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Atendimento socioeducativo e

sua setorialidade

Defensor público-SP
Flávio Américo Frasseto

frasseto@ig.com.br
Desafio da apresentação

 Analisar qual a setorialidade dos programas


socioeducativos?
 Pergunta: os programas socioeducativos estão bem
acomodados na política nacional de assistência social?
 Não tenho posição clara. Há muitos níveis de
compreensão e muitos registros de análise. Critérios mais
pragmáticos X critérios teórico-científicos
O ECA resolve?
O ECA é ambíguo. AO FALAR DA LIBERDADE ASSISTIDA dá
a ela um CONTORNO ASSISTENCIAL
No art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a
medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar
o adolescente.
Art. 119. incumbe ao orientador
I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes
orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou
comunitário de auxílio e assistência social;
II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do
adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;
III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de
sua inserção no mercado de trabalho;
IV - apresentar relatório do caso
O ECA RESOLVE?
Mas não arrola necessidades socioassistenciais como
critério para aplicação da medida
 ART. 112§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará
em conta a sua capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração.  
 Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta
as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que
visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários
O ECA RESOLVE?

 Não é possível afirmar que a MSE é sancionatória-


responsabilizadora no momento da aplicação e
assistencial no momento da execução.
 Deve haver uma coerência, dentro do possível, entre os
motivos da aplicação da medida e o que se espera que os
programas socioeducativos trabalhem com o adolescente.
 Esse descompasso é a meu ver um dos maiores problemas
hoje vigente nesse campo.
Argumentos favoráveis MSE no SUAS

• A incorporação dos programas socioeducativos na política


de assistência social buscou tornar de direito o que na
verdade já era de fato.
• Se não é da assistência, de onde seria? Da educação? Da
segurança? Da Justiça?
 Finalmente há um setor responsável e de altíssima
capilaridade descentralizada no país (secretarias próprias
na grande maioria dos municípios do país (maisde 4.500)
Argumentos favoráveis

• Há um gestor responsável facilmente identificável e um


orçamento responsável pelo custeio do serviços – maior
exigibilidade política, maior possibilidade de controle
(pressões administrativas e ações civis públicas)
“ O município que apresentar, comprovadamente, incidência das
medidas socioeducativas em meio aberto poderá receber
recursos de co-financiamento do MDS, através do Fundo
Nacional de Assistência Social (FNAS), para execução do
serviço, desde que haja disponibilidade orçamentária e
financeira para essa finalidade. Os valores a serem
transferidos para cada município obedecerão à média de
aplicação mensal das medidas socioeducativas em meio aberto
de LA e PSC, informadas pelo Poder Judiciário.” (site do
MDS)
Argumentos favoráveis

• Regras para regionalização do atendimento nos


municípios menores – CREAS REGIONAIS – clara de
co-responsabilidades no direcionamento técnico, no
partição de recursos.
• Qualificação profissional dos que atendem – RH do SUAS
– profissionais de nível superior do quadro efetivo
(psicólogos, assistentes sociais e advogado)
• Exigência de cumprimento de padrões (padrões de
qualidade) sob pena de corte de repasses
Argumentos favoráveis

 Na assistência, o atendimento socioeducativo perde sua


dimensão punitiva, culpabilizante.

 há proximidade com serviços de atendimento necessários


para maioria dos adolescentes em conflito com a lei:
demandas de inclusão social, trabalho com família, auxílio
à família.

 Abertura natural para a necessária intersetorialidade


resistências
 Dentre os militantes da área dos direitos da criança e do adolescente há um
certo mal estar com a inclusão das medidas socioeducativas no âmbito da
política nacional de assistência social.
• Esse mal estar tem fundamento?
Qual a origem dele? Há vários.
1. O primeiro é a ameaça aos programas em meio aberto já consolidados em
outros lugares, executados com sucesso, em especial por entidades sociais.
2. O segundo é que houve uma concentração de esforços para a construção de
um sistema diferenciado, exclusivo para o atendimento socioeducativo que
é o SINASE.
Num dado momento a Assistência toma como seu o atendimento
socioeducativo.
Isso dá margem a uma sensação de sequestro da questão pelo âmbito da
assistência.
Isso dá margem a reações de oposição nem sempre bem fundamentadas. É
necessário que aprofundemos os debates.
Críticas às resistências

A questão do sequestro do atendimento socioeducativo pela


assistência. Não houve sequestro.
Isso não está dado na própria constituição federal?
Art. 227§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do
adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade
social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e
organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa...;
II - participação da população....,
Crítica às resistências
 Haveria sobreposição ou concorrência entre SINASE e SUAS?
Resposta possível: Não
O Sinase vem do CONANDA. Conselho de Direitos é órgão
deliberador, formulador e controlador da política.
O SUAS está no âmbito dos Conselhos de Assistência: diliberam sobre
o sistema de assistência social - operacionalização da gestão
“Ou seja, um delibera sobre as principais diretrizes da política e outro
sobre a operacionalização dos serviços, projetos, programas e
demais ações dentre outras questões no âmbito da política de
assistência social”. Souza, Rosimere de. Caminhos para a
municipalização do atendimento socioeducativo em meio aberto:
liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade . Rio de
Janeiro : IBAM/DES ; Brasília: SPDCA/SEDH, 2008.
resistências

 Assim, o SINASE delibera e formula as diretrizes da


política de atendimento ao adolescente em medida. O
SUAS dá regras para operacionalizar e gerir esta política.

 DO PONTO DE VISTA TEÓRICO PARECE CLARO.


Do ponto de vista prático a operacionalização da política e
a formulação de suas diretrizes encontram fronteiras
pouco claras.
Leitura do Sinase
Será que o SINASE reconheceu o atendimento
socioeducativo como um campo da assistência social?
• Não quero diferenciar meio fechado de meio aberto. A
PNAS não o fez.
No documento está lá entre os serviços da Proteção
Social Especial de alta complexidade: “Medidas sócio-
educativas restritivas e privativas de liberdade (Semi-
liberdade,Internação provisória e sentenciada)”
Relação SINASE-SUAS no próprio SINASE
SINASE E SUAS

No desenho do SINASE, a intersecção com o SUAS é da


mesma natureza de sua intersecção com outros sistemas,
como Saúde, Educação, Justiça.

Ou seja a idéia é que o adolescente em conflito com a lei


necessita de um atendimento intersetorial de modo que de
acordo com suas demandas pode necessitar de serviços
socioassistencias, de saúde, ou educação.
SINASE E SUAS
 Nessa linha a assistência social ofereceria suportes para o
cumprimento do PIA , quando detectadas demandas de
serviços socioassistenciais. O acesso a serviços de natureza
socioassistenciais, assim, não seria nem necessário, nem
essencial ao atendimento socioeducativo.
 A QUESTÃO É PERGUNTAR SE A PARTE DO SINASE
ONDE NÃO HÁ INTERSECÇÃO COM O SUAS É ALGO
QUE PODE TAMBÉM SER CONSIDERADO UM SERVIÇO
SOCIOASSISTENCIAL.
 Trata-se de se perguntar se o atendimento socioeducativo
naquilo que ele tem de específico guarda coerência, aderência
com aquilo que os serviços socioassistenciais têm de
específico.
Atendimento socioeducativo e
socioassistencial
 Precisamos perguntar o que tem de específico e essencial
no serviço socioassistencial e o que há e específico e
essencial no sistema socioeducativo.

Dificuldades, aí, comparecem e elas têm a ver SEMPRE,


com o velho mais sempre renovado debate sobre a
natureza da medida socioeducativa
Atendimento socioeducativo e
socioassistencial
 A separação entre medidas de proteção e medidas
socioeducativas é um marco diferencial essencial, um dos
mais essenciais da doutrina da proteção integral em
relação à situação irregular. A resposta dirigida ao
adolescente que viola direitos é diferente daquela dirigida
ao que tem seus direitos violados.
 A assistencialização da resposta socioeducativa contribui
para a chamada confusão de vias, ou fraude de etiquetas.
 A resposta dirigida à criança infratora pode e deve estar
no âmbito da assistência. Não há dúvida.
Atendimento socioeducativo e atendimento
socioassistencial
 O adolescente ingressa no sistema socioeducativo porque praticou
crime e só se a ele foi atribuída a prática de crime.
 A prática de crime não pressupõe NECESSARIAMENTE uma
situação de vulnerabilidade.
 A menos que se entenda que a prática de ato infracional é, ela
própria, uma situação de vulnerabilidade. Por que? Porque torna o
adolescente vulnerável ao sistema repressivo? Se é assim, então o
jovem está no sistema repressivo e não no sistema assistência.
 A menos que se entenda que a prática do ato infracional é um
sintoma de vulnerabilidade. Será? Será necessariamente? A
transgressão não pode ser considerada algo natural na adolescência?
Um adolescente pobre, fora da escola, pode infracionar mas também
pode não fazê-lo.
Natureza do atendimento socioeducativo

 Parece-me, a melhor, posição que o medida socioeducativa opera e


tem sua especificidade na responsabilização do sujeito pelo ato
praticado. Seu caráter coercitivo aí se fundamenta. A limitação de
direitos que se impõe aí se fundamenta. Esse é o diferencial
específico e essencial do trabalho socioeducativo. É
constrangimento, é limitação – adolescente tem o direito de se opor a
ele, de postular sua mínima duração (não por outra razão tem direito
a um advogado).
 Quando se toma conhecimento que um adolescente autor de infração
tem direitos violados, cabe a todos trabalhar para a garantia desses
direitos. Sempre que qualquer um de nós soubermos de criança e
adolescente com direitos violados temos o dever de buscar a
reparação (art. 70). É uma obrigação geral do Estado em relação a
todos e também ao adolescente autor de ato infracional. É algo
inespecífico em relação à medida socioeducativa.
Natureza do atendimento socioassistencial
LOAS “a assistência social, direito do cidadão e dever do
Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que
provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas”.

PNAS - Segundo Di Giovanni (1998:10), entende-se por


Proteção Social as formas "institucionalizadas que as
sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de
seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes
da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o
infortúnio, as privações. (...)
Atendimento socioassistencial
• PNAS: A proteção social especial é a modalidade de
atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos
que se encontram em situação de risco pessoal e social,
por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou,
psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,
cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de
rua, situação de trabalho infantil, entre outras. Difere-se da
proteção básica por se tratar de um atendimento dirigido
às situações de violação de direitos.
Socioeducativo na assistência segundo ela
própria
Fonte: documentos do MDS – PNAS, GUIAS DE
ORIENTAÇÃO, NOBs, TIPIFICAÇÃO DOS
SERVIÇOS, INFORMAÇÕES DO SITE.
Paulatinamente os documentos – por influência do SINASE
– tem incorporado com clareza as particularidades
essenciais do sistema socioeducativo

Ex. PNAS – inclui medidas em meio fechado. Abanou-se


isso depois.
Censo SUAS 2009 – FormulárioCREAS
O Serviço tem como objetivos, dentre outros:
i. O trabalho de conscientização acerca dos atos praticados e, portanto, o reconhecimento por
parte do adolescente de suas responsabilidades;
ii. A reflexão acerca de seu contexto de vida e relacionamentos;
iii. O apoio ao adolescente para a construção de novas possibilidades de relacionamento familiar e
comunitário e de novos projetos de vida.
Onde está o caráter de proteção, de superação de uma situação de violação de direito definida,
como vimos, essencial às ações da assistência social?
A impressão é que o SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL A ADOLESCENTES EM
CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ESTÁ DESLOCADO, ESTÁ
JUSTAPOSTO, SEM CORRESPONDÊNCIA CONCEITUAL COM AS
CARACTERÍSTICAS E PRESSUPOSTOS DOS DEMAIS SERVIÇOS

ABAIXO RESUMO DAS DIFERENÇAS EM ATENDIMENTO SOCIOASSISTENCIAL E


ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO.
LOGO DEPOIS DOIS QUADRO COM AS DISTORÇÕES: A) DECORRENTES DE SE
CONCEBER O ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NA LÓGICA DO ATENDIMENTO
SOCIOASSISTENCIAL. B) DECORRENTES DE SE CONCEBER O ATENDIMENTO
SOCIOASSISTENCIAL COM A LÓGICA DO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO.
Resposta socioeducativa Resposta socioassistencial

Lógica da violação das normas Lógica das necessidades pessoais e sociais.


Direito ao mínimo existencial.

Lógica da coertividade Lógica da voluntariedade

Centrada no ato Centrada nas condições do autor do ato

Obriga o autor do ato Envolve o autor do ato e seu entorno familiar,


comunitário

Limitação de direitos Promoção e unIversalização de direitos

Perspectiva de segurança pública Perspectiva de promoção social

Justiça decide acesso e permanência Critérios de acesso e permanência definidos


pelo serviço
Resposta socioeducativa Se dada a ela caract . Consequência negativa
socioassistencial
Lógica da violação das Lógica das necessidades criminalização dos pobres e impunidade para os ricos.
normas sociais Associa criiminalidade a pobreza e somente os pobres são
alvos da ação do estado

Lógica da coercitividade Lógica da voluntariedade Descrédito na justiça. Cumpro se eu quiser

Centrada no ato Centrada nas condições do 1. Restrição de direitos do sujeito pelo que ele é e pelas
autor do ato condições em que se encontra. Inaceitável num estado
democrático de direito. 2. resposta não proporcional ao
ato mensagem ambigua sobre sua gravidade

Obriga o autor do ato Envolve o autor do ato e seu Pena passa da pessoa do criminoso. Culpabilização das
entorno familiar, famílias
comunitário
Limitação de direitos Promoção e garantia Desresponsabilização do adolescente – idéia social
direitos perversa de impunidade. Renuncia aos efeitos
pedagógicos da responsabilização. Tratamento
indiferenciado do infrator com necessidades
socioassistenciais em relação ao não infrator com
necessidades socioassistenciais.

Instrumento de reação e Instrumento de inclusão Mensagem criminógena: é infracionando (incomodando)


combate à criminalidade social que conquisto direitos
Resposta Se dada a ela caract da Consequência negativa
socioassistencial socioeducativa
Logica das Lógica da violação das normas estímulo à infração como mecanismo de acesso a
necessidades sociais direitos. Mensagem criminógena: é infracionando
(incomodando) que conquisto direitos

Lógica da Lógica da coercitividade higienismo, paternalismo, heteronomia


voluntariedade (antiautonomia).

Centrada nas condições Centrada na natureza do ato não tem sentido. O ato é uma expressão imprecisa e
pessoais e sociais do praticado ambígua, não necessária, de demandas pessoais e
usuário sociais. Nem todo ato supõe necessidade socioassistencial

Envolve sujeito, sua Obriga exclusivamente o autor não tem sentido. Vai contra toda a lógica da proteção
família, seu entorno do ato social e da matricialidade familiar. Não promove
comunitário condições seguras de autonomia – assistencialismo
individualista

Promoção e garantia Limitação de direitos Assistencia social usada para como instrumento de
direitos controle social disfarçado para justificar negação de
garantias de defesa. É a lógica do menorismo.

Instrumento de Instrumento de reação e Assistência operando como braço da segurança pública.


inclusão social combate à criminalidade Atenção vista como estratégia de prevenção da
criminalidade e não como garantia de direitos. Se quem
tem acesso é criminoso, estigmatizo e excluo.
conclusão
Do ponto de vista estratégico, pragmático, a a inclusão dos programas
socioeducativos na assistência social justifica-se plenamente.
Do ponto de vista de coerência metodológico científica e conceitual e de
política geral para a infância e juventude, não.
Não se trata de firula acadêmica. Os quadros acima demarcam os possíveis
resultados desta distorção.
Não se trata também de, com isso, tirar necessariamente os programas
socieducativos do SUAS.
TRATA-SE, PELO MENOS DE SE TER CLAREZA DISSO PARA
TRATAR ESTE PROGRAMA COM A DIFERENÇA QUE ELE TEM
EM RELAÇÃO AOS DEMAIS SERVIÇOS
O ideal é que sejam equipes distintas em locais distintos (atendimento fora do
CREAS).
SE POSSÍVEL REPENSAR O LUGAR DO ATENDIMENTO
SOCIOEDUCATIVO FORA DA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA E DA
PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL
FIM

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