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Direito Internacional Privado

Devolução ou Reenvio.1
Me. Arlete Sulemane Loução
Reenvio – definição do problema

 1. IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA
 Exemplo: o artigo 62 CC.
 Esta norma de conflitos ensina-nos que, para as matérias relativas à sucessão
por morte, deve aplicar-se a lei pessoal do autor dessa sucessão, implicando
a existência de uma lei estrangeira para regular a sucessão por morte.
 Ora, a ordem jurídica da nacionalidade do de cujus, isto é, a sua lei pessoal,
pode ter uma norma exactamente igual à do artigo 62 e considerar
competente o seu direito material. Este seria o normal funcionamento da
interpretação e aplicação do direito.
 Esquematizando: L1 (Moz - conexão: lei pessoal) → L2 (Fr - conexão: lei pessoal),
aplicando-se ao caso esta L2, isto é, lei francesa.
Reenvio – definição do problema

 Todavia, pode suceder igualmente, que esta ordem jurídica estrangeira designada (L2)
tenha uma norma de conflitos, cuja conexão ou elemento de conexão, considere
competente uma outra ordem jurídica, remetendo por isso, a competência para outra lei
aplicável à sucessão.
 Esquematizando: L1 (Mz - conexão: lei pessoal)→ L2 (Br - conexão: lei da residência
habitual)→ L3 (Fr - conexão: lei da situação dos bens móveis)
OU,
 L1 (Moz -conexão: lei pessoal)→ L2 (Br - conexão: lei da residência habitual)→ L1 (Mz -
conexão: lei da residência habitual)

 Este fenómeno em DIP designa-se de REENVIO ou DEVOLUÇÃO – trata-se de uma anomalia


que se verifica ao normal funcionamento do direito. O REENVIO como regime (isto é, a
sua regulamentação) será um conjunto de regras que visam resolver esta anomalia.
Reenvio – definição do problema

 2. PRESSUPOSTOS DO REENVIO
 Os pressupostos observados são:
 A norma de conflitos do foro (L1) remete a questão para uma lei
estrangeira (L2);
 A lei estrangeira designada (L2) não se considera competente, por ter um
outro elemento de conexão, remete para um outro Estado (L3);
 
 Relacionado com um dos pressupostos indicados, uma questão que se coloca à
esta situação é saber se, quando um Estado faz uma remissão na sua norma
de conflitos para um outro Estado, qual é o entendimento a ter dessa
remissão ou referência à lei estrangeira?
Reenvio – atitudes face ao reenvio

 3. ATITUDES PERANTE O REENVIO:


 São duas as atitudes ou situações que se podem verificar:
 A referência que um Estado faz a outro Estado (L1 → L2),
dirige-se directa e imediatamente às normas substantivas
desse Estado (esta é uma atitude anti-devolucionista);
 A referência feita a outra ordem jurídica (L1 → L2), dirige-se a
todo o seu direito, isto é, não só ao direito material, mas
também, sempre e necessariamente, ao seu direito de conflitos
(esta é uma atitude devolucionista ou pro-devolucionista).
Reenvio – atitudes face ao reenvio

 No primeiro caso - TESE DA REFERÊNCIA MATERIAL, significa que a designação da lei


aplicável, feita pela norma de conflitos do Estado do foro, abrange somente as normas
materiais desse ordenamento aplicáveis ao caso, sem a consulta das normas de
conflitos deste ordenamento jurídico, isto é, não se considerando a existência de
normas de DIP, nesse país. Exemplo: L1(RM) → L2 = L2 (remete-se para as normas
materiais deste Estado)
 A favor desta teoria alegam-se várias razões, a saber, (i) é necessária uma lógica na remissão
da referência directa ao direito material; (ii) deve respeitar-se a vontade do legislador
nacional; (iii) obviar a dificuldade de actuação prática da devolução, impedindo situações de
circulo vicioso.
 Contra esta teoria apresenta-se o facto de ela ser contra o princípio da harmonia
internacional de soluções; esta teoria viola este princípio ao ignorar o DIP estrangeiro e a
obrigar a L2 a decidir a questão, mesmo que não se ache competente para esse efeito.
 Exemplo de países que adoptam a teoria de referência material: América Latina (Brasil,
Chile, Paraguai, Uruguai…)
Reenvio – atitudes face ao reenvio

 No segundo caso - TESE DA REFERÊNCIA GLOBAL GERAL, significando que o Estado que a adopta
é pro-devolucionista ou devolucionista e faz uma referência que abrange as normas de DIP e as
normas materiais do pais designado como competente. Exemplo: L1(RG) → L2 = L2 (remete-se
para todo o direito - normas de conflitos e para as normas materiais - deste Estado)

 A favor desta teoria alega-se que a norma material estrangeira não pode ser aplicada abstraindo-se das
regras de DIP do país designado; outra razão tem a ver com o entendimento de que a referência global
conduz à harmonia jurídica entre as leis em presença. Além disso, uma ordem jurídica deve ser vista
como um todo, de forma indissolúvel, respeitando a unidade do sistema jurídico, logo, a referência feita
irá chamar as normas de DIP, acreditando-se que um dos Estados em contacto se considerará
competente, sendo possível parar a o reenvio (transmissão ou retorno).
 Contra esta teoria, apresenta-se o facto de a transmissão poder ser “ad infinitum” em que nenhum
Estado assume a competência e criar-se um círculo vicioso ou efeito “ping pong”, se todas as ordens
jurídicas em presença praticarem a referência global.
 Esta é uma teoria meramente doutrinária, com pouco relevo na prática, de modo que não tem
seguidores, ou seja, não há ordens jurídicas que a assumam.
Reenvio – atitudes face ao reenvio

 Ainda que esta teoria seja meramente doutrinária, os tribunais europeus (maioritariamente e com
jurisprudência emitida) praticam variantes mitigadas do reenvio de referência global, mormente sob duas
modalidades:
 I. DEVOLUÇÃO/REENVIO SIMPLES OU TEORIA DA DEVOLUÇÃO SIMPLES, consagrada pela maioria dos países da Civil
Law ou da Europa Continental (Alemanha, Itália, França, Espanha…), significando que, o ponto de vista da referência
global se aplica no momento de partida, isto é, a designação feita à ordem jurídica estrangeira, na primeira referência
é global, para todo o direito desse país e, a segunda referência feita é necessariamente material.
 Exemplo: L1 (DS) → L2 → L3 = significa que a primeira referência que L1 faz à L2 é para todo o seu direito
e, a segunda referência, que a L2 fizer, é para o direito material do país designado por L2. Assim, a L1
aplicará a L3, independentemente deste ordenamento efectuar uma remissão de acordo com a referência
global.
 Exemplo: L1 (DS) → L2 → L1, assim a L1 faz uma primeira referência global para L2 e esta faz uma
referência material para L1. Logo, a L1 aplicará a L1, ou seja, o seu próprio direito material.
 
 Crítica: a harmonia é limitada porque existe um corte artificial e, para alcançar a harmonia a prática do
sistema não pode ser generalizado, sob pena de provocar um conflito positivo de competências, nos
casos de retorno.
Reenvio – atitudes face ao reenvio

 II. DEVOLUÇÃO DUPLA OU INTEGRAL OU FOREIGN COURT THEORY, consagrada pelos


países da Common Law a significar que, o tribunal do foro deve julgar o caso tal como este
seria julgado pelo tribunal do Estado declarado competente, atendendo a referência feita
por esse Estado, no intuito de alcançar a harmonia internacional de julgados. Significa que
o pais que a adopta coloca-se sempre na posição da lei designada para solucionar o caso.
 
 Exemplo: L1 (DD) → L2 → L3; assim, a L1 vai aplicar a L3, porque seria dessa forma
que decidiria a L2, se fossem os seus tribunais a decidir.

 Crítica: a harmonia é limitada entre a L1 e a L2 e pode criar um efeito de “ping


pong” entre as leis em presença e criar um conflito negativo de soluções se a
prática for generalizada.
 

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