Você está na página 1de 22

MODERNISMO:

Autores da Geração
de 45
GUIMARÃES ROSA
CLARICE LISPECTOR
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
CLARICE
LISPECTOR

• 1920-1977
Clarice Lispector
• Clarice foi um dos maiores nomes da literatura brasileira do
Século XX. Com seu romance inovador e com sua linguagem
altamente poética, sua obra se destacou diante dos modelos
narrativos tradicionais. Seu primeiro livro, “Perto do Coração
Selvagem” recebeu o Prêmio Graça Aranha.
• Clarice Lispector nasceu na aldeia de Tchetchelnik, na Ucrânia,
no dia 10 de dezembro de 1920.
• Clarice veio ainda criança morar no Brasil com sua famíliae
passou sua infância no Bairro da Boa Vista, em Recife.
Aprendeu a ler e escrever muito nova e logo começou a
escrever pequenos contos.
Clarice foi aluna ilustre do
Ginásio Pernambucano!!!!
CARACTERÍSTICA
S DA OBRA DE
CLARICE
• O universo feminino é sempre o foco da
literatura dela;
• Escritora intimista e psicológica;
• Sua obra é também social, filosófica e
existencial;
• Em busca de uma linguagem especial para
expressar paixões e estado da alma, a
escritora utilizou recursos técnicos modernos
como a análise psicológica e o monólogo
interior (fluxo de consciência);
• A ação não é o foco da narrativa. O que fica
em evidência é a reflexão psicológica das
personagens;
Tentação
Clarice Lispector
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava.
Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente,
o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina
ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de
morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma
cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa
velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no
ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce
sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se
olhavam.
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter
aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um
grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo. Os pêlos
de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se
também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a
serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne.
Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à
gravidade com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza
aprisionada.
A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou
espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos
pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.


GUIMARÃES ROSA
•João Guimarães Rosa nasceu em
Cordisburgo (MG) em 1908. Formado
em Medicina, exerceu a profissão até
1934, quando ingressou na carreira
diplomática, tendo servido na
Alemanha, Colômbia e França.
GUIMARÃES ROSA
•Sua primeira obra foi Magma, um livro
de contos, com o qual obteve um
prêmio da Academia. O livro ficaria
inédito. Estreou para o público, de fato,
em 1946 com um livro de contos que se
tornaria um marco em nossa literatura:
Sagarana. Mas sua consagração
definitiva viria dez anos depois, com o
romance Grande sertão: veredas. Eleito
para a Academia Brasileira de Letras em
1963, só tomaria posse em 1967,
morrendo três dias depois.
GUIMARÃES ROSA
• No seu discurso de posse, em algumas
passagens o escritor parece antecipar o fato. Os
últimos parágrafos de seu discurso têm como
assunto a morte. "A gente morre é para provar
que viveu. (...) As pessoas não morrem, ficam
encantadas." Mas a palavra derradeira desse
discurso foi o nome de sua cidade natal:
Cordisburgo.
Livro de estreia de Guimarães Rosa, 1946

saga, palavra de origem germânica


que significa “conjunto de histórias Situada no sertão mineiro,
ou lendas da tradição oral”, e  mas não se trata de um
rana, sufixo tupi que significa romance regionalista.
“à maneira de”.

Compêndio de nove contos


longos (novelas)
“O burrinho pedrês” As nove histórias de Sagarana envolvem
“A volta do marido pródigo” os temas das questões sertanejas, da fome,
“Sarapalha”
“Duelo” da violência — principalmente da violência
“Minha gente” contra a mulher —, das vinganças, da
“São Marcos ” jagunçagem, de um Brasil “de dentro”,
“Corpo fechado” desconhecido das instituições e das leis por
“Conversa de bois”
“A hora e a vez de Augusto Matraga” escrito.
Publicado em 1956

Por meio do homem simples do campo,


Trata-se do longo relato de Riobaldo, Rosa abordou temas de dimensão
um ex-jagunço que, já envelhecido e
universal, como o bem o mal, Deus e o
afastado das funções, põe-se em prosa
com um visitante, letrado e urbano, diabo, o amor, a violência, a morte, a
cuja voz não aparece, e que deseja traição, entre outros temas que afligem
conhecer o sertão mineiro.  não apenas o homem do sertão mineiro,
mas também o homem urbano, esteja ele
Narrado em primeira pessoa, onde estiver.
Riobaldo é aquele que conta a sua
história e a trajetória dos seus
pensamentos, refazendo as lembranças
dos caminhos percorridos e trazendo à
luz novas reminiscências.
“Compadre meu Quelemém sempre diz que eu posso aquietar meu

Grande Sertão: Veredas


temer de consciência, que sendo bem-assistido, terríveis bons espíritos
me protegem. Ipe! Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com meu
querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a
minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou eu
mesmo. Divêrjo de todo mundo... Eu quase que nada não sei. Mas
desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar
longe, sou cão mestre - o senhor solte em minha frente uma idéia
ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!”

“Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é


louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece
principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar.
Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação da
alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de
religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para
mim, é pouca, talvez não me chegue. (...) Tudo me quieta, me
suspende. Qualquer sombrinha me refresca. (...) Muita gente não
me aprova, acham que lei de Deus é privilégio, invariável...”
“Diadorim e eu, nós dois. A gente dava passeios. Com assim, a gente se

Grande Sertão: Veredas


diferenciava dos outros – porque jagunço não é muito de conversa
continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e
desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si. De nós dois juntos,
ninguém nada não falava. Tinham a boa prudência. Dissesse um, caçoasse,
digo – podia morrer. Se acostumavam de ver a gente parmente. Que nem
mais maldavam. E estávamos conversando, perto do rego – bicame de velha
fazenda, onde o agrião dá flor. Desse lusfús, ia escurecendo. Diadorim
acendeu um foguinho, eu fui buscar sabugos. Mariposas passavam muitas,
por entre as nossas caras, e besouros graúdos esbarravam. Puxava uma
brisbisa. O ianso do vento revinha com o cheiro de alguma chuva perto. E o
chiim dos grilos ajuntava o campo, aos quadrados. Por mim, só, de tantas
minúcias, não era o capaz de me alembrar, não sou de à parada pouca coisa;
mas a saudade me alembra. Que se hoje fosse. Diadorim me pôs o rastro dele
para sempre em todas essas quisquilhas da natureza. Sei como sei. Som como
os sapos sorumbavam. Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das
brasas. Quase que a gente não abria boca; mas era um delém que me tirava
para ele – o irremediável extenso da vida. Por mim, não sei que tontura de
vexame, com ele calado eu a ele estava obedecendo quieto...”
•João Cabral de Melo Neto
JOÃO CABRAL DE
MELO NETO
• O pernambucano João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife
em 6 de janeiro de 1920.
• Filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmen Carneiro
Leão Cabral de Melo, João era primo de Manuel Bandeira e 
Gilberto Freyre.
• Começa atuar no serviço público em 1945, como funcionário
do Dasp (Departamento de Administração do Serviço Público).
• No mesmo ano, inscreve-se para o concurso do Ministério das
Relações Exteriores e passa a integrar em 1946 o quadro de
diplomatas brasileiros.
• Após passar por vários países, assume o posto de cônsul-
geral da cidade do Porto, em Portugal em 1984.
• Permanece no cargo até 1987, quando volta a viver com a
família no Rio de Janeiro. É aposentado da carreira
diplomática em 1990. Pouco depois, começou a sofrer com
uma cegueira, fato que o leva a depressão.
Trecho do Poema Morte e Vida Severina
— O meu nome é Severino, lá da serra da Costela,
como não tenho outro de pia. limites da Paraíba.
Como há muitos Severinos, Mas isso ainda diz pouco:
que é santo de romaria, se ao menos mais cinco havia
deram então de me chamar com nome de Severino
Severino de Maria; filhos de tantas Marias
como há muitos Severinos mulheres de outros tantos,
com mães chamadas Maria, já finados, Zacarias,
fiquei sendo o da Maria vivendo na mesma serra
do finado Zacarias. magra e ossuda em que eu vivia.
Mais isso ainda diz pouco: Somos muitos Severinos
há muitos na freguesia, iguais em tudo na vida:
por causa de um coronel na mesma cabeça grande
que se chamou Zacarias que a custo é que se equilibra,
e que foi o mais antigo no mesmo ventre crescido
senhor desta sesmaria. sobre as mesmas pernas finas
Como então dizer quem falo e iguais também porque o sangue,
ora a Vossas Senhorias? que usamos tem pouca tinta.
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
E se somos Severinos Mas, para que me conheçam
iguais em tudo na vida, melhor Vossas Senhorias
morremos de morte igual, e melhor possam seguir
mesma morte Severina: a história de minha vida,
que é a morte de que se morre passo a ser o Severino
de velhice antes dos trinta, que em vossa presença emigra.
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Tecendo a Manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Você também pode gostar