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SOCIOLOGIA

ECONÔMICA
2022
AULA 4
Prof. André Vereta-Nahoum
O Duplo
Movimento e
o debut da noção de
enraizamento
Prof. André Vereta-Nahoum
Na aula de hoje…
1. Karl Polanyi (1886-1964), seus debates, sua contribuição

2. Compreendendo a Grande Transformação: a formação de


uma economia e uma sociedade de mercado

3. O enraizamento e seus dois sentidos na obra de Polanyi


(antinomia ou complementariedade?)
Descritor da mudança da relação entre economia e sociedade – tendência histórica do capitalismo
como sistema específico

Conceito analítico para descrever processos econômicos em seu sentido substantivo, suas formas
de integração e sentidos
Na aula de hoje…
4. O estudo das economias empíricas (o conceito substantivo) e
suas formas de integração (derivação do segundo sentido de
imbricação)

5. Mercado como princípio e mercado como local


Karl Polanyi (1886-1964) entre dois
debates
Hungria, Viena, Londres, Nova Iorque
(Columbia)

Economista político

Em Viena, diálogo com economistas, sobretudo


com Mises

Refúgio com ascensão de Hitler: translada-se a


Oxford
Karl Polanyi (1886-1964) entre dois
debates
Cursos extramuros de Oxford (Workers’
Educational Association): estuda história
econômica e social do Reino Unido

Em 1944, baseando-se nos materiais


pesquisados, escreve A Grande Transformação:
sociedade europeia à beira do abismo

Em 1957, publica com estudantes Trade and


Market in the Early Empires: Economies in
History and Theory (Economia como processo
institucionalizado)
Primeiro debate: sobre a desestruturação do
conserto europeu e o horror da guerra

Discussão pública a respeito dos motivos da desarticulação


social, da ascensão do nazi-fascismo e dos violentos conflitos
armados que desarticularam também o conserto de nações
Primeiro debate
HAYEK: O Caminho da Servidão (1944)
A liberdade era ameaçada pelo abandono do
liberalismo e individualismo

Mercados auto-regulados promoveriam maior


bem-estar social

Planejamento nas formas fascista e socialista


compromete liberdade individual

Tirania do planejamento estatal levaria a uma


sociedade opressiva: a servidão dos individuais
a um ditador
Segundo debate: formalismo e
substantivismo
Após a guerra, em Columbia, cerca-se de estudantes engajados na pesquisa
antropológica do dinheiro, troca e mercados em sociedades pré-capitalistas

Buscar os diferentes padrões de integração promovidos pela economia:


reciprocidade, redistribuição e troca mercantil (não é o único)

Debate com os formalistas:

Querem aplicar modelos e concepções da economia formal a todos os


processos econômicos: buscam princípio egoísta, moeda e comércio em todas
as sociedades com o mesmo sentido – “atitude natural”

A troca/comércio/intercâmbio confundia-se com a troca mercantil: falácia


economística
Segundo debate: formalismo e
substantivismo
Em oposição, Polanyi propõe uma visão substantiva da economia que
reconhece que

Diferentes princípios integradores, padrões de comportamento, usos e


papeis para mercados, moeda e troca

Troca não se confunde com a troca mercantil (bidirecional, indireta,


mediada por moeda e definida por taxa negociada),

Moeda não se confunde com o dinheiro como meio de troca (reserva de


valor e unidade de conta)

Mercados não se confundem com o mercado integrador formador de preço


(em que atua o sistema oferta-demanda-preço)
Compreendendo a Grande Transformação
Entre moinhos satânicos e contra-
movimentos...

William Blake: Milton, a Poem (1810)


Bring me my Bow of burning gold:
Bring me my arrows of desire:
And did those feet in ancient time
Walk upon Englands mountains green: Bring me my Spear: O clouds
And was the holy Lamb of God, unfold!
On Englands pleasant pastures seen! Bring me my Chariot of fire!

I will not cease from Mental


And did the Countenance Divine, Fight,
Shine forth upon our clouded hills? Nor shall my sword sleep in my
And was Jerusalem builded here,
hand:
Among these dark Satanic Mills?
Till we have built Jerusalem,
 
In England’s green & pleasant
Land.
Compreendendo a Grande Transformação
Outra explicação para a crise e a aniquilação das sociedades humanas:
avalanche de desarticulação social, convulsão social e tecnológica
ligadas à ideia de um mercado auto-regulável

O que há de novo/distinto no mundo contemporâneo: um novo


mecanismo institucional atuando sobre toda a sociedade: “o mercado”
<- esse mecanismo é institucionalizado!

História do século XIX é história de sua promoção, justificação pelos


economistas políticos (cap. 10) e debates do legislativo e aparato
administrativo em torno de sua aplicação (como construir mercado para
todos os fatores da economia)...
Compreendendo a Grande Transformação
... Mas essa também é uma história das tentativas de proteger a sociedade
contra a devastação provocada por esse mecanismo

Tese geral do livro:


Mercado auto-regulável é utopia. Não pode existir sem aniquilar a
substância humana e natural da sociedade, destruir fisicamente a
humanidade e transformar seu ambiente em deserto

Nunca existiu economia formada unicamente por mercados auto-reguláveis,


livres

Estados têm papel ativo não só protetivo da sociedade, mas também


promovendo atividades econômicas
Compreendendo a Grande Transformação
Para compreender mudança do padrão da economia, volta-se para
a história

Do mercado na Europa Ocidental (leitura de hoje)

E da construção histórica da noção de livre mercado como lei


natural econômica (em relação aos debates sobre pauperismo) - a
descoberta também da “sociedade” pela economia política
Compreendendo a Grande Transformação
Nessa análise histórica, Polanyi desenvolve o enraizamento em seu
primeiro sentido...

Enquanto descritor de uma tendência história do capitalismo de


mudança do lugar da economia na sociedade no sentido de uma
inversão
Produção e Relações sociais
Produção e distribuição
enraizadas no
distribuição enraizadas
sistema econômico
em relações
de mercado,
sociais não-econômicas,
orientadas por seu princípio de
com padrões e princípios
oferta-demanda-preço e seu
Relações de açãode
padrão variados
barganha e regateio
sociais
Antes da Grande Transformação
Princípios de integração institucionalizados na ordem social não associados à
economia que garantem ordem na produção e distribuição:

Domesticidade: produzir e armazenar para a satisfação das necessidades  dos membros


do grupo. Não gera troca (no sentido de circulação de bens em distância)

Reciprocidade baseada na simetria - segmentariedade

Redistribuição baseada na centralidade. Vetor na coleta, armazenamento e distribuição


de bens

Não havia motivação econômica isolada: elemento voluntário da barganha e


do regateio é limitado e não transparece
(pensar com a dádiva...)
A Grande Transformação: um sistema de
mercado
A Grande Transformação gera um padrão institucional próprio...
o sistema de mercado, com princípios e padrões institucionalizados
<- (apontando para segundo sentido do enraizamento)
A Grande Transformação: um sistema de
mercado
Sistema econômico controlado, regulado e dirigido apenas por
mercados, que pressupõe:

Instituição do sistema de oferta-demanda-preço: economia dirigida


apenas pelo mecanismo de preços - grupos de ofertantes e grupos de
demandantes definem a taxa de troca dos bens

Presença do dinheiro como poder de compra/moeda de troca (troca


indireta)

Toda a produção é para venda no mercado, e que todos os rendimentos


derivam de tais vendas < - tudo deve estar no mercado por um preço
A Grande Transformação: um sistema de
mercado
Funcionamento sem interferência política no ajustamento dos preços às
mudanças das condições do mercado: nem preço, nem oferta, nem
demanda devem ser fixados

Exemplo: crítica ao Speenhamland – abono salarial indexado ao preço do pão

Nova motivação: lucro substitui a subsistência


Somente com ele, nasce propensão à barganha e ao regateio (para
definir taxa dos bens)
<- a cada motivação correspondem instituições próprias…

Sociedade e natureza tornam-se acessórios do mercado


Base ideológica da grande transformação
A mentalidade de mercado

Uma ideologia do livre-mercado (o credo liberal) é produzida e interfere na gestão


das coisas públicas por intermédio dos economistas políticos e seus projetos

Assuntos humanos tornam-se sujeitos a proposições nomotéticas:


Leis da natureza – comunidade humana comparada às populações biológicas (a
descoberta da sociedade)

Fome e auto-interesse no lucro como os motivos tratados como naturalmente


econômicos (por excelência)

Culpada pela destruição europeia


A ascensão da economia de mercado
Passagem não é natural ou aleatória…
…mas produto histórico de trabalho institucional de produção dos
padrões e princípios próprios, esforços aplicados ao corpo social
de avanços e contra-movimentos, dos cercamentos às leis dos
pobres
Ritmo regulado para impedir destruição

Não é criação de mercados ou moedas que explicam o novo


padrão...
(estão presentes antes da grande transformação, mas com natureza
limitada e não expansiva)
Pieter Aertsen, Market Scene (1550)
Mercado de Tlatelolco, 1519
México
A ascensão da economia de mercado
Antes, mercados cercados de salvaguardas protetivas da sociedade

1) O mercado funcionava dentro de limites, dados por rituais e


cerimônias. Cidades continham mercado no duplo sentido (geográfico e
operacional). Sobretudo, com regras muito minuciosas sobre a troca

2) O costume e a lei, a religião e a magia restringem atos de troca em


relação a pessoas e objetos, tempo e ocasião

3) Comércio internacional de longa distância escapava à


regulamentação local, mas mercadores eram excluídos dos mercados
locais.
A ascensão da economia de mercado
Passos cruciais:
1) Criação de mercados nacionais
Últimos a serem criados e adotam princípio competitivo e taxa variável, ligado a
padrões de comportamento de regateio e barganha

Fruto do mercantilismo e centralização do Estado (nacional):


Regulamentações e mercados crescem juntos - ampla intervenção,
planejamento e regulação estatais na produção para alinhar esforços nacionais
de geração de recursos para o comércio

À medida que mercados se expandem, a regulamentação também o faz

Mecanismo de mercado inicialmente não se expande às custas de outras


formas sociais
A ascensão da economia de mercado
2) Criação do sistema fabril com complexo maquinário e

3) Mercantilização

Transformação em mercadorias livremente compradas no mercado:


da terra, do trabalho e do dinheiro
<- mercadorias fictícias

Terra e trabalho eram parte da organização social fora do comércio,


dinheiro era apenas meio de pagamento e unidade de conta (não
moeda de troca indireta)
Mercadorias fictícias
Terra, trabalho e dinheiro não são mercadorias
produzidas para
serem vendidas

Terra: a natureza mesma (finita e não produzida)

Trabalho: o ser humano, entidade física, psicológica e moral, sua


capacidade (não pode ser armazenado)

Descrevê-las como mercadorias é produzir uma ficção, na qual se


baseiam esses mercados
Ficção organizadora da sociedade
Mercadorias fictícias
Mercadorias precisaram ser preparadas para se apresentar como tal no
mercado. Ex: leis da pobreza

Incluí-los no mecanismo de mercado significa subordinar a substância


da própria sociedade às leis do mercado

Essas “mercadorias” não podem ser utilizadas indiscriminadamente:


resultariam na destruição da sociedade e seu ambiente

Outras mercadorias fictícias?


Duplo movimento (as contradições do
desenraizamento)
Os atores mercantis promovem a subordinação da sociedade aos processos e
princípios de mercado, mas a sociedade reage, se defende…

Com contra-movimentos protetivos para salvar a sociedade do “moinho satânico”

Rede de medidas e políticas para regular mercados de trabalho, terra e dinheiro

Exemplos tratados: discussão em torno do problema da pobreza e dos salários:


Speenhamland Leis de Pobreza (casas de trabalho), mercados livres (com
direito de associação)
A economia como processo institucionalizado
Conceito analítico para descrever processos econômicos em seu sentido substantivo, isto
é, de interação do ser humano com seus meios natural e social para produzir o necessário

Economia substantiva: refere-se ao aspecto físico das necessidades humanas

Enraizada como institucionalizada em princípios e organizações formais que lhes


garantem as condições, e conferem estabilidade a padrões de ação

Então, a economia (de mercado) segue enraizada? Múltiplas respostas possíveis (ver
Gemiçi)

Uma resposta: sim (instituída), porque os mercados auto-regulados não passam de


utopia...
<- partido analítico da nova sociologia econômica
A economia como processo institucionalizado
“A economia humana se enraíza em instituições econômicas e não
econômicas e se entrelaça com elas. A inclusão do não econômica é
vital, pois a religião ou o governo podem ser tão importantes para a
estrutura e o funcionamento da economia quanto as instituições
monetárias ou a disponibilidade dos próprios instrumentos e máquinas
que aliviam o fardo do trabalho.
O estudo do lugar mutável ocupado pela economia na sociedade, por
conseguinte, não é outro senão o estudo da maneira pela qual o
processo econômico será instituído em diferentes épocas e lugares”
(302)
A economia como processo institucionalizado
Sociedade de mercado também seria instituída: ainda que sua
característica institucional seja a autonomia operativa

Pensemos em quanto o Estado trabalha para produzir as instituições


basilares aos mercados capitalistas... Reformas de mercado
Os dois sentidos da economia
FORMAL (lógica): Refere-se à escolha dos melhores e mais racionais meios
materiais para obter recursos escassos

SUBSTANTIVO (realidade empírica): Refere-se à relação do humano com seu


meio natural e social para satisfazer suas necessidades materiais. Não
implica nem escolha, nem insuficiência

Mercados, troca e dinheiro têm sentidos substantivos


Reciprocidade, redistribuição e troca mercantil possuem condições
institucionais específicas

A falácia economística: "consiste na identificação artificial da economia com


a sua forma de mercado” – eliminar a maior parte da história humana
O mercado: como princípio e como local
Mercados como princípio: um artifício mental/conceitual -mecanismo
formador de preço, troca com preços flutuantes que incentiva
comportamento de regateio e negociação

Mercados como local: de encontro de grupo de ofertantes e grupo de


demandantes em troca bidirecional

Muitas vezes, relacionados (concepções espaciais de espaço – leilões)

Origem de estudos sobre construção material de mercados


(financeiros, de commodities, de seguros, saúde/educação etc)

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