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SOCIOLINGUÍSTICA

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA

• Disciplina: Gramática , variação e ensino


• professoras Doutoras:
Elza Sabino da Silva Araújo
Neide Araújo Castilho Teno
• Mestrando: Wendell Raad Assis
O QUE SERÁ TRATADO NESTE CAPÍTULO?

• Os parâmetros curriculares nacionais (PCN) – conjunto de documentos que têm como


objetivo subsidiar a elaboração do currículo do ensino fundamental e do ensino médio no
Brasil, visando a formação da cidadania do aluno.

• O que dizem os PCN sobre variação linguística? – Obs: Faraco.

• Incoerência e preconceitos envolvidos nos usos das noções de norma padrão e norma
culta.

• Que contribuições a sociolinguística pode oferecer ao ensino da língua?


• Segundo os PCN, “A língua portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais.
Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos
preconceitos do valor social ‘relativo’ que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito
comum se considerarem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores”
(Brasil, 1997:26)

• Os documentos alertam para o fato de que o problema do preconceito observado no Brasil


deve ser enfrentado na escola, como parte do objetivo mais amplo de educação para o
respeito à diferença. A fala (ou a escrita) é julgada em função do status social. Parece que
existe uma relação quase automática entre falar diferente e ter algum tipo de incapacidade
cognitiva. O valor social das formas linguísticas não é intrínseco a elas, mas é resultado da
avaliação social atribuída a seus usuários.
• Um mesmo falante pode e deve usar diferentes formas linguísticas, dependendo da
situação em que se encontra. O que está em jogo aí são os diferentes papeis sociais que
as pessoas desempenham em diferentes domínios sociais.

• Segundo os PCN, o ensino da língua portuguesa na escola deve oferecer condições para
que o aluno desenvolva seus conhecimentos, sabendo:
1. Ler e escrever conforme seus propósitos e demandas sociais. (competência
sociocomunicativa – adequado/inadequado)
2. Expressar-se adequadamente em situações de interação social diferentes daquelas
próprias de seu universo imediato. (competência sociocomunicativa –
adequado/inadequado)
3. A refletir sobre os fenômenos da linguagem, particularmente os que tocam a questão da
variedade linguística, combatendo a estigmatização, discriminação e preconceitos
relativos ao uso da língua.
(reflexão sobre os fenômenos linguísticos em variação e o respeito às diferenças)
2. A TRADIÇÃO GRAMATICAL ESCOLAR VERSUS A SOCIOLINGUÍSTICA

• Normas - Segundo Faraco, conjunto de fatos linguísticos que caracterizam o modo como
geralmente falam as pessoas de uma certa comunidade. Numa sociedade há inúmeras
normas. Como os falantes podem pertencer a várias de estas comunidades
simultaneamente, é possível dizer que um mesmo falante domina mais de uma norma.
( bi ou multidialetismo)
• Ainda de acordo com o autor, “uma norma qualquer que seja não pode ser compreendida
apenas como conjunto de formas linguísticas; ela é também (e principalmente) um
agregado de valores sociais articulados com aquelas normas.
 
• Três concepções de norma, segundo Faraco.
• Norma padrão, codificação relativamente abstrata, uma baliza extraída do uso real para servir
de referência, em sociedades marcadas por acentuada dialetação, a projetos políticos de
uniformização linguística. A norma padrão brasileira foi fixada durante o século XIX. A elite
brasileira que fundou o império impôs uma norma padrão muito distante da gramática usada
pela maioria da população brasileira.

• Norma curta, a que tem predominado no sistema escolar, na mídia, nos manuais de revisão e
nos cursinhos, norma estreita com preceitos dogmáticos inflexíveis. Norma padrão purista que
se alastra desde o século XIX, os rótulos de certo/errado.
Observação pessoal: aqui trata-se da mesma norma, ocorre que a segunda representa uma
valoração pessoal do autor acerca da norma padrão.
• Norma culta, conjunto de fenômenos linguísticos variáveis que ocorrem habitualmente
no uso dos falantes letrados em situações monitoradas de fala e escrita. Isto gera valor
social positivo a esse conjunto de variedades. A norma culta não é formada, portanto,
por um conjunto de preceitos dogmáticos tais quais os das normas anteriores, mas por
variedades que já aparecem descritas nas boas gramáticas modernas e nos bons
dicionários. Exemplo: o dicionário de Celso Luft, onde se diz que o verbo assistir era
transitivo indireto e passou a ser transitivo direto no Brasil.
(seria o equivalente ao que se chama de normas urbanas de prestígio.)
• Cabe a escola oferecer condições para que o aluno desenvolva plenamente suas
competências sociocomunicativas. Para tanto deve ensinar a norma culta, não no sentido
de que o aluno substitua a sua norma vernacular, mas no sentido de capacitá-lo a dominar
outras variedades para que possa adequar seu uso linguístico a diferentes situações.
QUESTÕES SOBRE A NOÇÃO DE ERRO

Segundo Bortoni-Ricardo, o erro na língua falada não é um erro de transgressão de algum


sistema de regras da língua, mas uma variedade linguística , em geral vernacular, que coocorre e
concorre com outra variedade linguística, mais prestigiada e mais culta, existente na sociedade.
Exemplo: a gente é feliz / a gente somos felizes. 
Como explicar essa variação? A gente representa o pronome ‘nós’ e o verbo segue a marcação
do morfema do plural ‘-nos’. Trata-se de variação na morfossintaxe.

Por sua vez, na escrita, há dois tipos de erros: os que resultam da interferência de traços da
oralidade e os que se explicam porque a escrita é regida por um sistema de convenções
arbitrárias.
• Exemplo de erros resultante da influência da oralidade. É comum em textos s alunos se suprimir o
/r/ em infinitivos, como em ‘compra’ ou “da”. Isso porque no português do Brasil, tendemos a
suprimir o <r>. Porém a supressão do /r/ é uma regra variável.

• Quanto aos problemas de convenção ortográfica, por exemplo, a troca de “calção” por “calsão”,
ou “cedo” por “sedo”. O erro se dá em virtude da transgressão do sistema de convenção
ortográfica, no caso do som /s/ lembre-se que há pelo menos nove maneiras de marcar esse som.
(experiência pessoal)
• Assim, ainda segundo a autora Bortoni-Ricardo, a consideração de uma transgressão à ortografia
como erro não significa entendê-lo como uma deficiência do aluno.
EM QUE PODE A SOCIOLINGUÍSTICA
CONTRIBUIR PARA O ENSINO DA LÍNGUA?
O domínio dos postulados sociolinguísticos básicos e seus desdobramentos e implicações é o mínimo
que se espera do professor de língua portuguesa. É preciso ter um embasamento teórico consistente
acerca da linguagem em seu funcionamento social para poder atuar, de forma competente, na
orientação da aprendizagem e na formação continua do aluno-cidadão.
 

A variação/mudança no paradigma pronominal


De todas as mudanças por que passou o português ao longo dos séculos, talvez a pronominal tenha
sido a mais significativa, afirmam os autores, como ocorreu com o pronome ‘você’ e ‘a gente’,

• Para entender essa mudança, faz-se necessário falar sobre o conceito de gramaticalização
É um processo de mudança linguística que se dá através de regularização gradual,
pela qual um item frequentemente utilizado em contextos comunicativos particulares
adquire função gramatical e pode, uma vez gramaticalizado adquirir novas funções.

Exemplos:
- de item lexical a pronome: caso do substantivo ‘gente’ ao pronome ‘a gente’.
- de advérbios a conjunções: caso do advérbio ‘agora’ a conector ‘agora’, indicativo de
conjunção adversativa.
- No percurso de ‘vossa mercê’/vossas mercês para você/vocês, a forma de tratamento foi
se gramaticalizando →vansuncê(s) → vassucê (s) →vacê (s) → você (s); em alguns
lugares chegando → ocê (s) →cê (s).

A forma pronominal ‘a gente’ também é resultado de um processo de mudança por


gramaticalização do nome ‘gente’ para o pronome ‘a gente’. De ‘gente’ (nome genérico)
para ‘a gente’ pronome indefinido e deste para pronome pessoal ‘a gente’.
PARADIGMAS PRONOMINAIS EM USO

Pronmes pronomes oblíquos (retos/tônicos) Pronomes possessivos


pessoais
p1 eu Me, mim, comigo Meu (s), minha (s)
p2 Tu/você Te, ti, contigo, o, a, lhe, se, de você, com você Teu (s), tua(s), seu (s), sua (s),
de você
p3 Ele (a) O, a, lhe, se, si, consigo, dele(a), com ele (a) Seu (s), sua (s), dele, dela
p4 Nós/a gente Nos, conosco, com nós, se, da gente, com a Nosso (s), nossa (s), da gente
gente
p5 Vocês Os, as, lhes, se, de vocês, com vocês Seu (s), sua (s), de você (s)
p6 Eles (as) Os, as, lhes, se, si, consigo, deles (as), com eles Seu (s), sua (s), dele (s), dela(s)
(as)
PARADIGMA DOS PRONOMES EM USO

Observe-se nesse paradigma que há seis pessoas, diferente do proposto pela gramática tradicional.

Veja-se que as formas ‘seu (s)”, sua (s), que originalmente referiam-se ao pronome de 3ª pessoa
singular e plura (gramática tradicional) passam a referir-se também a 3ª e 6ª pessoas, ou seja, a ‘você’ e
‘vocês’ (novo paradigma).

Assim , é possível mostrar ao aluno que o “lhe (s)” refere (m) -se a também a você (s).

(dando aula sobre pronome oblíquo, peço aos alunos que substituam o elemento destacado por um
pronome oblíquo, eles não sabem: “sim, entreguei a você; lhe entreguei sim.”)
• Também é preciso dizer que ‘você (s)’ continua mantendo uma relação de concordância
com os pronomes de tratamento, como em ‘vossa excelência é’ ou ‘vossa senhoria é’; no
entanto, ao gramaticalizar-se, adquire a interpretação semântico discursiva de 2ª pessoa e
começa o concorrer com tu.
PROPOSTA PARA A PRÁTICA DO PROFESSOR
PESQUISADOR
Desenvolver projetos de pesquisa que levem os alunos, entre outas ações:

a. Lidar conscientemente com as noções de ‘certo’ e ‘errado’, ‘adequado’ e ‘inadequado’ –


tanto na modalidade oral quanto na escrita – que perpassem fenômenos em
variação/mudança.

b. Analisar textos de publicidade que veiculam qualquer tipo de preconceito linguístico e


posicionar-se criticamente frente a eles.
• Ensinar a norma culta da língua portuguesa, sem contudo, desconsiderar as variedades
linguísticas que os alunos trazem de casa – promovendo a ampliação desses
conhecimentos. Mediante a criação de situações diferenciadas para que os alunos
desenvolvam sua competência sociocomunicativa, de modo a saber usar uma variedade
ou outra de acordo com as situações de comunicação – criando uma peça de teatro com
um personagem pobre, que nunca foi à escola; uma outra que nunca saiu do campo e
uma terceira que mora num bairro rico e nunca foi a escola.
REFERÊNCIA:
COELHO, IZETE Lehmhuhl et ali. Para conhecer sociolinguística. São Paulo: Contexto,
2020.

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