Você está na página 1de 29

IRACEMA

Iracema / Séc. XIX (1881)


óleo s/ tela, José Maria de Medeiros.
Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
• Nascimento: 1 de maio
de 1829
em Messejana, Ceará;
• Falecimento: 12 de
dezembro de 1877
cidade do Rio de
Janeiro, estado do Rio
de Janeiro;
Literatura
Pode-se dividir a obra de Alencar em:
• Indianista
– O Guarani, 1857;
– Iracema, 1865;
– Ubirajara, 1874;
• Urbana
– Lucíola, 1862;
– Diva, 1864;
– Senhora, 1875;
• Regionalista e históricos
– O Gaúcho, 1870;
– O Sertanejo, 1875;
– Guerra dos Mascates (primeiro volume), 1873.
Iracema e o indianismo
• Rousseau – Pré-romantismo europeu:
O homem é um animal naturalmente bom, mas corrompido
pela sociedade.
• Alencar partilha desse conceito, transformando-
o em convicção arraigada em sua imaginação
poética.
• Subsiste a ideia central no Romantismo, de que
a arte deve reaproximar o homem da natureza.
• Reintegração do homem ao estado natural.
IRACEMA: OBRA-PRIMA DO ROMANCE
POÉTICO DO BRASIL
• Iracema: “um poema em prosa”.
• Machado de Assis escreveu sobre Iracema no
Diário do Rio de Janeiro, em 1866:
    
“Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do
estudo e da meditação, escrito com sentimento
e consciência… Há de viver este livro, tem em si
as forças que resistem ao tempo, e dão plena
fiança do futuro…Espera-se dele outros poemas
em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem
curar de saber se é antes uma lenda, se um
romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima.”
FOCO NARRATIVO E SENTIDO ALEGÓRICO
DA OBRA

• Narrado em 3ª. Pessoa – narrador onisciente.


• Alegoria do processo de colonização do Brasil e da
América pelos invasores europeus.
• Iracema é anagrama da palavra América.
• Martim remete ao deus greco-romano Marte, o deus da
guerra e da destruição.
– Herói-protagonista. Seu nome é diminutivo de Marte (Deus
romano da guerra), significando filho de guerreiro.
– É uma personagem histórica, um dos colonizadores do Ceará.
– É a síntese de todos os valores heroicos medievais de
bravura, fidalguia, sinceridade, fidelidade, etc. Aceita o fardo
de sua missão civilizatória.
Iracema
• O livro, subtitulado Lenda do Ceará, conta a triste
história de amor entre a índia tabajara Iracema, a virgem
dos lábios de mel e Martim, primeiro colonizador
português do Ceará.
• História da fundação do Ceará e o ódio de duas nações
inimigas (tabajaras e pitiguaras).
– Os pitiguaras habitavam o litoral cearense e eram amigos dos
portugueses.
– Os tabajaras viviam no interior e eram aliados dos franceses.
• José de Alencar recorreu a circunstâncias históricas,
como a rixa entre os índios tabajaras e pitiguaras e
utilizou personagens  reais, como Martim Soares
Moreno e o índio Poti, que depois viria a adotar o nome
cristão de Antônio Felipe Camarão.
Iracema
• Iracema é filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e
deve manter-se virgem porque “guarda o segredo da
jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o
Pajé a bebida de Tupã”.

“Além, muito além daquela serra, que ainda azula no


horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos
mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu
talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a
baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria
o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua
guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e
nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que
vestia a terra com as primeiras águas.”
OUTRAS PERSONAGENS
• POTI = (nome de batismo) = Antônio Felipe
Camarão
– Também personagem histórico;
– Grande amigo de Martim (irmão em
armas);
– Guerreiro pitiguara (irmão do chefe);
– Reúne características de um cavaleiro
medieval, dotado de valentia, prudência,
audácia, esperteza, etc.

• Jacaúna: irmão de Poti.


OUTRAS PERSONAGENS
• Araquém: Pajé da tribo Tabajara, pai de Iracema,
representa a sabedoria da velhice.

• Caubi: Irmão de Iracema, o “senhor dos caminhos”. Não


guardou rancor da irmã, indo visitá-la no exílio.

•   Irapuã = mel redondo; Inimigo de Martim; Pretendente


de Iracema; Chefe dos tabajaras; Ciumento e corajoso;
Apaixonado por Iracema

• Batuirité: Avô de Poti que profetiza a destruição dos


índios pelos brancos e nomeia Martim - Gavião Branco.

• Jacaúna: irmão de Poti.


OUTRAS PERSONAGENS
• MOACIR = “filho da dor” (Filho de
Iracema & Martim )
– Sofrimento do trabalho de parto de
Iracema + Situação de solidão que ela
enfrenta por seu marido ter ido para a
guerra
– Simboliza o sofrimento necessário para
se forjar um nação a partir de culturas
tão distintas.
• Um dia, Iracema encontra, na floresta, Martim,
que se perdera de Poti, amigo e guerreiro
pitiguara com quem havia saído para caçar e
agora andava errante pelo território dos inimigos
tabajaras. Iracema leva Martim para a cabana
de Araquém, que abriga o estrangeiro: para os
indígenas, o hóspede é sagrado.
• O momento em que Martim encontra Iracema
revela a idealização romântica em seu grau
mais elevado:
Além, muito além daquela serra...
“De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz
da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro
aprendeu na religião de
sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e
amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto,
não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e
a uiraçaba, e correu
para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e
compassiva o sangue que gotejava. Depois
Iracema quebrou a flecha
homicida: deu a haste ao desconhecido,
guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?
— Quem te ensinou, guerreiro branco, a
linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas
matas, que nunca viram outro
guerreiro como tu?
— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho
das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje
têm os meus.
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos
tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de
Araquém, pai de Iracema”.
• Comparação de Iracema à natureza exuberante do
Brasil.
• Seus cabelos são mais negros e mais longos, seu sorriso
mais doce, seu hálito mais perfumado, seus pés mais
rápidos.
• Iracema é apresentada por um narrador que, embora se
apresente na terceira pessoa, é claramente emotivo e
apaixonado.
• Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita das
maravilhas da natureza cearense, brasileira e americana.
• Iracema é muito mais do que uma mulher. Não anda,
flutua. Toda a natureza rende-lhe homenagem: da acácia
silvestre aos pássaros, como o sabiá e a ará.
• A heroína é o próprio espírito harmonioso da floresta
virgem.
Rompimento da harmonia
• O narrador deixa clara a ruptura nesse harmoniosa
relação de Iracema com o seu meio ao apresentar o
surgimento de Martim: "Rumor suspeito quebra a
doce harmonia da sesta".
• A vista de Iracema perturba-se, impossibilitada de
decodificar essa estranha aparição de uma etnia que
lhe é desconhecida.
• Processo de estranhamento e fascínio mútuo que
dominou o encontro dos dois povos.
• Começavam a se conhecer, sem sequer suspeitar as
trágicas consequências do encontro para os nativos.
A sedução
• Enquanto esperam a volta de Caubi, o irmão de
Iracema que reconduziria o guerreiro branco às
terras pitiguaras, Iracema se apaixona por
Martim, mas não pode se entregar a ele,
porque, como afirma o Pajé, “se a virgem
abandonou ao guerreiro branco a flor de seu
corpo, ela morrerá…
“Uma noite, Martim pede à Iracema o vinho de
Tupã, já que não está conseguindo resistir aos
encantos da virgem. O vinho, que provoca
alucinações, permitiria que ele, em sua
imaginação, possuísse a jovem índia como se
fosse realidade. Iracema lhe dá a bebida e,
enquanto ele imagina estar sonhando, Iracema
“torna-se sua esposa”.
A culpa do nativo...
“Quando Iracema foi de volta, já o pajé não estava na
cabana; tirou a virgem do seio o vaso que ali trazia oculto
sob a carioba de algodão entretecida de penas. Martim lho
arrebatou das mãos, e libou as poucas gotas do verde e
amargo licor.
Não tardou que a rede recebesse seu corpo desfalecido.
Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o
beijo, que ali viçava entre sorrisos, como o fruto na corola
da flor. Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o
perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.
O gozo era vida, pois o sentia mais vivo e intenso; o mal
era sonho e ilusão, que da virgem ele não possuía mais
que a imagem.
Iracema se afastara opressa e suspirosa.
A culpa do nativo...
Abriram-se os braços do guerreiro e seus lábios; o nome
da virgem ressoou docemente.
A juruti, que divaga pela floresta, ouve o terno arrulho do
companheiro; bate as asas, e voa para conchegar-se ao
tépido ninho. Assim a virgem do sertão, aninhou-se nos
braços do guerreiro.
Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali debruçada,
qual borboleta que dormiu no seio do formoso cacto. Em
seu lindo semblante acendia o pejo vivos rubores; e como
entre os arrebóis da manhã cintila o primeiro raio do Sol,
em suas faces incendidas rutilava o primeiro sorriso da
esposa, aurora de fruído amor.
Martim vendo a virgem unida ao seu coração, cuidou que o
sonho continuava; cerrou os olhos para torná-los a abrir.”
A culpa do nativo...
• Ao “possuir” Iracema, Martim está inconsciente,
completamente seduzido e inebriado.
• Esse gesto há de provocar a destruição da virgem,
assim como a invasão do Brasil pelos portugueses há
de provocar a destruição da floresta virgem americana.
• No entanto, assim como Martim não tinha qualquer
intenção de provocar a morte de sua amada – o faz por
paixão – os destruidores da natureza brasileira o fizeram
de forma inconsciente e inconsequente.
• A consciência ecológica de Alencar vai muito além da
ingênua defesa das nossas matas: percebe com clareza
o seu processo de destruição.
• "Iracema", quadro de 1909. Antonio Parreira
O conflito
• Martim é ameaçado pelo enciumado chefe guerreiro Irapuã, que quer
invadir a cabana de Araquém e matá-lo. Apesar da advertência de Araquém
de que Tupã puniria quem machucasse seu hóspede, os guerreiros de
Irapuã cercam a cabana, que é protegida por Caubi.

• Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos tabajaras e deseja
salvar o amigo. Planejam, então, a fuga de Martim. Durante a preparação
dos guerreiros tabajaras para a guerra com os pitiguaras, Iracema lhes
serve o vinho da jurema e, enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim
e Poti para longe da aldeia. Quando já estão em terras pitiguaras, Iracema
revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve acompanhá-lo.

• Entretanto, os tabajaras descobrem que Iracema traíra “o segredo da


jurema” e perseguem os fugitivos. Os pitiguaras, avisados da invasão dos
tabajaras, juntam-se aos fugitivos e é travado um sangrento combate.

• Iracema luta ao lado de Martim contra a sua tribo. Os pitiguaras ganham a


luta e Iracema se entristece pela morte dos seus irmãos tabajaras.
O exílio
• Iracema acompanha Martim e Poti e passa
a morar com eles no litoral.
• Iracema se ressente da frieza do marido e
sofre.
• Martim se ausenta com frequência em
caçadas e batalhas contra os inimigos dos
pitiguaras.
• Enquanto guerreia, nasce seu filho, que
Iracema chama de Moacir, que significa
“nascido do meu sofrimento, da minha dor”.
• Solitária e saudosa, Iracema tem dificuldade
para amamentar o filho e quase não come.
Desfalece de tristeza.
• Martim fica longe de Iracema durante oito luas
e, quando volta, encontra Iracema à beira da
morte. Ela entrega o filho a Martim, deita-se na
rede e morre, consumida pela dor.
• Poti e Martim enterram-na ao pé do coqueiro, à
beira do rio. Segundo Poti: “quando o vento do
mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é
tua voz que fala entre seus cabelos.”
“O cristão moveu o passo vacilante. De repente, entre os
ramos das árvores, seus olhos viram, sentada à porta da
cabana, Iracema com o filho no regaço e o cão a brincar.
Seu coração o arrastou de um ímpeto, e toda a alma lhe
estalou nos lábios:
— Iracema!...
A triste esposa e mãe soabriu os olhos, ouvindo a voz
amada. Com esforço grande, pôde erguer o filho nos
braços e apresentá-lo ao pai, que o olhava extático em seu
amor.
— Recebe o filho de teu sangue. Chegastes a tempo;
meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!
Pousando a criança nos braços paternos, a desventurada
mãe desfaleceu como a jetica se lhe arrancam o bulbo. O
esposo viu então como a dor tinha murchado seu belo
corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o
perfume na flor caída do manacá.
Iracema não se ergueu mais da rede onde a
pousaram os aflitos braços de Martim. O terno
esposo, em que o amor renascera com o júbilo
paterno, a cercou de carícias que encheram sua
alma de alegria, mas não a puderam tornar à vida:
o estame de sua flor se rompera.
— Enterra o corpo de tua esposa ao pé do
coqueiro que tu amaste. Quando o vento do mar
soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz
que fala entre seus cabelos.
O lábio emudeceu para sempre; o último lampejo
despediu-se dos olhos baços.”
• Martim partiu das praias do Ceará levando
o filho. Alencar comenta: “O primeiro
cearense, ainda no berço, emigrava da
terra da pátria. Havia aí a predestinação
de uma raça?”
• O guerreiro branco volta alguns anos
depois, acompanhado de outros brancos,
inclusive um sacerdote “para plantar a
cruz na terra selvagem”.
• Começa a colonização e a narrativa
termina: “Tudo passa sobre a terra.”
Estatua de Iracema da lagoa da
Messejana

Você também pode gostar