Esta cantiga satiriza uma mulher descrita como "fea, velha e sandia" que deseja ser louvada pelo trovador. Através de um fingido elogio irónico, o poeta critica a arte poética das cantigas de amor e ridiculariza os ideais do amor cortês. A sátira é realçada por recursos formais como a antítese entre o corpo da estrofe e o refrão recorrente.
Esta cantiga satiriza uma mulher descrita como "fea, velha e sandia" que deseja ser louvada pelo trovador. Através de um fingido elogio irónico, o poeta critica a arte poética das cantigas de amor e ridiculariza os ideais do amor cortês. A sátira é realçada por recursos formais como a antítese entre o corpo da estrofe e o refrão recorrente.
Esta cantiga satiriza uma mulher descrita como "fea, velha e sandia" que deseja ser louvada pelo trovador. Através de um fingido elogio irónico, o poeta critica a arte poética das cantigas de amor e ridiculariza os ideais do amor cortês. A sátira é realçada por recursos formais como a antítese entre o corpo da estrofe e o refrão recorrente.
A sátira medieval Ai, dona fea, fostes-vos queixar Ai, dona fea fea, fostes-vos queixar fea: feia que vos nunca louv[o] em meu cantar; ora: agora mais ora quero fazer um cantar loarei toda via; em que vos loarei via loarei: louvarei e vedes como vos quero loarloar: toda via: de qualquer modo dona fea, velhasandia e sandia! loar: louvar se Deus Dona fea, mi pardom se Deus mi pardom, sandia: louca poispois avedes avedes [a] tam [a] tam gram gram coraçom coraçom se Deus mi pardom: assim Deus me que vosloe eu loe, em emestaesta razom razom perdoe vos quero ja loar toda via; pois tendes tão grande desejo. e vedes qual será a loaçom: loaçom dona fea, velha e sandia! loe: louve. em esta razom: por este motivo. Dona fea, nunca vos eu loei peropero muito trobei loaçom: louvor; elogio. em meu trobar, muito trobei; mais ora ja um bom cantar farei, pero muito trobei: embora muito em que vos loarei toda via; tenha trovado. e direi-vos como vos loarei: dona fea, velha e sandia!
João Garcia de Guilhade
Ai, dona fea, fostes-vos queixar Ai, dona fea, fostes-vos queixar que vos nunca louv[o] em meu cantar; mais ora quero fazer um cantar em que vos loarei toda via; Quem é o e vedes como vos quero loar: sujeito poético/sujeito dona fea, velha e sandia! da enunciação/emissor? Dona fea, se Deus mi pardom, pois avedes [a] tam gram coraçom que vos eu loe, em esta razom vos quero ja loar toda via; e vedes qual será a loaçom: dona fea, velha e sandia! Voz masculina Dona fea, nunca vos eu loei (trovador), em meu trobar, pero muito trobei; mais ora ja um bom cantar farei, com atitude de em que vos loarei toda via; escárnio / e direi-vos como vos loarei: desprezo dona fea, velha e sandia! Ai, dona fea, fostes-vos queixar Ai, dona fea, fostes-vos queixar Destinatário: Quem é o “dona fea” que vos nunca louv[o] em meu cantar; mais ora quero fazer um cantar DESTINATÁRI em que vos loarei toda via; e vedes como vos quero loar: O dona fea, velha e sandia! e ALVO DA CRÍTICA? Dona fea, se Deus mi pardom, pois avedes [a] tam gram coraçom que vos eu loe, em esta razom vos quero ja loar toda via; Mulher que, e vedes qual será a loaçom: apesar de Mulher dona fea, velha e sandia! “feia, velha destituída Dona fea, nunca vos eu loei e sandia”, de dons, mas em meu trobar, pero muito trobei; deseja ser que deseja ser mais ora ja um bom cantar farei, louvada pelo cantada em que vos loarei toda via; e direi-vos como vos loarei: trovador dona fea, velha e sandia! Ai, dona fea, fostes-vos queixar Ai, dona fea, fostes-vos queixar Qual é o que vos nunca louv[o] em meu cantar; ASSUNTO da mais ora quero fazer um cantar em que vos loarei toda via; cantiga? e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia! Ridicularização Dona fea, se Deus mi pardom, “Louvor” do amor cortês / pois avedes [a] tam gram coraçom irónico crítica à arte que vos eu loe, em esta razom (ridicularização poética das vos quero ja loar toda via; e vedes qual será a loaçom: da mulher cantigas de amor, dona fea, velha e sandia! descrita) por meio do Dona fea, nunca vos eu loei elogio irónico a em meu trobar, pero muito trobei; uma “dona fea, mais ora ja um bom cantar farei, em que vos loarei toda via; velha e sandia” e direi-vos como vos loarei: dona fea, velha e sandia! Ai, dona fea, fostes-vos queixar Ai, dona fea, fostes-vos queixar que vos nunca louv[o] em meu cantar; Qual é o mais ora quero fazer um cantar GÉNERO em que vos loarei toda via; e vedes como vos quero loar: LITERÁRIO da dona fea, velha e sandia! cantiga? A mulher Dona fea, se Deus mi pardom, visada na crítica pois avedes [a] tam gram coraçom que vos eu loe, em esta razom não é vos quero ja loar toda via; identificada; Cantiga de e vedes qual será a loaçom: o sujeito poético escárnio dona fea, velha e sandia! refere-se a ela (crítica subtil, em Dona fea, nunca vos eu loei apenas como que não se em meu trobar, pero muito trobei; “Dona fea” mais ora ja um bom cantar farei, identifica em que vos loarei toda via; concretamente e direi-vos como vos loarei: a pessoa visada) dona fea, velha e sandia! Ai, dona fea, fostes-vos queixar Sugestão de elogio, Ai, dona fea, fostes-vos queixar mas insinuação da que vos nunca louv[o] em meu cantar; Como é realçado ironia (“dona mais ora quero fazer um cantar o carácter satírico fea”) em que vos loarei toda via; da cantiga? e vedes como vos quero loar: Carácter satírico dona fea, velha e sandia!
Antítese irónica Dona fea, se Deus mi pardom,
• Antítese irónica entre pois avedes [a] tam gram coraçom o corpo da estrofe Apóstrofe que vos eu loe, em esta razom (sugestão de elogio, vos quero ja loar toda via; mas insinuação da e anáfora e vedes qual será a loaçom: ironia, no 1.º verso) dona fea, velha e sandia! e o refrão (carácter satírico) Dona fea, nunca vos eu loei • Apóstrofe e anáfora: em meu trobar, pero muito trobei; realce do alvo de mais ora ja um bom cantar farei, crítica (vv. 1, 6, 7, 12, em que vos loarei toda via; e direi-vos como vos loarei: 13, 18) dona fea, velha e sandia! Ai, dona fea, fostes-vos queixar Ai, dona fea, fostes-vos queixar a Como se caracteriza que vos nunca louv[o] em meu cantar; a FORMALMENTE mais ora quero fazer um cantar a a cantiga? em que vos loarei toda via; B e vedes como vos quero loar: a Refrão intercalar dona fea, velha e sandia! B • Cantiga de refrão Dona fea, se Deus mi pardom, c • Esquema rimático: pois avedes [a] tam gram coraçom aaaBaB /cccBcB / c que vos eu loe, em esta razom dddBdB vos quero ja loar toda via; c B e vedes qual será a loaçom: c Refrão dona fea, velha e sandia! intercalar B Dona fea, nunca vos eu loei d em meu trobar, pero muito trobei; d mais ora ja um bom cantar farei, d em que vos loarei toda via; B Refrão e direi-vos como vos loarei: d intercalar dona fea, velha e sandia! B Em síntese esta cantiga de escárnio apresenta as seguintes características: • o emissor é uma voz masculina (trovador), sendo o destinatário e alvo das críticas uma mulher (“dona”); • o trovador caracteriza a “dona” como “fea, velha e sandia”, imitando ironicamente a cantiga de amor e demonstrando uma atitude de escárnio e desprezo relativamente a uma mulher que, mesmo sendo destituída de dons (beleza, juventude e sensatez), deseja ser louvada; • a sátira reside na ridiculização do amor cortês e na crítica à arte poética da cantiga de amor; • o carácter satírico é realçado, sobretudo, pelo recurso à antítese irónica entre o corpo da estrofe e o refrão (cf. tripla adjetivação, com valor depreciativo, oposto ao sentido de “loar”) e à apóstrofe, reiterada em posição anafórica (“Dona fea”); • formalmente, trata-se de uma cantiga de refrão, com o seguinte esquema rimático: aaaBaB / cccBcB / dddBdB.