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AS PRÁTICAS MÁGICAS

NO IMPÉRIO ROMANO

Prof. Hariadne Soares


A prática de magia no Mundo Antigo
As tradições mágico-religiosas no Mundo Antigo eram
milenares.

A magia egípcia da época faraônica, bastante conhecida


devido à abundância de textos escritos e de monumentos,
recebia, originalmente, o nome heka, e era considerado
um atributo do deus Rá.

Contudo, outras divindades praticavam-na, como os


deuses Thot e Ísis, que utilizaram as artes mágicas para
curar Hórus (RITNER, 1993).
A prática de magia no Mundo Antigo
A magia também é mencionada no Antigo Testamento, por
exemplo, quando Iavé ordenou a Moisés que levantasse
uma serpente de bronze, “para curar da mordedura, os
filhos de Israel que a olhassem” (MENDES, 1992).

O livro dos Números também relata a atuação do mago


Balaão, cujos poderes são solicitados pelo rei Balac, de
Moab, que objetivava impedir a investida dos israelistas
em seu reino.
Amuleto de Salomão

Outra personagem de grande visibilidade nos PGM é


Salomão, filho de Davi, rei de Israel, reconhecido pela sua
sabedoria e pelos poderes de exorcismo e práticas mágicas
que exercia (CHEVITARESE; CORNELLI, 2007, p. 130).

“O selo de Deus”
Amuleto de Salomão

Crença na magia estava amplamente difundida no Egito


greco-romano

O cavaleiro armado submetendo o inimigo, símbolo de


vitória na cultura helenística.

Figura de Salomão, estava relacionada a crença de que


ele era capaz de submeter todos os tipos de demônios,
responsáveis por inúmeros males.
A prática da magia no Mundo Antigo

As práticas mágicas do período helenístico correspondem, de acordo


com Luck (1995, p.21), a “um conglomerado sincrético, com origem
em distintas sociedades que tomou forma no Egito”.

Por meio das Leis das Doze Tábuas (século V a.C.) temos informações
de alguns rituais mágicos muito antigos praticados na Península Itálica
e que eram julgados como delitos como, por exemplo, a prática de
fruges excantare, arruinar a colheita de outro camponês ou passar a si o
excedente da produção de um vizinho recitando certos encantamentos.

A Lei das Doze Tábuas também considerava delito recitar um malum


carmen ou qualquer encantamento mágico destinado a ferir alguém; o
verbo utilizado era incantare.
A prática da magia no Mundo Antigo

De forma geral, os romanos distinguiam as operações


mágicas em dois tipos principais: teúrgicas e goéticas.

A palavra teurgia requer uma explicação: em alguns


contextos pode ser classificada como uma forma sublime de
magia, praticada por uma figura sacerdotal respeitada, não
por “qualquer mago”.

Pode ser descrita, ainda, como uma magia aplicada a um fim


religioso e que se apoia em uma suposta revelação de uma
personalidade religiosa. Dessa forma, toda operação teúrgica
possuía caráter mágico e religioso (LUCK, 1995, p. 56).
A prática da magia no Mundo Antigo

O termo goeteía é caracterizado por conotações mais


negativas, se comparada à teurgia. A goeteía designava
as práticas mágicas manipuladas por populares,
consideradas maléficas e charlatãs.

A definição de teurgia ou goeteía recaía sobre a atitude


do agente mágico. Se a concepção fosse boa, seria magia
denominada teurgia ou rituais de cunho mágico
incorporados em práticas religiosas. Caso o ritual fosse
considerado maléfico a alguém, era denominado de
goeteía.
A prática da magia no Mundo Antigo e a
perseguição de Constâncio II
Os processos de acusação de magia, perpetrados durante o
governo de Constâncio II e Valente estariam relacionados a
tese de que a crise do III século aumentou a superstição e,
por conseguinte, o medo das artes magicae.

 A crise política imperial acabava por acarretar certa


desconfiança quanto as atividades dos magos e adivinhos.

Constâncio II teria então sido motivado por um terror contra


a magia? Ou seriam as análises historiográficas acerca da
perseguição de Constâncio “lugar de memória” que devem
ser revisitados pelo historiador?
A perseguição contra magos e adivinhos
no IV século
Perseguição contra magos e adivinhos se dá devido a
importância dada a tais atores sociais e a capacidade que
estes tem de causar infortúnios e fatalidades.

Acusação de magia Perseguição contra os magos


Prevista em lei Patrocinada pela casa imperial
Não é patrocinada pelo Estado Visa suprimir o ensino e a prática da
magia
Não produz estigmas e seu objetivo é Seus praticantes são considerados
apenas evitar danos a pessoa inimigos do gênero humano
A perseguição contra magos e adivinhos
no IV século
O denominador comum entre a acusação de magia e a perseguição
contra seus praticantes é a caracterização pejorativa dos que fazem
uso da ars magica.

Diferenciação entre feitiçaria e Magia:


 Feitiçaria é a prática desviante;
 Desvio construído socialmente por meio de relações de poder;
 Oposição entre formas aceitas de religião e formas condenáveis;
 Conversão de feiticeiros em inimigos da sociedade está
associada a adoção de um comportamento intolerante, vinculado
a redefinição de novos parâmetros religiosos. Então a
perseguição está relacionada ao avanço do cristianismo?
Características da perseguição, em oposição a
acusação de magia

Irrompe em ambiente intolerante;


Tem por legitimação, uma nova redefinição do parâmetro e
praxis religiosa;
Promove a ascensão de novos “especialistas religiosos”;
Possui implicações de caráter político;
Acusações justificadas com base na impossibilidade de
gerência, por parte da casa imperial com relação ao poder
de que desfrutam magos, adivinhos e astrólogos;
Imagem que a sociedade elabora acerca dos feiticeiros não
corresponde a imagem real, pois está marcada/corrompida
pelos estigmas.
O crime de magia na tradição jurídica romana

Lei das XII tábuas já previa possibilidade acusação contra


magia em casos específicos (esfera privada):
1. Transportar para seu campo o produto da colheita de outrem;
2. Proferir conjuros mágicos com objetivo de ferir ou causar
dano.

A partir do séc. II a.C., o interesse pela moralização no


contexto republicano, acabou por coibir práticas mágicas que
pudessem causar riscos a “ordem pública” (esfera civil):
 Em 186 a.C. ocorreram várias repressões contra as festividades
de Baco
 Em 139 a.C. a expulsão de astrólogos da Urbs
O crime de magia na tradição jurídica
romana
Lei específica para reger a questão da magia apenas em
81 a.C., com Sila – Lex Cornelia de Sicarii et Veneficis.

A Lex Cornélia tinha por objetivo salvaguardar a vida dos


cidadãos. Previa como penalidade a deportação para uma
ilha (deportatio) e o confisco dos bens.
Administração de venenos (venena ou medicamenta)
Na medida em que o conhecimento das propriedades
contidas nos elementos da natureza era considerado
patrimônio por excelência dos magos, a palavra veneficus,
passou a ser utilizada como sinônimo de feiticeiro.
O crime de magia na tradição jurídica
romana do Principado
Com a dissolução da República, Otávio Augusto colocou em
prática um amplo programa de reformas a fim de normalizar a vida
pública:
Normas para prática da adivinhação
 Edito de 11: Proibição a prática contra o princeps
Proibição da prática de divinatio sobre o Estado

Com Tibério, a lei contra magia se torna mais específica, proibindo


–se a consulta aos arúspices em segredo e sem testemunhas.

Em geral, a posição oficial do Estado contra a magia e a


adivinhação foi caracterizada pela tolerância. Não havia
condenação generalizada ou que objetivasse sua proibição.
O crime de magia na tradição jurídica
romana no III século
Até a dinastia dos Severos, a magia e a adivinhação não
constituíram um problema de ordem política e religiosa:

os antigos pareceram proibir não a doutrina ela mesma, mas


a exposição dessa doutrina em público, mas isso variou.
Não é preciso se dissimular que esse contágio se insinuou
nos costumes, de modo que, além disso, [os matemáticos,
caldeus e adivinhos] se apresentavam publicamente. Se os
magos foram vistos dando receitas ou praticando sua arte, é
muito mais devido à sua obstinação e à sua audácia do que
pela permissão que a eles se concedeu (ULPIANO,
Mosaicarum Et Romanorum Legum Collatio, XV, II, 2).
O crime de magia na tradição jurídica
romana no III século

PGM IV, 850-929

Transe de Salomão que atua sobre jovens e adultos: eu te suplico,


pelos santos deuses, e os deuses celestes, de não partilhar o
procedimento de Salomão com ninguém e de não usá-lo para algo
questionável, mesmo que uma questão de necessidade te force a
isso, sob a pena do furor e cólera.
A perseguição contra magos e adivinhos
no IV século
A partir de Diocleciano, com publicação do Código
Gregoriano, o termo veneficium é substituído por
maleficium.
Constantino, em 317, estabelece novos parâmetros acerca
da atuação dos magos:
A associação entre “maleficium” e
“maiestas”
Constâncio II, promulga leis proibindo a consulta a magos,
adivinhos, astrólogos e filósofos teurgos sob pena de serem
mortos pela espada vingadora (gladio ultor).

Constâncio rompe com todo teor jurídico da tradição


imperial. Com a promulgação de suas leis Ad populum,
reduzia todos os praticantes das artes magicaes, a condição
de maleficus e de inimici generis humani.

O imperador deflagrou a perseguição, principalmente, contra


os especialistas nas artes mágicas, ou seja, sujeitos detentores
de um poder específico. E para ele, toda arte mágica era
maléfica e perigosa.
A associação entre “maleficium” e
“maiestas”
Aproximação entre o crime de maleficium (magia) e de
maiestas (lesa-majestade)

Atentado contra o basileus era considerado crime


político-religioso.

O clima de instabilidade no Império após a ascensão de


Constâncio II acaba por deflagrar sensação de
desconfiança do imperador contra os partidários de
Magnêncio (que havia tentado usurpar o trono). Logo, os
inimigos de Constâncio eram inquiridos e denunciados
sob acusação de maiestas e maleficium.
Conclusões acerca da perseguição de
Constâncio II
Atingiu ricos e pobres. Ninguém estava isento do poder da espada
vingadora;
Alguns indivíduos faziam parte do comitatus, do aparelho de
Estado;
A intenção da prática mágica não importava perante a acusação;
A prática de magia é sempre vista como maleficium e é punida
como maiestas;
Associação entre maleficium e maiestas. A perseguição tinha por
objetivo a defesa da majestade do imperador. A segurança do
basileus se encontrava na origem da segurança geral.
Mudança no modus operandi das investigações judiciais na
Antiguidade Tardia (pouco espaço para livre debate, uso da
tortura, delações indiscriminadas, criação de redes de informantes
e injustiças)
Conclusões acerca da perseguição de
Constâncio
Perseguição tem, portanto, ordem político-religiosa;
Representa a redefinição dos parâmetros simbólicos que forneciam
legitimidade a basileia sagrada;
Mago é substituído pelo homem divino cristão;
Com a afirmação de Constâncio II como basileus, sua construção como
líder único sugere a supressão de qualquer conhecimento poderosos das
mãos de particulares;
Diante dos adversários da ordem, o basileus se apresenta como portador
do gladius ultor, que é brandida contra os ímpios em nome da pureza
da fé;
A penalidade possui então duas funções: sociojurídico e simbólico;
Derrubando os malefici com a espada vingadora, Constâncio II
reafirmava suas prerrogativas de basileus, como o guardião celeste da
sociedade romana, demonstrando que na Antiguidade Tardia, política e
religião compartilhavam da mesma origem sobrenatural.

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