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Dom Quixote e os moinhos de

vento na América Latina


ANÍBAL QUIJANO (1930-
2018)
Biografia
 

 O autor nasceu em Yanama, norte peruano;


 Foi fundador do Departamento de Sociologia da Faculdade de Economia e
Ciências Sociais da Universidade Agrária de La Molina, criada em 1902,
considerado como o primeiro a estabelecer a profissão de Sociólogo no Peru;
 Foi professor da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, fundada em 1551, a
mais antiga do nosso continente;
 Atuou na Divisão de Assuntos Sociais da Comissão Econômica para a América
Latina (Cepal), no Chile;
 Integra o grupo chamado Teóricos da Dependência, a partir de uma perspectiva de
redefinição;
Colonialidade/Modernidade

“O eurocentrismo, portanto, não é a perspectiva cognitiva dos


europeus exclusivamente, ou só dos dominantes do capitalismo
mundial, sim do conjunto dos educados sob essa hegemonia”.
Essencial no seu argumento: A modernidade etnocêntrica foi
admitida como uma das pedras angulares da racionalidade, de forma
inquestionável. Desde a inserção da América no capitalismo mundial,
as pessoas se classificam e foram classificadas conforme três linhas:
Trabalho, Gênero e Raça.
Heterogeneidade histórico-estrutural
 Na contramão das leituras dualistas e evolucionistas da história, que
concebiam a passagem linear e homogênea de uma sociedade
“tradicional” para uma sociedade “moderna”, fortemente presentes nas
correntes modernizadoras das Ciências Sociais, o autor adota a
perspectiva da Heterogeneidade histórico-estrutural para afirmar que a
formação econômica social peruana e latino-americana estava articulada
por diversas temporalidades históricas.
 Tratava-se de ler a América Latina “em função dela mesma; em
relação com outras experiências, mas não segundo elas”.
Dimensões culturais e históricas

 As mudanças desencadeadas no capitalismo moderno e seus efeitos


na subjetividade, faziam parte de um clima intelectual que
repensava paradigmas teóricos europeus e estadunidenses;
 Na elaboração de uma “teoria” de longa duração, Quijano ressalta
um novo sistema de dominação social produzido para dar
inteligibilidade histórica às novas relações de poder constituídas
desde o “descobrimento”, em 1492: a raça.
Padrão de poder

 Nesse “padrão de poder” constituído, o capitalismo moderno/colonial forjou uma


concepção de humanidade segundo a qual a população do mundo se diferenciava
em inferiores e superiores, racionais e irracionais, primitivos e civilizados,
tradicionais e modernos;
 Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C), fundado em 1996, que estabeleceu
uma ampla agenda de pesquisa, impactando os estudos culturais sobre raça,
gênero e movimentos sociais;
 Crítica às teorias europeias e norte-americanas;
 Conceito de colonialidade (1989) possui tripla dimensão: do poder, do saber e do
ser;
América Latina
 O que denominamos como América Latina constitui-se junto com e como parte
do atual padrão de poder mundialmente dominante;
 Quando se fala em América Latina, não levamos em consideração os povos
originários da região, nem os povos africanos trazidos forçosamente para cá
durante séculos, nem consideramos somente a perspectiva de uma dominação
que não os compreende como agentes do processo de formação de identidade
do continente.
 No começo do século XIX o problema da identidade se apresenta sob um novo
aspecto: atrelado aos processos emancipatórios, cuja necessidade era a
imposição do nome americano
Espaço e tempo inaugural da modernidade
 Aqui foi tanto o espaço original como o tempo inaugural do período histórico e do
mundo que ainda habitamos. Foi a primeira entidade/identidade histórica do atual
sistema mundo colonial, moderno e de todo o período da modernidade;
 Os europeus teriam tido a felicidade de ter um desenvolvimento evolucionista;
 Metáfora de Dom Quixote (1605): desencontro entre uma ideologia senhorial,
cavalheiresca e novas práticas fragmentárias e inconsistentes, representada pelo
moinho de vento;
 Realidade social em crise;
 Des/encontro entre o novo e o velho;
 Preservar o senhoril sobre a base do colonialismo;
Resultado
 Destruição da produção interna e o retrocesso secular dos processos de
democratização abertos pela modernidade/colonialidade, que que produziram Dom
Quixote;

 “O que empobreceu e assenhoreou a futura Espanha, e a tornou ainda sede


central do obscurantismo cultural e político no Ocidente pelos quatro séculos
seguintes, foi precisamente o que permitiu o enriquecimento e a secularização do
centro-norte da Europa Ocidental emergente, e mais tarde favoreceu o
desenvolvimento do padrão de conflito que levou à democratização dessas
regiões e países do centro-norte da Europa Ocidental” (p. 13).
Implicações históricas desse padrão de poder

 A maior lição epistêmica e teórica que aprendemos de Dom


Quixote:
 A heterogeneidade histórico-estrutural;
 A co-presença de tempos históricos e de fragmentos estruturais de
formas de existência social;
 Variabilidade da procedência histórica e geocultural;
 São as lutas de poder e seus mutantes resultados que articula
formas heterogêneas de existência social;
Armadilha epistêmica do eurocentrismo
 A colonialidade do poder faz a América Latina um cenário de
des/encontros entre nossa experiência, nosso conhecimento e nossa
memória histórica;
 Longo e tortuoso labirinto;
 “a armadilha epistêmica do eurocentrismo que há quinhentos
anos deixa na sombra o grande agravo da colonialidade do
poder e nos faz ver somente gigantes, enquanto os dominadores
podem ter o controle e o uso exclusivos de nossos moinhos de
vento” (p. 16)
Destruição de todo um mundo histórico
 Primeiro: desintegração dos padrões de poder e de civilização de algumas das mais
avançadas experiências históricas da espécie;
 Segundo: extermínio físico, em pouco mais de 3 décadas, as primeiras do século 16
foram mortas mais de cem milhões de pessoas;
 Terceiro: eliminação de seus dirigentes, intelectuais, engenheiros, cientistas e
artistas;
 Sistema de dominação social se fundamentou na ideia de raça, primeira categoria
social da modernidade;
 A vasta e plural história de identidades e memórias do mundo conquistado foi
deliberadamente destruída, e sobre toda a população sobrevivente foi imposta uma
única identidade racial: “índios”.
 Experiência racializada da escravidão;
Raça: critério universal de classificação social

 Em torno dela se redefiniram as formas prévias de dominação, em


especial entre “sexos”, “etnicidades”, “nacionalidades” e
“culturas”;
 Eixo de distribuição dos papeis e das relações associadas ao
trabalho, nas relações sexuais, na autoridade, na produção e no
controle da subjetividade;
 Emergência do primeiro sistema global de dominação social
historicamente conhecido: ninguém, em nenhum lugar do mundo,
poderia estar fora dele.
Integração do sistema de produção de mercadorias:
globalidade

 “Por outro lado, este novo padrão de poder que se baseava na


articulação dos novos sistemas de dominação social e de exploração do
trabalho se constituía e se configurava como um produto central da
relação colonial imposta na América. Sem ela, sem a violência colonial,
não haveria sido possível a integração entre tais novos sistemas, menos
ainda sua prolongada reprodução. Assim, a colonialidade era – é – o
traço central inerente, inescapável, do novo padrão de poder que foi
produzido na América. Nisso se fundava e se funda sua globalidade” (p.
21)
Ideologia eurocêntrica sobre a modernidade

 Não é surpreendente que a América admitisse a ideologia eurocêntrica sobre a


modernidade como verdade universal;
 Invisibilidade sociológica dos não-europeus;
 Identidade na América Latina seria um projeto histórico, aberto e heterogêneo,
mas uma lealdade com a memória e com o passado;
 Inevitável destruição da colonialidade do poder, de des/colonialidade do poder;
América Invertida (1943) é
possivelmente a obra mais conhecida
de Torres García, uma afirmação da
identidade sul-americana

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