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A desnutrição infantil
Professora: Ana Claudia Pereira Leal
A DESNUTRIÇÃO INFANTIL E SEU SIGNIFICADO SOCIAL
Maria Ângela Silveira Paulilo
Ivana Paula Furlan Rodolpho
RESUMO
Este trabalho pretende analisar a desnutrição infantil enfocando seus
aspectos nutricionais, sociais e de saúde, assim como as determinações
socioeconômicas que contribuem para o seu agravamento.
Palavras chaves: fome, desnutrição infantil, qualidade de vida.
À entrada da humanidade no século XXI, diante de avanços tecnológicos, de descobertas científicas e de todos os
progressos do homem, um fenômeno milenar persiste e atinge segmentos cada vez maiores da população: a fome.
Como expressão das desigualdades sociais, especialmente nos países em desenvolvimento, a fome leva à morte milhares
de pessoas, que se tornam vítimas de um processo de exclusão que as priva, inclusive, do direito fundamental à vida. Estima-
se que atualmente 828 milhões de pessoas sofrem de fome crônica, correspondendo a 13,8% do total da população de seis
bilhões em todo planeta (MINAYO, 1985).
Sempre presente na sociedade, diferenciando-se pelas proporções tomadas e pelas causas que lhe são atribuídas, a fome
tem raízes históricas, relacionadas às formas de colonização e exploração sob as quais consolidaram-se algumas sociedades.
Em seu sentido estrito, a palavra fome significa ausência de alimentação, independente das causas que provocam tal
situação. Esta é, porém, uma definição limitada e imediata, que parte do princípio da individualidade, enquanto que a fome
deve ser concebida como uma questão social e de caráter coletivo, considerada como uma condição física e biológica, com
determinações políticas, econômicas e sociais.
JONSSON (1986, p.50) conceitua a fome como a deterioração do estado de saúde e/ou desempenho produtivo e social
de indivíduos resultante de uma ingestão de alimentos ou em baixa qualidade ou do tipo errado, ou ambos. Para ele, a fome
também tem relação com a qualidade da alimentação ingerida e não apenas com a quantidade, o que chama de fome oculta.
ABRAMOVAY (1983, p.14) também apresenta estas duas definições denominando a fome, por déficit de quantidade
ingerida, global ou energética. Esta afeta o desempenho normal do organismo à medida que não são repostas as calorias
despendidas para o seu funcionamento.
JONSSON (1986, p.51) relaciona a fome com a pobreza mostrando que esta pode frequentemente ser medida pela
prevalência da fome, embora um fenômeno não seja equivalente ao outro, pois pode existir pobreza sem que haja pessoas
famintas e pobreza que extrapola a fome, privando as pessoas de outras necessidades humanas. Esta associação é
importante porquanto remete a fome a um contexto mais abrangente, como questão estrutural e de cunho social, que atinge
grandes massas humanas e não prejudica apenas o indivíduo, mas a sociedade como um todo, à medida que provoca danos à
saúde, à socialização e ao desenvolvimento de um povo.
Em se tratando dos países em desenvolvimento, em especial o Brasil, a má distribuição de renda, a disparidade social
entre os que detêm o capital e os que vendem sua força de trabalho e o alto índice de desemprego contribuem para o
aumento da pobreza e da miserabilidade da população. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), 35% da população brasileira vivem na pobreza, em condições precárias, sem acesso a moradia, alimentação, saúde
e educação.
No ano de 1997, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Social (IPARDES), em parceria com o governo do
Estado, realizou no Paraná um estudo intitulado ‘O Mapa da Pobreza’, que apontou que 33,6% da população do Estado
possuem chefes de domicílio com renda de até um salário mínimo, classificados como vivendo em situação extrema de
pobreza. Apontou ainda que 40% dos domicílios do Estado foram considerados precários, combinados os índices de
analfabetismo, renda e condição de saneamento básico.
Em Londrina, segundo dados do Plano Municipal de Assistência Social do ano de 1999, cerca de 38,86% (160.354 pessoas) da população
sobrevivem com renda de até dois salários mínimos e cerca de 50 mil pessoas encontram-se em situação de pobreza extrema, privadas de
satisfazerem suas necessidades básicas de sobrevivência.
Diante destes números, fica evidente que a pobreza é um dos grandes entraves encontrados para melhora da qualidade de vida da população e a
principal causa de doenças. A fome e as más condições de vida (moradia, higiene, saneamento) devem fazer parte de toda análise sobre as
condições de saúde de uma população.
Dentre as doenças que afetam esta população encontra-se a desnutrição infantil que, além das determinações ambientais e orgânicas, possui
causas econômicas e sociais. Dessa forma, a desnutrição infantil deve ser considerada como um problema de saúde pública, necessitando ser
diagnosticada e tratada como doença endêmica, presente na sociedade atual e alvo de ações curativas e principalmente preventivas.
A desnutrição de que trataremos neste trabalho é a chamada Desnutrição Energético-Proteica (DEP) que, segundo a OMS, consiste em um
conjunto de condições patológicas causadas por deficiências das células do organismo, associadas quase sempre a infecções, ocorrendo com
maior frequência em lactentes e pré-escolares.
Segundo SAWAYA, a DEP é um problema chocante, tanto em escala, quanto em gravidade; cúmplice secreto da pobreza que impede o
crescimento físico e mental de uma em cada três crianças nos países em desenvolvimento (SAWAYA, 1997, p.21). Caracteriza-se como uma
doença social, responsável por um elevado número de mortes de crianças. Tem como causa três fatores essenciais: pobreza, múltiplos processos
infecciosos e baixa ingestão calórica.
Nos organismos desnutridos os processos infecciosos (diarreias, doenças respiratórias, sarampo, parasitoses) apresentam-
se com um curso mais prolongado e ficando mais vulneráveis a doenças oportunistas. A falta de nutrientes no organismo
(energia, proteínas, vitaminas, ferro, zinco), também contribui para o atraso no desenvolvimento sadio das crianças
(FERRARI, 1997, p. 111).
Além dos prejuízos visíveis nas crianças, como baixo peso e baixa estatura, a desnutrição infantil é uma doença que
provoca sérios danos no crescimento e desenvolvimento orgânico como, por exemplo, a diminuição do tamanho e número das
células do organismo. De acordo com MOYSÉS, é importante ressaltar que tais alterações,
...só são produzidas se a desnutrição incidir na época em que o cérebro está crescendo em grande velocidade, conhecida como período
vulnerável. No homem, esta fase engloba o período pré-natal e os primeiros seis meses de vida, segundo alguns autores, podendo
estender-se até o fim do segundo ano, segundo outros. Também é neste período que seria possível a reversibilidade destas
alterações orgânicas, através de completa recuperação nutricional (MOYSÉS et al, 1986, p. 99).
A Desnutrição Energético-Proteica infantil está associada a fatores de risco que aumentam a probabilidade de sua
ocorrência. O baixo peso ao nascer, inferior a 2.500 gramas e as condições gestacionais são fatores importantes que podem
determinar o desenvolvimento.
O baixo peso está associado a diversas causas, entre as quais: prematuridade, condição genética, hábitos maternos
inadequados ou prejudiciais como uso de drogas ou álcool, idade da mãe, ausência de acompanhamento pré-natal; a essas
causas somem-se ainda fatores sociais, como baixa renda. A desnutrição intrauterina ou fetal também é uma causa do baixo
peso, pois impede o crescimento adequado da criança no útero.
O leite materno contém naturalmente todos os nutrientes que a criança necessita até os seis meses de idade, por isso
é um grande aliado na prevenção da desnutrição. Contudo, após o 6 º mês as necessidades da criança ultrapassam a
produção de leite, ou seja, a quantidade de leite que a mãe produz não diminui, porém não é mais suficiente
nutricionalmente para a criança, que precisa de outros alimentos, o que não significa abandono da fonte materna, que
pode prosseguir até os dois primeiros anos de vida da criança, se esta estiver com peso e altura dentro do padrão esperado.
A introdução tardia dos alimentos pode causar deficiências nutricionais, provocando a desnutrição.
Em virtude do crescimento constante das crianças, torna-se importante avaliar seu progresso periodicamente. Para
verificar se o crescimento físico de uma criança está abaixo ou acima do potencial genético, utilizam-se métodos adotados
mundialmente, os quais consideram os índices de equilíbrio entre altura e idade, peso e idade e peso e altura. Essas
medidas são comparadas com o padrão norte-americano NCHS e recomendado pela OMS (SAWAYA, 1997, p. 24).
Existem várias formas de classificar o estado nutricional, dentre as quais a de GOMEZ, que é indicada para crianças
menores de 5 anos e tem como parâmetro peso e idade. Embora ele considere apenas duas medidas, é importante porque
permite classificar o grau de desnutrição em primeiro, segundo ou terceiro, de acordo com sua intensidade (SAWAYA,
1997, p. 23). Contudo, uma avaliação completa do estado nutricional deve contemplar: anamnese alimentar e dados de
ingestão; dados bioquímicos; exames e história clínica; dados antropométricos e psicossociais.
O Ministério da Saúde conta com um Programa de Combate às Carências Nutricionais – PCCN, que contempla
crianças de 6 a 59 meses em condição de baixo peso e risco nutricional. Em Londrina, a Secretaria de Saúde é
responsável por este programa que é coordenado pela Gerência de Apoio Social. Conta com 1050 vagas / mês e atende
crianças encaminhadas pelas Unidades Básicas de Saúde. Essas crianças recebem um kit mensal contendo 7 latas de leite
em pó e 1 lata de óleo de soja e são acompanhadas através de pesagem mensal, bem como suas mães com orientações.
Em novembro de 1999, o setor de Serviço Social do Pronto Atendimento Infantil (PAI) propôs uma parceria com
este programa, em razão da freqüência e reincidência de crianças atendidas no PAI provenientes, em sua maioria, das
regiões periféricas da cidade e que apresentavam quadro de baixo peso e desnutrição.
Diante dessa demanda optou-se por realizar um trabalho multidisciplinar em parceria com o PCCN. O bairro
escolhido foi o Conjunto União da Vitória, por possuir um número significativo de crianças cadastradas neste programa,
o que permitiu a formação de um grupo com vinte e seis crianças de baixo peso, as quais foram acompanhadas
mensalmente em suas condições nutricionais, sociais e de saúde. Contudo, na avaliação parcial deste projeto, constatou-
se que, embora as mães estivessem participando de forma satisfatória e de modo geral, as crianças viessem ganhando
peso, este não era suficiente. Persistia o quadro de baixo peso e desnutrição.
Dessa forma esta pesquisa pretendeu analisar as razões da não-superação da condição de desnutrição, a partir de
informações sobre aspectos sociais, nutricionais e de saúde. Das vinte e seis crianças participantes do projeto, foram
analisadas nove, definidas de acordo com os seguintes critérios: participação no projeto desde novembro/99;
comparecimento assíduo para acompanhamento com nutricionista; não-modificação do estado nutricional; ausência de
fatores genéticos ou estruturais determinantes de baixo peso e ausência de doenças crônicas.
A partir da escolha das crianças alvo do estudo, em um primeiro momento foi realizada pesquisa nos prontuários médicos da
Unidade Básica de Saúde do Conjunto União da Vitória, levantando informações sobre peso/ estatura ao nascer, situação de
saúde, aleitamento nos seis primeiros meses de vida, principais doenças que acometem as crianças e sua reincidência.
Em um segundo momento, fez-se entrevista com as mães, com formulário contendo questões abertas e fechadas
sobre: composição familiar, situação socioeconômica, caracterização do domicílio, situação de saúde da criança e
informações sobre alimentação e avaliação da condição de saúde da criança. Os dados colhidos, agrupados e analisados
são, a seguir, apresentados.
O universo estudado é constituído de nove com idade na faixa de 1ano e 8 meses a 4 anos e 5 meses, de acordo com
os critérios citados e que fizeram parte do projeto de novembro/1999 a setembro/2000. Todas pertencem a famílias
nucleares, composta de quatro a nove membros. Possuem renda familiar mensal oscilando de R$ 220,00 a R$ 430,00;
em quatro casos o pai tem emprego fixo (registro em carteira) e em três os pais trabalham sem registro; duas famílias
Além do leite, cinco famílias contam com ajuda de cestas básicas de programas assistenciais. Os gastos mensais em média
ficam em torno de R$ 176,00 e sua maior parte recai sobre alimentação.
Estes números ratificam os dados de pobreza demonstrados no início deste trabalho, que apontavam que 35% da
população brasileira vivem em situação semelhante ao universo deste estudo, dependentes do auxílio de serviços públicos
ou privados, por não ter condições de prover às necessidades básicas de sobrevivência.
Das nove famílias entrevistadas, quatro utilizam a água sem filtrar ou ferver e embora tenham abastecimento de água e
luz, duas estão sem energia por falta de pagamento. As condições de higiene são desfavoráveis em quatro casas, nas quais
encontraram-se utensílios sujos, alimentos expostos inadequadamente ou quintal com lixo. Em uma casa, há presença de
água parada proveniente de chuvas, colocando em risco maior a saúde das crianças da casa. Tais condições de moradia e
higiene comprometem o crescimento sadio das crianças e, como já mencionado, são fatores externos que se tornam
entraves para melhora da qualidade de vida e denunciam um modo de vida imposto à camada mais carente da sociedade.
No grupo analisado, observou-se que a maioria das crianças já teve episódios de diarreia e desidratação além de infecções
respiratórias e resfriados frequentes. Este dado se confirma nos registros da UBS, que apontam também a ocorrência de
anemias e verminoses. Isso se deve ao fato de que, nos organismos desnutridos, as células de defesa não funcionam de
maneira adequada, expondo as crianças a infecções de repetição. Além disso, doenças que em crianças bem alimentadas
não causam consequências significativas, nestas crianças podem tomar dimensões graves e até fatais.
Apenas cinco crianças nasceram com peso inferior a 2.550 gramas, sendo que destas, três são prematuras. Estas
crianças apresentaram doenças frequentes, principalmente diarreia e pneumonia. Sabe-se que crianças prematuras
recuperam o peso rapidamente e desenvolvem-se dentro do padrão esperado se tiverem condições favoráveis, o que não
ocorre com estas crianças, que nasceram com déficit de peso e, por falta de alimentação adequada não o recuperam,
compondo um grupo de risco, pois adoecem com maior facilidade. Além disso, nas crianças com baixo peso essas
doenças podem ter um curso mais longo e, dependendo da frequência com que ocorrem, provocar danos irreparáveis à
saúde e ao desenvolvimento da criança, deixando sequelas por toda a vida, principalmente se incidirem no período
chamado vulnerável, que atinge dos 6 meses até o segundo ano de vida.
Das nove mães entrevistadas, duas não fizeram pré-natal, por não acharem necessário. As demais tiveram
acompanhamento mensal, com a realização de exames de rotina; duas delas relataram problemas de saúde devido à
pressão alta, sendo que uma ficou durante a maior parte da gestação hospitalizada além de ter passado fome durante um
período da gestação. Este é um fator relevante, pois possivelmente essa criança teve desnutrição intrauterina decorrente
de uma gestação conturbada por problemas de saúde da mãe, agravado por fatores sociais que impediram o acesso à
alimentação adequada. Novamente a fome apresenta-se como um entrave para o desenvolvimento sadio das crianças e,
nesse caso, tem relação direta com a fome quantitativa, provocando um dano importante na qualidade de vida que será
oferecida a esta criança, porquanto após o nascimento esta situação persiste e as condições de recuperação tornam-se
A maioria das crianças foi amamentada no peito durante os seis meses recomendados. Três crianças não receberam
leite materno durante este período e 4 mães estenderam a amamentação além do necessário, chegando num caso até o
3o ano. Suas mães reconhecem que este hábito prejudica o apetite das crianças que preferem mamar a comer. É importante
mencionar que nesses casos não apareceu a queixa de falta de comida para justificar este hábito e sim a relação prolongada
estabelecida através da amamentação entre a mãe e a criança, que normalmente é rompida com a chegada de outro filho.
O inconveniente da amamentação está em que, muitas vezes, a relação entre mãe e filho se estende além do necessário
e consolida-se em uma situação cômoda para a criança e para a mãe porque esta não tem a preocupação com a comida de
sal, supondo que a criança esteja alimentada. Como já é de conhecimento, a ausência de alimentos pode causar deficiências
nutricionais chegando à desnutrição, neste caso provocada pela fome qualitativa, pois que o organismo da criança fica sem
vitaminas, ferro, zinco e outras substâncias que permitem ao corpo humano desempenhar funções vitais.
Quanto ao preparo do leite, a maioria das mães não o prepara conforme orientação do PCCN. Algumas chegam a
deixar o leite mais fraco para que possa render mais e dar para os outros filhos não inscritos no programa. Outras, ainda
confundem as medidas recomendadas, deixando a diluição concentrada. Em apenas três dos nove casos analisados, o leite
vinha sendo consumido exclusivamente pela criança desnutrida; nos demais ocorria repartição entre os outros filhos e até
entre membros adultos da família. Assim o leite fornecido não é suficiente para o tempo previsto de 30 dias, chegando a
durar em média apenas 20 dias.
Estas famílias, pela condição social em que se encontram, muitas vezes acabam tendo como única fonte de
alimentação o leite recebido, que surge como alternativa imediata para satisfação da fome. Deve-se considerar também que
o consumo frequente durante o dia, em especial por crianças mais velhas que necessitam de outras fontes de proteínas e
vitaminas, não só impede que o leite dure o tempo previsto como não cumpre sua função que, neste caso, é de
complementação alimentar. Outro dado importante é que o leite, em algumas situações, torna-se produto de troca, sendo
usado por algumas mães como moeda corrente para adquirirem outro tipo de alimentação ou para satisfazerem
necessidades como o uso de drogas ou álcool.
Diante desta realidade, fica claro que a condição de pobreza é o maior determinante da desnutrição nas crianças
analisadas, já que a impossibilidade de a família arcar com a alimentação faz com que o leite, recurso disponível, seja
produto básico no consumo diário e não complementar da dieta alimentar, que é a sua atribuição principal. O leite passa a
ser consumido pelas crianças da família, incluídas as que estão dentro do peso esperado e, por isso é diluído
incorretamente, prejudicando seu valor nutricional. Trata-se, aqui, da fome quantitativa e qualitativa, provocada por
déficit de nutrientes no organismo, originário tanto da ausência de comida como também da diluição errada do leite, que
perde seu valor nutricional. Estas famílias tornam-se vítimas impotentes diante da situação de penúria pela qual atravessa o
país e fazem parte dos 38% da população local que vivem em situação de pobreza, privados de satisfazerem suas
necessidades de sobrevivência. Neste grupo, a fome toma uma dimensão mais ampla, de cunho coletivo, refletida na
De acordo com a avaliação nutricional de Gomez, das nove crianças em questão apenas duas estão com
desnutrição de 1º grau considerada leve; as demais encontram-se com desnutrição moderada, de 2 º grau.
Como já mencionado, esta avaliação não deve ser vista isoladamente, uma vez que há necessidade de
acrescentar a esta análise os dados de estatura, que, no caso destas crianças, não é satisfatória se
comparadas com o padrão esperado, não porque não apresentem crescimento, mas porque este não é
acompanhado pelo ganho ideal de peso. Além disso, os hábitos equivocados, a condição socioeconômica,
os dados gestacionais e de nascimento, a história clínica e os dados antropométricos devem ser
considerados para que a avaliação possa indicar a desnutrição.
Estas crianças estão, contudo abaixo do peso esperado para a idade e, devido à condição de pobreza em que
vivem, correm o risco de não o recuperarem e permanecerem desnutridas. Caracterizam-se assim como um
grupo de risco, alvo de ações curativas e preventivas, uma vez que existem fatores externos ao organismo
da criança desnutrida que escapam ao controle médico e às avaliações exclusivamente clínicas. Tais fatores
necessitam de interferência no sistema político, econômico e social para que a situação vivida por este
segmento populacional sofra modificações.
Quanto à alimentação fornecida, todas as mães foram unânimes em dizer que oferecem o que têm em casa,
que basicamente é de arroz, feijão, batata e macarrão e eventualmente algum tipo de carne. As mães
participantes da horta mencionaram o consumo de verduras. Oito mães responderam que as crianças se
alimentam sozinhas, independentemente da idade e que, de modo geral, comem ‘bem’. Apenas duas referiram
que as crianças se alimentam pouco. Também se constatou a possibilidade de as mães não terem domínio sobre
a alimentação da criança, pois não souberam informar a quantidade do que comem, respondendo que comem o
que elas colocam no prato e que as crianças se alimentam sozinhas. Esta situação pode levar a mãe a perder o
controle sobre a alimentação dos filhos, visto que conseguem responder apenas se comem bem ou mal, não
dando detalhes sobre o que ocorre com a criança na hora das refeições. Apenas 01 mãe respondeu que não
permite que a criança coma sozinha e caso isso ocorra, fica atenta para a quantidade ingerida. As demais
relataram que os filhos comem sozinhos e eventualmente insistem quando a criança rejeita a comida.
Este fator pode estar contribuindo para que as crianças não ganhem o peso esperado, pois que todas já estão
fora da faixa etária dependente exclusivamente do leite e necessitam de matérias primas provenientes da
alimentação em quantidade correta, sob pena de sofrerem um desequilíbrio alimentar, ocasionado pela fome
Cinco famílias já tiveram outros filhos desnutridos e, em dois casos, as crianças chegaram a correr risco de vida por
falta de comida e de acompanhamento/ orientações. Em três situações seus irmãos foram desligados do PCCN por
completarem cinco anos, mesmo não tendo recuperado o peso conforme o esperado. Este dado reafirma o que já foi
mencionado: é o resultado da pobreza que abrange um número cada vez maior de pessoas que não consegue vislumbrar
um futuro melhor e vê a história repetir-se com cada filho. Não é uma situação circunstancial, momentânea, mas
conjuntural e instalada na sociedade como fruto do desenvolvimento econômico e social desorganizado.
Outro dado interessante revelado pela pesquisa mostra que as mães não conseguem entender porque as crianças
continuam desnutridas, uma vez que têm acompanhamento constante e recebem o leite que, em tese, deveria ser de
consumo específico da criança desnutrida. Duas atribuem isso ao fato de ser a família magra por natureza; portanto
acreditam que não ter a criança atingido o peso ideal é “natural”, já que os exames clínicos não apontam nenhuma
alteração. Duas mães acham que, por serem prematuras, as crianças têm um déficit de peso que não é proporcional ao
crescimento; três não conseguem identificar as causas, afirmando que seguem todas as orientações feitas e fazem
acompanhamento constante com pediatra na UBS. É importante salientar que duas das crianças apresentam diarreia
constante e anemia.
De modo geral as mães relacionam a desnutrição a uma situação definida, quase que sem perspectiva de mudança,
mas não fazem ligações com a condição geral de saúde da criança e com as consequências da desnutrição infantil no
crescimento e desenvolvimento dos filhos, preocupando-se mais com a situação imediata que se reduz ao ganho ou não
de peso. Assim, não conseguem identificar a desnutrição com as causas já apontadas anteriormente, ou seja, a pobreza,
os múltiplos processos infecciosos e a baixa ingestão calórica ou proteica. Diante do quadro de baixo peso dos filhos, as
mães sentem-se impotentes, alegando que fazem o que está ao seu alcance, atribuindo o mau estado de saúde dos filhos
a uma fatalidade da qual não podem escapar.
O binômio pobreza / desnutrição repete-se no cotidiano destas famílias, que vivem as consequências de um modo de vida imposto
pelo sistema econômico vigente. A desnutrição para estas famílias está presente no rol de doenças que fatalmente acometerão
A desnutrição infantil é um mal que afeta populações de todo o mundo, principalmente nos país
mais pobres, os chamados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Analise o artigo e responda:
1) De acordo com o artigo, devido ao processo de exclusão social, o qual priva as pessoas inclusive
do direito fundamental à vida, muitas pessoas em todo o mundo sofre de fome crônica. Qual seria
essa quantidade em número e porcentagem? O que você pensa da desigualdade social? Em seu país
há muitos processos de desigualdade? Fale um pouco sobre esse tema, relacionando seu
conhecimento com o que ocorre no Peru.
2) A palavra fome, em seu sentido estrito se relaciona à ausência de alimentação, independente das
causas e situações sociais. Mas esse termo é muito mais amplo, deve ser concebido como uma
____________________________________________________________________________
3) Autores como JONSSON (1986, pp.50, 51), e ABRAMOVAY (1983, p.14) nos apresentam algumas
definições para o sentido do termo forme. Relacione-os.
4) O texto nos mostra que nos países em desenvolvimento, principalmente o Brasil, o aumento da
pobreza e da miserabilidade da nação decorrem de fatores como a má distribuição de renda, a
disparidade social entre os que detém o capital e os que vendem sua força de trabalho e o alto índice
de desemprego.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 35% da população brasileira
vivem na pobreza, em condições precárias, sem acesso a moradia, alimentação, saúde e educação.
Tendo como base esses dados, pesquise como está a situação do seu país em relação à distribuição de
renda, condições de trabalho, desemprego e acesso aos bens fundamentais ao ser humano, tais como a
saúde, moradia, comida e educação.
Considerando a região onde vive, como ela se classifica em relação ao restante do país no quesito
nutrição/subnutrição? Em sua opinião, é possível fazer algo para mudar essa realidade?