
independe de suas realizações.
EXEMPLO CLÍNICO

Ellis e Grieger propuseram que a fase de conceitualização envolve a identificação dos


sintomas primários, das crenças irracionais e das consequências emocionais e
comportamentais que resultam dessas crenças. Essa é uma etapa importante,
porque, muito frequentemente, as pessoas buscam terapia em virtude das
consequências emocionais e comportamentais de suas crenças irracionais. O
terapeuta deve focar a mudança de filosofia de vida, e não apenas o manejo dos
sintomas. É importante que o paciente tenha o insight de que a causa real dos
problemas são as crenças irracionais, e não os eventos em si, de que é a própria
pessoa que mantém as crenças; por fim, deve entender que a mudança da filosofia
de vida está relacionada a novos modos de pensar e se comportar ao longo de toda
a vida.
EXEMPLO CLÍNICO

Avaliar em termos absolutistas as rejeições, os fracassos, as frustrações, as “injustiças” e as


perdas produz sofrimento para o ser humano. É fundamental para a promoção e a manutenção
da saúde mental pensar de forma exível e não confundir preferências e necessidades. Essa
distinção nem sempre é clara para o paciente, como pode ser visto no exemplo a seguir.
Paciente: Minha filha tem que estudar nesta escola, pois é a melhor para garantir seu futuro. O
mínimo que devo fazer é garantir que a educação dela permita que ela tenha tranquilidade no
futuro.
Terapeuta: E se isso não acontecer?
Paciente: Isso seria terrível! Eu não aguentaria vê-la sofrendo porque não ofereci o que ela
precisava.
Terapeuta: Lembra sobre o que conversamos sobre preferências e necessidades?
Paciente: Sim, mas, neste caso, uma boa formação é uma necessidade básica de todo ser
humano!
EXEMPLO CLÍNICO

Terapeuta: Sim, mas o que é uma boa formação? E por que deveria incluir esta escola
especificamente?
Paciente: Porque eu deveria ser uma boa mãe e poder pagar a melhor escola! É o que
todas as minhas amigas fazem!
Terapeuta: Você pode estar novamente transformando uma preferência em “tirania”?
Frequentemente, as demandas irracionais das pessoas são reforçadas socialmente e
tratadas como “necessidades” . Em tais situações, é preciso debater com a pessoa
sobre a transformação de uma preferência (que, no exemplo há pouco descrito, nem
“asseguraria” o futuro da lha) em uma exigência, bem como sobre a ideia de que seu
valor como mãe, por exemplo, passaria por critérios externos como conseguir, ou
não, pagar a “escola perfeita”
Debate das crenças irracionais e consolidação das mudanças
filosóficas

Desenvolver uma nova filosofia de vida envolve debater as ideais irracionais e


fortalecer os novos modos de pensar, sentir e agir. O debate pode ocorrer por meio
de técnicas cognitivas, emocionais e/ou comportamentais.
Técnicas cognitivas. O debate sobre os pensamentos rígidos ocupa lugar central na
TREC; contestar a forma dogmática de pensar pode ser feito por meio de:
Questionamento (“Qual é a evidência de que você não aguentará se seu desejo não
se concretizar?” , “O que aconteceria se você não zesse o que “deveria”?” ou “Esta
crença é produtiva ou autodestrutiva?”)
Biblioterapia (para promover psicoeducação, contestar pensamentos irracionais ou
reforçar nova losoa racional)
Registros escritos (para identicar e “debater” crenças irracionais)
Debate das crenças irracionais e consolidação das mudanças
filosóficas

Técnicas emocionais. A imaginação racional-emotiva e as dramatizações, por exemplo,


podem funcionar como um ensaio do novo pensamento e de suas consequências
emocionais e comportamentais.
Técnicas comportamentais. Essas técnicas podem ser empregadas com o objetivo de
facilitar a mudança filosófica, contestando-se a irracionalidade das crenças por meio de
mudança do comportamento (p. ex., dessensibilização e inundações in vivo), ou de
desenvolver repertório que possibilite viver de forma mais racional.
Evidências de eficácia da terapia racional-emotiva comportamental
David, Szentagotai e Macavei4 apontaram que duas metanálises quantitativas revelam que a
TREC tem mostrado ecácia em vários diagnósticos clínicos, tanto no formato individual
quanto no de grupo. Os bons resultados incluem população clínica e não clínica, ambos os
sexos e desde crianças (9 anos) a idosos (70 anos). Processos conduzidos por terapeutas
mais experientes e/ou maior número de sessões apresentam melhores resultados. Ainda
são necessárias mais pesquisas que elucidem quais e como as intervenções da TREC
produzem mudanças na forma dogmática de pensar.5
TERAPIA COGNITIVA

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