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Formação de professores:

a constituição de um campo de pesquisa

Gilberto Ferreira da Silva


Doutor em educação
Unilasalle
Educação como o grande campo
científico
 Características:

 Diversidade de teorias
 Diversidade de procedimentos de pesquisa

 O que tem criado um campo de tensão – oposição e confronto nas formas de


compreensão do fenômeno educativo

 Tornando o campo da educação: rico e complexo


Contexto cultural, social, histórico, econômico

Ação Educativa
Epistemologia da educação

Ciências da
Educação

•Filosofia da •Sociologia da
•História da
Educação Educação
•Antropologia da •Psicologia da Educação
•Outras áreas....
Educação Educação

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Epistemologia da Educação

Pedagogia Didática
Formação de professores

 A pesquisa neste campo partilha destas condições históricas que


acabam por determinar qualidades e problemas no seu
desenvolvimento.

 No Brasil, a formação de professores em nível superior, através dos


cursos de pedagogia e licenciaturas ocorre a partir da década de 30.
 A ideia de pesquisa foi agregada à formação ainda que de forma
incipiente
 A criação do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais) em 1937 teve por objetivo promover investigações no
terreno da psicologia aplicada à educação e sua consequente inserção
no sistema educacional brasileiro.

 A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, criada em 1944 serviu


como veículo de divulgação das pesquisas produzidas.
Formação de professores
 Como campo de estudo o objeto seria:

 Carlos Marcelo (1999): os processos de formação inicial ou


continuada, que possibilitam aos professores adquirir ou aperfeiçoar
seus conhecimentos, habilidades, disposições para exercer sua
atividade docente.

 Mizukami(2002) : o foco está nos processos de aprendizagem da


docência.

 Mais recentemente (Nóvoa, Carlos Marcelo, Imbernón – 2008-09):


desenvolvimento profissional docente.
 Carlos Marcelo prefere usar o termo de desenvolvimento
profissional docente, diz ele:
 (...) pensamos que a denominação desenvolvimento profissional se adequa
melhor à concepção do professor enquanto profissional do ensino. Por outro
lado, o conceito “desenvolvimento” tem uma conotação de evolução e
continuidade que, em nosso entender, supera a tradicional justaposição entre
formação inicial e formação contínua dos professores (2009, p.09).
 Correndo o risco ao apresentar uma síntese da discussão:

 Marli André (2010): “a formação docente tem que ser


pensada como um aprendizado profissional ao longo da vida,
o que implica envolvimento dos professores em processos
intencionais e planejados, que possibilitem mudanças em
direção a uma prática efetiva em sala de aula” (p.176).

 Marcelo Garcia acrescenta: o processo de constituição da


identidade profissional
Formação de professores como campo
de estudos

 Ganha evidência no contexto brasileiro e apresenta uma produção de


pesquisa significativa a partir dos anos 80, sobretudo pelas contribuições
dos programas de pós-graduação que se instalaram no inicio dos anos 70.

A compreensão da dimensão política da educação interferiu muito na


forma de compreender o papel do professor e, por conseguinte, sua
formação. O início da década de oitenta, no Brasil, marcou a possibilidade
de serem estabelecidos novos olhares diante da função docente,
entendendo o professor dentro da estrutura de poder da sociedade, na
qual a identidade é concebida como uma construção social e cultural
(CUNHA, 2013, p. 614).
Formação de professores como campo de estudos

Espaço concreto da
prática pedagógica
Fomentou o uso de
metodologias qualitativas
e participativas da
pesquisa

Pesquisas do tipo pesquisa-ação, participantes, histórias


de vida e etnográficas povoaram as dissertações e
teses, assim como as investigações dos docentes
universitários.
Formação de professores como campo de estudos

 Lüdke e André (1986), Fazenda (1995), Veiga (1988), Cunha (1989),


Martins (1982), Pimentel (1993), Pimenta (1994), Penin (1994) e tantos
outros investigadores nacionais se incorporaram às contribuições
internacionais de estudiosos como Schulman (1989), Gimeno Sacristán
(1989), Nóvoa (1992), Schön (1983), Zeichner (1992, 1995), Perrenoud
(1993), Contreras (1994) entre outros.

 A perspectiva de estudar o professor como sujeito concreto da ação


pedagógica contribuiu para entendê-lo na sua constituição técnica,
pessoal e profissional.

(CUNHA, 2013, p.615)


Formação de professores como campo de estudos

Eventos nacionais retomados, tais como:


 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC;
 Conferência Brasileira de Educação – CBE;
 Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – ENDIPE,
tornaram-se espaços privilegiados para grandes discussões políticas e
acadêmicas.
Entidades nacionais floresceram:
 Associação Nacional de Educação – ANDE;
 Associação Nacional de Docentes da Educação Superior – ANDES;
 Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação
ANPED;
 Centro de Estudos sobre Educação e Sociedade. – CEDES.
 No X ENDIPE DE 2000 (Rio de Janeiro), a partir da análise
do que se apresentou no evento, torna-se evidente que
havia uma produção significativa de investigações que
colocavam como foco a formação de professores,
distinguindo-se, dos campos da didática, da prática do
ensino e do currículo.
A pós-graduação em Educação

 Programas de pós-graduação em educação

 2003  58 - Teses e dissertações defendidas  2104

 2007  73 – Teses e dissertações defendidas  2810

 2013  205, incluindo os cursos de mestrado profissionalizantes (23).


Dados do estudo de Marli André (2010) –
Formação de professores
1990  6-7% dos trabalhos do pós-graduação tratavam da formação de
professores, sendo grande parte das preocupações os cursos de formação
inicial: pedagogia, licenciaturas e Escola normal (76% das pesquisas).

Entre 2000 e 2007  atinge 22% - o foco é o professor, suas opiniões e


representações, saberes e práticas, o que pensam, o que sentem , o que fazem?
(chega a mais de 50% dos estudos centrados nesta área em 2007).

A intenção aqui parece ser a de conhecer o professor, isso seria suficiente?

Estamos centrando nossa pesquisa no diagnóstico?


 Compreender o desenvolvimento profissional docente como um processo
continuo ao longo da vida, conforme apontam as pesquisas mais
recentemente,

 Deixamos de lado a formação inicial como preocupação e passamos a


assumir o professor como o grande foco das intenções de pesquisa. Em
2007, por exemplo, 18% do total das pesquisas focava a formação inicial.

 Entretanto, há muito o que se fazer e conhecer sobre a formação inicial, os


cursos, a estrutura curricular que forma os profissionais da educação para
a educação básica.
Ganhos e Lacunas na pesquisa em Formação
de Professores

 Ganhos:

 A passagem do foco de análise isolada dos “cursos de formação inicial e


continuada” para as “concepções, representações, saberes e práticas
do professor” parece contribuir na aproximação entre estes dois
campos;

 Articulação da prática docente em sala de aula com as experiências de


formação;

 Combinação de diferentes formas de coleta de dados


Ganhos e Lacunas na pesquisa em Formação
de Professores
 Lacunas:
 Necessidade de aprofundar as análises e interpretações de modo que
possa gerar conhecimento mais consistente;

 Temas silenciados nas pesquisas dos pós-graduandos sobre formação


docente:
 as condições de trabalho,
 planos de carreira e organização sindical dos docentes;
 a dimensão política na formação do professor, assim como a formação docente para
atuar em movimentos sociais, em ONGs, com população indígena e com a diversidade
cultural.
 Estudos frágeis metodologicamente parecem não ter muita
ressonância social. Seu trajeto é curto. É como se houvesse
uma certa sensibilidade social ao que é mais rigoroso, o mais
rigoroso sendo também mais vigoroso.

 O “como” o dado é produzido se constitui como elemento


importante para a pesquisa, pois isso garante a credibilidade
da análise. A descrição cuidadosa é um bom começo! Permite
a discussão.
Algumas observações finais:
da experiência de pesquisador à experiência de
consultor ad hoc
1. O investimento na criação de Programas de Pesquisa
O “retorno” da “solidariedade” no espaço do trabalho e da
recuperação das práticas de vivência em “comunidade”.
O deslocamento na prática da pesquisa do campo individual para
um campo em que o individual contribua para a construção e
consolidação do coletivo “comunitário” – Grupo de Pesquisa. Quando
estou pensando nesta direção estou me inspirando em Boaventura de
Souza Santos quando diz que:
A comunidade é, (...), vorazmente inclusiva e permeável, alimentando-se das pontes
que lança para outras comunidades e procurando comparações interculturais que
confiram o significado mais profundo à sua concepção própria de dignidade humana,
sempre ávida de encontrar formas de estabelecer coligações de dignidade humana com
outras comunidades (2011, p. 339).
Exemplo inspirador é o trabalho da pesquisadora
portuguesa Maria do Céu Roldão (2007)
No estudo a pesquisadora toma como objeto de estudo o próprio campo da
formação de professores, ou seja o "como” do aprender e/ou desenvolver e
melhorar o "ser professor” e o "saber ser professor”.

Torna-se assim imperativo que, sustentados por investigação produzida,


revista e sistematizada, os cientistas da educação se envolvam num processo
colaborativo e sempre dialéctico de construção coerente dos campos de
estudo e seus conceitos estruturantes, embora conscientes da relatividade
dos limites e da transitoriedade da definição alcançada (p. 51-52).

O projeto desenvolvido é integrado ao Projeto de Investigação


"Supervisão e desenvolvimento profissional", coordenado por Isabel
Alarcão – da Unidade de Investigação em Didáctica e Tecnologia na
Formação de Formadores, Universidade de Aveiro, Portugal.
2. Criação de uma Política de Acompanhamento e Avaliação
da pesquisa (finalizada):
 Uma política tímida iniciada recentemente pelo CNPq, mas que estimula, sob
meu ponto de vista, um maior investimento no que se faz na pesquisa em
educação , para além dos produtos finais “publicáveis”;
 Que estimule o pesquisador a se tornar mais vigilante com o processo da
pesquisa e, consequentemente, seus resultados.
“Deixem-me retomar uma provocação que fiz há quase vinte anos e que
me causou alguns dissabores. Em 1991, reagi ao insulto de Bernard
Shaw, acrescentando-lhe duas máximas:

 Quem sabe, faz.


 Quem não sabe, ensina.
 Quem não sabe ensinar, forma os professores.
 Quem não sabe formar professores, faz investigação educacional”.
 (NÓVOA, 2009, p. 16)
É preciso passar a formação de professores para dentro da profissão!
Não haverá nenhuma mudança significativa se a “comunidade dos
formadores de professores” e a “comunidade dos professores” não
se tornarem mais permeáveis e imbricadas.

(NÓVOA, 2009, p.17)


Referências
 GATTI, Bernadete Angelina. Reflexões sobre questões metodológicas e práticas em pesquisas
em educação. Revista Digital do Paideia Volume 2, Número 2, p. 53-73, Out. de 2010 – Mar.
de 2011.
 LÜDKE, Menga. Desafios para a pesquisa em formação de professores. Revista Diálogo
Educacional, Curitiba, v. 12, n. 37, p. 629-646, set./dez. 2012.
 CUNHA, Maria Isabel da. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do
campo na pesquisa e na ação. Educação e Pesquisa, São Paulo, n. 3, p. 609-625, jul./set.
2013.
 ANDRÉ, Marli. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação,
Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010.
 MARCELO GARCIA, Carlos. Desenvolvimento Profissional: passado e futuro. Sísifo – Revista
das Ciências da Educação, n. 08, p. 7-22, jan./abr. 2009. Disponível em:
http://sisifo.fpce.ul.pt/pdfs/S8_PTG_CarlosMarcelo%20(1).pdf acesso em 29/04/14.
 NÓVOA, António. Professores Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009. Disponível
em: http://
www.etepb.com.br/arq_news/2012texto_professores_imagens_do_futuro_presente.pdf
acesso em 29/04/14
 SANTOS, Boaventura de Souza. Crítica da razão indolente. Contra o
desperdício da experiência. 8ª. Ed. Vol. 1. São Paulo: Cortez, 2011.
 ROLDÃO, M. do C – A formação de professores como objecto de pesquisa –
contributos para a construção do campo de estudo a partir de pesquisas
portuguesas. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v.1,
no. 1, p. 50-118, set. 2007. Disponível em http://www.reveduc.ufscar.br.
O auto conhecimento como uma
exigência para os tempos atuais.
Pesquisadores que “conhecem” o objeto,
mas não se conhecem.
Assim registra Marcel Mauss, antropólogo francês, o relato oferecido pelo nativo
maori, Tamati Ranaipiri :

 Suponha que você possua um artigo determinado (taonga) e que me dê esse artigo;
você me dá sem preço fixado. Não fazemos negociações a esse respeito.
 Ora, dou esse artigo a uma terceira pessoa que, depois de transcorrido um certo tempo,
decide retribuir alguma coisa em pagamento (utu), ela me dá de presente alguma coisa
(taonga).
 Ora, esse taonga que ela me dá é o espírito (hau) do taonga que recebi de você e que
dei a ela.
 Os taonga que recebi pelos taonga (vindos de você), é preciso que eu os devolva. Não
seria justo (tika) de minha parte guardar esse taonga para mim, fossem eles desejáveis
(rawe) ou desagradáveis (kino).
 Devo dá-los de volta, pois são um hau do taonga que você me deu. Se eu conservassse
esse taonga, poderia advir-me um mal, seriamente, até mesmo a morte (2003, p. 198).
Obrigado!

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