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Variação Linguística em Sala de Aula

Prof. Jairzinho Rabelo


Doutorando em Linguística e Língua Portuguesa –
Unesp/Araraquara - SP
Questões para reflexão
1. Em que medida você considera importante discutir a
variação linguística produzida pelos alunos?
2. De que modo é possível inserir a variação linguística nas
aulas de língua materna?
3. Que variações são mais frequentes na sua comunidade
e/ou sala de aula? De que forma é possível aproveitar a
presença delas para ensinar a língua materna?
4. Quais procedimentos o professor pode adotar para a
prática de uma pedagogia culturalmente sensível no
tratamento da variação produzida por seus alunos?
5. Como é possível ajudar o aluno a fazer o monitoramento
estilístico em contexto de uso formal da língua?
O que é Variação
Linguística?

• A variação linguística é uma característica inerente às


línguas naturais em razão das diversas possibilidades
de usos de que dispõem os falantes para suas
interações sociais. É um recurso importante para
compreensão da identidade linguística dos sujeitos,
como afirmam Bortoni-Ricardo e Machado (2013, p. 56)
Aula de português
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
Carlos Drummond de Andrade 
A consciência da Variação

• Ter consciência da variação linguística ajuda-nos a


encarar com tranquilidade as variações produzidas por
qualquer sujeito, mesmo aquelas que nos parecem mais
estranhas possíveis. Isso acontece porque, no Brasil, a
língua portuguesa utilizada não é uniforme, pelo
contrário, como afirma Bagno (2007, p. 27, 37) (...).
• A língua está em constante mudança.
Causas Motivações
1. Origem geográfica A língua varia de um lugar para o outro
2. Status socioeconômico As pessoas que têm um nível de renda baixo não falam do mesmo
modo das que têm um nível de renda médio ou muito alto e vice-
versa

3. Grau de escolarização O acesso maior ou menor à educação formal, e com ele, à cultura
letrada, à prática da leitura e aos usos da escrita é um fator muito
importante na configuração dos usos linguísticos dos diferentes
indivíduos

4. Idade Os adolescentes não falam do mesmo modo como seus pais, nem
os pais falam do mesmo modo como as pessoas das gerações
anteriores

5. Sexo Homens e mulheres fazem usos diferenciados dos recursos que a


língua oferece
6. Mercado de trabalho O vínculo do sujeito com determinadas profissões e ofício
condiciona seu modo de falar, sua prática linguística. Exemplo: um
professor fala diferente de um advogado por ele utilizar um léxico
e um comportamento linguístico construído socialmente no
exercício daquela profissão. Assim, cada grupo social tem seu
modo de interagir por meio da língua

7. Redes sociais Os sujeitos interagem de acordo com o meio social em que estão
inseridos.
Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Oswald de Andrade
QUAIS OS TIPOS DE VARIAÇÕES
LINGUÍSTICAS?

• DIACRÔNICA
• DIATÓPICA
• DIAFÁSICA

• DIAMÉSICA
• DIASTRÁTICA
Antigamente 

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles

e eram todas mimosas e muito prendadas.

Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito.

Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a

asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. 

                          Carlos Drummond de Andrade


Variação diatópica I

É aquela que se verifica na comparação entre os modos

de falar de diferentes lugares.


Português Europeu X Português Brasileiro

O “i” em posição final é valorizado. Ex.: canal.

“Não estou a perceber” X “Não estou percebendo”


Variação diatópica II
Variações regionais dentro do Brasil
1. Mesmo sentido, formas diferentes:
Ex.: macaxeira X mandioca

2. Formas iguais, sentidos diferentes:


Ex.: feira
Variação diafásica
É a variação estilística, isto é, o uso
diferenciado que cada indivíduo faz da
língua de acordo com o grau de
monitoramento que ele confere ao seu
comportamento verbal.
Vício na fala 

Para dizerem milho dizem mio 


Para melhor dizem mió 
Para pior pió 
Para telha dizem teia 
Para telhado dizem teiado 
E vão fazendo telhados.

Oswald de Andrade
Variação diamésica

É o uso diferenciado que se faz entre a língua oral e escrita. Está


ligada à situação de produção de interação.
• A oralidade não é sinônimo de informalidade. Nada mais
enganoso. Existem situações que necessitamos expressar
oralmente de maneira formal. Exemplos: uma entrevista de
emprego, um seminário, uma palestra, uma arguição oral em
um concurso público, uma reunião de negócios.
• Por outro lado, é preciso reconhecer que a oralidade possui
certas características que a distinguem sensivelmente da
expressão escrita. A principal delas diz respeito aos momentos
de produção e recepção do texto: na comunicação oral, eles
são simultâneos ― à medida que você fala, seu interlocutor
ouve; já na comunicação escrita, existe uma defasagem entre o
momento de produção e o de recepção.
Variação diastrática

É aquela que se verifica na comparação entre os modos


de falar das diferentes classes sociais.

As variedades que a língua apresenta são classificadas


como dialeto para caracterizar uma linguagem de
determinado lugar; socioleto para designar a linguagem
própria de um grupo; cronoleto para designar a língua
falada em determinada faixa etária; e idioleto para
denominar a linguagem própria de um indivíduo.
“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros 
Vinha da boca do povo na língua errada do povo 
Língua certa do povo 
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil 
Ao passo que nós 
O que fazemos 
É macaquear 
A sintaxe lusíada…” 

Manuel Bandeira 
Nomenclatura para o tratamento
linguístico
Bagno (2014) orienta o uso de um modelo com três tipos
de nomenclatura para o tratamento linguístico, descrito a
seguir, a fim de evitar o preconceito linguístico.
• Variedade padrão – modelo ideal de língua inspirada na tradição
literária e no falar da aristocracia, assumido como objeto de
trabalho pelos autores da gramática normativa.

• Variedades prestigiadas – conjunto de variedades linguísticas


faladas e escritas pelos cidadãos urbanos mais letrados e de maior
poder aquisitivo.

• Variedades estigmatizadas – conjunto de variedades linguísticas


empregadas predominantemente pelos falantes das camadas
sociais de menor poder aquisitivo e de menor escolarização.
Diversidade linguística e pluralidade
cultural no Brasil
REFLEXÃO

• No ambiente familiar, como os papéis que as pessoas


exercem são determinantes da linguagem que elas
usam?

• Quais as diferenças entre as linguagem do marido e da


mulher, ou da mãe e dos filhos?
PROPOSTA DE ATIVIDADE I
• Monte com seus alunos uma pequena peça de teatro
em que fiquem bem claras as diferenças linguísticas
observadas no interior da família e relacionadas aos
papéis sociais.

• Para Bortoni-Ricardo “Papéis sociais são um conjunto


de obrigações e de direitos definidos por normas
socioculturais. Os papéis sociais são construídos no
próprio processo de interação humana. Quando usamos
a linguagem para nos comunicar estamos, também
estamos construindo ou reforçando os papeis sociais de
cada domínio.” (2004, p. 23)
REFLEXÃO E PROPOSTA DE ATIVIDADE II

• REFLEXÃO – Proponho que você reflita sobre seu


discurso ou o discurso de outro professor em sala de
aula para verificar como esse discurso varia quanto à
formalidade. Em que momentos é percebido o
monitoramento de estilo? Em que momentos está mais
livre para falar com os alunos?

• Assista a aula de alguém e peça para gravar e anotar os


momentos em que há variação de monitoração
estilística. (EX.: BORTONI-RICARDO, p. 27)
PROPOSTA DE ATIVIDADE III

Observe alunos alternando entre os estilos monitorado e


espontâneo de uso da linguagem. Se possível, grave,
transcreva-o e depois apresente para os alunos. Eles vão
achar muito interessante a forma como usam a língua com
competência. Deixe claro para eles que não existe forma
“certa” ou “errada” de falar, mas sim formas adequadas às
diversas situações. Esta questão é muito importante!
PROPOSTA DE ATIVIDADE IV

Com dados do Censo do IBGE uma pesquisa


sobre nosso estado, construa tabela para
mostrar os resultados aos alunos. Eles
também poderão fazer um pequeno censo na
escola, indicando a origem geográfica de todos
os alunos, professores e demais servidores.
Se os alunos já estudaram números
percentuais, esta é uma boa oportunidade de
praticar esta competência matemática.
PROPOSTA DE ATIVIDADE V

• Monte com os alunos a seguinte pesquisa:


1. Entrevistar pessoas provenientes das diferentes regiões do Brasil;
2. Pedir que forneçam uma pequena lista de palavras e expressões
que consideram típicas da sua região;
3. Complemente a pesquisa com exemplares da literatura
representativos das diversas regiões;
4. Com esse material, monte um painel em sala de aula reunindo os
dados dialetais, gravuras, postais, mapas, artesanatos típicos às
regiões;
5. Para inauguração do painel, sugerimos que convide pessoas
provenientes de outras regiões do Brasil para trocarem
experiências e partilharem mais informações sobre sua terra natal.
REFLEXÃO

• Sempre ouvimos dizer que o português falado em um


estado ou região é “melhor” que o de outras regiões. No
livro “Preconceito Linguístico” de Marcos Bagno, por
exemplo, o autor crítica a ideia de que o português falado
no Maranhão seria melhor que o de outros estados. Será
que podemos considerar a variedade de uma região melhor,
mais bonita e mais recomendável que as variedades de
outras regiões do Brasil? Será que existe algum estado
brasileiro que use melhor a língua portuguesa?
Como agir diante dos chamados “erros de
português”?

• “Erros de português” – inadequada e preconceituosa;


• São simplesmente diferenças entre variedades da
língua. Nos diferentes domínios, usamos as diferentes
variedades. No domínio do lar, onde predomina uma
cultura de oralidade em relações permeadas de afeto e
informalidade e culturas de letramento, como a que é
cultivada na escola.
Como agir diante dos chamados “erros de
português”?
• Quando o professor intervém? No momento em que o aluno usa

a variante não-padrão, o professor intervém e fornece a variante-

padrão.

• Como proceder nesse momento?


“É pedagogicamente incorreto usar a incidência do erro do
educando como uma oportunidade para humilhá-lo. Ao contrário,
uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos
educandos está atenta às diferenças entre as culturas que eles
representam e a da escola, e mostra ao professor como encontrar
formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas
diferenças.” (BORTONI-RICARDO, 2004,p. 38)
Padrões de conduta do professor
• O professor identifica “erros de leitura”, isto é, erros na
decodificação do material que está sendo lido, mas não faz
distinção entre diferenças dialetais e erros de decodificação na
leitura tratando-os todos da mesma forma.
• O professor não percebe uso de regras não-padrão. Isto se dá
por duas razões: ou o professor não está atento ou o professor
não identifica naquela regra uma transgressão porque ele
próprio a tem em seu repertório. A regra é, pois, “invisível” para
ele;
• O professor percebe o uso de regras não-padrão e prefere não
intervir para não constranger o aluno;
• O professor percebe o uso de regras não padrão, não
intervém, e apresenta, logo em seguida, o modelo da variante-
padrão.
(BORTONI-RICARDO, 2004,p. 38)
ESTRATÉGIAS DIANTE DA REGRA
NÃO-PADRÃO

• Componentes:

• Identificação da diferença e

• Conscientização da diferença.
Princípios da sociolinguística educacional

Martins (2012, p. 27) indica seis princípios da sociolinguística


educacional:
1º PRINCÍPIO
Atribui à escola a importância de considerar um planejamento
da ação linguística na sala de aula, com a finalidade de
possibilitar aos alunos a aquisição de estilos formais
monitorados, de modo a incorporar recursos comunicativos ao
repertório linguístico quando a situação comunicativa assim o
exigir.
Princípios da sociolinguística educacional

2º PRINCÍPIO
Assenta-se na compreensão, pelo professor, do caráter
sociossimbólico das regras variáveis da língua. Essa
compreensão rejeita a visão do preconceito linguístico e
permite a análise da ação linguística situada em um
contexto sociolinguístico do falante, ao tempo em que
reconhece a valoração social de determinadas estruturas
linguísticas.
Princípios da sociolinguística educacional

3º PRINCÍPIO
Refere-se à compreensão da mediação do professor focado em
uma pedagogia culturalmente sensível, capaz de acolher a
variante estigmatizada socialmente produzida pelo aluno, como
o resultado de sua inserção em determinada comunidade
linguística, mas também reconhece a importância de uma ação
efetiva do professor na promoção de oportunidades de uso da
variante de prestígio, como resultado da aprendizagem escolar.
Princípios da sociolinguística educacional

4º PRINCÍPIO
Considera a necessidade de percepção do sujeito sobre a
adequação das escolhas linguísticas em razão do contexto em
que são produzidas. A ação de monitoramento da língua deve
ocorrer quando se tratar de eventos que exijam o seu uso
formal, assim o erro de português passa a ter outro sentido na
assunção de uma prática de linguagem monitorada, em
situações de formalidade de uso da língua, e não monitorada,
nas cotidianas informais.
Princípios da sociolinguística educacional

5º PRINCÍPIO
Postula que a variação não pode ser dissociada da análise
etnográfica e interpretativa do uso da variação,
considerando que a língua é produzida em contextos de
interação e que, portanto, qualquer análise a esse respeito
deve considerar os significados que as escolhas
linguísticas produzidas adquirem no contexto.
Princípios da sociolinguística educacional

6º PRINCÍPIO
Refere-se à contribuição das pesquisas linguísticas na
capacidade de produzir o empoderamento do sujeito.
Considera que as pesquisas transpostas didaticamente para a
sala de aula tornam-se instrumentos de autorreflexão e análise
crítica das ações de linguagem produzidas pelos sujeitos. Elas
devem possibilitar a professores e alunos uma conscientização
crítica sobre a variação e a desigualdade social que ela produz.
Questões para reflexão
1. Em que medida você considera importante discutir a
variação linguística produzida pelos alunos?
2. De que modo é possível inserir a variação linguística nas
aulas de língua materna?
3. Que variações são mais frequentes na sua comunidade
e/ou sala de aula? De que forma é possível aproveitar a
presença delas para ensinar a língua materna?
4. Quais procedimentos o professor pode adotar para a
prática de uma pedagogia culturalmente sensível no
tratamento da variação produzida por seus alunos?
5. Como é possível ajudar o aluno a fazer o monitoramento
estilístico em contexto de uso formal da língua?
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola,
2007.
 
______. Preconceito lingüístico: o que é como se faz. 9. ed. São Paulo: Loyola, 1999.
 
______. Sete erros aos quatro ventos: a variação linguística no ensino do português. São Paulo: Parábola, 2014.
 
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Manual de sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2014.
 
______. Nóis cheguemu na escola, e agora? São Paulo: Parábola, 2005.
 
______; MACHADO, Veruska Ribeiro (Org.) Os doze trabalhos de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo:
Parábola, 2013.
 
ILARI, Rodolfo, BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo:
Contexto, 2007.
 
MARTINS, Luzineth Rodrigues. O processo interacional nas aulas de língua materna: a mediação e a
competência discursiva. 2012. 233 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Letras, Departamento de
Linguística, Português e Línguas Clássicas, Universidade de Brasília, Brasília, 2012. Disponível em:
<http://repositorio.unb.br/handle/10482/13672>. Acesso em: 23 set. 2014.
 
PEDROSA, Juliene Lopes. Variação-fonético-fonológica e ensino do português. In: MARTINS, Marco Antônio; VIEIRA,
Sílvia Rodrigues; TAVARES, Maria Alice (Orgs). Ensino de português e sociolinguística. São Paulo: Contexto,
2014.
 
PEREIRA, Ana Dilma de Almeida. A formação (sócio) linguística de professores das séries iniciais do ensino
fundamental no programa de formação continuada: pró-letramento. JORNADA DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS, 21,
2006 João Pessoa. Anais... João Pessoa, PB: Editora da UFPB/Idéia, 2006; p.

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