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PALAVRAS
O DISCURSO
Clínica do Social
Célio Garcia
Clinica do Social • Deve aliar a atividade,
o interesse e a
atenção da clínica à
subjetividade de cada
um, articulando esses
procedimentos com
um programa de ação
política como prática
no dia-a-dia do
cidadão.
Os Profissionais
• Devem ser dotados de
alguma sensibilidade
adquirida no
atendimento clínico,
forjada e afiada no
trabalho de psicólogos,
psicanalistas, assistentes
sociais e demais
trabalhadores sociais.
O poder das palavras
O Discurso
• O poder, a plenitude, em
princípio atribuídos à
palavra, podem ser
percebidos já ao nível da
palavra dada como garantia
de um compromisso.
• Tradicionalmente! boa
palavra é um conselho.
• Os pais aconselham seus
filhos. Os mais velhos são
ouvidos pela experiência
que acumularam.
• Um profissional de
comprovada experiência
será chamado a ocupar
cargos de assessoria
• Um, conselho impõe uma
diretriz; diz o que deve ser, o
que será.
• O mundo seria, assim,
desvendado aos mais velhos, a
quem caberia dizer o sentido
das coisas.
• Os mais jovens, entretanto, a
quem são dirigidos os
conselhos, mostram-se
refratários à orientação que
lhes é apontada.
• Constatou-se que essa modalidade de
intervenção desgastou-se inteiramente, e
os educadores tendem a abandoná-la.
• Foi necessário algum tempo para que as
instituições educacionais aceitassem que
o sentido do mundo, da vida, das coisas,
não está ao alcance das palavras, não se
deixa conter nas frases pronunciadas.
• Diante do desgaste desse discurso, temos,
querendo ou não, que nos defrontar com
o vazio em que caem essas palavras.
• Elas não produzem efeito. Existe uma
palavra completamente sem prestígio,
desprovida de impacto. blá-blâ-blâ.
A DEMAGOGIA E A MENTIRA
• Próximo a esse primeiro caso, encontra-se um
discurso? político também vazio; nele já não
acreditam as pessoas, o público a quem era
dirigido.
• Talvez porque o falso representante do povo
não tivesse cumprido seus compromissos, o
que o terá desmoralizado, ou porque uma
linguagem por demais burocratizada de líderes
falsos já não convencesse os antigos
seguidores.
• Finalmente, o discurso demagógico designava,
já na sua origem grega, um regime que tentava
agradar o povo a qualquer custo. Verdadeira
degenerescência do regime democrático.
• Nossa época conhece o descalabro de
partidos em razão dessa linguagem sem
qualquer consequência, consistente só
na aparência, garantida por uma
autoridade que já não fica em pé.
• O destino dessas mensagens é
desaparecer, ou porque desaparecem os
regimes políticos que as patrocinam, ou
porque mudou o mundo e, mudando o
mundo, é forçoso admitir que alguma
coisa muda nas pessoas.
• De que forma, contudo, vai-se exercer o
poder da palavra?
O ORÁCULO E SEU CARÁTER RELIGIOSO
• Há um caso especial em que o poder da palavra se dá
por efeito oracular, enigmático.
• A palavra da frequentemente é levada aos fiéis através
desse discurso. Mesmo sob sua face de amor, como é o
caso dos cristãos, Deus se revela em sua face
enigmática. Há mistérios, ensina-nos a alguns deles,
sem mérito para a doutrina, extremamente bem-
elaborados, como o da Santíssima Trindade.
• A vantagem é que, com isso, localizamos, em algum
lugar, a verdade, o sentido dos sentidos. Uma versão
empobrecida desse efeito, desse poder, é-nos dada
quando o rito religioso é oficiado em uma língua
estranha, desconhecida pelos fiéis.
• As palavras valem pelo som, pelo efeito que produzem,
pelo que sugerem, pelo que revelam sem revelar seu
segredo.
• A versão grega para o oráculo privilegia
a autenticidade da mensagem oracular.
Sabemos que em Delfos, famoso
santuário, o oráculo não revelava, nem
escondia, mas significava.
• O oráculo assemelhava-se a um "mestre
da verdade"; não se imiscuía nas
manobras do interpelante, nem deixava
de dizer o que era para ser dito.
• Mais de um intérprete na Antiguidade
se viu em dificuldades com os
potentados por não satisfazer, de
imediato, as expectativas do consulente.
• O poder dessa palavra,
certamente, é inegável. O
episódio vivido por São Paulo é
evocado quando alguém
pretende avaliar o que terá
sido sua vida até um
determinado e decisivo
momento: uma vez convertido,
foi ele pregar aos gentios a
palavra de Deus.
DICURSO TOTALITÁRIO.
A PROPAGANDA POLÍTICA
• Um caso grosseiro será registrado como
sendo o discurso do Estado totalitário, da
repressão violenta. Eis a patologia do discurso
cínico: distante da realidade, eivado de
mentiras, destina-se ele a construir uma
realidade utópica, redentora, ou
simplesmente, como já se
disse, "como se".
• Hipostasiando uma verdade única;
idealizando-a, o referido discurso terá que ser
denunciado na nossa prática política, se assim
se quiser.
• É preciso não esquecer que, nesse tipo de
regime, as palavras são submetidas a um
controle absoluto: sendo o significado de
cada uma delas definido por força de controle
violento, vê-se o falante constrangido em sua
capacidade de criar novas situações ao
combinar palavras do seu próprio
vocabulário.
• A rigidez com que age o sistema pretende
estabilizar o sentido que terão as coisas, a
vida, o mundo.
Como é evidente que há um contínuo
deslizamento entre a palavra e seu
significado - o que permite novos empregos e
novos sentidos, fica o falante privado de sua
capacidade e de seu poder da palavra.
A COMPETÊNCIA COMUNICACIONAL. A
DEMOCRACIA SOCIAL
• Uma vez afastada a onda de poderes
totalitários que se alastrava na
Europa nos anos 30/40/50, pensou-
se em instituir uma teoria da
• comunicação que reconhecesse, a
cada um e a todos, a capacidade, a
competência de se comunicar com
seus parceiros, sempre que assim
Ihes aprouvesse.
• A competência comunicacional e a
hipótese de que em torno da mesa de
negociações o consenso está sempre à
vista são os fundamentos de regimes
políticos em nossa atualidade.
• A Democracia Social em voga nos
países ocidentais provavelmente se
vale dessas premissas.
• O importante seria chegar-se a um
acordo, resultado de conversações, de
esforços que visem à compreensão, às
custas de metáforas, se possível,
criativas.
UMA PRÁTICA POLÍTICA E SEU DISCURSO
• Como formular os princípios de: uma fala,
discurso, ou intervenção verbal que não incorram
nos inconvenientes apontados em cada uma das
experiências já citadas?
• Não se quer a palavra vazia da tradição, nem a
palavra autoritária do oráculo, nem a mentira da
demagogia, nem a violência da repressão, nem
aquela perigosamente fundada na boa vontade.
Quer-se uma palavra plena. Mas qual seria ela?
Existiria uma palavra plena, pela qual se pudesse
responsabilizar-se integralmente?
• As necessidades da linguagem e da comunicação
inter-humanas serão objeto de atenção. As
pretensões das afirmações determinantes
deverão receber um cuidadoso exame.
A Palavra Plena
• Quando um homem, autorizado pela palavra, diz a uma
mulher
• “Você é minha Mulher”
• È levado pela linguagem e tomado pelo entusiasmo, a ela, no
jogo de cumplicidade estabelecido entre ela e a natureza
procriadora.
• No fundo sabem que “ninguém é de ninguém”.
• A afirmação possessiva por parte do homem apenas dissimula
a problemática relação que ali se encontra.
• A palavra plena "você é minha mulher" por ele pronunciada
vem a ser eco que faz vibrar cordas sonoras, comprometendo
quem as pronunciou; assim são as palavras fundamentais.
• Pesariam elas tanto sobre nós?
• Melhor seria não levá-las a sério?
O JOGO ALUSIVO
• Se não se visa à palavra plena, que
recursos adotar?
• Teria o jogo alusivo condições de
convocar o sujeito para a nomeação que
lhe dá um nome, com o qual se pudesse
contar para o estabelecimento de um
regime que não seja o enganoso
imaginário, ou o bruto real, sem
qualquer tratamento diferenciado que o
tornasse politicamente viável?
• Afinal uma distância mínima seria
necessária, sem ela a morte se anuncia,
muito facilmente como uma saída.
O JOGO ALUSIVO
• Só o estatuto de incompletude é
fonte e margem de novas
nomeações, capazes de lançar e
relançar o sujeito nessa busca
incessante, graças à qual ele
continua, continua ... pois é só o
que lhe resta fazer. Como esta
abordagem não desconhece o
sujeito político, é necessário alongar
esse comentário.
O DISCURSO POLÍTICO
• A palavra do militante foi e é até hoje (apesar
da crise dos discursos, ela se conserva intacta)
uma palavra presa ao discurso partidário,
eventualmente comprometida com todos os
inconvenientes aqui apontados, ou seja, com o
caráter vazio da palavra da tradição, o
autoritarismo do oráculo, as inverdades da
demagogia, a violência da repressão (esta a
que se obriga o militante), a boa vontade e o
falso democratismo das atitudes conciliatórias.
• O final dessa sequência parece dizer que os
inconvenientes apontados resultam de questão
não resolvida, isto é, do poder da palavra.
A LINGUAGEM E DIFERENTES REGISTROS
OU TIPOS DE NORMA NA LÍNGUA
• Há obstáculos na
comunicação verbal que não
devem ser necessariamente
imputados à dificuldade de
compreensão, mesmo
porque é preciso considerar
o que acontece ao nível do
discurso.
LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DA COMUNICAÇÃO:
COMPETÊNCIA COMUNICATIVA" E “
INTENÇÃO DE SE FAZER ENTENDER"
• Atribuiu-se o termo
"discurso cínico" a esse
falar.
O discurso "cínico"'. O discurso dos MMR
(Meninos e Meninas de Rua)
• O "cinismo" antigo, pelo menos em
sua origem grega, era insolente. Sua
insolência é sugestiva, merece
atenção. Não se limitava a um jogo,
nem sempre suas intervenções
terminavam em episódio cômico;
nele se pode descobrir uma curiosa
maneira de argumentar que afasta de
ideais inacessíveis.
• O "cinismo“ encontra uma maneira
nova de dizer a verdade.
O discurso "cínico"'. O discurso dos MMR
(Meninos e Meninas de Rua)
• Desde o inicio de sua história, a Psicanálise
esteve envolvida . com o "cinismo";
podemos dizer que, a princípio, ela hesitou
em atribuir ao "cinismo" um estatuto claro.
• Há um texto que toma como objeto de
estudo o "cinismo", no qual pacientes
"portadores de traços de cinismo" foram
objeto de observações; para seu autor, o
"cinismo" em suas manifestações quase
sempre resultava em agressões ao analista.
O discurso "cínico"'. O discurso dos MMR
(Meninos e Meninas de Rua)
• Rotulado como infantilismo, sinal de neurose grave,
de ambivalência, era um mecanismo que oferecia,
finalmente, oportunidade de descarga afetiva para o
portador de tal traço.
• Na mesma linha, dizia o texto: "O cínico ataca o
mundo externo ao tentar resolver ou liquidar um
conflito interno"; livra-se ele, assim,
temporariamente, de um sentimento de
culpabilidade. A eventual cólera do outro lhe
proporcionando prazer, o "cínico" encontra prazer
narcísico em seus próprios comentários. Mas a
própria Psicanálise pôde mudar de abordagem.
• É preciso reconhecer, contudo, que há um exagero
em certos discursos; há uma "patologia" a ser
diagnosticada.
PATOLOGIA DO DISCURSO "CÍNICO"
• Existe efetivamente uma patologia do
"discurso cínico", sendo ela encontrada no
discurso da propaganda produzida pelo
nazismo, para tomar exemplo radical entre
outros.
• Tal tipo de discurso, para desespero dos
estudiosos, analistas de discurso e autores
que sobre ele se debruçaram, foi 'chamado
"discurso como se", a tal ponto ele é
inabordável, a tal ponto a verdade é
submetida a processo psicotizante.
• A mesma expressão "como se" foi usada por
psicanalistas ao se referirem ao' processo de
desrealização encontrado na psicose.
PATOLOGIA DO DISCURSO "CÍNICO"
• A questão do "cinismo"
terá que ser por nós
retomada, agora já a
um nível de um
discurso político.
Política: CIDADÃO SUJEITO?
SUJEITO CIDADÃO?
• Cidadão-Sujeito?Sujeito- cidadão?
Tensão entre os dois.
• As noções "sujeito", "cidadão" e
"comunidade" organizam
habitualmente um espaço político
que vamos chamar anexado.
• Vai-se tentar analisar o laço social
sem, necessariamente passá-lo
pelo espaço anexado.
• O sujeito não é o cidadão.
Um e outro representam
duas posturas, emergência
ou constituição de um
sentido.
• O cidadão é, de início, um,
qualquer um; o sujeito é
singularidade que se
afirma por ocasião de um
acontecimento a que ele
passa a dever fidelidade.
• O sujeito político ou a política
segundo o sujeito consiste na
apropriação da exterioridade
constitutiva da cidade.
• O cidadão se faz sujeito no
momento exato em que há
representação/apresentação
de um acontecimento. A
soberania do sujeito surge, e
não se contenta em
residir no contrato ou no
aspecto jurídico-formal.
• Por sua vez, o sujeito se faz
cidadão quando o espaço cívico
desdobra e expande as
particularidades subjetivas. A ideia
de "república“ representa esse
ponto de reciprocidade.
• Soberania e comunidade são os
dois termos que tradicionalmente
fecham as questões que aqui se
tenta pontuar. Fraternidade
igualmente seria um termo que
pretende resolver as mesmas
questões.
• Seria possível contentar-se com o
cidadão“ abandonando-se a
questão do sujeito, desistindo-se de
fazer cidadão um sujeito?
• Um programa de defesa do cidadão-
consumidor-usuário-de- serviços
parece estar sendo bem aceito' pela
democracia de mercado, pelo
capitalismo de investimento em
massa, do controle de qualidade
que adotasse a "qualidade total"
propugnada em nossos dias e já
com numerosos adeptos.
• O prosseguimento dessa análise
leva à constatação de que há
tensão entre: cidadão e sujeito:
• No fundo, Seria essa tensão que
daria um novo laço, a ser
avaliado longe da dependência
do espaço anexado a que já se
'aludiu.
• "Laço social" proveniente da
própria tensão, "laço social" de
caráter político, já que marcado
pela soberania do sujeito.'
• Como abordar a tensão?
• Qual a fronteira entre o humano
e o desumano?
• Ao mesmo tempo que se sabe que a
angústia vem a ser uma tortura para o
homem, ao se refletir sobre o estatuto
teórico e o valor atribuído na prática ao
conceito de angústia, pode-se pensar
que ela é "uma função do 'humano; sem
ela o humano em questão não faria a
experiência do real em toda a sua
dimensão, nem tampouco sua travessia.
• Se, de um lado, é difícil definir o que é
propriamente humano, pois a
humanidade se inventa a cada travessia
do real acima nomeado, por outro lado,
o desumano é imediatamente
reconhecido.
• Os princípios éticos inspiradores de
movimentos de "defesa do Cidadão",
certamente movimentos responsáveis,
seriam necessariamente negativos, pois
seu fundamento é capaz de discernir o
que é desumano, mas incapaz de definir o
que seja o humano.
• Se assim é, o mal acaba sendo a grande
preocupação da Ética; o imperativo ético
se exerceria cada vez que o mal
despontasse no horizonte da experiência
humana.
Pergunta
• Bastaria identificar o homem de maneira
essencialmente negativa e contabilizar
os males que lhe são infligidos?
• Um problema se evidencia:
Se o desumano é o argumento de peso
inspirador da Ética, se o humano é a
negação do desumano, a loucura (e outros
aspectos da experiência humana) estaria
restrita a um campo onde o humano se
recusa a reconhecer-se.
• Pode-se propor um outro esquema em que
se trabalham questões éticas a partir de
uma definição positiva do homem e que
inclua o não-humano.
• Para tanto, tem-se que romper com a
concepção cada vez mais aceita na
atualidade e que consiste em ver, na
maioria das vezes o homem como .uma
vítima; os direitos desse homem-vítima,
serão, consequentemente, os direitos de
uma vítima" e o tratamento a ele reservado
será aquele reservado a uma vítima.
• O estado de vítima, de desamparado, de
infeliz, de humilhado, reduz o homem a sua
condição animal.
• A humanidade é uma espécie animal,
mortal e cruel. Mas nem a mortalidade
nem a crueldade definem a singularidade
humana. Lembremos Hannah Arendt
enviada a Jerusalém para assistir ao
julgamento do carrasco nazista Eichman:
"O mal é banal", disse Arendt após longas
jornadas passadas no tribunal.