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ANTROPOLOGIA

FILOSÓFICA
CONSIDERAÇÕES GERAIS
QUE É ISSO, O HOMEM*??

*Em nossas argumentações, ao longo de nossos textos, usaremos o termo “Homem” (quando não
humano ou pessoa), sempre, no sentido de gênero (Homo), dentro de uma classificação do Reino
Animal e, não, enquanto categoria ou tipologia sexual. Mais particularmente, quando nos referirmos
a nós, humanos, enquanto espécie, usaremos o termo sapiens.
A CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA
• ANTROPOLOGIA – palavra derivada de dois termos
gregos:
– Antropo = Homem
– Logos = Estudo, discurso sobre
– Antropologia = Estudo do Homem

• Ciência que estuda a constituição do “Homem” enquanto


gênero e espécie (Homo sapiens), a partir de uma visão
de totalidade (aspectos culturais, biológicos, históricos,
filosóficos...).
• A antropologia é, das ciências humanas e sociais, possivelmente, a
que se estruturou mais recentemente. Enquanto ciência do campo
humano, social ou social aplicado, surgiu na esteira da sociologia, da
psicologia e, mesmo, da arqueologia. Suas raízes, contudo,
remontam às grandes discussões da filosofia clássica grega.

• As discussões sobre a natureza humana vão, na verdade, para além


das arenas gregas, como o prova a emergência do período
conhecido como “Era Axial”.
ERA AXIAL

• Existe um momento na história da humanidade que pode ser


considerado como um grande demarcador dessa história e, mesmo,
da eclosão de todo um conjunto de considerações a respeito do ser
humano e sua natureza; são considerações de caráter ético-filosófico
e teológico e que ocorrem, quase simultaneamente, em diversas
partes do hemisfério norte, naqueles que, atualmente, são
conhecidos como os continentes europeu e asiático
• PERÍODO:
– Segunda metade do Período das Grandes Migrações
– Aproximadamente séc. IX a. C. – II a. C.

• LOCAIS :
– China
– Índia
– Irã
– Palestina
– Grécia
“AXIAL AGE” – ERA AXIAL
“AXIAL AGE” – ERA AXIAL
• PERSONAGENS
– Confúcio, Lao-Tsé, Mo-Ti, Tschuang-Tsé e Leh-Tsu
– ´Buda, os Upanishades e o Bramanismo
– Zaratustra ou Zoroastro
– Elias, Isaías, Jeremias, Deutero-Isaías
– Homero, Parmênides, Heráclito, Platão, Tucídides e Arquimedes
• CONTEÚDO
– interpretações religiosas e filosóficas de pensamento e ação sobre o
mundo
– “Ser Humano” se torna consciente de si mesmo e de suas limitações
– Consciência da própria consciência
– Espiritualização e uma nova forma de comunicabilidade
• Dentre as delimitações da Era Axial podemos situar dois textos ou
ditos conhecidos: um, o Salmo 8, atribuído a Davi (que teria vivido
em torno do ano 1.000 a. C. Nesse Salmo pode-se ler uma reflexão
antropológica, nos versos 3 a 5:

“Quando admiro os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as


estrelas que ali estabeleceste, pergunto: Que é o homem
para que com ele te importes? E o filho de Adão para que
venhas visitá-lo? Tu o fizeste um pouco menor do que os
anjos e o coroaste de glória e de honra...”
• O outro texto ou citação é atribuída a Protágoras (481 a. C. a 411 a.
C.), que teria declarado:

“O homem é a medida de todas as coisas, das coisas


que são, enquanto são, das coisas que não são,
enquanto não são.”
• Também podem ser referidas as proposições de Platão (428/427 a.
C. a 348/347 a. C.) e de Sócrates (469 a. C. a 399 a. C.).

– O primeiro afirmou que “o homem é um bípede depenado.”

– O segundo, afirmando nada saber, pautava sua conduta (e a propunha


àqueles que ousavam interpelá-lo) na persecução do alcance do lema do
pórtico do templo de Apolo: “Conhece-te a ti mesmo”.
• Também são célebres os exemplos de referência ao Homem e sua
essência propostos por Diógenes (413 a. C. a 323 a. C), Aristóteles
(384 a. C. a 322 a. C.) e Sêneca (cerca de 4 a. C. a 65 a. C.).
Para Diógenes, o Homem deveria
ser livre, autossuficiente e
autônomo, o que lhe permitira
descobrir sua essência, a qual
não se confundia com os bens
materiais. Em busca desse
Homem original e íntegro,
Diógenes ficou célebre por suas
andanças durante o dia com uma
lanterna acesa, anunciando que
procurava um homem, no sentido
de Homem íntegro e em sua
essência.
Já Aristóteles, que não compartilhava das perspectivas filosóficas dos
filósofos cínicos (cujo expoente era, em seu tempo, Diógenes), assim
define o Homem em seu livro A Política:

O homem é por natureza um animal político, tem primeiro na família a sua


socialização e garantia de manutenção da vida em seus aspectos financeiros
e educativos, mas é na Polis que se realiza plenamente, encontrando no fiel
cumprimento das leis a justiça, dado que só podemos ser felizes no exercício
da justa medida, ou seja, sendo prudentes e encontrando o meio termo em
nossas ações.
Por fim, situando-se no início de nossa era, grandes reflexões a
respeito do Homem e sua natureza foram feitas pelo filósofo Sêneca,
de orientação estoica. Na visão de Sêneca,
O que é o homem? Um corpo débil e frágil, indefeso por sua própria
natureza, que tem necessidade do auxílio alheio, exposto a todos os danos do
destino; um corpo que quando exerceu o bem os seus músculos, é pasto de
qualquer fera, é vítima de qualquer uma; composto de matéria inconsciente e
mole e brilhante somente nas suas feições exteriores; incapaz de suportar o
frio, o calor, a fadiga e, por outro lado, destinado à desagregação pela inércia
da ociosidade; um corpo preocupado com seus alimentos, por cuja carência
ora se enfraquece, por cujo excesso ora se rompe; um corpo angustiado e
inquieto por sua conservação, provido de uma respiração precária e pouco
firme, a qual um forte ruído repentino perturba; um corpo que é fonte, doentia
e inútil, de contínuo perigo para si mesmo (CONSOLAÇÃO A MÁRCIA, X,
1, 2-3).
• Sêneca tem uma peculiaridade em relação aos demais nomes
referidos anteriormente: foi contemporâneo de Jesus, profeta judeu
de grande importância para a história ocidental a ponto de ser o
responsável pela divisão temporal que quase todo o mundo segue,
atualmente: a divisão “Antes” e “Depois de Cristo”.

• A importância de Jesus, uma pessoa simples de um povo submetido


ao poder romano, consiste em seu reconhecimento – por parte de
uma grande parcela da humanidade – como Filho de Deus, o
Ungido, ou o Cristo, donde ser denominado Jesus Cristo.
• A referência a Jesus remete a um campo de especulações
antropológicas que passou a ser denominado “Antropologia
Teológica”; quer dizer, a discussão da natureza humana a partir de
uma perspectiva divina.

• Essa concepção antropológica conseguiu um grande domínio, no


Ocidente, durante o período conhecido como Idade Média.

• Pensadores influentes desse período foram Agostinho de Hipona e


Tomás de Aquino.
AGOSTINHO DE HIPONA

• Na sua explanação sobre a origem do homem, o teólogo hiponense


assegura que o ser humano teve sua origem em Deus, único capaz
de preencher as expectativas terrenas e celestes que todo homem
traz consigo. Isso o exímio teólogo sempre ensinou. [...] O ser
humano e o universo inteiro tiveram sua origem na bondade do
Criador. O pastor de Hipona deixa claro nas suas obras que o ser
humano é composto pela união da alma e do corpo.
AGOSTINHO DE HIPONA

• A antropologia do exímio teólogo de Hipona está profundamente


enraizada na fé e no relacionamento com o próximo. É no convívio
em sociedade que o homem torna-se cada vez mais pessoa.
Cada ser humano traz consigo a imagem de Deus. Porém, pelo
pecado carrega em si as marcas do pecado original.
AGOSTINHO DE HIPONA

• Na concepção agostiniana, existe uma espécie de homem interior e


exterior. O santo pastor descreve que o homem interior seria aquele
que transparece no que se tem realmente de humano. No íntimo do
ser há o encontro da pessoa consigo mesma e com Deus. O
homem exterior é representado por aquilo que se assemelha aos
impulsos e instinto dos animais.
TOMÁS DE AQUINO

• Na Alta Idade Média figura outro teólogo importante que se dedica


ao problema antropológico: Tomás de Aquino. Na visão tomista, o
homem ou “Pessoa é a substância individual de natureza
racional [...]. Pessoa significa o que há de mais perfeito em toda
natureza, a saber, o que subsiste em uma natureza racional.”
TOMÁS DE AQUINO

• Conhecimento e liberdade, eis o que, segundo Santo Tomás,


caracteriza a pessoa, elevando-a acima de todos os entes que lhe
são inferiores. Outrossim, justifica que a esse ente privilegiado, em
que se concretiza uma natureza racional, dê-se um nome especial,
a saber, pessoa. Assim, tanto quanto os modernos, Santo Tomás
define a pessoa pela consciência e pela liberdade.
SURGIMENTO DA CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA

• A antropologia, considerada como a ciência do homem, teve origem


na região que em geral, mas imprecisamente, chamamos de
“Ocidente”, especialmente em três de quatro países “ocidentais”:
França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e, até a II Guerra Mundial,
Alemanha. Historicamente falando, a antropologia é uma disciplina
europeia, e seus praticantes, como os de todas as ciências
europeias, às vezes gostam de atribuir suas origens aos antigos
gregos.
• Todo grande filósofo desde Descartes (1596-1650) até
Nietzsche (1844-1900) desenvolveu sua própria doutrina
sobre a natureza humana, sua própria antropologia
filosófica.

• Locke lança os fundamentos epistemológicos de uma


ciência da sociedade que combina um princípio
universalista (todos nascemos iguais) com um princípio
relativista (nossas experiências nos tornam diferentes).
• DUAS PERSPECTIVAS:

– Universalista: procuraria identificar aspectos e semelhanças comuns


(ou mesmo universais) entre diferentes sociedades;

– Relativista: enfatizaria a singularidade e particularidade de cada


sociedade ou cultura.
O EMPIRISMO DE LOCKE

• Princípio de “lei natural” (jus naturel) – que é a base da ideia


moderna dos direitos humanos universais;

• o indivíduo tem direitos porque é um ser humano, e não pela graça


de Deus (ou do rei).
O RACIONALISMO DE DESCARTES

• [Estabeleceu] distinção clara [...] entre consciência moral e vida


espiritual de um lado, e mundo material e corpo humano de outro;

• Situa o indivíduo no centro de sua investigação. Afinal, sua prova da


existência de Deus foi uma decorrência do auto reconhecimento do
indivíduo.
AINDA NÃO SE TEM UMA CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA

• Tudo o que se tem até este momento resume-se a escritos


de viagem e filosofia social. Só quando esses dois
aspectos da investigação antropológica se combinam, isto é,
quando dados e teoria se integram, é que surge a
antropologia.

• Todos os escritores até aqui mencionados são


influenciados pela época e pela sociedade em que
viveram.
• ILUMINISMO

Mas estamos ainda no século dezoito, a


“idade da razão”, quando foram feitas as
primeiras tentativas de criar uma ciência
antropológica. Uma obra inicial
importante foi La scienza nuova (1725;
The New Science, 1999), de
Giambattista Vico (1668-1744), uma
síntese grandiosa de etnografia, história
da religião, filosofia e ciência natural.
VICO E UMA PROPOSTA DE
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

ESTÁGIOS OU FASES:

1. CONDIÇÃO BESTIAL
2. IDADE DOS DEUSES
3. IDADE DOS HERÓIS
4. IDADE DO HOMEM

A última fase de degrada pela corrupção e degenera em


“bestialidade”.
Os primeiros passos para a
instituição da antropologia como
ciência foram dados na França.
Em 1748 o Barão de
Montesquieu(1689-1755) publicou
o seu De l'esprit des lois, (The
Spirit of Laws, 1977).
Outro passo na direção de uma
ciência antropológica foi dado
por um grupo de intelectuais
franceses jovens e idealistas.
Foram os enciclopedistas,
liderados pelo filósofo Denis
Diderot (1713-1784) e pelo
matemático Jean Le Rond
d’Alembert (1717-1783).
E SURGE A ANTROPOLOGIA

Foi no século dezenove que a antropologia se tornou uma disciplina


acadêmica e somente no século vinte que alcançou a forma em que é
ensinada aos estudantes atualmente. Pressupostos:

• Só quando o indivíduo livre foi alçado à condição de “medida de todas as coisas”


é que a ideia de sociedade como associação de indivíduos pôde formar raízes e
tomar-se objeto de reflexão sistemática.

• E só quando a sociedade emergiu como objeto a ser continuamente


aperfeiçoado e remodelado em formas mais avançadas é que o indivíduo
racional, independente, pôde transformar-se em algo novo e diferente, e
inclusive “mais verdadeiro para si mesmo”.
• À medida em que avançam os estudos a respeito da origem e
desenvolvimento do gênero humano, mais e mais dados e
informações vão sendo reunidas a respeito das espécies que o
constituem. O conhecimento resultante dos estudos realizados
aponta para um cenário intrigante, quanto à emergência e
permanência de uma das espécies, de modo particular: o Homo
sapiens.
• O aprofundamento daquilo que se conhece sobre o sapiens
demonstra que as várias espécies conhecidas não estão
organizadas de forma linear, sequencialmente, uma após outra; tanto
é assim, que, recentemente, descobriu-se que os sapiens foram
contemporâneos de outros humanos (Homo neanderthalensis) – o
que não significa que tal proximidade ou convivência tenha sido
harmoniosa ou prevalentemente amigável.
• Vários autores, dentre os quais Yuval Harari (Sapiens, uma breve
história da humanidade, 2014), admitem que a sobrevivência dos
sapiens, presentes no planeta por um tempo bem inferior às outras
espécies Homo, associa-se à destruição significativa da fauna e
flora da Terra bem como à eliminação de quaisquer outras espécies
Homo com a qual tiveram contato ou conviveram.
Nas palavras de Harari:

A verdade é que, de aproximadamente 2 milhões de anos a 10 mil anos atrás,


o mundo foi habitado por várias espécies humanas ao mesmo tempo. E por
que não? Hoje há muitas espécies de raposas, ursos e porcos. O mundo de
100 mil anos atrás foi habitado por pelo menos seis espécies humanas
diferentes. É nossa exclusividade atual, e não a multiplicidade de espécies em
nosso passado, que é peculiar – e, talvez, incriminadora.
TEORIA DA MISCIGENAÇÃO

• De acordo com a teoria da miscigenação, quando o Homo sapiens se espalhou


por terras neandertais, os sapiens procriaram com neandertais até que as
duas populações se fundiram. Se isso for verdade, então os eurasianos de
hoje não são sapiens puros. São uma mistura de sapiens e neandertais. De
forma semelhante, quando chegaram à Ásia Oriental, os sapiens se misturaram
com os locais Homo erectus, de forma que os chineses e coreanos são uma
mistura de sapiens e Homo erectus.
TEORIA DA SUBSTITUIÇÃO

• A visão oposta, chamada de “teoria da substituição”, conta uma história muito


diferente – uma história de incompatibilidade, repulsa e, talvez, até mesmo
genocídio. [...] De acordo com essa teoria, sapiens substituíram todas as
populações humanas anteriores sem se misturar com nenhuma delas.
Nesse caso, a origem de todas as linhagens humanas existentes pode ser
atribuída exclusivamente à África Oriental de 70 mil anos atrás.
• ENQUANTO TEORIA E INVESTIGAÇÃO da explicação da natureza,
origem e desenvolvimento do ser humano, a Antropologia acolheu o
impacto da Teoria Evolucionista de Darwin e salienta um viés
biologicista.

• ENQUANTO REFLEXÃO sobre o que é o ser humano, suas


dimensões constituintes (corporeidade, moralidade, espiritualidade
ou religiosidade, sociabilidade etc.) e as implicações de sua “estada”
neste planeta específico, a Antropologia salienta um viés filosófico.
Daí poder denominar esse estudo de Antropologia Filosófica.
• O estudo da antropologia é de grande importância, sobretudo em
tempos como os atuais, em que a pessoa parece disputar
centralidade com a tecnologia em um mundo que vivencia os
alvores, já, de uma Quinta Revolução Industrial. Várias questões,
que incluem os Direitos Humanos, o direito e a afirmação identitária
das denominadas minorias (étnicas, de gênero etc.), são embasadas
em argumentações antropológicas.
• A importância da Antropologia também se manifesta em campos
variados, como a psicologia, a economia, a arquitetura.

• Não é diferente no campo da saúde, uma vez que a própria


compreensão da doença é moldada pelo prisma cultural, de classe,
de gênero, da faixa etária...

• Então, vejamos!!

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