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O ATENEU

RAUL POMPÉIA
UM ROMANCE DE MEMÓRIAS
O Ateneu (Crônica de Saudades) apresenta um foco narrativo em
primeira pessoa. O narrador, Sérgio, reconstrói pela memória um pedaço de
seu passado – dois anos vividos num internato para meninos, o Ateneu.
Considerado um colégio de excelência, dirigido pelo austero e reconhecido
pedagogo Aristarco Argolo de Ramos, o internato acolhia em suas classes
alunos provenientes de respeitáveis famílias cariocas e até de outros
Estados. Sérgio chega a esse ambiente com 11 anos.
O menino vive no internato dois anos decisivos para sua formação,
que deixarão marcas profundas em sua personalidade. Toda a aparência de
nobre pedagogia do Ateneu vai demonstrar, para Sérgio, um mundo hostil e
egoísta.
O Ateneu retrata reconhecidamente um período da vida de seu autor.
Entre os 10 e os 16 anos, Raul Pompéia conheceu na Corte a educação
escolar sob regime de internato. O escritor foi aluno do famoso Colégio
Abílio, dirigido pelo renomado educador Dr. Abílio César Borges, o Barão
de Macaúbas. Raul aproveita-se da experiência para transfigurá-la em sua
narrativa. Deve-se considerar, portanto, Sérgio como alter ego do autor; o
Ateneu e seu diretor Aristarco Argolo de Ramos como paralelos ficcionais
do Colégio Abílio e do Dr. Abílio César Borges
O INTERNATO REFLETE A SOCIEDADE
Quando Sérgio, com 11 anos, chega às portas do Ateneu, no início da
narrativa, seu pai lhe diz proféticas palavras: "Vais encontrar o mundo [...].
Coragem para a luta". O verdadeiro significado da advertência paterna
Sérgio experimentará nos dois anos de estudos no internato.
Egoísmo, injustiça, ambição e hipocrisia são alguns dos valores a que
Sérgio estará exposto nesse período. Assim, o limitado espaço do internato
torna-se uma espécie de microcosmo da sociedade.
Raul Pompéia atacou as oligarquias dominantes em comícios,
satirizando-as por meio de caricaturas e artigos em diversos jornais. Por
isso, sofreu perseguições políticas que culminaram com a sua reprovação
nos exames finais da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Para
poder concluir o curso, transferiu-se para o Recife, onde continuou tendo
intensa atividade intelectual, colaborando com jornais do Rio de Janeiro,
sob vários pseudônimos.
O Colégio Ateneu também pode ser interpretado como uma
miniatura da sociedade imperial da época na qual Aristarco encarna a
figura do poder arbitrário, narcisista e ambicioso, própria dos imperadores.
SUBTÍTULO: CRÔNICAS DE SAUDADES

"Lembramo-nos, entretanto, com saudade


hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma
incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse
perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada de
decepções que nos ultrajam.”
Em O Ateneu, Raul Pompéia subverte a ótica
romântica segundo a qual o tempo da infância é
sinônimo de felicidade inocente. O romance é um
retrato impiedoso dos bancos escolares, em que "cada
rosto amável daquela infância era máscara de uma
falsidade, o prospecto de uma traição".
RESUMO
Logo no início do primeiro ano de colégio, Sérgio é aconselhado por Rebelo, que
o adverte: "Faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se". Recém-saído da
estufa de carinho e proteção familiar, Sérgio vê-se de repente parte de um grupo no qual
"os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da
fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo ". A partir
dessas observações, Rebelo conclui: "Faça-se homem, meu amigo. Comece por não
admitir protetores".
Em pouco tempo de internato, Sérgio vê enfraquecida a decisão tomada de seguir
o conselho de Rebelo e não admitir para si os chamados "protetores" – meninos de forte
compleição física – que resguardavam os mais fracos em troca, principalmente, de favores
amorosos. Ao forçar uma certa reserva em relação aos colegas, o narrador sente-se
angustiado e acovardado, e assim deseja alguém que lhe valha, "naquele meio hostil e
desconhecido". Sanches, que se aproximara de Sérgio fingindo salvá-lo de um
afogamento, cumprirá esse papel. Além da proteção, Sanches ajudará Sérgio nos estudos.
Apesar da amizade, o narrador sente um certo asco pelo companheiro e, quando este o
pressiona com intenções sexuais, ele se afasta. No final do primeiro ano, outra amizade se
compõe. Bento Alves torna-se uma espécie de herói no Ateneu após capturar um
funcionário fugitivo que cometera um crime dentro do colégio. Forte e generoso, Bento
Alves é admirado por Sérgio. Logo, ambos tornam-se companheiros. Passam também a
estudar juntos. Bento aceita um embate corporal com Malheiros para defender a honra do
novo amigo. E aqui o narrador aceita melhor o papel de "namorada", porém sem favores
sexuais. No segundo ano de Sérgio no Ateneu, Bento Alves inesperadamente rompe essa
amizade.
RESUMO
Sérgio vive uma fase mística. Elege Santa Rosália, cuja imagem possui em
gravura, como sua padroeira. Reza e identifica-se com a religião e a Astronomia.
Aproxima-se de Franco, menino de comportamento agressivo e alvo das punições
exemplares de Aristarco. O contorno de marginalidade flagelada desse aluno atrai
Sérgio nesse período. No segundo ano, Franco adoece e propositadamente expõe-se
ao sereno e à soalheira, agravando seu estado e provocando com isso a própria
morte. Morre abraçado à imagem de Santa Rosália que furtara de Sérgio. Nesse
mesmo segundo ano, Sérgio estreita relações com Egbert, um garoto muito bonito e
delicado. Porém, quem mais vai causar impacto nas memórias do narrador é D.
Ema, mulher de Aristarco. Convidado para um jantar na casa do diretor, graças ao
bom desempenho nas provas, Sérgio impressiona-se com a figura de D. Ema, que
até então era algo distante e motivo de boatos entre os alunos. A mulher do diretor
surge nos sonhos do narrador como uma imagem ambígua, misto de "mãe" e
"mulher". Quando Sérgio, no final do segundo ano, adoece e é enviado à casa do
diretor, como se fazia sempre que um aluno adoecia, D. Ema cuida dele e
intensificam-se os conflitos internos do narrador.
Um grito faz Sérgio estremecer no leito e escancarar a janela; o Ateneu está em
chamas. Américo, um menino estranho, que ficara na escola, obrigado pela família e que
sumira dali, é o principal suspeito do incêndio. Desaparecera também a senhora do diretor
que, desconsolado, presencia tristemente sua obra sucumbir.
UM ROMANCE DE MEMÓRIAS

É um romance memorialista de confissão: por meio de


Sérgio, Pompeia pretende uma espécie de
autocompreensão da infância na maturidade. No
entanto, quando tenta dizer, objetivamente, o que aconteceu
no colégio interno, não o consegue, pois o ressentimento
nele é maior que a razão. Daí, o comentário de Mário de
Andrade de que a intenção de vingança contra a formação
recebida na adolescência, no internato, tenha levado Raul
Pompeia a “incendiar” o colégio e a deixar Aristarco só e
abandonado por todos, especialmente por Ema, sua esposa.
SINCRETISMO ESTILÍSTICO
Os elementos expressionistas estão na descrição, através de
símiles exagerados, dos ambientes e pessoas, compondo “quadros” de
muita riqueza plástica, especialmente visual, e desnudando de forma
cruel os lugares, colegas, professores etc. A frase transmite grande
carga emocional. O estilo é nervoso, ágil. A redução das personagens
a caricaturas grotescas parece proveniente da intenção de deformar,
de exagerar, como se Raul Pompéia estivesse “vingando-se” de tudo
e de todos.

“Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de


tipos que me divertia, O Gualtério, miúdo, redondo de costas,
cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de símio - palhaço dos
outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicança, alongado
por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como
uma foice; (...) o Negrão, de ventas acesas, lábios inquietos,
fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso...”
SINCRETISMO ESTILÍSTICO
Os elementos impressionistas evidenciam-se no trabalho da
memória como fio condutor. O passado é recriado por meio de
“manchas” de recordação, - daí a existência de um certo
esfumaçamento da realidade, pois o internato é reconstituído por
meio das impressões, mais subjetivas que objetivas, eivadas de um
espírito de vingança, sofrimento e autopunição. Na literatura, o artista
deve procurar o registro das impressões momentâneas, segundo o
estado de espírito que o invade num único e dado momento. Em vez
de retratar a coisa como ela é (Realismo), registra a impressão que ela
provoca no observador. O texto impressionista é muito sensorial, pois
explora as nuanças o cromáticas, olfativas, gustativas etc. Há quem,
por isso, rotule O Ateneu de romance impressionista.
Os elementos naturalistas decorrem da concepção instintiva e
animalesca das personagens, cujo comportamento é determinado pela
sexualidade, condição social etc. Há um certo gosto “naturalista”
pelas “perversões”. É o que ocorre nas descrições de Ângela e na
tensão de homossexualismo que existe nas relações de Sérgio com
Sanches, Bento Alves e Egbert.

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