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Uma descrição densa:

por uma teoria interpretativa da cultura

Pesquisa e escrita em História Social: diálogos com a Antropologia (PUC-Rio)

Professora: Crislayne Alfagali


Aluno: Eduardo Parreira
Clifford Geertz Clifford Geertz (1926-2006) nasceu em São Francisco,
Califórnia. Graduado em filosofia pela Universidade
de Antioch, em Ohio, em 1950, realizou o seu primeiro
trabalho de campo junto com sua esposa, Hildred
(também antropóloga), em Java (1952-1953), na
Indonésia e em seguida em Bali e Sumatra (1957-
1958). Neste tempo, retornou do trabalho de campo e
recebeu seu Ph.D. pela Universidade de Harvard, em
1956, com a tese “Religião em Modjokuto: um estudo
de crença ritual em uma sociedade complexa”.
Lecionou na Universidade da Califórnia (Berkeley),
depois na Universidade de Chicago (1960-1970), e, por
fim, na Universidade de Princeton (1970-2000)
momento onde escreve o artigo “Uma descrição densa”
(1973) e onde se tornou professor emérito. É junto com
Victor Turner um dos maiores expoentes da
antropologia simbólica (também denomi-nada de
antropologia interpretativa).
A interpretação das culturas
 O livro “A interpretação das culturas” (1973) é uma coletânea de oito
artigos escritos entre as décadas de sessenta e início de setenta, sobre os
usos e aplicações da definição de cultura na antropologia e sobre a
proposta de Geertz de um conceito semiótico de cultura.
 Estes artigos foram acrescidos de um texto introdutório inédito, o qual
Geertz afirma condensar suas opiniões mais atuais:
“o capítulo introdutório representa um esforço para afirmar mais explícita e
sistematicamente o que é esta linha de pensamento: em suma, uma tentativa de dizer
o que venho dizendo.” (p. viii)

 Esse artigo “A descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura”


se tornou um texto canônico da antropologia interpretativa. Ele é divido
em oito partes:
Primeira Parte – Cultura, um paradigma ofuscante
 Na primeira parte o autor ressalta que os ímpetos de uma “grande ideia” pairam sobre a
antropologia, um paradigma científico reinante que açambarca a análise da comunidade
acadêmica, domestica as questões de saber e exclui “todo o resto” que a ela não se adequa ou
transforma estes apócrifos em vítimas do leito de Procusto “adequando” as observações
empíricas as perspectivas analíticas em voga, confundindo mais do que esclarecendo.
 Para Geertz, essa “grande ideia” ofuscante na antropologia seria o conceito vigente de cultura.
Cultura seria o conceito central na antropologia, atuando como uma unicidade que abriga uma
totalidade. Uma espécie de arquilexema - um grande “guarda-chuva conceitual” em torno do
qual se construiu o estudo da antropologia e se percebe todos os seus objetos e análises. Para
representar essa perspectiva englobante Geertz foca sua crítica na conceituação de cultura
produzida pelo antropólogo evolucionista britânico Edward Tylor (1832-1917) e corrobora sua
afirmação diante da extensa definição de cultura (de 27 páginas) de um texto de introdução à
antropologia, escrito pelo americano Clyde Kluckhohn (Mirror for Man, 1947), aluno egresso
na Universidade que Geertz leciona, Princeton.
 Propõe um conceito de cultura “mais limitado, especializado e teoricamente mais poderoso” (p.
3).
No início do livro Primitive Culture (1871) Tylor conceituou a
Edward Tylor cultura como monolítica e complexa, constituída numa linearidade
progressiva e hierárquica. Cultura seria “todo aquele complexo que
inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes
e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem
como membro de uma sociedade" (p. 1).
Mais adiante, Tylor apresenta sua teoria das sobrevivências
culturais, onde afirma que existiam em todos os tempos (inclusive
no presente) traços culturais que haviam perdido suas funções
originais na sociedade, mas que continuavam em uso por força do
hábito e às vezes por nenhuma razão explícita em particular: “[...] a
persistência de uma ideia cujo sentido se perdeu há muito tempo,
mas que continua existindo pela simples razão de que um dia
existiu. [...] Podemos afirmar, de uma vez por todas, que os usos
desprovidos de sentido devem ser sobrevivências, que eles tiveram
uma intenção prática ou pelo menos um caráter de cerimónia no
momento e no lugar onde surgiram, mas que acabaram se tornando
observâncias absurdas, porque foram transportados para um novo
estado social onde sua significação desapareceu.” (p. 65)
Primitive Culture: Researches into the Development of Mythology,
Philosophy, Religion, Art, and Custom. vol. 1. Londres: John
Murray, 1871, colchetes nossos.
Segunda Parte – Descrição Densa, um neologismo em prol de uma análise
antropológica local e indutivo-qualitativa

 Na segunda parte, Geertz afirma que o dogmatismo teórico-metodológico não é a melhor


maneira de compreender a ciência:
“se você quer compreender o que é ciência, você deve olhar , em primeiro lugar, não
para as suas teorias ou as suas descobertas, e certamente não para o que os
apologistas dizem sobre ela; você deve ver o que os praticantes da ciência fazem.
Em antropologia [...] o que os praticantes fazem é etnografia.” (p.4)
 A análise da prática da etnografia seria então um começo para entender a análise
antropológica como forma de conhecimento, não sendo esta uma questão de métodos,
mas do fazer profissional.
“não são estas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o
empreendimento. O que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um
risco elaborado para uma “descrição densa”, tomando emprestada uma noção de
Gilbert Ryle.” (p.4).
 “Vamos considerar, diz ele [Gilbert Ryle], dois garotos piscando rapidamente o olho direito. Num deles,
esse é um tique voluntário; no outro, é uma piscadela conspiratória a um amigo. Como movimentos os
dois são idênticos; observando os dois sozinhos, como se fosse uma câmara, numa observação
“fenomenalista”, ninguém poderia dizer qual delas seria um tique nervoso ou uma piscadela ou, na
verdade, se ambas eram piscadelas ou tiques nervosos. No entanto, embora não retratável, a diferença
entre um tique nervoso e uma piscadela é grande. [...] O piscador está se comunicando e, de fato,
comunicando de uma forma precisa e especial: (1) deliberadamente, (2) a alguém em particular, (3)
transmitindo uma mensagem particular, (4) de acordo com um código socialmente estabelecido e (5) sem
o conhecimento dos demais companheiros. [...] Suponhamos, continua ele, que haja um terceiro garoto
que, “para divertir maliciosamente os companheiros”, imita o piscar do primeiro garoto de uma forma
propositada, grosseira, óbvia, etc. [...] Ocorre, porém, que esse garoto não está piscando nem tem um
tique nervoso, ele está imitando alguém que, na sua opinião, tenta piscar. Aqui também existe um código
socialmente estabelecido. Só que agora não se trata de uma conspiração, mas de ridicularizar. O caso é
que, entre o que Ryle chama de “descrição superficial” do que o ensaiador (imitador, piscador,
aquele que tem o tique nervoso ...) está fazendo (“contraindo rapidamente sua pálpebra direita”) e a
“descrição densa” do que ele está fazendo (“praticando a farsa de um amigo, imitando uma piscadela
para levar um inocente a pensar que existe uma conspiração em andamento”) está o objeto da
etnografia: uma hierarquia estratificada de estruturas significantes em termos das quais os tiques
nervosos, as piscadelas, as falsas piscadelas, as imitações, os ensaios de imitações são produzidos,
percebidos e interpretados. (p.5)
Comentários ao termo “descrição densa”
 Até esse instante o termo “Descrição densa” é um neologismo adotado por Geertz para enfatizar
algo que já estava sob o escrutínio da antropologia desde o artigo “As limitações do método
comparativo da antropologia” (1896) de Franz Boas, qual seja, uma crítica contundente a
doutrina dominante na antropologia, disposta pelo abstração universalista do método
comparativo do evolucionismo cultural de Edward Tylor, ressaltando a necessidade de estudar as
culturas através do ponto de vista do nativo, da particularidade, procurando compreender a
cosmologia nativa e suas instituições:
“É preciso compreender com clareza que, quando compara fenômenos culturais similares de várias
partes do mundo, a fim de descobrir a história uniforme de seu desenvolvimento, a pesquisa
antropológica supõe que o mesmo fenômeno etnológico tenha-se desenvolvido em todos os lugares da
mesma maneira. Aqui reside a falha no argumento do novo método, pois essa prova não pode ser dada.
Até o exame mais superficial mostra que os mesmos fenômenos podem se desenvolver por uma
multiplicidade de caminhos [...]
A grande e importante função do método histórico da antropologia [proposto por Boas] parece-nos
residir, portanto, em sua habilidade para descobrir os processos que, em casos definidos, levam ao
desenvolvimento de certos costumes. Se a antropologia deseja estabelecer as leis que governam o
desenvolvimento da cultura , ela não pode se limitar a comparar apenas os resultados desse
desenvolvimento; sempre que possível, deve comparar os processos de desenvolvimento, que podem ser
descobertos por intermédio de estudos das culturas de pequenas áreas geográficas. (p. 38)
Franz Uri Boas (1858-1942)
Um dos fundadores da escola culturalista americana. Ele compreendia que cada sociedade era uma unidade
sistêmica e que deveria ser entendida em seu contexto e pelas peculiaridades do seu local de produção,
sendo estudada, portanto, em seus processos específicos e não conforme leis universais.
Análise da Descrição densa - uma “leitura de mundo”
 “A análise é, portanto, escolher entre as estruturas de significação [...] e determinar sua base social e
sua importância [...] O ponto a enfocar agora é somente que a etnografia é uma descrição densa. O
que o etnógrafo enfrenta, de fato [...] é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas
delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e
inexplícitas, e que ele tem de alguma forma, primeiro aprender e depois apresentar.”
 “Fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito
estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos,
escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de
comportamento modelado” (p. 7)
 Influência de Paul Ricouer, para o qual a sociedade, a cultura e a ação deveriam ser “lidos como
textos” e que os estudiosos e os próprios atores deveriam ser seus leitores - conforme ERIKSEN,
Thomas; NIELSEN, Finn, História da Antropologia. Petrópolis: Editora Vozes, 2018, p. 144 e aquilo
que Jacques Derrida chamava de “arché-éscriture”, um tipo de escrita que precede tanto a fala
quanto a escrita e que corresponderia a “leitura da vivência” – conforme A escritura e a diferença. 3ª
ed. São Paulo: Perspectiva, 2014, p. 232.
 Recomendação de leitura: RICOUER, Paul The model of the text: meaningful action considered as
text. Social Research, vol. 38, 1971, p. 529-562.
Terceira parte – Cultura como parte do universo imaginativo dos grupos
estudados
 A questão principal do evento cultural estaria versada não no seu caráter ontológico ou em sua
taxionomia, mas em sua empiria e sua interpretação “qual é a sua importância, o que está sendo
transmitido com a sua ocorrência e através da sua agência” (p.8).
 Há várias maneiras do capital acadêmico obscurecer esta verdade (o que está acontecendo aqui e
agora). Dentre elas Geertz aponta três: 1) reificar a cultura como uma realidade “superorgânica”, com
forças e propósitos próprios; 2) alegar que ela consiste num padrão de acontecimentos, ou seja, reduzi-
la a peça de uma máquina e 3) dizer que a cultura é composta de estruturas psicológicas – que ela está
encerrada dentro do indivíduo e que tais elementos mentais podem ser analisados através de métodos
formais similares a matemática e da lógica (p. 9) uma crítica direta ao “Antropologia Estrutural”
(1958) de Lévi-Strauss.
“A cultura é pública porque o significado o é. [...] O que impede a nós, que crescemos
piscando outras piscadelas [...] de entender corretamente [...] que o que pretendem as pessoas
não é a ignorância sobre como atua a cognição (mas principalmente porque, presume-se, ela atua
da mesma maneira que entre nós, e seria bem melhor se pudéssemos passar também sobre isso)
como a falta de familiaridade com o universo imaginativo dentro do qual os seus atos são
marcos determinados.” (p. 9)
Quarta parte – Conceito semiótico de cultura
“Situar-nos [...] eis no que consiste a pesquisa etnográfica como experiência pessoal.
Tentar formular a base na qual se imagina [...] eis no que consiste o texto
antropológico como empreendimento científico” (p. 10)
 Com o fazer antropológico não procuramos nos tornar nativos (ou academicamente domestica-
los), mas conversar com eles – pois “o objetivo da antropologia é o alargamento do universo do
discurso humano”. Enfim, a compreensão da cultura de um povo acurada por suas
particularidades (“worldview”) expõe sua normalidade e os torna acessíveis.
 É nesse sentido que Geertz traça seu Conceito Semiótico de Cultura: uma chave analítica onde
nossas formulações dos sistemas simbólicos de outros povos são orientados pelos fatos e por
suas descrições densas e não pelas nossas perspectivas acadêmicas (um desvio etnocentrico) e
assim nos permitir ganhar acesso ao mundo conceitual no qual vivem os “nativos” e, que esse
acesso, nos permita conversar com eles.
“Cultura não é um poder [ que envolva regramento e causalidade] ela é um contexto, algo
dentro do qual eles [acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições e processos]
podem ser descritos de forma inteligível – isto é descritos com densidade. (p.10 , colchetes
nossos)
Escrita antropológica – cont. quarta parte
 Geertz afirma que “o objeto de estudo é uma coisa e o estudo é outra” seus processos de
representação não são os mesmos. Esta será a base para seu livro “Estar lá, estar aqui” (1988) onde
ele reflete sobre o trabalho de campo e a escrita etnográfica como momentos e universos distintos do
fazer antropológico.
“Os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade, de segunda ou terceira mão.
(por definição, somente um “nativo” faz a interpretação em primeira mão: é a sua cultura.) Trata-se,
portanto, de ficções; ficções no sentido de que são “algo construído”, “algo modelado” – o sentido
original de fictio – não que sejam falsas, não fatuais ou apenas experimentos de pensamento.[...] Nem
sempre os antropólogos têm plena consciência desse fato.” (p11)
 Aqui podemos novamente observar a influência da virada linguística nas ciências humanas e sociais -
como a influência de Hayden White (“Metahistória”, 1973) que mais tarde consolidou uma série de
análises sobre os textos antropológicos como um gênero literário no livro organizado por James
Clifford e George Marcus (“A escrita da cultura”, 1982).
 Assim, para Geertz, o texto etnográfico deve ser “capaz de esclarecer o que acontece em tais lugares
para reduzir a perplexidade” (p12) A questão dominante dos textos etnográficos seria separar as
piscadelas dos tiques nervosos.
Quinta parte – Perigos do esquematismo sistêmico
 Aqui Geertz trata do perigo do esquematismo dos sistemas simbólicos culturais embotarem a análise
antropológica: “é através do fluxo do comportamento – ou, mais precisamente, da ação social – que as
formas culturais encontram articulação” (p.12) ganhamos acesso aos sistemas de signos através da empiria
“inspecionando os acontecimentos e não arrumando entidades abstratas em padrões unificados” (p.13).
 Assim a coerência não deve ser o principal teste de validade de uma descrição cultural, porque ele é
também cultural e simbolicamente relativa ao cenário empírico: “Uma boa interpretação de qualquer coisa
[...] leva-nos ao cerne do que nos propomos interpelar”. O etnógrafo “transforma” o acontecimento do
passado em um relato conservado para estudo. Mas, Geertz indaga citando Paul Ricouer: “O que a escrita
fixa?” e conclui:
“O que escrevemos é noema (“pensamento”, “conteúdo”, “substância”) do falar. É o significado do
acontecimento de falar, não o acontecimento como acontecimento.”
“O que escrevemos é apenas parte do discurso social que os nossos informantes podem nos levar a
compreender. [...] não é necessário conhecer tudo para poder entender uma coisa”
“A análise cultural é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados, uma avaliação das
conjecturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas e não a
descoberta do Continente dos Significados e o mapeamento da sua paisagem corpórea.” (p.14)
Sexta parte – Característica microscópica da descrição etnográfica

 Geertz afirma que tratou até agora de 3 características da descrição etnográfica: 1) interpretativa; 2)
interpreta o fluxo do discurso social; 3) tal interpretação consistem em “salvar” o dito e fixa-lo em formas
pesquisáveis. Agora iria tratar da quarta característica: “ela é microscópica”.
 A maneira como o antropólogo passa do contexto microscópico para o macro envolve dois problemas
metodológicos:
1) Modelo microscópico Joenvile-é-os-Estados-Unidos: importa em dizer que através de pequenas
cidades se encontra um fragmento simplificado do todo. É uma falácia, se encontra mesmo é a vida
naquela pequena cidade.
2) Modelo “experiência natural” A-Ilha-da-Páscoa-é-um-caso-teste: ideia dos experimentos laboratoriais
onde os dados isolados são mais puros e não manipuláveis.
 Enfim: “o locus do estudo não é o objeto de estudo. Os antropólogos não estudam as aldeias, eles
estudam nas aldeias” (p. 16). Geertz pondera afirmando que algumas coisas podem ser melhor estudadas
em locais isolados, mas isso não faz o local de estudo uma condição sine qua non antropológica, pois “o
que é importante nos achados do antropólogo é sua especificidade complexa, sua circunstancialidade.” (p.
16) E conclui que “Fatos pequenos podem relacionar-se a grandes temas [...] porque eles são levados a
isso.” (p.17) (comentário nosso: levados por que, ou por quem?)
Sétima parte – A etnografia como freio e contrapeso do arcabouço teórico

 Segundo o autor as abordagens interpretativas tendem a resistir a articulação conceitual e escapar


dos modos de avaliação sistemáticos preexistentes. Elas se apresentam como autovalidadas pela
narrativa etnográfica. Haja vista a particularidade impressa na escrita estar lastreada precipuamente
na experiência de campo. Assim, seriam condições para a teoria cultural:
 “Não ser seu próprio dono”: dependendo sempre do lastro etnográfico, das particularidades observadas e
assim nunca alçando voos conceituais abstratos longos, se caracterizando por crescer numa sobreposição
de casos.
 “Não é profética”: toda a interpretação cultural é post facto – isto é, não projeta resultados - , isso significa
que a teoria tem que se ajustar a realidades passadas e tem que sobreviver as realidades por vir, pois, se
deixam de ser úteis são abandonadas.
 Para Geertz: “Em etnografia o dever da teoria é fornecer um vocabulário no qual possa ser
expresso o que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo – isto é, sobre o papel da cultura na
vida humana.” (comentário nosso: esse vocabulário seria neutro?)
 “As formas da sociedade são a substancia da cultura, e tanto o manejo teórico como o observacional
estão em constante arranjo diante dos grupos observados.” (p.20) Enfim, a densidade fática não tem
a ver com a objetividade científica. Assim, a etnografia revê constantemente a questão teórica e a
coloca sob prova.
Oitava e última parte – A incompletude da análise cultural
 Para Geertz a antropologia interpretativa seria um conhecimento científico em perpétua construção,
posto sua característica de incompletude, e cujos resultados estão passíveis de serem contestados quanto
mais se aprofundam, ou seja seu desenredar não pode se dar na busca do consenso:
“A análise cultural é intrinsicamente incompleta e, o que é pior, quanto mais profunda, menos
completa. É uma ciência estranha, cujas afirmativas mais marcantes são as que têm a base mais
trêmula, na qual chegar a qualquer lugar com um assunto enfocado é intensificar a suspeita, a sua
própria e a dos outros, de que você não o está encarando de maneira correta. Mas essa é que é a
vida do etnógrafo, além de perseguir pessoas sutis com questões obtusas. [...] O fato é que
comprometer-se com um conceito semiótico de cultura e uma abordagem interpretativa do seu
estudo é comprometer-se com uma visão da afirmativa etnográfica como “essencialmente
contestável” ” (p.20).
“Olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade,
senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio
empírico de formas não emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da
antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar
à nossa disposição as respostas que outros deram [...] e assim incluí-las no registro de
consultas sobre o que o homem falou”. (p.21)
Para concluir
 Análises acadêmicas: “Em contraposição ao foco dos antropólogos britânicos no indivíduo como ator
(normativa ou estrategicamente motivado), Geertz introduziu o indivíduo como leitor do mundo.
Contra as noções britânicas de sociedade como racionalmente constituída e de indivíduo como
participando dela pela atividade racional, Geertz preconizava que o mundo contém uma infinidade de
significados e que o sujeito deve interpretar ativamente essa grande multivalência para significar o
mundo. ” (ERIKSEN, Thomas; NIELSEN, Finn, História da Antropologia. Petrópolis: Editora Vozes,
2018, p. 144)
 Principais críticas do texto: a ideia de cultura como inata e homogeneizante - como um conceito
uníssono e essencialista que abrange uma totalidade social sistêmica fechada – típica dos sistemas
antropológicos das escolas funcionalista (de Malinowski) e estrutural-funcionalista (de Radcliffe-
Brown) – e mesmo uma crítica a cultura como elemento universal disposto em fragmentos e estruturas
inconscientes, verificáveis em larga escala temporal e espacial – típica da escola estruturalista de Lévi-
Strauss.
 O que é cultura para Geertz? Para Geertz cultura seria um conceito compósito e aberto já que o
mesmo sistema pode abrigar uma complexidade de elementos culturais, que podem inclusive se
contradizer entre si, com alto grau de imprevisibilidade e concertação. Para ele a cultura é produto da
ação social de grupos que tentam dar sentido a vivência coletiva, sua lógica deriva da organização da
ação – destes indivíduos operando significados num agir coerente com suas formas de ver o mundo e
observáveis pela interseccionalidade e capilaridade desses próprios significados culturais.
Crítica “A descrição densa” de Geertz – Talal Assad
 Talal Assad (1932), saudita e como filho de diplomata viveu
sua infância entre a Índia e o Paquistão, tendo se formado na
Universidade de Estrasburgo e na Universidade de Oxford.
Também em Oxford obteve seu doutorado em Filosofia.
Atualmente é professor de Antropologia na Universidade da
Cidade de Nova Iorque.
 Sua crítica ao texto de Geertz está voltada precipuamente ao
prisma da antropologia religiosa e circundam as ausências de
análises e de links entre os símbolos externos, as disposições
internas e as contextualizações locais e históricas. Enfim,
aponta uma lacuna entre o “sistema cultural” e a “realidade
social.
 Artigo: Anthropological Conceptions of Religion: Reflections
on Geertz. Revista Man, vol. 18. nº 2, 1983, p. 237-259.
Outro ataque ao conceito de cultura – “A invenção da cultura” (1975) de Roy
Wagner
 Um ataque mais forte a essa noção tradicionalista de cultura se deu dois anos depois da publicação do
“A interpretação das culturas”, pelo graduado em História Medieval e Doutor em Antropologia pela
Universidade de Chicago, Roy Wagner. Para ele:
“Se a cultura fosse uma “coisa” absoluta, objetiva, “aprender” uma cultura se daria da mesma forma para todas
as pessoas, tanto nativos como forasteiros, tanto adultos como crianças. Mas as pessoas têm todo tipo de
predisposições e inclinações, e a noção de cultura como uma entidade objetiva, inflexível, só pode ser útil
como uma espécie de “muleta” para auxiliar o antropólogo em sua invenção e entendimento. Para isso, e
para muitos outros propósitos em antropologia, é necessário proceder como se a cultura existisse na qualidade
de uma “coisa” monolítica, mas para o propósito de demonstrar de que modo um antropólogo obtém sua
compreensão de um outro povo, é necessário perceber que a cultura é uma “muleta”. [...]
A antropologia é o estudo do homem “como se” houvesse cultura. Ela ganha a vida por meio da invenção
da cultura, tanto no sentido geral, como um conceito, quanto no sentido específico, mediante a invenção de
culturas particulares. Uma vez que a antropologia existe por meio da ideia de cultura, esta tornou-se seu idioma
geral, uma maneira de falar sobre as coisas, compreendê-las e lidar um elas. É incidental questionar se as
culturas existem. Elas existem em razão do fato de terem sido inventadas e em razão da efetividade dessa
invenção [...]
O estudo da cultura é na verdade nossa cultura [enquanto profissionais da antropologia]: opera por meio
das nossas formas, cria em nossos termos, toma emprestados nossas palavras e conceitos para elaborar
significados e nos recria mediante nossos esforços”
(A invenção da cultura. São Paulo: Ubu Editora, 2017, p. 34-36, colchetes nossos)

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