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Abordagem retrospetiva

A poética de Aristóteles

• IX, 51 • IX, 52
• Mas na tragédia mantêm-se os nomes já
• Quanto à comédia, já ficou existentes…
demonstrado [este carácter • IX, 53
• Todavia sucede também que em algumas
universal da poesia]; porque os
tragédias são conhecidos os nomes de uma ou
comediógrafos, compondo a duas personagens, sendo os outros inventados;
em outras tragédias nenhum nome é conhecido,
fábula segundo a
como no Anteu de Agatão, em que são fictícios
verosimilhança, atribuem tanto os nomes como os factos .. Pelo que não é
depois aos personagens os necessário seguir à risca os mitos tradicionais,
donde estão extraídas as nossas tragédias;
nomes que lhes parece… pois seria ridícula fidelidade tal, quando é certo
que ainda as coisas conhecidas são conhecidas
de poucos…
A poética de Aristóteles

Tragédia Comédia

Personagem Superior (1) Inferior (2)


Estilo Registo elevado Registo vulgar
Ação (desenlace -) (desenlace +)

Ação uma
Tempo 24 h
Lugar um

(1) II, 7 (2) V, 32


A poética de Aristóteles
Tragédia Comédia Onde inventado significa,
aristotelicamente: “nome
Personagem Classe alta Classe baixa atribuído (pelo comediógrafo)” e
referencial inventada (tipo) referencial “nome mantido (pelo
Registo elevado Registo vulgar dramaturgo)”
Estilo (desenlace -) (desenlace +)

Ação

Ação passado uma presente

Tempo 24 h

Lugar um
tragédia comédia
Tempo  passado épico Presente
Tipo social ou psicológico retirado
Personagem  extraídos da épica do mundo empírico

Com as conhecidas exceções: em As Nuvens de Aristófanes a


personagem é referencial, Sócrates; e, repitamos com Aristóteles,
nem todos os protagonistas das tragédias são referenciais

Curiosamente o aspeto ontológico pode coincidir, às vezes, com a


colocação temporal da fábula: o passado da épica (por ex. Ájax de
Sófocles, fl. 1200  445 a.C). com o presente da comédia (mais
uma vez, As Nuvens, 423 a.C., uma das personagens, Sócrates,
ainda vivia pois morreu 24 anos depois).
Idade Média
• Mencionada apenas para realçar como a receção é fundamental:
• Se já Platão se queixava dos seus contemporâneos que acreditavam ao pé da letra
à factualidade da épica homérica (colocando a questão da oposição entre leitor
culto vs. ingénuo)
• Estabeleçamos portanto que todos os poetas, a começar por Homero, imitam os
simulacros da virtude e todos os outros temas sobre os quais compõem as suas
obras, e não se baseiam na verdade […] Em todo o caso, damo-nos conta de que
este tipo de poesia não é para ser tomada a sério, como se compreendesse a
verdade e fosse importante, mas o ouvinte deve estar atento, temendo pela sua
constituição interior ".(Rep X 606-7)
• A dúplice receção (culta e não) será reproposta genialmente por Camões no episódios dos Doze de
Inglaterra, único caso em que narrador e recetores são elementos populares (cit. Artigo 1999)
• O mesmo pode-se dizer da Idade Média em que épica e história se confundem
(Historia Regum Britanniae vs romance de gestas – de cavalaria)
• O caso de El Cid é especial: as fontes são tanto orais como historiográficas.
El Cid Campeador
• O POEMA
• Fontes:
• 1) Culto do sepulcro e primeiras lendas (configuração definitiva por
volta de 1250).
• 2) Historia Roderici (primeira metade do século XII)
• 1) valor estético
• 2) valor histórico
• Composto entre a década de 1190 e 1207 por um clérigo Toledano. A objetividade
histórica é parcial.
• A HISTÓRIA • O POEMA
• Rodrigo (Ruy) Díaz • 1) Degredo Cid
• Vivar (Toledo) 1043/48 - Valência 1099 • 2) Conquista de Valência
• Vassalo proeminente de Sancho II entre • 3) Recompensa de Alfonso
1065-72. VI: casamento das filhas do
• Assassinato de Sancho Cid com os irmãos Carrión
• Casamento com Jimena Díaz (~1075) (nobreza leonesa).
• • 4) Humilhação das filhas e
Conflito e exílio (Saragoça) em 1079
por parte dos infantes
• Reconciliação com Afonso VI (Toledo, Carrión.
1085) e novos contrastes: exílio entre
• As filhas voltam a casar com
1087
príncipes de Navarra e
• Atividades autónomas no Levante que Aragão
levaram à conquista de Valência em 1094
• Morre em 1099
História vs. poema

• 1) O episódio dos Carrión e das filhas de El Cid é inventado (o


casamento final com os altos nobres navarros e aragoneses, pelo
contrário, corresponde à verdade Aragão e Navarra).
• 2) O facto de El Cid ter servido o rei muçulmano de Saragoça não é
mencionado.
• 3) A figura do herói é exaltada sem qualquer crítica (cf. Historia
Roderici).
Camões, Dante…
• E como já estamos na época da épica culta vamos dentro de uma questão
fundamental que é a tipologia (ontológica) das personagens de Camões,
todas referenciais: históricas ou mitológicas… se têm nome, se o não
têm então podem ser inventadas, como o caso do Velho do Restelo, que
é do Restelo só pela crítica, no poema é tão só “um velho de…. (cit.)”
• Mas um velho, de aspecto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando , […]
• A mesma maneira de proceder de um Dante Alighieri, aliás…
I-II Relato 7 Vasco da Gama, regedor da Ilha, Nicolau Coelho, piloto
Primário moçambicano, rei de Melinde, dois condenados.
analepse -
prolepse 2 Duarte Pacheco Pereira e Fernando Magalhães.
(Júpiter)
III-IV RP 0
analepse 30 Viriato, Conde D. Henrique, Afonso VI de Castela, D.
(Vasco da Teresa, Fernando Peres da Trava, D. Afonso Henriques,
Gama) Egas Moniz, Afonso VII de Castela, D. Sancho I, D.
Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III, D. Dinis, D.
Afonso IV, D. Maria, Afonso XI de Castela, Inês de
Castro, D. Pedro I, D. Fernando, Leonor Teles, Conde
Andeiro, D. João I, Nuno Alvares, D. Filipa de Lencastre,
D. Duarte, Infante D. Fernando, D. João II, Pêro da
Covilhã, Afonso de Paiva, D. Manuel.
prolepse -
V RP -
analepse 2 Fernão Veloso e Fernão Martins.
prolepse 4 Bartolomeu Dias, Francisco de Almeida, Manuel e
(Adamator) Leonor de Sousa Sepúlveda.
VI- RP 5 Piloto melindano, Monçaide, Samorim, Catual, Paulo da
VII Gama
analepse 2 Duque de Lencastre, Magriço.
(Veloso)
prolepse -
VIII- RP 1 Leonardo
IX
analepse 16 Sertório, D. Fuas Roupinho, Henrique de Bona, Teotónio
(Paulo da Prior, Giraldo Sem-Pavor, Martim Lopes, D. Mateus, D.
Gama) Paio Correia, Gonçalo Ribeiro, Vasco Eanes, Martins de
Santarém, Pêro Rodrigues, Rui Pireira, Infante D. Pedro,
Infante D. Henrique, Pedro de Meneses.
prolepse -
X RP -
analepse 1 rei de Meliapor
prolepse 25 Duarte Pacheco Pereira, Lourenço de Almeida,
(Ninfa) Francisco de Almeida, Mir Hocém, Tristão da Cunha,
Afonso de Albuquerque, Rui Dias, Diogo Lopes de
Sequeira, Duarte de Meneses, Henrique de Meneses, Pêro
de Mascarenhas, Vaz de Sampaio, Heitor Silveira, Nuno
da Cunha, D. Garcia de Noronha, Estêvão da Gama,
Martim Afonso de Sousa, D. João de Castro, D. João de
Mascarenhas, Hidalcão.
(Tétis) D. Gonçalo de Silveira, D. Cristóvão da Gama, D.
Filipe de Menezes, D. Pedro de Sousa.
Séculos XVI-XVII
• Mas é preciso dizer que (distinguindo entre Dante e Camões) que na
segunda parte do século XVI temos
• A) inversão do cânone aristotélico entre o que é mais real: a história
ou a ficção (cit. Poética) que é uma mudança de paradigma devida à
estética vigente durante a Contrarreforma:
• A mimese passa a entender-se como imitatio naturae e esta ideia será ser a
predominante ao longo dos séculos XVIII e XVIII. A partir desta abordagem,
a hierarquia aristotélica foi invertida: a poesia era inferior e subsidiária à
história porque a segunda narrava diretamente o real enquanto a primeira era
uma cópia em segunda mão. A verossimilhança tornou-se inteiramente
dependente da verdade histórica (Fernández 1998: 61).
• B) o desenvolvimento da disciplina histórica que já não é
testemunha direta e portanto história recente (cit. Lus.) (cit.
Lozano) mas a base, ou uma das bases, da ficção histórica.
B) o desenvolvimento da disciplina histórica que já não é
testemunha direta e portanto história recente mas a base, ou
uma das bases, da ficção histórica.
• Camões serve-se • Esta foi Lusitânia, derivada
sistematicamente de • De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
referências ao saber histórico • Filhos foram, parece, ou companheiros,
da sua época, mas fá-lo de • (III, 21.5-7, itálicos nossos)
maneira bastante crítica, •
como se pode reparar • Deste Anrique (dizem que segundo
cuidado que tem ao referir • Filho de um Rei de Hungria exprimentado)
factos históricos não • (III, 25.1-2)
suficientemente atestados:
• A visão camoniana da • Mas o velho rumor ― não sei se errado,
história se mostra devedora • Que em tanta antiguidade não há certeza ―
de Tucídides, pois o narrador • conta que a mãe, tomando todo o estado,
patenteia dúvidas em relação • Do segundo himeneu não se despreza.
a sucessos mais longínquos. • (III, 29.1-4)
Os séculos XVIII- XIX
• A questão torna a colocar-se no século XVIII. No entanto,
com o surgimento do romance moderno, de uma maneira
torna necessárias algumas considerações sobre o pacto
narrativo propostos por obras que hoje (e há pelo menos um
século) consideramos ficcionais.
Século XVIII

• Distinção de Clara Reeve entre novel & romance (1785)


• The romance is an heroic fable which treats of fabulous persons and things – the novel is
a picture of real life and manners, and of the times in which is written.
• O Castelo de Otranto (H. Walpole) vs. Robinson Crusoe ou Moll Flanders
parecem mais uma vez repropor a oposição entre colocação diegética no
presente ou no passado … e as suas personagens?
• Aparentemente as do passado são referenciais, até mesmo quando parecem
fantásticas (em O Castelo de Otranto: Manfredi, Corradino) e as do “novel”,
presente, inventadas.
• Mas não é bem assim: o pacto estabelecido por Defoe não pretende ser ficcional
(mostrar paratexto). A única diferença parece consistir na sua ITX (Manfredi e a
Divina Comédia) ou não.

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