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Pastor, graduado em Teologia (FATECE), graduado em

Letras-Português (UECE), mestre em Linguística Aplicada


pelo Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada
(PosLa), da Universidade Estadual do Ceará – UECE,
doutorando em Linguística Aplicada pela mesma casa e
membro do Grupo de estudos bakhtinanos do Ceará –
GEBACE. Pesquiso o discurso religioso pela perspectiva
teórico-metodológica da translinguística bakhtiniana.
Proposta da aula

A teologia pentecostal vem se revelando, nos últimos anos,


um lócus de importantes discussões e contribuições ao
pensamento teológico de maneira geral. Essa colaboração
deve-se menos às questões de ordem ético-doutrinária e
mais à perspectiva epistemológica que envolve o fazer
teológico, sobretudo, na área da Hermenêutica Bíblica.
A ideia da presente aula é discutirmos de modo
introdutório essas questões, vislumbrando em linhas
gerais o modo como a comunidade pentecostal (incluindo
o jovem pentecostal) lê o texto bíblico, trazendo para o
grupo a perspectiva da leitura da Bíblia enquanto
exercício devocional e disciplina espiritual.
Iniciando a conversa

O pentecostalismo nasce entre as camadas mais simples da


população e logo se consolida como um movimento que nutre
uma relação de estranhamento com os estudos acadêmicos.
Por ter surgido quebrando todas as barreiras de ordem
socioeconômica, racial, educacional e de gênero, lavando tais
preconceitos “no sangue do Cordeiro” (DAYTON, 2018), foi
visto com desconfiança por ter sido considerado subversivo e
ameaçador.
Ainda hoje, em muitos círculos acadêmicos, o pentecostalismo
é considerado um fenômeno “subalterno da cultura”
(DAYTON, 2018).
“Pode o subalterno falar”?

No cenário brasileiro (social e religioso), por muito


tempo, a voz pentecostal foi uma voz periférica,
marginal, menor, sem maiores repercussões.
As dificuldades que ainda vemos de se realizar
estudos acadêmicos (cursos, minicursos, congressos,
conferências, simpósios, mesas-redondas,
seminários etc.), com foco na teologia pentecostal,
resulta do preconceito que impõe ao pentecostal a
condição de subalternidade, alguém “sem direito de
falar” (DAYTON, 2018).
Dois exemplos empíricos da persistente
imposição de subalternidade ao pentecostal

Grandes eventos teológicos, quando não organizados por


instituições de lastro pentecostal, dificilmente contará
com palestrantes de linha pentecostal (o contrário se
verifica).

É comum vermos pentecostais, que migram de suas


denominações para igrejas tradicionais, sem
oportunidades de fala, salvo raríssimas exceções.
O momento atual dos/as pentecostais

Pentecostais nas universidades;


Pentecostais atuando e produzindo em diversas áreas
(Ciências Sociais, Linguística, Linguística Aplicada,
Filosofia, Antropologia, Teologia, Ciências da Religião etc.);
Pentecostais desenvolvendo uma teologia com base numa
episte que faz jus à realidade e à vivência pentecostal – via
sensorial (experiência) ao invés da predileção pela via
cognitiva (racionalista);
Pentecostais preocupados, sobretudo, com a questão
hermenêutica (no âmbito teológico).
“Novos pentecostais”: quem são eles/as?

Emergem desse novo cenário.


Senhoras, senhores, idosos e, principalmente, jovens
ávidos por conhecimento.
Cristãos mais abertos ao diálogo interdenominacional.
Pessoas menos resistentes a “palavras perigosas”
como “teologia”, “acadêmico”, “reflexão”, “estudo”,
“universidade” e “ciência”.
Também acadêmicos interessados em produzir.
Pessoas comuns que querem ler e conhecer mais a
Bíblia.
Um vislumbre diacrônico da teologia pentecostal

 As estatísticas apontam o avanço do pentecostalismo


(número de adeptos, cosmovisão, influência sobre outras
igrejas e tradições), mas, por muitos anos, o pentecostalismo
foi “um movimento à procura de uma teologia” (MCGEE,
1996, p. 11).
 A tônica do movimento era produzir conhecimento à sombra
de outras tradições, especialmente a reformada.
 Nos últimos anos, a teologia pentecostal tem se
desenvolvido, gerando importantes discussões e trazendo
contribuições significativas ao pensamento teológico de
maneira geral.
 Essa colaboração deve-se menos às questões de ordem ético-
doutrinária e mais à perspectiva epistemológica que envolve o
fazer teológico, sobretudo, na área da Hermenêutica Bíblica.

 Há um esforço em se definir de uma maneira clara o “terreno”,


o seu espaço dentro de uma tradição (cristã) que vem se
construindo há mais de dois mil anos;

 Contribui para essa “demarcação de terreno” a profusão de


trabalhos e pesquisas que vem sendo desenvolvidas por
pentecostais, na esfera acadêmica, nas mais diversas áreas.
Algumas pesquisas realizadas por pentecostais

Pesquisador/a Tema da pesquisa Instituição

Gedeon de Alencar Assembleias Brasileiras de PUC – São Paulo


Deus. Teorização, História e
Tipologia - 1911-2011
Geilson Rocha A construção da identidade Universidade Estadual do
evangélica pentecostal via Ceará - UECE
discurso carnavalizado (em
andamento)
Lucas Medrado Análise do Discurso USP
Pentecostal nas ADs das
Periferias de SP
Maxwell Fajardo Onde a luta se travar: a UNESP
expansão das Assembleias de
Deus no Brasil urbano
Francicley Vito A Bíblia como enunciado: o Mackenzie
feminino em Bíblias com
notas
O texto sagrado experimentado como Palavra
viva

Caminha-se, sobretudo, na área da Hermenêutica Bíblica, na direção


de se articular “uma identidade teológica que seja propriamente
pentecostal” (OLIVEIRA e TERRA, 2018, p. 19), mostrando-se
destemida e aberta ao diálogo com outras ciências (especialmente da
linguagem) e com outras teologias.
Há um interesse muito grande no processo que envolve a leitura da
Bíblia e uma importante preocupação com a recepção do texto (o papel
do leitor).
A relação da comunidade pentecostal com a Bíblia (incluindo o jovem
pentecostal) é de profunda interação e encontro com o texto sagrado.
A Bíblia é concebida como um “sujeito” que interpela seus leitores
(OLIVEIRA e TERRA, 2018), não como um recipiente de significados
estáticos, acessíveis para quem mobiliza determinado método
hermenêutico.
Diferentemente da tradição hermenêutica reformada,
cujo diálogo com as ciências da linguagem se dá sob
forte suspeição (VANHOOZER, 2005; OSBORNE,
2009), a teologia pentecostal parece mais aberta à
interlocução com essas áreas, especialmente com
aquelas que pensam o sentido como construção
(OLIVEIRA e TERRA, 2018; BAKHTIN, 2011;
VOLÓCHINOV, 2013), mas sem necessariamente abrir
mão do elemento propositivo da fé cristã
Abordagens hermenêuticas

 1. Abordagem objetiva (formal) – foco na obra


(Formalismo russo, New criticism, Estruturalismo
etc.);
 2. Abordagem expressiva – foco no autor
(Hermenêutica tradicional, Filologia, Positivismo,
Historicismo etc.);
 3. Abordagem mimética – foco na referência ou
representação da realidade (Aristóteles);
 4. Abordagem pragmática – foco no leitor
(Estética da Recepção).
 Em decorrência da ênfase pentecostal na experiência,
sua leitura da Bíblia é performática, um contínuo
movimento de ressignificações das passagens lidas e
uma apropriação visível desses conteúdos;
 Essa forma de leitura não significa, entretanto, negar a
intenção autoral das Escrituras, mas dar primazia ao
texto enquanto evento situado, propiciador de
interlocução com o leitor, conceder protagonismo ao
leitor (OLIVEIRA e TERRA, 2018, p. 34).
A leitura pentecostal e a ênfase no leitor

Enfatizar a experiência do leitor com o texto bíblico é conceber a leitura


enquanto construção de sentido que se dá a partir da relação entre o
leitor e o enunciado bíblico, este concebido como um sujeito encarnado
e real com o qual se pode interagir;
O texto bíblico se apresenta ao pentecostal, não como frases
descontextualizadas e sem autor, mas como enunciado concreto
(BAKHTIN, 2011) produzido por autores (inspirados), cujas palavras
se atualizam a cada nova leitura;
Ler a Bíblia é uma experiência com a alteridade, com a voz do Espírito
Santo que se situa contextualmente, fazendo daquela ocasião um
“evento-de-ser” único, inimitável, concluso, mas nunca como o
fomento de sentidos que contradizem as Escrituras, mas como um
“dizer mais”, uma dilatação do que a Bíblia já disse (OLIVEIRA e
TERRA, 2018).
Qual seria, então, o grau de abertura do
texto bíblico?

A leitura é programada pelo texto.


A liberdade do leitor é vigiada pelo texto.
O texto impõe limites ao leitor.
Mesmo sabendo que “aquilo que um texto diz importa
mais do aquilo que um autor quis dizer (RICOUER,
1969 apud COMPAGNON, 2012), há um “querer dizer”
nas palavras usadas pelo autor (que não está morto).
As múltiplas experiências e aplicações que podemos ter
e fazer devem transcorrer dentro das balizas que o
próprio texto estabelece.
Portanto...

A partir do momento que se verifica na prática pentecostal


cotidiana, tanto no nível devocional-individual como na
esfera cúltico-comunitária, a relação com as Escrituras
como um texto capaz de falar e de interpelar seus/as
leitores/as, no ato da leitura, esse texto deixa de ser uma
reunião de escritos estático-abstratos e assume o papel de
interlocutor vivo, a ter voz e a se apresentar como uma
autêntica alteridade com a qual o leitor experimenta uma
interação viva, um grande “outro” ou “um Tu eterno”
(OLIVEIRA e TERRA, (2018, p. 102) com o qual esse
leitor se encontra.
Renovando o amor pela Palavra de Deus (Salmo 19)
o Falando a pastores em formação no seu “Colégio dos Pastores”, Charles H.
Spurgeon assim se expressou: “Amados irmãos, não podemos permitir-nos
permanecer num estado inferior ao ótimo; do contrário, nossa tarefa não
terá sido bem feita.” (SPURGEON, 2005, v.1, p. 46)
o Eugene Peterson chama nossa atenção para a necessidade que temos de
formarmos um “interior” adequado às pressões da vida “exterior”
(PETERSON, 2006).
o A Confissão de fé de Westminster afirma: “Todo o conselho de Deus
concernente a todas as coisas necessárias para a sua própria glória, a
salvação do homem, fé e vida, ou é expressamente declarado na Escritura,
ou por boa e necessária consequência, pode ser deduzida a partir da
Escritura”.
o Apresentar-se aprovado diante de Deus envolve o “manejar corretamente” a
Palavra de Deus (2 Tm 2.15).
Portanto, não existe ministério sadio, nem vida plena sem o exercício da
leitura bíblica e sem amor pela Palavra de Deus.
Por que devo amar as Escrituras?

Somos implicitamente convocados pelo salmista


a apreciarmos as Escrituras pelo que ela é e pelo
que ela pode fazer, pela sua natureza e pelo seu
poder.
A natureza e o poder das Escrituras.
 A Palavra de Deus é superior à revelação dada por Deus na
natureza (v. 1 – 6)
 A Revelação geral é uma revelação sem discurso, sem palavras (v.
3,4).
 É indireta e incompleta, por isso inferior às Escrituras (2Pe 1. 16 –
21).
 É digna de confiança e revigora a alma (v.7,8)
 Manifesta a vontade de Deus.
 É algo em que se pode confiar.
 Traz alegria e força ao coração.
 Traz sabedoria aos inexperientes (v. 7)
 Uma sabedoria espiritual.

 Uma tipo sabedoria inalcançável por outros meios.


 É eterna e verdadeira (v. 9)
 São mandamentos sem prazo de validade e que não podem ser
substituídos por nenhum novo padrão.
 A Palavra é a insubstituível guia das nossas vidas.
 Mais preciosa do que qualquer outro “objeto” (v. 10)
 A Palavra tem valor em si mesma (“são mais desejáveis do que o
ouro...”).
 A Palavra tem grande valor para os que a seguem (“são mais doces do
que o mel”).
 Possui autoridade para nos advertir (v. 11-12)
 Independente da posição que ocupamos (Davi era rei e reconhecida sua
necessidade da Palavra de Deus).
 Traz-nos luz sobre aquilo que desconhecemos.
 Beneficia aqueles/as que acolhem seus conselhos – (v. 11).
Considerações finais

O jovem pentecostal é, sobretudo, um leitor das Escrituras.


A interação do jovem pentecostal não se dá com um livro
qualquer, mas:
Com uma Palavra viva, uma voz autêntica capaz de convocá-lo
a uma resposta;
 Um texto de natureza única e de poder inquestionável;
 Um livro capaz de nos conduzir a mais profunda reflexão sobre
quem temos sido e sobre o que precisamos ser (Sl 19.13,14).
Por isso, sua leitura não pode ser indiferente, mas
transformadora, “formativa”, “ler para viver”
(PETERSON, 2008).
“Deus, nosso guia” (KIERKEGAARD, 1990, p. 28)

Pai celeste! Caminha conosco como antigamente caminhavas com os hebreus


Oh, não nos faça crer que nos tornamos grandes demais para menosprezar tua
educação, mas faze que cresçamos para nos conformarmos a ela, que possamos
crescer sob ela como um trigo bom cresce sem pressa: que não nos esqueçamos
quanto tu fizeste por nós! E, quando tua ajuda tiver nos assistido solicitamente
com um milagre, faze que não voltemos a procurá-la como criaturas ingratas,
porque comemos e nos saciamos. Faze-nos sentir que sem ti para nada
prestamos, mas não permitas que o sintamos em vil impotência e, sim, em
confiança vigorosa, com a certeza feliz De que és forte nos fracos.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Literatura e senso comum. Trad. Cleonice Paes Barreto
Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
DAYTON, Donald. Raízes teológicas do pentecostalismo. Trad. Paulo de Ayres Mattos. Natal,RN:
Carisma, 2018
KIERKEGAARD, Soren A. Das profundezas: preces. Trad. J. F. Regis de Moraes. São Paulo: Edições
Paulinas, 1990.
MCGEE, Gary B. Panorama histórico. In: HORTON, Stanley M. (org.). Teologia Sistemática: uma
perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro: 1996, p. 11-41.
OLIVEIRA, David Mesquiati de; TERRA, Kenner Roger Cazotto. Experiência e Hermenêutica
Pentecostal: reflexões e propostas para a construção de uma identidade teológica. Rio de Janeiro: CPAD,
2018.
OSBORNE, Grant R. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. Trad.
Daniel de Oliveira, Robinson N. Malkomes, Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2009.
PETERSON, Eugene. A vocação espiritual do pastor: redescobrindo o chamado ministerial. São
Paulo: Mundo Cristão, 2006.
_____. Maravilhosa Bíblia: a arte de ler a Bíblia com o Espírito. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo:
Mundo Cristão, 2008.
SPURGEON, Charles Haddon. Um ministério ideal (v. 1). Trad. Edgar Leitão. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 2005.
VANHOOZER, Kevin Jon. Há um significado neste texto? Interpretação bíblica: os enfoques
contemporâneos. São Paulo: Editora Vida, 2005.
VOLOCHÍNOV, Valentin. A construção da enunciação e outros ensaios. Trad. João Wanderley Geraldi.
Obrigado pela atenção!

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