Dantas, Maria Alíria, Raissa, Vitor Melo; + A palavra mistanásia advém do vocábulo grego mis (infeliz) e thanatos (morte), significando, portanto, uma morte infeliz. O termo é utilizado para se referir à morte de pessoas que, excluídas socialmente, acabam morrendo sem qualquer ou apenas uma precária assistência de saúde. + Assim, podemos afirmar que as vítimas da mistanásia são as pessoas que não dispõem de condições financeiras para arcar com os custos advindos dos tratamentos da própria saúde, ficando na dependência da prestação de assistência pública. Mistanásia no SUS: o reflexo da desigualdade econômica e social + A Constituição da República Federativa do Brasil prevê, em seu art. 196, que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”, estabelecendo, outrossim, que o acesso à saúde deve ser universal e igualitário. + As denúncias que emanam de órgãos de fiscalização não param, especialmente dos Conselhos de Medicina, as quais, além de apresentarem a realidade dramática e cruel vivenciada pelas pessoas carentes doentes e o tratamento nada digno que lhes é ofertado pelo Estado, mostram a precariedade dos serviços experimentada pelos profissionais da saúde que laboram junto à rede pública, prestando serviços à exaustão física e psicológica, diante da falta de estrutura dos locais de trabalho. + Com isso, a morte prematura, por notória exclusão social, não pode ser banalizada em um Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, recaindo sobre o Estado a responsabilização pela reiterada omissão em fazer cumprir o dever constitucionalmente estabelecido de fornecer saúde digna para todos os indivíduos. Mistanásia e qualidade de vida + É necessário que haja compreensão e aceitação da morte, da dimensão da nossa natureza primordial, cujo conhecimento reifica a existência da dignidade humana diante dos limites da medicina, da ciência, de si próprio e de quem é cuidado. + A sociedade precisa aceitar a finitude da vida como fato inelutável, sem o olhar blasé daqueles que acreditam que a morte tocará apenas o outro e sem o pânico atávico dos que tentam ignorar a morte para poder afastá-la. + A diminuição sistemática do financiamento da saúde, o mau uso do dinheiro disponível no orçamento, o fechamento de leitos, serviços e unidades de saúde, a abertura indiscriminada de escolas médicas, o desprezo e desvalorização dos gestores pelo médico e demais profissionais da área, a falta de compromisso dos três poderes com a vida da população, corroídos pela corrupção, incompetência e desumanidade, são facetas da mistanásia que condicionam a vida e a morte, aumentando a vulnerabilidade dos mais necessitados. Consequências e impacto da mistanásia na sociedade + A morte mistanásica no Brasil ocorre como sequela da violação das condições mínimas para uma considerável qualidade de vida, tendo como principal fator a omissão de socorro estrutural como efeito da ineficiente gestão financeira e organizacional do setor responsável pelo sistema de saúde pública, em comparação às necessidades dos pacientes que utilizam dos serviços estatais. Mistanásia e a pandemia da Covid-19 + Embora a Constituição federal garanta ao cidadão o direito à dignidade e à honra – além de explicitamente dispor sobre a obrigação de o Estado oferecer a assistência integral à saúde – na prática, a exclusão socioeconômica representa condições piores de habitação, educação e alimentação. + O que, por si, já caracteriza que os excluídos são justamente aqueles que mais precisarão do sistema de saúde, embora sejam os que enfrentam as maiores dificuldades de acesso até para serem consultados, quanto mais nesse momento de pandemia. + A aceleração dos números de casos e mortes provocados pela covid-19 (coronavírus) no Brasil, que agora ultrapassa os 13,5 milhões de pessoas infectadas e 350 mil vítimas fatais, provocou também o aumento da mistanásia. + Esse quadro está ocorrendo nesse momento de epidemia pela falta de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) e de vagas de enfermarias no atendimento aos doentes com coronavírus, pois as equipes e profissionais da área da saúde são obrigados a escolher, de certa forma, quem deve morrer ou não. + A ineficiência do Estado no combate a pandemia vai além da falta de leitos, faltam oxigênio, equipamentos de proteção, medicamentos e equipes capacitadas para atender a pacientes graves que precisam de tratamento intensivo. + O fenômeno da mistanásia não representa um abandono de paciente, mas sim uma consequência do colapso do sistema. + A mistanásia, prática vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, vai muito além de insuficiência financeira do Estado, ela é o resultado de um mau e cruel relacionamento humano, diante de um quadro de banalização da morte, mormente das mais carentes social e financeiramente, atingindo-se um processo de coisificação do indivíduo, em que sua vida não apresenta a devida relevância nem para o Estado, nem para a sociedade. + A ineficiência do Estado no âmbito da saúde pública resulta na institucionalização de um processo contínuo de mortes prematuras e desarrazoadas, as quais poderiam ser evitadas com os devidos cuidados médicos. Referências: + Âmbito Jurídico, Fio Cruz, Medicina S/A. + BRASIL. CNJ. Judicialização da Saúde no Brasil: Dados e experiências, 2015. + CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Edições Almedina, 2004. + BRASIL. Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) no Brasil. Ministério da Saúde. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
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