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O HOMEM NOVO –

TRABALHO NO
BRASIL DA
DITADURA
VARGAS
■ O que é o trabalho?

■ O que significou o trabalho no Brasil colonial e imperial?


■ Durante muitos séculos, no Brasil e no mundo, a pobreza fora entendida como um fato
inevitável e até útil, uma vez que consistia em estímulo ao trabalho. Os “pobres”
tornavam-se operosos por força da necessidade, enquanto cabia aos “homens bons” a
responsabilidade social por sua existência e pelo progresso da nação. O processo pelo
qual a pobreza começa a ser identificada como incômoda e até perigosa, e portanto nem
tão útil, é longo e associa-se ao desenvolvimento das relações capitalistas,
fundamentalmente identificadas ao mercado de compra e venda da força de trabalho. No
Brasil, tal processo acelera-se após a proclamação da República e mais particularmente
após a I Guerra Mundial. (Pág. 54)
■ Se durante o Império o processo de State building estava em curso e teve amplo sucesso
(com a manutenção da unidade territorial e a expansão do aparelho de Estado), o
processo de nation building estava comprometido pela própria existência da escravidão.
Só com a Guerra do Paraguai, a Abolição e a República — nas décadas que vão de 1870
a 1890 — que se pôde passar da construção do Estado para a construção da nação,
enfrentando-se a questão chave da extensão dos direitos de cidadania, quer fossem civis,
políticos ou sociais. (Pág. 54)
■ Os anos 30 inauguraram-se sob esse legado, e as medidas que então se implementam são bem
uma demonstração da intensidade e atualidade do problema que se enfrentava. É a partir desse
momento, demarcado pela Revolução de 30, que podemos identificar de forma incisiva toda
uma política de ordenação do mercado de trabalho, materializada na legislação trabalhista,
previdenciária, sindical e também na instituição da Justiça do Trabalho. É a partir daí que
podemos igualmente detectar — em especial durante o Estado Novo (1937-45) — toda uma
estratégia político-ideológica de combate à “pobreza”, que estaria centrada justamente na
promoção do valor do trabalho. O meio por excelência de superação dos graves problemas
sócioeconômicos do país, cujas causas mais profundas radicavam-se no abandono da população,
seria justamente o de assegurar a essa população uma forma digna de vida. Promover o homem
brasileiro, defender o desenvolvimento econômico e a paz social do país eram objetivos que se
unificavam em uma mesma e grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador,
responsável por sua riqueza individual e também pela riqueza do conjunto da nação. (Pág. 55)
■ O trabalho passaria a ser um direito e um dever; uma tarefa moral e ao mesmo tempo
um ato de realização; uma obrigação para com a sociedade e o Estado, mas também
uma necessidade para o próprio indivíduo encarado como cidadão. A complexidade
dessa autêntica transformação de mentalidade — como os ideólogos do pós-30 a
encaravam — talvez só possa ser razoavelmente dimensionada com o registro de que o
Brasil foi uma sociedade escravista por quatro séculos, sendo o último país do mundo a
realizar a abolição. Ou seja, a formulação liberal clássica que associa o ato de trabalhar
com riqueza e cidadania sempre estivera ausente do país e produzir uma identidade
social e política para o trabalhador era um esforço muito grande. (Pág. 55)
CENSURA A DITADURA VARGAS

■ Assim, tanto as regras legais como a ideologia política podem ser pensadas como
mecanismos organizadores do consentimento e controladores do conflito social, através
de formas diferenciadas do exercício da coesão e da coerção. Suas relações precisam ser
percebidas para que a própria configuração de um projeto político seja captada mais
perfeitamente dentro de determinada conjuntura. (Pág. 56)
Ideias-força

■ Só o trabalho — essa idéia-fato — podia constituir-se em medida de avaliação do “valor


social” dos indivíduos e, por conseguinte, em critério de justiça social. Só o trabalho
podia ser um princípio orientador das ações de um verdadeiro Estado democrático, isto
é, de um Estado “administrador do bem comum”. Dessa forma, como sintetiza Severino
Sombra, o Estado devia ser “a expressão política do trabalho nacional”, devia ser um
verdadeiro “Estado Nacional trabalhista” que aplicasse a norma: “a cada um segundo o
valor social do seu trabalho, donde, como conseqüência, (...) todo homem, por seu
trabalho honesto, deverá deixar para seus filhos mais do que recebeu de seus pais”.
(Pág. 58)
■ O ideal de justiça social ia sendo explicitado como um ideal de ascensão social pelo
trabalho, que tinha no Estado seu avalista e intermediário. O ato de trabalhar precisava
ser associado a significantes positivos que constituíam substantivamente a superação
das condições objetivas vividas no presente pelo trabalhador. A ascensão social,
principalmente em sua dimensão geracional, apontava o futuro do homem como
intrinsecamente ligado ao “trabalho honesto”, que devia ser definitivamente despido de
seu conteúdo negativo. O trabalho era civilizador: “O trabalho não é um castigo nem
uma desonra. Só o é para os que alienam o seu valor de colaboradores sociais e
trabalham bestilizados sob o império da máquina. A mecanização, sem inteligência e
sem ideal, é que torna o homem mercadoria das forças econômicas” (Pág. 58)
■ O trabalho precisava ser visto como um ato de criação fundamentalmente humano; um
ato de dignificação e espiritualização do homem, pelo qual ele se integrava à sociedade
em que vivia. Uma política de organização científica do trabalho devia encontrar o
equilíbrio entre os esforços de mecanização da produção (essenciais à industrialização
dos países) e a proteção dos valores humanos e cristãos do trabalhador brasileiro. (Pág.
59)
■ A preocupação com uma organização científica do trabalho podia ser sentida desde o
momento revolucionário, ainda em 1930. Ela se traduzira por duas grandes iniciativas:
as criações do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e do Ministério da
Educação e Saúde. As medidas administrativas e legislativas levadas a efeito por esses
dois ministérios revelavam a cooperação necessária para a superação de todos os
problemas dos trabalhadores brasileiros. Tratava-se, de fato, de uma “concepção
totalista de trabalho”, atenta às mais diversas facetas da vida do povo brasileiro: saúde,
educação, alimentação, habitação etc. (Pág. 59)
■ No primeiro deles, aquelas que implicassem a indenização da perda da saúde, isto é, da
capacidade de trabalho e de ganho, e que se traduziam pela atuação da previdência e da
assistência sociais. Nesse setor, destacava-se o papel dos diversos seguros sociais que
convergiam todos para um mesmo fim: “preservar a saúde do trabalhador, descobrir-lhe
as deficiências funcionais, restituir-lhe a capacidade de trabalho, retorná-lo à vida
normal, readaptá-lo ao trabalho segundo as suas novas condições orgânicas ou garantir-
lhe uma invalidez menos infeliz e uma velhice mais despreocupada”. (Págs. 59-60)
A construção do homem novo

■ Nesse sentido, se o ano de 1942 fora o da “batalha da produção”, tendo como objetivo a
mobilização dos trabalhadores sob o lema “trabalho e vigilância — uma hora roubada
ao trabalho é uma hora roubada à pátria”, o ano de 1943 seria o do “trabalho e
sindicalização”. Tratava-se, explicitamente, de tornar o sindicato “a casa do
trabalhador”, e a criação do imposto sindical é, sem dúvida, a iniciativa-chave para
tornar realidade esse objetivo governamental.21 No caso, ele devia se traduzir tanto pelo
aumento do número de trabalhadores sindicalizados, quanto pelo aumento da freqüência
às sedes dos sindicados. A questão do associativismo do trabalhador brasileiro estava,
portanto, sendo pensada em conjunto com outras questões de imediato impacto material,
como as da moradia e alimentação, reconhecidas como fundamentais e responsáveis
pelas altas taxas de mortalidade e pela baixa produtividade da população brasileira.
(Pág. 62)
■ Por fim, uma política de proteção à família e ao trabalho — ao homem do presente e do
futuro — tinha que dar ênfase especial à educação.23 Só pelo ensino se poderia
construir um povo integral, adaptado à realidade social de seu país e preparado para
servi-lo. A intervenção do Estado Novo, fixando os postulados pedagógicos
fundamentais à educação dos brasileiros, tinha em vista uma série de valores dentre os
quais o culto à nacionalidade, à disciplina, à moral e também ao trabalho. (Pág. 63)
O Papel da Educação para construir o
homem novo...
■ A Escola Brasileira Nacionalizadora, adaptando-se às necessidades decorrentes da época
e respeitando os princípios fundamentais do Estado Nacional, tornou-se a Escola do
Trabalho, da iniciativa e da fortaleza moral. Ela não só adestra a mão do futuro operário,
como lhe educa o cérebro e fortalece o corpo (...). O trabalho na escola brasileira
constitui um verdadeiro sistema pedagógico (...). (Apud, pág. 63)
■ Constituindo um sistema pedagógico completo, o “trabalho” como ideal educativo
podia ser sintetizado na fórmula “aprender fazendo”, sendo implantado por medidas
como a adição dos trabalhos manuais nas escolas e a difusão e valorização do ensino
profissionalizante. O ano de 1942 é crucial nessa área de intervenção estatal. Ele
assinala tanto a grande reforma do ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema,
pela qual o ensino secundário torna-se uma realidade no país, quanto a criação do
Serviço Nacional de Ensino Industrial (Senai), sob a égide do ministro do Trabalho,
Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho, e com total envolvimento
empresarial. Ensino secundário e ensino profissionalizante, não equiparáveis —
contrariando os desejos de educadores do grupo da Escola Nova —, traduziam uma
negociação difícil entre projetos educacionais, entre setores empresariais e entre esferas
de poder da burocracia do Estado. (Págs. 63—64)
O Papel da censura na cultura popular

■Malandro x trabalhador
A voz do Brasil

■ Contudo, o aspecto central a ser registrado aqui, é o do enredo contido em todas as


transmissões, não importando qual o tema mais específico que envolviam. Tratava-se de
estabelecer um vínculo político profundo entre o presidente Vargas — responsável
pessoalmente pela grande obra antecipatória do direito social brasileiro — e o
povo/trabalhador que, tornado são e bem-educado, era o principal responsável pela
riqueza e grandeza do país. Ou seja, em todos os discursos ressaltavam-se as virtudes
excepcionais do presidente — guia e “pai dos pobres” — e as qualidades do cidadão
brasileiro, elogiado por sua operosidade e dedicação ao trabalho. A uni-los, através do
tempo, estava a “doação” da legislação social, que instaurava a obrigação do
reconhecimento do povo ante “seu” presidente, conformando tal contrato político como
uma legítima adesão e não como uma mera submissão à força do Estado. (Pág. 66)
Nacionalismo e trabalho

■ A materialização de tais princípios em políticas públicas poderia ser sinteticamente


resumida numa orientação de nacionalização do trabalho e da propriedade, isto é, na
execução de políticas que fornecessem e resguardassem, para o trabalhador nacional,
um número significativo de empregos e que lhe possibilitassem o acesso à propriedade
de bens materiais. Alcançar tais objetivos implicava enfrentar uma série de problemas
complexos, entre os quais o do abastecimento de mão-de-obra do país, o que envolvia
questões como a imigração estrangeira e o êxodo rural. Implicava igualmente retomar o
processo de ocupação do próprio território nacional, o que incluía políticas cujo alvo
eram o povoamento e a propriedade da terra. (Pág. 68)
“Marcha para o Oeste”

■ s imigrantes deveriam passar a ser entre nós, definitivamente, um fator de progresso e


não de desagregação social e desordem política. O Brasil realizava, no Estado Novo, um
grande esforço de ocupação das terras do interior, e era com esse horizonte que devia se
preparar para receber os novos surtos imigratórios que certamente ocorreriam com o fim
da guerra. Não nos interessava, portanto, a fixação de estrangeiros nas cidades. Eles
deveriam ser conduzidos para os trabalhos do campo, sem prejuízo do brasileiro que
constituiria a base primordial dessa política de colonização. (Pág. 69)
■ O sentido mais profundo da “Marcha para o Oeste” estava justamente nessa nova
valorização do homem e da terra. O problema começava a ser atacado pelo governo de
forma imediata pela concessão de terras nas fronteiras (Decretos-leis nº 1.968 e nº
2.610, de 17-1-1940 e 20-9-1940, respectivamente) e pela organização de colônias
agrícolas (Decreto-lei nº 3.059, de 14-2-1941) (Pág. 70)
■ O trabalhador, mesmo sendo pobre, era um homem bom e honesto. Suas dificuldades e
sua pobreza não deviam ser associadas a falhas morais, mas às condições estruturais do
sistema sócio-econômico, que podiam ser vencidas. A ascensão social do trabalhador
estava, portanto, relacionada à intervenção do poder público e na dependência deste,
única força capaz de superar os enormes problemas que condicionavam e impediam sua
realização pessoal. Era o Estado, personificado na figura de Vargas, que possibilitaria o
acesso dos trabalhadores aos instrumentos de realização individual e social. Desde
então, no Brasil, a relação homem do povo/Estado fundou-se, em grande medida, nessa
mitologia do trabalhador e do trabalho como fonte de riqueza, felicidade e ordem social.
(Pág. 71)

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