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Crianças e adolescentes relatos

Ticiana Santiago
Psicóloga/ doutora em Educação
Reconstruindo uma trajetória de atuação
* Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a criança (NUCEPEC)- Muldisciplinar, colegiado,
ensino-pesquisa-extensão. O núcleo é pioneiro na região Nordeste e entre as Universidades
públicas, segundo Núcleo Universitário de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no
Brasil.
*Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Fortaleza- Projeto Raízes de cidadania-
coordenação e atuação comunitária.
*Atuação em pesquisas e consultorias vinculadas ao Comitê Cearense de Prevenção a
homicídios da adolescência. (Assassinato de adolescentes e feminicídio)- Marcas da
necropolítica e da “nordestinização” da violência contra adolescentes. Construção de planos de
intervenção para a cidade e elaboração de políticas públicas na área. Vinculação ao movimento
“Cada vida importa”
Para saber mais : https://cadavidaimporta.com.br/publicacoes/
Articulações com o fórum DCA e com o Cedeca – Centro de Defesa do Direito da Criança e do
adolescente.
QUAIS PROGRAMAS, PROJETOS E POLÍTICAS SOCIAIS CONHEÇO NA ÁREA DA INFANCIA E ADOLESCÊNCIA
NO CEARÁ....

QQUAIS
"Quando me for deste mundo,
partirão duas pessoas.
Sairei, de mão dada, com essa
criança que fui.
Tentei não fazer nada na vida que
envergonhasse a criança que fui.
Em meio ao agitado caleidoscópio
dos dias e das horas atuais, quem
ainda encontra tempo para pensar
 
na criança que um dia foi?
Da criança pequena que um dia
fomos, o que foi que sobrou?
Da criança pequena que um dia
fomos, o que foi que o mundo não
https://www.youtube.com/watch? nos roubou.  
v=G9RS2BkbqHw (José Saramago)
•  
As crianças como sujeitos

Conceber a criança como ser social que ela é, significa:


considerar que ela tem uma história, que pertence a uma
classe social determinada, que estabelece relações definidas
segundo seu contexto de origem, que apresenta uma
linguagem decorrente dessas relações sociais e culturais
estabelecidas, que ocupa um espaço que não é só geográfico,
mas que também dá valor, ou seja, ela é valorizada de acordo
com os padrões de seu contexto familiar e de acordo com sua
própria inserção nesse contexto. (KRAMER, 1986, p. 79)
Fonte: LAVADO, J. S. (Quino). Toda Mafalda: da primeira a última tira. São Paulo: Martins Fontes,
1993, p 334.
Crianças e a infância

Não existe algo como a criança ou a infância, um ser e um estado


essencial esperando para ser descoberto, definido e entendido, de forma
que possamos dizer a nós mesmos e aos outros, “o que é a criança? O
que é a infância?” Em vez disso, há muitas crianças e muitas infâncias,
cada uma construída por nossos entendimentos da infância e do que as
crianças são e devem ser (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 63).

É importante ressaltar que a história da infância no Brasil se confunde


com a história do preconceito, da exploração e do abandono, pois,
desde o início, houve diferenciação entre as crianças, segundo sua classe
social, com direitos e lugares diversos no tecido social (FONTES, 2005, p.
88).
Crianças e menores
No Brasil moderno surgiu um termo que conceitua bem a criança desvalida:
menor. Este termo foi inicialmente utilizado para designar uma faixa etária
associada, pelo Código de Menores de 1927, às crianças pobres, passando a ter,
posteriormente, uma conotação valorativa negativa.

Menores eram aquelas crianças e adolescentes pobres, pertencentes às famílias


com uma estrutura diferente da convencional (patriarcal, com pai e mãe
presentes, com pais trabalhadores, com uma boa estrutura financeira e
emocional, dentre outros)

O "menor" foi entregue à alçada do Estado, que tratou de cuidar dele,


institucionalizando-o, submetendo-o a tratamentos e cuidados massificantes,
cruéis, e preconceituosos.

 Por entender o "menor" como uma situação de perigo social e individual, o


primeiro código de menores, datado de 1927, acabou por construir uma
categoria de crianças menos humanas, menos crianças do que as outras
crianças, quase uma ameaça à sociedade.
Com a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em 1990, o termo "menor" foi
abolido, passando a definir todas as crianças como
sujeito de direitos, com necessidades específicas,
decorrentes de seu desenvolvimento peculiar, e
que, por conta disso, deveriam receber uma política
de atenção integral a seus direitos construídos
social e historicamente.
O infante- não falante

Há uma negatividade constituinte da infância, que, em larga escala, sumariza


esse processo de distinção, separação e exclusão do mundo social. A própria
etimologia encarrega-se de estabelecer essa negatividade: infância é a idade
do não-falante, o que transporta simbolicamente o lugar do detentor do
discurso inarticulado, desarranjado ou ilegítimo; a criança é quem está em
processo de criação, de dependência, de trânsito para o outro. Como
consequência, as crianças têm sido sobretudo linguística e juridicamente
sinalizadas pelo prefixo de negação e pelas interdições sociais.
(SARMENTO2005, p.6)
Representações históricas da infância

A infância é uma invenção da Modernidade, sendo que sua possibilidade de emergência,


conforme Ariès (1981), relaciona-se ao desenvolvimento da escrita e da escola, além de
outros fatores, tais como o decréscimo da mortalidade infantil, a influência do cristianismo e
as novas formas de vida familiar .

Ghiraldelli (2000) discute duas produções discursivas sobre a infância.A primeira, ligada a
SANTO AGOSTINHO E DESCARTES, entende a infância como um momento a ser superado,
seja pelo fato de a criança estar imersa no pecado (e, portanto, ser fonte de todo o mal), seja
por ser desprovida da razão. A segunda visão, que rompe com A NOÇÃO CARTESIANA,
RELACIONA-SE A ROUSSEAU, o qual considera a infância um período de pureza e inocência,
imprescindíveis para a definição da verdade e o julgamento do que é moralmente correto.

Os primeiros estudos sobre o desenvolvimento infantil no âmbito da Psicologia datam do


final do século XIX, a partir do movimento funcionalista, cujo foco era a adaptação do
indivíduo ao meio. Assim, Stanley Hall, nos Estados Unidos, em 1882, insistia na importância
do estudo psicológico da criança, estabelecendo o conceito de desenvolvimento psicológico e
enfatizando a necessidade de aplicação da Psicologia à educação.
Crianças Selvagens: Um relato analítico dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem de Genie, Pedro e João
Genie foi o nome científico dado a Susan Wille, menina americana de treze
anos encontrada na década de 70 por uma assistente social amarrada a
uma cadeira de bebê no porão de sua casa impedida por seu pai de se
comunicar e se movimentar desde do início de sua infância.

Pedro e João são nomes fictício dados a duas crianças encontradas no


interior de Pernambuco- Brasil na década de 90 por autoridades locais
após vivenciarem sete anos de cativeiro num curral como uma das faces da
violência doméstica cometida pela madrasta dos mesmos.

As três crianças vivenciaram intenso processo de privação cultural em sua


infância, sendo classificadas como crianças selvagens nos dois registros
que analisam o processo de desenvolvimento e aprendizagem das mês
mas, a saber, o documentário “Genie - a criança selvagem” da rede
americana BBC e dissertação de Lima (2006).
Para refletir...
A infância pobre no Brasil: Teoria
da Assistência Científica e da
privação cultural
 Código de menores 1927/ 1979
 Estatuto da Criança e do Adolescente
 Roda dos Expostos , Asilo de menores Juvenal de Carvalho
 Orfanato de Redenção, colônia agrícola da Canafístula,
Aprendizes de Marinheiro
 O papel das Igrejas e das primeiras Damas
 A metáfora de Sísifo.
CÓDIGO DE MENORES
I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda
que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b)
manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para prevê-las;
II – vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário
aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou
responsável;
V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI – autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não
sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou
voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independente de ato judicial
(MACHADO, 1986, p. 05).

O Código também previa a criação de: celas especiais para menores delinquentes, hospitais
psiquiátricos para os menores excepcionais; abrigo para os desfavorecidos ou considerados
inadaptados e menores abandonados; regulamentava o trabalho infantil que antes era
proibido (BIERRENBACH, 1987, p. 78)
Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser criança. Os
fatos, que zombam desse direito, ostentam seus
ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os
meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se
acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo
trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que
se transformem em lixo. E os do meio, os que não são
ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do
televisor, para que aceitem, desde cedo, como destino,
a vida prisioneira. Muita magia e muita sorte têm as
crianças que conseguem ser crianças. (EDUARDO
GALEANO)
VIDEOS:
 Luta pelos direitos das crianças: Portal Lunetas
 O começo da vida e Bebês: A importância da Primeira Infância
 Crianças Invisíveis : Análise de episódio do filme
 Caminhando com Tim Tim: Mudança de paradigmas
 As minhas experiências de criança: O exercício da cultura Lúdica
Para compreender as metodologias de
atuação com esses sujeitos: SOCIAL,
CULTURAL, ARTE, INTERAÇÕES REVISITADAS
• [...] deve-se considerar o meio e a cultura não como uma
circunstância do desenvolvimento, por encerrarem em si
certas qualidades ou determinadas características que já
propiciam por si próprias o desenvolvimento da criança,
mas é sempre necessário abordá-los a partir da
perspectiva de qual relação existe entre a criança o meio
e a cultura em dada etapa de desenvolvimento.
(VYGOTSKY, 1995, p.338)
O SOCIAL existe até mesmo onde há apenas um homem e as suas emoções
individuais. Por isso, quando a arte realiza a catarse e arrasta para esse fogo
purificador as comoções mais íntimas e mais vitalmente importantes de uma
alma individual, o seu efeito é um efeito social. (VIGOTSKI, 1998, p. 315)

FUNÇÕES PSICOLOGICAS SUPERIORES, DESENVOLVIMENTO HUMANO E


SOCIAL ENTRELAÇADOS,
RELAÇÃO SOCIAL, ZDP, INTERSUBJETIVIDADE.
SIGNOS E DAS FERRAMENTAS CULTURAIS

“Cada pessoa é um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo".


(VYGOTSKY, 2000, p.33)
 O papel da brincadeira como recurso simbólico para além do prazer.

 As vias colaterais de desenvolvimento- Neurodiversidade, inclusão social e


pedagógica.

 A personalidade é drama.

 “O processo de desenvolvimento humano é marcado por evoluções,


involuções, revoluções. O destino final deste desenvolvimento é marcado
dentro dos limites das atividades concretas do grupo social em que cada
sujeito se insere e a partir do qual se constitui”.

 A importância de compreendermos a implicações do:


MATERIALISMO HISTORICO DIALÉTICO
IMPLICAÇÕES METODOLOGICAS
PARA TRABALHO COM CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM CONTEXTOS DE
INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS
 A valorização de metodologias dialógico- participativas e reflexivo-vivenciais
apoiada no trabalho com recursos simbólicos em múltiplas linguagens.

 O enfoque dialético e interativo no trabalho com grupos, famílias, redes,


tecidos comunitários, coletivos, sociedade civil organizada-
representatividade, construção de atividades psicoeducativas e
multidisciplinares e de encaminhamentos conjuntos e contextualização e cada
ação.

 Valorização da diversidade e diferença, combate as exclusões e desigualdades


sociais

 Abordagem decolonial e interseccional.

 A importância do conhecimento das políticas públicas das pautas de Direitos


Humanos e dos documentos e metodologias de referência em contextos de
promoção, defesa e garantia da cidadania.
Código de ética do Psicólogo
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade,
da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos
valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das
pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer
formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e
historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.
IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo
aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia
como campo científico de conhecimento e de prática.
V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da
população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços
e aos padrões éticos da profissão.
PARA PESQUISAR: Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
(CEDECA Ceará)

O Ceará registrou 112 assassinatos contra crianças e adolescentes nos três primeiros meses de 2021, o que
representa uma média de 1,2 adolescente morto por dia no Estado ou 12 mortes a cada dez dias. Em
comparação ao mesmo período do ano passado, 2021 apresentou redução de 32,5% em relação à letalidade de
crianças e adolescentes. Lembre-se que o primeiro trimestre de 2020 coincide com o período de motim de
policiais militares (fevereiro de 2020), quando foram registrados altos índices de violência letal no Ceará. Quando
se compara o primeiro trimestre de 2021 com o mesmo período em 2019, percebe-se a tendência atual de
aumento de homicídios: alta de 93% no número de homicídios contra pessoas de 0 a 18 anos.

O acompanhamento mensal feito pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará), com base
nos dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), mostra que o contexto de assassinatos de
crianças e adolescentes no Ceará se agravou de maneira significativa no período de isolamento social, em
decorrência da pandemia da COVID-19

Linhas de atuação do CEDECA-Ações de direito à proteção, desenvolvimento e participação.


Grupos com adolescentes marcados pela violência
Os coletivos de mães em luto/luta, ações de monitoramento, mobilização e articulação,
Atua nas frentes Defesa jurídico-social, Mobilização comunitária e Articulação institucional.

FONTE cedeca@cedecaceara.org.br 3252.4202

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