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OS CICLOS FICCIONAIS DA BORRACHA

E A FORMAÇÃO DE UM MEMORIAL
LITERÁRIO DA AMAZÔNIA

Rafael Voigt LEANDRO


Introdução
0.1 .Um pouco de crítica e historiografia sobre a literatura do ciclo da
borracha
 Caio Prado Jr. – “ a literatura amazônica enjoava”;
 O ciclo da borracha é o grande responsável pela entrada definitiva das letras
amazônicas no circuito nacional;
 O interesse financeiro do centro do país no mundo amazônico;
 Virada do século 19 para o 20 produção literária da região é bastante irregular;
 Visão de Péricles Morais;
 Peregrino Júnior – quatro surtos literários: 1) naturalista, 2) influência forte de
Euclides da Cunha, 3) ufanista e 4) o de orientação modernista.
 Consolidação do sistema literário amazônico;
 Benedito Nunes e o amadurecimento da crítica literária;
 Mária Ypiranga Monteiro – ciclo da borracha como influitivo;
 Visão de Márcio Souza e Foot Hardman.
 0.2 . Componentes históricos do ciclo da borracha
 A história da borracha e o passado pré-colombiano;
 1820 – espécie de laboratório na fabricação de boletas de borracha;
 1839 – primeiros trabalhos à base de enxofre e calor;
 1850 – goma passa a ser principal produto de exportação na Amazônia;
 Avanço dos seringais sobre às terras indígenas;
 Terceira fase da borracha – colapso no seringal;
 1877-80 – nordestinos migram para a Amazônia;
 Capital estrangeiro - financiava o processo de aviamento;
 Concorrência internacional.

 0.3. Ciclo, labirinto e repetição: história, memória e literatura


 Flora Sussekind – a ideia de ciclo como modelo de transformações sociais e
econômicas;
 O ciclo e a lógica labiríntica de novas possibilidades;
 Sussekind e a repetição histórica como dispositivo da visão marxista.
 0.4 Memorial literário amazônico: perspectiva teórica
 Pierre Nora – Noção de memória como meio criativo para a criação literária;
 Astrid Erll – a onipresença da literatura como memória cultural;
 Literatura e memória: suas diversas similaridades;
 Erll – três intersecções entre literatura e memória:
1) a condensação, que é fundamental para transmissão de ideias sobre o passado;
2) a narração como estrutura ubíqua para a criação de significados;
3) o uso de gêneros como formatos culturalmente aceitos para representar eventos
passados.

1. Euclides da Cunha e Alberto Rangel: a protomemória do ciclo Alberto


Rangel – escritor da belle époque:
 Euclides da Cunha e Alberto Rangel – a reviravolta na prosa amazônica;
 A filiação de Alberto Rangel ao estilo do autor de Os Sertões;
 A protomemória do ciclo;
 O positivismo de Rangel.
1.1. Baraúna e Castañeda: as fronteiras da protomemória
 O descaso estatal sob terras públicas.

1.2. Oconflito sob o olhar positivista


 Dois valores para a floresta: um econômico, vindo dos seringais de
Baraúna, outro, científico e poético, vindo da pesquisa do alemão.

1.3. A épica dos sertões amazônicos


 O retorno ao conflito de Baraúna e Castañeda, o confronto entre as
nações.

1.4. Um memorial de nacionalidades amazônicas


 Euclides da Cunha e Alberto Rangel: iniciaram um projeto literário de
maior envergadura.
2. Raimundo Moraes e o indianismo dos seringais

Sua obra compõe-se em um período de decadência do áureo ciclo da
borracha, já pela década de 1920.

Ao contrário de outros modernistas, a tendência estético-literária de
Raimundo Moraes não se aproxima em nada da geração neorrealista de
1930.

O escritor pertence a uma geração mais afeita ao realismo positivista, ao
naturalismo de Zola, que ainda resistia na década de 20 e 30 do século
XX.

2.1 .A volta ao índio de Alencar?



Romance Ressuscitados (1936): retrata a história dos índios no seringal.

Temáticas abordadas:

noção de estrangeiridade do indígena em sua própria terra;

(in)consciente imposição civilizatória sobre os indígenas, ocorrida desde
tempos imemoriais;

domesticação dos indígenas

A riqueza gomífera conquistada pelos donos do seringal

2.2. Os seringais ressuscitados

Técnica narrativa mais próxima do documentário

Retorno ou continuação ao projeto regionalista de José de Alencar.

Ressuscitados apresenta uma ressurreição da memória: “um embate contra o esquecimento das
antinomias do mundo amazônico. É mais uma remissão para a qual o título da obra aponta”
(LEANDRO, 2016, p. 94).


2.3. Choque civilizatório

As relações fronteiriças das populações amazônicas e o perfil social de cada uma, na obra de
Moraes.

As contradições nas relações comerciais na obra: “Era a mercadoria conduzindo o mercador, a
indústria levando o industrial, o produto transportando o produtor”. (LEANDRO apud Moraes,
2016. p. 94).


2.4. O coronel e índia na Paris de Belém


2.5. A transformação da índia parisiense


2.6. De Corina a Itapuã: embates étinicos

2.7. Esquecendo Raimundo Moraes

O apagamento do índio na ficção histórica do ciclo da borracha

A índia de Moraes conserva o caráter lendário, com inspiração em
José de Alencar ao mesmo tempo que revela problemas pouco
explorado na história e na ficção sobre o ciclo da borracha.

3. Dalcídio Jurandir e a formação da periferia em Belém



A modernização da literatura da Amazônia – neorealismo.

“A obra dalcidiana supera as debilidades da prosa, meio ficional,
meio positivista, de Alberto Rangel e Raimundo Moraes, para
ccitar apenas dois dos autores analisados com mais atenção até
este ponto.” (LEANDRO, 2016, p. 117)

Deslocamento do foco temático das gerações anteriores

O homem em destaque, em detrimento da complexa
biodiversidade e da natureza selvagem.

3.1. Belém do Grão-Pará: figurações da política da borracha

Figurações do ciclo da borracha por meio do romance Belém do Grão-Pará.

Passagem campo-cidade na figura da personagem Alfredo.

O amadurecimento da personagem Alfredo a partir do choque entre campo-
cidade.


3.1.1. Memória familiar dos Alcântaras

O período áureo da borracha e as ruínas deixadas por ele são retomados na
narrativa por meio da memória das personagens.


3.1.2. D. Inácia e o viés político

Consciência política de D. Inácia ao se preocupar com a revolta dos
roceiros do Guamá.


3.1.3. Alfredo, o flâneur de Marajó, na meninice da periferia de Belém

As oscilações do foco narrativo na obra.

O passeio da personagem Alfredo pela capital paraense é também um
passeio por si mesmo.
4. Cláudio de Araújo Lima: Pós-memória e confissão
 Pós-memória: escrita posterior ao período que retrata.

 Obra da pós-memória: Coronel de Barraco (1970):


 Remete aos fatos do primeiro ciclo da borracha;
 Retoma a mesma fonte estética do início do século;
 Obra de caráter autobiográfico;
 “A autobiografia constrói-se no eixo mais ficcional, a partir das experiências
familiares de Cláudio, não pela vivência direta dessas mesmas experiências”
(LEANDRO, 2016, p. 149).

 4.1. Henry Wickham e a maldição da decadência


 O exotismo alimentado pela população local;
 Refaz o mito de que a Amazônia precisa nascer;
 Ingenuidade narrativa ao escrever na estética naturalista, agrava-se em uma
narrativa simplória;
 O discurso religioso reforça a lógica do trabalho servil;
 Dialética do pensamento: a sagacidade (colonizador) e a inocência (colonizado);
 Roubo das sementes de hevea brasiliensis e a biopirataria na Amazônia.
 4.2. Matias Albuquerque: o narrador dividido
 Narrador de uma memória representada;
 Exposição de uma metaficção do personagem ao se propor a escrever
suas memórias;
 Romance autobiográfico; memória da cumplicidade;
 Marca da pós-memória: lembra o que não viveu;
 O narrador se divide entre a economia e o romantismo;
 Desnacionalização da borracha;
 Ao sentir-se culpado, o narrador necessita de alguém que o ouça;
 Descreve as mudanças nas cidades como retrato dos milhões de quilos
de borracha exportado;
 Após a longa viagem pela Europa e Ásia, volta para o seringal:
civilização e anticivilização;
 A solidão na selva marca o inferno representado, a selvageria econômica
era o inferno em formação;
 Entretanto, o narrador não possui profundidade crítica.
 4.3. Coronelismo versus Neoliberalismo
 A volta de Matias Albuquerque ao seringal;
 Fé em Deus: símbolo da derrota (seringal de Cipriano Maria da Conceição);
 O Coronel era o símbolo da abastança de uma época.
 Crítica ao artificialismo da época;
 Crise e melancolia;
 Com a falência da borracha, Albuquerque decide mudar os rumos do seringal;
 Diversificação da produção agrícola;
 Mudança dos hábitos alimentares da comunidade.

 4.4. Problemas da Pós-memória (em Cláudio de Araújo Lima)


 A crítica à ingenuidade de um país subdesenvolvido e a defesa por
modificações sociais não se completam;
 Mesmo em cenas trágicas, a narrativa não apresenta drama;
 O objetivismo marca uma autonarrativa naturalista;
 O memorialismo é sustentado por fatos históricos;
 A pós-memória tem caráter fragmentário, inacabado, ou de vazio, e trai o
escritor, pois a memória reflexiona sobre outra antecedente, mas sem inovação
literária.
5. Marcio Souza e a Madmemória
 Mad Maria (1980) é um romance histórico que dialoga indiretamente com outras
produções literárias do ciclo ficcional da borracha;
 Na obra de Marcio Souza temos um ciclo indissociável de um contato significativo
com forças estrangeiras;
 A técnica narrativa do autor constitui-se de “memória global”, problematizando não
só a Amazônia e o Brasil daquele tempo, mas o de hoje também;
 O romance dá destaque a um dos capítulos do ciclo da borracha: a construção da
estrada de ferro Madeira-Mamoré.

 5.1. Os trilhos da narrativa


 Foot Hardman se mostra descontente com a qualidade literária de obras, do período
de 1960 à 1980, que trazem a rodovia como temática, mas considera Mad Maria
como a melhor tentativa, embora veja no romance de Souza um esquema anti-
imperialista muito assumido;
 Márcio Souza leva o leitor a traçar linhas comparativas entre a Madeira-Mamoré
(1912) e a construção da Transamazônica (1872);
 O romance demonstra em alguns trechos a impossibilidade de construção da
ferrovia, dada as circunstancias conflituosas entre Brasil e Bolívia.
 5.2. Ordem mundial, ordem da memória.
 O memorialismo de Souza inclui personagens reais como Farcquar e
ficcionais como a boliviana Consuelo;
 O discurso narrativo de Mad Maria quer chamar atenção para o
imperialismo norte-americano que desponta e atravessa a estrutura política
brasileira;
 Essa ordem mundial se revela entre outras coisas pela organização do
trabalho na empresa responsável pela Madeira-Mamoré, onde mesmo em
minoria, os americanos ocupam cargos de maior importância.

 5.3. Transfigurações do indianismo


 Em Mad Maria o índio é apresentado dentro da barbárie produzida pela
globalização aos povos resistentes à violência e à cultura do mundo
capitalista;
 O deslocamento do índio para a memória global ocorre quando o norte-
americano batiza-o de “Joe Caripuna”, civilizando-o;
 O exotismo do índio torna-se globalizado, sem qualquer ocorrência de
uma política indigenista de proteção.
 5.4 Integração à memória nacional
 O Mad Maria tem um tom globalizante que não se enraíza no centro político brasileiro daquela época
mas sim na política capitalista;
 Marcio Souza expõe a postura desvirtuosa de Farcquar e sua relações na política de Estado;
 Na narrativa as movimentações políticas no centro do país tocam pouco diretamente nas questões da
Madeira-Mamoré, o que revela uma omissão política do governo brasileiro da época quanto à
problemas ligados a região amazônica.

 5.5 Estética do riso e ideologia


 A forma romanesca escolhida por Souza passa por uma estética de memorialismo global, com traços de
comédia de costumes e alto potencial de erotismo e sensualidade;
 A ironia, o deboche e a sátira compõem o romance para representar a tentativa de realizar uma fantasia
ferroviária em uma região com tantos obstáculos naturais;
 Contrariando a imagem de um país moralista e ditatorial, Marcio Souza busca mostrar a realidade por
outras margens.

 5.6 Locomotiva ao largo dos seringais


 Mad Maria tem poucos registros da tradicional cenas do ciclo da borracha;
 Souza assume um discurso contra o que ele considera ser o implante da megalomania de outros
tempos;
 A Transamazônia percorre o caminho de deturpação cultural e decadente do ser humano na busca pelo
ouro no garimpo, que a Madeira Mamoré também proporcionou antes;
 De certa forma Souza luta contra a retificação da memória que imobiliza a história, enquanto sua
memória potencializa a história do Ciclo da Borracha com Mad Maria e outras produções.
6.Milton Hatoum, metamemória e consciência memorial

 A estética da memória é muito


presente e intransponível em
qualquer interpretação dos
principais romances de
Hatoum.
 Para a formação do memorial
literário da Amazônia por meio
da mimese do ciclo da borracha.
Leandro escolheu duas obras de
Hatoum, Dois Irmãos (2000) e
Órfãos do Eldorado (2008).
 Cenário de dois irmãos: pós-guerra e decadência do segundo ciclo da borracha.
Ênfase ao ambiente urbano.
 Formação das periferias na capital manaura pós- declínio da borracha.
 Romance pós-memorialístico dos tempos áureos da borracha e pós-segunda
guerra. Todavia o narrador transita entre o primeiro e o segundo ciclo da
borracha, por meio de memorias das personagens.
 Hatoum condensa-se em memória dramática e não num testemunho histórico.
 A narrativa enfatiza o drama humano do abismo dentro do lar de Halim e Zana,
por ocasião da guerra entre os gêmeos Yaqub e Omar.
 Traz a memória simbólica representada pela: seringueira, não mais como um
mito simplesmente econômico. É o signo da memória de um tempo marcado
pela presença da seringueira na economia da vida, seja na paixão, na tragédia
ou na decadência do antro familiar.
 Yakub chama atenção para uma imensa seringueira na praça da República, em
SP. A passagem da memória de Halim é uma seringueira centenária do quintal.
Até na lascívia ardente com Zana, a sombra da seringueira servia como leito para
o casal. No episódio em que Omar urra por conta da gonorreia, há o seu enlace
com a árvore (LEANDRO,2016,p.243).
 Presença do estrangeiro (libaneses, indianos, coreanos, chineses), no final da
década de 1960.
 Na novela Órfãos do Eldorado (2008), a memória ficcional amazônica recua para fatos
centrais da história : a guerra dos Cabanos e o ciclo do cacau. E se configura no ciclo
gomífero.
 Narra a história de Arminto Cordovil e suas heranças em declínio, o eldorado (cargueiro),
negócios envolvendo a exportação de borracha, mogno e comercialização de carne.
 Mudança na paisagem de Manaus, surgimento de subúrbios.
 Tempo : a localização temporal da história dá conta de que o romance se passa antes da
primeira guerra “...não era a guerra na Europa, a primeira Guerra. Ainda
não...”(HATOUM, 2008, p.23).
 No fundo de mais um drama familiar, tem-se outro símbolo amazônico, a sumaumeira à
beira do rio, tal qual a seringueira no quintal da família em Dois irmãos. Dessa
sumaumeira, brota recordação do que Amando contava sobre a vida. A memória é
perturbadora para o narrador-personagem Arminto: “...não era o lugar que me
perturbava: era a lembrança do lugar.”(HATOUM, 2008, p.68).
 As órfãs do colégio do Carmo podem levar ao título da obra, mas os verdadeiros órfãos do
eldorado são aqueles do tempo da borracha, de um eldorado fugaz, bem representados na
figura de Arminto (LEANDRO,2016,p.255).
 Fala-se muito da cultura, da história e da sociedade amazônica a partir dessa perspectiva
que retoma o ciclo da borracha.
 Milton é uma prova de que o memorial literário amazônico se
conserva e se amplia, sob novas perspectivas, e a partir do
recorrente retorno ao ciclo das árvores que choram ou sangram;
como se chorar ou sangrar significasse algo que se dilui, se
liquefaz, seja para o choro do drama humano urbano ou rural dos
personagens do ciclo, seja para o sangue que escorre de tantas
tragédias associadas à economia gomífera, na pele dos seringueiros
ou de tantos outros trabalhadores, amazônidas ou não, que
entregaram suas vidas pelo sonho do eldorado. Na genealogia da
memória, esses podem ser irmãos, pais, filhos, netos ou órfãos da
história da Amazônia (LEANDRO, 2016, p. 261).
Conclusão
 Na obra Os ciclos ficcionais da borracha e a formação de um memorial literário da Amazônia,
Leandro se utiliza da memória como representação da era gomífera.
 O memorial amazônico formado pelas ficções e poéticas do ciclo da borracha não são simples
material imobilizado, sem qualquer força de intervenção social e histórica. A memória possui
força. Não é apenas uma cortina de fumaça. Ricoeur (2007) observa que a memória que
imagina opõe-se à memória que repete. Os ciclos ficcionais da borracha refletem essa
confluência de diferentes memórias do tempo histórico, incluindo esses problemas mais
contemporâneos (LEANDRO,2016,p.265).
 Em Coronel de Barranco (1970), a competição dos mercados internacionais está na narrativa,
mas sem a profundidade sugerida. Talvez, a vigilância de um regime militar impedisse
ousadias literárias e politicamente incorretas de Cláudio de Araújo (LEANDRO,2016,p.268).
 Em Mad Maria (1985) à sombra da Transamazônica e da corrida pelo ouro em serra Pelada,
Márcio Souza investe na tragicomédia que atinge o lamaçal da construção da estrada de ferro
Madeira-Mamoré e os descaminhos da politica nacional, entregue as forças do capital
estrangeiro. Todos possuem perspectiva memorialística sobre os acontecimentos e o cotidiano
da ferrovia fantasma. A fantasmagoria reconstrói a memória em Márcio Souza
(LEANDRO,2016,p.269).
 Milton Hatoum trabalha o emprego da metamemória, seja no narrador Nael (de Dois Irmãos)
ou em Arminto Cordovil (de Órfãos do Eldorado), utilizando a memória histórica e da
memória familiar.
 LEANDRO, Rafael Voigt. Os ciclos ficcionais da borracha e a formação de um
memorial literário da Amazônia. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2016.

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