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Análise crítica do

poema: Sobre estas


duras, cavernosas fragas

Manuel Maria
Barbosa du Bocage
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS
Curso: Letras português/noturno
Campus: 1
Disciplina: Literatura portuguesa 1
Docente: Eliane Bezerra da Silva
Discente: Brenda Gomes da Silva

Trabalho requisitado como


instrumento avaliativo da disciplina
Literatura portuguesa 1, ministrada
pela professora Eliane Bezerra da
Silva, ofertada pela Universidade
Estadual de Alagoas, Campus I, para
fins avaliativos.

Arapiraca – 2022
Introdução
O poema intitulado: Sobre estas duras, cavernosas fragas é um soneto que possui 14 versos,
quatro estrofes de duas quadras e dois tercetos com versos decassílabos. No poema é possível
observar o conflito entre a razão e a emoção onde está em forte evidencia a presença dos
sentimentos do eu-lírico e, segundo Massaud Moisés, o texto poético se identifica com a
expressão do “eu” por meio de uma linguagem conotativa ou de metáforas polivalentes e tais
metáforas, dada sua múltipla valência podem se constituir em três camadas: a emocional, a
sentimental e a conceptual, essas camadas que estão imbricadas ou inter-relacionadas formam
a estrutura do poema.
Dessa forma, partindo desses pressupostos, darei inicio a análise poética do texto de Manuel
Maria Barbosa du Bocage me atentando a seus elementos neoclássicos, assim como a
valorização da sensibilidade e individualidade da poesia pré-romântica.
Sobre estas duras, cavernosas fragas, Cego a meus males, surdo a teu
Que o marinho furor vai carcomendo, reclamo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo Mil objectos de horror co'a idéia eu
Como fervem no pego as crespas vagas. corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

Razão feroz, o coração me indagas,


De meus erros e sombra esclarecendo,
Razão, de que me serve o teu
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
socorro?
De agudas ânsias venenosas chagas.
Mandas-me não amar, eu ardo, eu
amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu
morro.
Sobre estas duras, cavernosas fragas, PRIMEIRA ESTROFE:
Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai
Que o marinho furor vai carcomendo, Nos versos da primeira estrofe, percebe-se que o
carcomendo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo eu-lírico utiliza-se de adjetivos (duras, cavernosas,
Me estão negras paixões n'alma
Como fervem no pego as crespas vagas. marinho, negras e crespas) para transmitir a ideia
fervendo
de lugar sombrio, assim como a configuração de
Como fervem no pego as crespas
uma paisagem de caráter lúgubre e inquietante que
vagas.
se assemelha ao desgaste de suas emoções. O eu-
lírico também usa recursos estilísticos como
metáforas e comparações nos versos 3 e 4 para
simbolizar o desgaste de seus sentimentos, todos
os recursos ajudam na formação da estrofe como
um momento de confissão do eu-lírico, este, que se
encontra em estado de inquietude e sofrimento.
 
SEGUNDA ESTROFE:
Razão feroz, o coração me indagas, Na segunda estrofe, é visto que o eu-lírico
De meus erros e sombra esclarecendo,
tenta trazer a tona a razão para que ela o
E vás nele (ai de mim!) palpando, e
ajude a solucionar os efeitos de sua paixão.
vendo
De agudas ânsias venenosas chagas No primeiro verso é usado a apostrofe para
chamar a razão para si e solucionar suas
inquietudes e no sétimo verso usasse a
sinestesia para trazer a razão para um plano
material através do gerúndio.
TERCEIRA ESTROFE:
Cego a meus males, surdo a teu
reclamo, No primeiro terceto, é apresentado o
Mil objectos de horror co'a idéia eu comportamento do sujeito a seus
corro, sentimentos. O oitavo verso da segunda
Solto gemidos, lágrimas derramo. estrofe faz uma ponte com o nono da
terceira através de metáforas e de
adjetivos (agudas, venenosas, cego,
surdo) para expressar a dor de ser
subjugado ao amor, também usa-se o
recurso estilístico quiasma para
transportação de seus sentimentos para
um panorama físico, assim como também
nos versos 10 e 11 o uso da hipérbole
para essa potencialização.
QUARTA ESTROFE:
Razão, de que me serve o teu socorro? Na ultima estrofe, e segundo terceto, o eu-
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo; lírico chama novamente a razão no verso 12
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu e faz uma pergunta retórica “de que me
morro. serve o teu socorro?”, mas nada adianta,
pois nos versos 13 e 14 ao proclamar
“mandas-me não amar, eu ardo, eu amo”
“dizes-me que sossegue, eu peno, eu
morro” o sujeito se encontra vencido e
rendido ao amor e a razão, apesar da
tentativa de intervenção, não prevalece.
 
ANÁLISE DA RIMA USADA NO POEMA:
• O poema sobre essas duras, cavernosas • Já os dois tercetos, seguem o esquema rimático
fragas apresenta em sua composição rimas CDC, DCD, as chamadas rimas alternadas.
pobres e ricas e um esquema rimático em
ABBA, ABBA (nos quartetos), o qual é
intitulado de rimas interpoladas. Cego a meus males, surdo a teu reclamo, C
Sobre estas duras, cavernosas fragas, A Mil objectos de horror co’a idéia eu corro, D
Que no marinho furor vai carcomendo, B Solto gemidos, lágrimas derramo. C
Me estão negras paixões n’alma fervendo B •  
Como fervem no pego as crespas vagas. A Razão, de que me serve deu socorro? D
  Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo; C
Razão feroz, o coração me indagas, A Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro; D
De meus erros a sombra esclarecendo, B
E vás nele (aí de mim?) palpando, e vendo B
De agudas ânsias venenosas chagas, A
Bocage
Manuel Maria Barbosa du Bocage, nasceu em Setúbal, Portugal em 15
de setembro de 1765 e morreu em Lisboa em 21 de dezembro de 1805.
Entrou no regimento de infantaria de Setúbal e logo depois se tornou
desertor e entrou em uma vida boêmia em que mostrou fortes
aspirações poéticas ao produzir poemas que exaltavam os grandes
nomes da época.
Posteriormente, inspirado por seu ídolo Camões, fez uma viagem pelas
índias e ao voltar juntou-se a academia de belas artes (também
denominada de nova Arcádia), onde fez muito sucesso em suas
produções, contudo, desvinculou-se dos moldes da nova Arcádia e
voltou a publicar obras de cunho satírico.
.
Tempos depois, Bocage foi acusado de antimonarquismo e, após ser
preso, redeu-se as dogmas do período e dedicou-se a uma vida
simplória e melancólica. Com seu espirito livre e controverso, Bocage
revolucionou sua época ao fazer parte da poesia do arcadismo e ao se
tornar um dos primeiros nomes a entrar no processo de transição que
viria a se chamar pré-romantismo.
Análise comparativa entre o locus amoenus e o locus horrendus

• O iluminismo existente na metade do século XVIII foi difundido gradualmente na Europa,


chegando em uma Portugal presa a princípios imutáveis e com uma estética tomada por
estruturas ainda medievais. D. João V e Luís Antonio Verney foram os principais apoiadores
da entrada do iluminismo nas escolas portuguesas, garantindo a sua propagação. Com a
ascensão do iluminismo em Portugal, foi também aberta uma nova perspectiva no ramo das
artes, no qual a estética do arcadismo entra em vigor.
• A estética da nova Arcádia busca como fonte de inspiração o classicismo, em que conceitos
como o da poesia camoniana e pastoril ganham espaço novamente com a inspiração
antiguidade greco-latina. O Arcadismo que entra em desacordo com o estravagante barroco,
expõe um homem fiel a razão que dedica-se a uma vida simples em volta da clareza e
frugalidade de uma paisagem bucólica, o chamado locus amoenus.
• No poema sobre estas duras, cavernosas fragas, percebe-se o contraste da lírica do poeta a
estética estabelecida em sua época. Incialmente, em sua primeira estrofe o cenário ilustrado é
completamente o oposto do panorama ideal do arcadismo, é apresentado um ambiente sombrio e
rochoso com comparações pessimistas que visualizam o amor através de uma prisma negativa de
desesperança. Esse ambiente é chamado de locus horrendus e se contrapõe totalmente ao locus
amoenus, contudo, apesar do teor negativo, é um ambiente que da vazão os seus conflitos internos
como o da razão e amor apresentados no poema.
• A produção lírica de Bocage reflete de forma proeminente a exaltação do “eu” em uma lírica que
fala sobre questões amorosas, solidão e morte causando uma pluralidade de sensações ao leitor.
Aguiar e Silva em Teoria da literatura dialogam a respeito do conceito de poesia lírica, alegando
que a lírica não seria uma ação projetada a níveis externos, mas sim no sujeito individual e, por
conseguinte, as situações particulares vivenciadas pelo individuo, a qual sua alma em suas alegrias,
admirações e suas dores vão tomar consciência de si, desse modo, é possível observar na lírica de
Bocage essa manifestação através do sofrimento do eu-lírico durante sua percepção sobre sua
paixão. 
CONCLUSÃO:

• Em suma, a partir da análise do poema, pode-se afirmar que Manuel Maria Barbosa du
Bocage mescla elementos do arcadismo e pré-romantismo em suas obras, transmitindo a
individualidade e a subjetividade para o eu-lírico, apresentando ambientações que fogem do
senso-comum de sua época quando insere vocabulários que remetem ao lócus horrendus e ao
utilizar em sua forma recursos estruturais neoclássicos. Bocage buscou em seu texto
elementos como a luta entre a razão e o amor, deixando de maneira mais evidente o “eu”
poético através de espaços com paisagens melancólicas que representam uma alma
fragilizada.
Referências :
• AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da literatura. 8ª Ed. Coimbra: Almedina, 2007.

• BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. [São Paulo] : FTD, 1994.
(Grandes Leituras).

• COSTA, Marilene. Algumas considerações sobre a poesia de BOCAGE. Tese (mestrado


em letras) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, p.77. 2014

• MOISÉS, Massaud. A análise literária. São Paulo : Cultrix, 2007.

• SILVA, Adriana. Bocage lírico: Sonetos de amor e morte. Letras escreve, Amapá, Vol. 1, p
67 – 86, janeiro a junho de 2011.
MUITO OBRIGADA!

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